Benção
O esperado para alguém que dedicou algumas boas horas de vida a colocar uma vida no mundo, suando profusamente, com resmungos de força sendo observada por médicos, seria o descanso. Afinal, o corpo — apesar de biologicamente preparado para isso —, estaria se recuperando de dar à luz.
Porém, não sou uma pessoa comum.
Mesmo com tubos ligados aos meus braços e a força parcialmente esvaída, segurava Toji pela gola do pescoço e olhos de fúria. Não acreditando na informação que meus ouvidos acabaram de ouvir.
— Você deu um nome de menina para meu filho, seu idiota!
— É um bom nome, importa muito se alguém disse se é de menina ou menino? — Sem se afetar por isso, o homem segurou minhas mãos as soltando — Estamos num hospital, se comporte.
Senti minha cabeça virar, uma tontura eminente, fechei os olhos deixando o corpo cair batendo as costas contra a cama do hospital. Respirei fundo achando estranho as mudanças repentinas no corpo, me sentia estranha como se ele não fosse o meu, como se fosse uma alma transposta.
Toji ainda tinha minhas mãos nas suas, as segurando com firmeza no meu colo.
— Disse querer que ele tivesse uma vida diferente da nossa, levar benção no nome me parece um bom começo — o tom em sua voz, foi suave. Quase como uma confissão, um pensamento guardado há muito tempo e então foi dito pela primeira vez.
Megumi.
— Você não pensou nesse nome sozinho — mantive os olhos fechados, escolhendo não encarar seu rosto enquanto estávamos de mãos dadas.
— Digamos que foi alguém que conheci, não vai querer saber o resto — afirmou seus dedos traçando a palma das minhas mãos com cautela — você... Está bem?
— Nunca pari antes para ter um comparativo — tomei coragem e o encarei. O homem estava próximo, seus olhos verdes com algo que julguei ser preocupação. — Mas acho que sobrevivo.
— Isso é bom de ouvir.
A porta do quarto de hospital se abriu e por ela passou uma enfermeira, ela não era muito alta, tinha bochechas redondas e coradas, estava com os cabelos presos num coque e dava passos curtos.
— Já acordou mãezinha? — perguntou com um sorriso simpático e uma voz doce, quando me viu desperta.
Teria a cumprimentado como uma pessoa descente, mas meus olhos grudaram no carrinho de recém-nascido que estava com ela e a minha voz pareceu sumir.
— Bem a tempo de ver seu bebê, é seu primeiro filho?
— Sim — e único também. Completei mentalmente.
Ela manteve a feição simpática e se aproximou, nisso Toji soltou minhas mãos se mantendo de pé ao lado da cama.
— Aqui, mantenha seus braços desse jeito, e não se esqueça de apoiar a cabeça — a enfermeira ajeitou meus braços — Você parece uma mulher forte, então cuidado.
Ela pegou o embrulho azul o colocando nos meus braços em seguida, travei os dentes e também meu corpo pareceu paralisar. Megumi era pequeno, tinha um tufo de cabelos escuros na cabeça e parecia como todo bebê recém-nascido, sem cara de nada. É diferente de o carregar escondido no ventre e finalmente o ter nos meus braços.
O bebê se mexeu um pouco e fez a menção de chorar. Em pânico me virei para a enfermeira.
— O que faço?
Novamente ela se aproximou, ajeitando mais uma vez a posição, dizendo com a mesma voz suave, como se eu fosse a recém-nascida. E talvez em algum sentido metafórico eu realmente fosse.
— Você o ama, protege, cuida para que seja feliz. Sua vida não é mais inteiramente sua, é estranho e assusta no começo, mas vale a pena cada pedaço do caminho. Até quando eles choram, mas você não parece que terá problema nessa parte.
— Como pode dizer isso?
— Sou mãe de três, já vi bebês o suficiente para saber. Seu pequeno Megumi parece ser bem tranquilo nesse aspecto — respondeu dando alguns tapinhas na minha mão —, agora. Vou chamar a médica, e avisar que acordou.
A mulher saiu do quarto deixando a nós três sozinhos.
— Eu não sou um especialista, mas afogar uma criança nas próprias lágrimas não é bom.
— Não estou chorando.
Toji levantou a mão para meu rosto, usando as costas das mãos para limpar minha bochecha — Sim, você está.
Uma única lágrima derramada, pareceu ser a chave para os anos de sentimentos acumulados. Não sabia dizer se o choro era de felicidade, de medo, era todo o sentimento que ficou preso atrás dos meus olhos quando descobri que estava grávida. Queria pedir desculpa por Megumi ter nascido de uma mãe como eu, numa vida incerta com mais sangue nas mãos do que a maioria das pessoas.
Meus dedos se curvaram sobre o cobertor do bebê e eu olhei para o teto, uma risada seca deixando a minha boca.
— É engraçado. Se um ano atrás alguém me dissesse que seria mãe, ficaria provavelmente sem língua para dizer um absurdo como esse novamente. Já era ruim o suficiente ter minha família me vendendo para os Zenins.
— E agora? — Toji perguntou com uma curiosidade genuína.
— Mato qualquer um que tentar encostar nele — tombei a cabeça para o lado e olhei em seus olhos — o acordo que você fez comigo. Me promete que cuidará dele também...
Estendi os braços praticamente o forçando a pegar Megumi no colo, assim como eu ele não parecia saber o que fazer direito com as mãos e pela primeira vez na vida presenciei Toji Zenin completamente aterrorizado. Essa seria uma memória que eu guardaria no fundo da mente com certo carinho.
— Sei que ele vai ser forte por ser nosso filho, mas até isso acontecer precisa ter alguém excepcional o suficiente do lado dele.
Toji franziu — Por que esta falando como s-
— De todas as minhas pacientes, você é a mais vigorosa delas — a médica que aparentemente acompanhou meu parto de aproximou —, como estão suas pernas. Ainda sente a anestesia?
Balancei a cabeça negando, vendo a enfermeira simpática — que era praticamente a metade do tamanho de Toji — o educar em como segurar uma criança de uma maneira quase feroz.
A médica balançou a cabeça e voltou a atenção para mim, fazendo algumas outras perguntas em relação a minha condição.
— Seu filho parece saudável apesar de um pouco pequeno, vamos fazer alguns exames apenas para garantir. Como foi sua alimentação durante a gestação?
— Complicada — engoli seco —, nos primeiros quarto meses.
— Entendo, com licença — com as mãos ela apalpou meus seios e fez mais algumas perguntas, se as situações que sofri na vida não fossem o suficientes, agora tinha três pessoas comigo num quarto enquanto meu torso estava nu.
— Para alguém do seu tamanho, seu busto teria crescido alguns números com a produção de leite materno, mas parece que esse não foi o caso. Não tem nada de errado, acontece em alguns casos, então vou passar algumas fórmulas para você poder alimentar seu bebê nesses primeiros meses.
Ela passou mais algumas orientações e disse quem voltaria em mais ou menos 24 horas, se estivesse tudo bem estávamos liberados. Megumi acabou dormindo enquanto nos braços de Toji e foi colocado no carrinho em seguida, assim que ficamos sozinhos novamente vi um conjunto de caudas surgir na ponta da cama.
— É Kiran — disse quando Toji reagiu na direção dela, apesar de não a enxergar
A Kitsune apoiou as mãos no chão do hospital e abaixada se aproximou do pequeno com curiosidade, suas mãos com pontas de garras seguraram na borda do berço e ela sustentou a cabeça bem acima de Megumi.
— Seu filhote... É limpo. Não tem nenhum traço de Amarate nele.
Meus ombros soltaram um pouco em alívio — Isso é uma notícia boa. Agora que dá para processar o que aconteceu, sabe porque Nichiro de repente tentou me atacar?
Kiran continuou olhando o bebê, mas não se ausentou de responder — Ele era um impuro e perverso, como no poema, Amarate tomou o corpo dele quando você o tocou.
— Por que agora? — rebati — Por que não antes?
— Não sei, não sinto a energia dela em você. Não mais do que já estava, então não sei dizer.
Levantei a mão livre da marca para o rosto — Ótimo, mais essa para resolver. Suponho que Minori deva começar a vir atrás de mim imediatamente.
As orelhas da raposa tremeram, e um sorriso se abriu em seu rosto — Talvez, mas agora tem a minha energia com você.
Foi então que algo passou pela minha cabeça — Kiran o que aconteceu com Nichiro, pode acontecer com outras pessoas?
A kitsune se levantou e então subiu na minha cama se sentando sobre as pernas — Não sei, nunca tive uma feiticeira como você.
— O que aconteceu com seu tio? — Toji esteve ouvindo apenas um lado da conversa, então não sabia realmente o que aconteceu.
Brevemente expliquei tudo que Kiran me disse antes de sumir novamente, passando também pela parte de Megumi não parecer ter qualquer resquício de Amarate. Estiquei a mão para o carrinho de bebê acariciando o rosto do meu filho com a parte de trás do dedo indicador.
— As coisas ainda vão ficar complicadas por um tempo, mas sabe de uma coisa? — virei a cabeça para Toji — Me sinto levemente mais tranquila de estar por perto, não muito, só um pouco.
O homem soltou o ar junto de algo que soou com um riso e abaixou a cabeça levantando uma das mãos para a nuca — É estranho ouvir isso, sendo que pouco tempo atrás ainda parecia querer arrancar minha cabeça.
— Ainda tenho vontade — respondi —, ocasionalmente. Vou poder me movimentar como antes em breve, então tome cuidado.
— Em breve?
— A energia de Kiran me ajuda a recuperar, só não cura feridas abertas.
Senti meus olhos pesarem e momentaneamente o corpo ficar mais pesado, tentei me manter acordada me ajeitando na cama do hospital. Mas a mão de Toji me parou.
— Vou ficar de olho, em vocês dois, pode descansar.
Senti um toque no meu rosto e então foi como se todos os pensamentos fossem desligados e tudo que restou foi o caminho em direção a um sono profundo. Não consegui abrir a boca para pedir para que me acordasse se algo acontecesse, então apenas deixei o rosto alinhado em sua mão e fechei os olhos, esperando que ele entendesse a palavra que não foi dita em voz alta.
Obrigada.
N/A: Eu não quis parar muito no parto, porque não é o foco, no geral a gravidez dela passa bem suavemente em descrições justamente por não ser o ponto principal e sim as relações das pessoas.
Estamos caminhando para o fim!!
Especial pra essa semana, como eu imagino a Kiran.
Obrigada por ler até aqui! Se possível deixem seus comentários, me ajuda a saber se está bom ou não.
Até mais, Xx!
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