Contando com as demonstrações de Cedric de que estavam a caminho de uma relação em que era vista como pessoa, e não a extensão da perversidade feita contra o povo de Eszter, Selene afastou o temor de que a qualquer momento seria novamente rejeitada por ele.

— Cedric, porque o reino segue o formato da Constelação Corvus? — perguntou para tirá-lo do transe, corando ao perceber que talvez chama-lo de forma ínttima naquele momento não seria o ideal. — Quer dizer... Rei Cedric... É que percebo que Eszter tem muitas conexões com corvos, então pensei...

Inclinando-se, Cedric a interrompeu tomando os lábios dela com os seus em um beijo amoroso. Ao erguer o rosto, o brilho vermelho tinha se extinguido e um suave sorriso enfeitava sua boca.

— Gosto que me chame de Cedric — disse esfregando o nariz contra o dela devagar, a respiração quente da boca acariciando os lábios femininos. Pensou que ele voltaria a beija-la, ansiava por isso, mas Cedric se endireitou, os braços estreitando-a. — Existe uma lenda que os primeiros Darkv, minha família, atravessaram essa montanha e tomaram conta dessas terras com a ajuda de poderosos corvos mágicos. Em troca pelo auxílio, aceitaram que as aves dominassem a montanha e organizaram as terras em homenagem a constelação que representa o reino do Grande Deus Corvo. Também por isso a espada da família — indicou a afiada peça junto ao corpo dele, embaixo da capa que usava —, tem a cabeça de um corvo no punho e ao longo do aço três estrelas, representando o rei, o povo e o a terra de Eszter.

Aodh soltou um grasno alto, chamando a atenção do casal para sua presença pousada em um galho seco. Logo depois se moveu garboso no galho, como se orgulhoso da história dos antepassados homenageados até no emblema de Eszter.

— Aodh é descendente dessas aves? — Selene questionou só por curiosidade, não se surpreendeu ao receber a confirmação, uma vez que explicava a conexão existente entre ave e humano.

—Todo futuro rei de Eszter, antes de ser coroado, deve subir a montanha e buscar a aprovação de um corvo, com o qual se conectará até o fim da vida — Cedric contou observando Aodh.

— E se não conseguir?

— Então não é digno de reinar e deve permanecer aqui até conseguir, ou até outra pessoa ser aprovada.

— Sério? — Selene o encarou com olhos arregalados, não crendo em uma superstição que custava o reinado. — Quanto tempo você permaneceu aqui?

Cedric abaixou o olhar para ela, um sorriso quente estendendo-se em sua face.

— Na verdade, assim que cheguei ao pé da montanha Aodh pousou em meu ombro. — Como para confirmar, o corvo voou e se empoleirou no ombro de Cedric, soltando um "Edric" alto. — E eu o batizei em homenagem ao Deus do fogo, elemento que possuo em meu centro elemental. — Acariciou as asas do corvo. — Vim após a morte dos meus pais, temendo ser indigno da graça dos Deuses, por ter abandonado o palácio quando fomos atacados. Então Aodh me escolheu e juntos reerguemos Eszter.

Selene apreciou a demonstração de afeto entre os dois e a estranha crença. Talvez, se seu pai dependesse somente de ser digno para reinar, e não da feitiçaria malévola de Mamba, Magdala não tivesse caído em desgraça, sua mãe estaria viva e ainda teria a família amorosa de sua infância.

~*~

Percebendo uma estranha movimentação na muralha, Tristan andou devagar até quatro soldados conversando com Gael, o estrategista do reino, que até aquele dia só tinha pisado no local em emergências e acompanhando por Ayala, Cedric ou ambos. Olhou ao redor e não viu nem a feiticeira e nem o rei, o que, junto com a expressão indignada do conhecido apático Gael, aumentou sua desconfiança.

— Entendam a gravidade da situação em que nos encontramos. O rei Cedric está sendo relapso com seus deveres e perdendo tempo com assuntos que não condizem como ideal para a segurança do reino — bradou Gael com gravidade. — Influenciado por Selene, ordenou que parássemos de buscar formas de destruir Phelix. Em vez disso, ele nos instruiu a investigar um feiticeiro sem valor.

Os soldados olharam uns para os outros, surpresos com as palavras de Gael. Tristan franziu o cenho, sem entender completamente o motivo da agitação e acusação feita pelo estrategista.

— O reino em chamas e o rei se trancou no quarto com aquela mulher, a filha do nosso inimigo. Está deixando de lado as responsabilidades para se dedicar a ela.

— Estão fazendo os futuros governantes de Eszter — Tristan brincou com um largo sorriso, para amenizar o clima tenso e conspiratório entre Gael e os soldados.

Em um rompante incomum a sua personalidade, Gael gargalhou.

— Ela está ha quase um ano em Eszter, no último mês não saiu das acomodações reais, e nada de herdeiros — indicou lançando ao cavaleiro e melhor amigo do rei um olhar desdenhoso. — A filha do demônio deve ser seca, incapaz de nos dar um novo rei.

— Esse é um comentário perigoso a se fazer — Tristan alertou não gostando do que Gael dizia.

No entanto, seus colegas de vigilância não compartilhavam de sua precaução e respeito à esposa do rei.

— Uma mulher incapaz de dar um herdeiro ao trono não passaria do primeiro mês ao meu lado — um se atreveu a dizer.

— Sim. Deve ser infértil. O rei está casado há meses.

Tristan estreitou o olhar, incerto de qual dos amigos o comentário era direcionado. Mas, indiferente se era sobre Cedric ou Selene, os soldados e Gael corriam um risco alto e tinha de fazer algo para evitar que aquelas acusações se alastrassem pelo reino.

— Aquele sujeito pensava da mesma forma que vocês — avisou apontando para a cabeça se decompondo em uma estaca perto do portão da fortaleza.

Os soldados engoliram em seco. No entanto, Gael não parecia se importar com as consequências de suas palavras desmedidas.

— Entendo sua lealdade ao Rei Corvo, mas devemos estar atentos às consequências das escolhas dele. Nossas vidas e o destino do reino estão em jogo.

Com o cenho franzido, Tristan observou Gael se afastar. Havia algo errado com o estrategista. E não eram os comentários depreciativos e acusatórios que alertavam isso. Em dez anos trabalhando ao lado de Gael nunca o ouviu se referir a Cedric como Rei Corvo. Essa era uma denominação dada pelo povo e pelos inimigos do reino. Deixando de lado sua função na muralha, retornou para o palácio.