A muralha terá uma decoração nobre
A semana não seria nada fácil, Cedric, concluiu lançando um olhar aborrecido ao longo da mesa no salão principal, em que os nobres de seu reino tinham de repassar as informações diárias das cidades-feudo. Pelas telas mágicas recebia olhares de censura e apontamentos incompreensíveis.
Tendo definido o que precisavam para a defesa, os nobres decidiram que era o momento de falar sobre o ataque sofrido por Selene, a condenação dada ao agressor e a recente tentativa de fuga de sua esposa.
Mesmo querendo se poupar do aborrecimento, os deixou falar, disposto a acabar com possíveis falatórios no reino, quando precisavam de todos focados em Phelix.
Cedric supôs que questionariam a segurança da fortaleza, de como os guardas permitiram que Selene fosse atacada e depois quase fugisse, junto com indagações de como garantiria que o mesmo não ocorresse novamente. Segurança era um tema sensível em Eszter desde que as terras foram invadidas e destruídas anos atrás, e eram ainda mais importantes com Phelix tendo invadido uma das cidades-feudo.
Não poderia estar mais enganado.
Os nobres, mesmo com floreios, eram unanimes em indicar que se excedeu na condenação contra o agressor de Selene.
— Um cidadão de Eszter tem seu valor, mesmo que cometa um erro. — Visconde Hiran expôs, os dedos finos levando a quinta taça de vinho aos lábios antes de sinalizar ébrio: — Colocar a cabeça dele na muralha dará a impressão errada ao povo.
— Hiran tem razão — Marques Castore, de olhar cansado e fala morosa, acenou em concordância com Hiran.. — Entendemos que atacou a princesa, mas acreditamos que nos fez um favor, embora não tenha completado o serviço. Assim como o pai, Selene Volun é um perigo para Eszter. Certamente tentou fugir para levar informações da muralha ao inimigo.
Sentando em seu trono, Cedric franziu o cenho, os dedos tamborilando no punho da espada.
— Um cidadão de coragem assim seria útil agora que a guerra ameaça reiniciar — Hiran soltou, destacando com enojo: — Enquanto a princesa de Magdala não passa de um incômodo fardo em nossas terras.
Cedric, não se surpreendeu em ouvir algo assim do visconde, um sujeito fanfarrão que pouco contribuiu durante a guerra, além de envia uns poucos membros de seu feudo. Com exceção da Duquesa Jan, os demais mandaram aldeões despreparados e magros para defendê-los, mantendo seus traseiros escondidos debaixo das camas.
O que era um dos motivos para odiar tê-los ao seu redor condenando, mesmo que discretamente, uma decisão sua e desejando descaradamente a morte de Selene.
Indiferentes ao desprezo borbulhando dentro do Rei, as críticas de Hiran e Castore se erguiam sem controle pelo salão.
— A filha de um demônio só traz desgraça ao nosso reino — Castore declarou, acrescentando sem piedade: — Antes tivesse morrido.
— Sim, nos pouparia muitos problemas.
Do lado esquerdo do Rei, Ayala observava e ouvia tudo com serenidade, sentindo as vibrações se moverem em redemoinhos, uma se destacando acima de todos. Aqueles nobres colocavam lenha na fogueira sem perceber que podiam se queimar.
Enquanto a desconfiança crescia entre os lordes das terras do Leste e do Sul, a Duquesa Jan, representante das terras do Norte, se opôs ao declarar com desaprovação:
— Penso o contrário. Por mais que odeie Phelix, creio que atacou Eszter não por culpa dela, mas por sentir que não fizemos o suficiente para protegê-la — disse deslizando nervosamente os dedos pelo colar de esmeraldas que brilhavam magníficas em sua pele marrom.
Embora não acreditasse que Phelix se importava com Selene, Cedric agradeceu em silêncio o apoio de Jan.
— Estupidez! — o visconde declarou batendo os punhos fechados em sua mesa, o movimento fazendo-a tremer e o copo do lado tombar, tingindo a toalha branca com o líquido carmim. — Aquele monstro sequer visitou a filha durante os dez meses em que ela está em nossas terras. Merecemos uma rainha de verdade! Mate a princesa do reino inimigo e case com outra mulher.
— Isso — Castore juntou-se empolgado. — Minha filha, Suntex, está em idade...
— Calem-se! — Cedric exigiu a mão direita fechada na cabeça de corvo. Hiran e Castore fizeram exatamente o que foi ordenado, trêmulos e surpresos pela raiva que tingia os olhos do rei de vermelho. — Selene não tem responsabilidade pelas escolhas de seu pai. Devemos nos unir para enfrentar essa ameaça, não questionar a lealdade da rainha Selene — destacou o título que os lordes e a maioria em Eszter – incluindo ele dias antes – faziam questão de ignorar. — Selene é a minha única rainha — declarou irritado. — E caso ouça mais uma sugestão como as que ouvi hoje, a muralha terá uma decoração nobre a apresentar ao povo de Eszter.
Ergueu-se, indicou que a reunião estava acabada e encaminhou-se para a enorme janela com vista para o pátio central da fortaleza.
Espremendo os dedos no punho da Estrela da Morte, Cedric, observava os aldeões andando de um lado para o outro, vendedores, forjadores, um mar de pessoas, dentro e fora da fortaleza, cuidando de suas vidas confiantes de que o rei zelava pela segurança deles. Aquelas pessoas seriam as primeiras a juntar-se ao exército em caso da guerra se confirmar, enquanto os nobres se banqueteavam, declarando preocupação por aqueles que morriam por eles e desejando a morte de quem proporcionou a paz, mesmo que por um curto espaço de tempo.
Deslizando o indicador pelo lábio inferior, recordando da maciez e doçura dos beijos de Selene, ponderou sobre como protegê-la quando a maioria do povo a viam como uma estranha, uma intrusa em Eszter. E a situação dela no reino tornava-se pior após o ataque de Phelix.
Observou um grupo de cinco crianças brincarem de espada, ignorando alegremente o turbilhão político que se desenrolava nas entranhas do reino. Teve certeza que mesmo aquela inocentes crianças temiam e rejeitavam Selene por ser filha de Phelix, o Perverso.
Seu olhar, antes firme como aço, ostentou a sombra da culpa. Reconhecia a negligência em suas ações passadas, por permitir e incentivar indiretamente que o povo de Eszter desenvolvesse ressentimento e desprezo contra Selene, que vissem nela o demônio que assassinou seus entes queridos na calada da noite.
"Prometi protegê-la e cumprirei a palavra", determinou-se mesmo incerto de como fazer isso quando Phelix rondava suas terras, espalhando medo e atiçando o povo de Eszter contra Selene.
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