parte 3: seja o nosso sempre
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Enquanto lia o livro recomendado pelo Kim, aproveitando que na livraria tinha pouquíssimo movimento, percebi muitas coisas sobre Woosung que até agora me pareciam total besteira, mas que se mostravam o contrário quando eu parava para pensar sobre. Foi em meio às palavras de um escritor que eu nunca ouvira falar que, pude conhecer um pouco mais de Woosung.
A culpa é das estrelas não era um livro chato sobre astrologia; era um romance sensível e delicado, que lhe fazia pensar sobre a vida, sobre o amor, sobre as limitações que impomos a nós mesmos, sobre viver, mesmo que seu tempo seja curto. Eu estava errado em dizer que o Kim possuía um gosto questionável para livros, mas, nunca diria isso em voz alta.
Assim que o relógio da livraria fez o tempo avançar até as cinco da tarde, e eu já organizava a última prateleira, pronto para ir embora o mais breve possível, uma cabeleira esbranquiçada aparece ao meu lado. No primeiro instante, enquanto eu estava de costas, achei que fosse alguma senhora, pois normalmente apareciam muitas na livraria, em busca de livros de receitas e de poesia.
— Agora você consegue alcançar a parte superior das estantes.— a voz de Woosung me fez dar um leve salto, surpreso. — É engraçado ver você organizando a seção de romance.
Eu não sabia o por quê de ele estar ali, no meu serviço, com seu sorriso bobo e camisa com estampa de flamingos. Era uma camisa de botões horrível e ficava pior ainda com a bermuda jeans larga que ele usava, mas ainda sim combinava com ele. Era um mosaico que formava a imagem perfeita da personalidade do Kim.
— Por qual motivo? É por eu preferir livros científicos, com fatos e coisas a acrescentar do que dramas adolescentes? — rolei os olhos, colocando em ordem todos os exemplares de A Seleção que eu tinha nos braços, e que antes estavam na caixa ao lado dos meus pés.
— Não, mas sim porquê você parece um daqueles velhos rabugentos que diz que o amor é apenas um monte de hormônios. — ele riu, de braços cruzados, analisando minha expressão de poucos amigos.
— Mas, eu não estou certo? O amor é apenas um monte de hormônios, liberados com um único propósito: reprodução. — respondi simplista.
— Você já namorou? — Woosung franziu o cenho, não tirando o sorriso dos lábios finos um segundo sequer.
— Não tenho tempo para esse tipo de coisa. — coloquei o último livro na estante, soltando um suspiro aliviado por finalmente ter acabado, lembrando de todas as vezes em que, possívelmente, parti corações dizendo a mesma frase. Eu apenas queria ir para casa, tomar um banho relaxante e dormir, mas minha resposta pareceu acender algo no Kim, que desmanchou o sorriso.
— Você não tem tempo para esse tipo de coisa, ou você arruma desculpas para não ter tempo? Não digo apenas sobre a questão do namoro, mas sobre tudo. — Woosung me seguiu entre as estantes. — Você está deixando sua vida ir, enquanto inventa desculpas. Achei que fosse mais inteligente que isso, Hajoon. — ele falava em tom baixo, a voz calma e o olhar penetrante. — Você ainda age como uma criança medrosa.
Parei e o encarei. Fazia apenas um dia e meio que Woosung havia voltado para minha vida. E eu sabia que ele não tinha o direito de falar aquilo, e ele sabia disso também. Woosung tinha uma vida diferente, conceitos diferentes dos meus e não me conhecia o suficiente. Quem aquela peste pensava que era para falar esse tipo de coisa?
Peguei minha mochila e saí da livraria em passos rápidos, com Woosung ainda atrás de mim.
— Apenas cale a boca, e se preocupe apenas com sua vida. — eu disse, já irritado. Estava irritado com Woosung e comigo mesmo. Nem esperei Jae sair da biblioteca e nem fui atrás dele para irmos embora juntos, apenas segui para casa, com o Kim andando calmamente atrás de mim.
Não falei com Woosung pelo resto daquele sábado, e também não lhe disse uma frase além de "bom dia" e "boa noite" durante a semana. Estava mergulhado nos estudos, sendo perturbado por Dojoon e Jae, e também com muitas dores nas costas por dormir no chão. Woosung também não tentou conversar comigo, talvez, nos primeiros dois dias ele tenha tentado dizer algo além de "posso apagar a luz?", mas eu realmente não estava disposto a conversar com a peste. Meu ódio por ele, que havia começado a se dissipar sábado de manhã, já tinha voltado ao seu estágio inicial.
— Existem duas coisas que eu nunca vou entender na minha vida: (1) Donnie Darko, (2) química e (3) o ódio do Hajoon pelo Woosung. — Dojoon enfiou um punhado de pipoca na boca. Estávamos os três: eu, ele e Jae, deitados na cama do mais novo, comendo pipoca enquanto víamos uma animação que o próprio Dojoon havia escolhido, que o enredo era basicamente, uma garotinha que ia parar em um lugar estranho e tinha que encontrar seus pais, nada interessante a princípio, porém, eu estava fascinado pelos personagens.
— De todos esses, o mais complexo é o ódio do Hajoon. — Jae jogou a perna sobre mim.
— Minha teoria é que: todo esse ódio na verdade é amor reprimido, fim.
— Cale a boca. — joguei pipoca em Dojoon, e voltamos a assistir ao filme. Eu não sentia nada, além de ódio, por Woosung.
Por volta das dez horas da noite, eu pulei a cerca do jardim de casa, e quase acordei a vizinhança com um grito quando dei de cara com Woosung no meio do gramado.
Não conversávamos a dias, apenas trocávamos olhares e acenos. Eu me sentia incomodado com tanto silêncio, mas a barulheira das conversas escandalosas da minha mãe e de Hyeju me impediam de sentir isso por muito tempo. Só que, ali, no jardim da minha casa, as dez da noite, só tínhamos eu, ele e as luzes da rua e da varanda.
Nunca pensei que me sentiria mal por não dirigir uma palavra a Kim Woosung, logo eu, que apenas desejava que ele voltasse para a Califórnia e me deixasse em paz novamente.
— Desculpe. — ele quebrou o silêncio. — Eu não queria te deixar chateado, às vezes falo sem pensar. — sorriu sem graça, batendo a mão na grama, ao lado de seu corpo, num sinal para eu me sentar ali. Senti toda a minha armadura anti-Woosung se esvair assim que ele me direcionou um olhar tristonho. Talvez, ler A Culpa é das Estrelas quatro vezes naquela semana, tenha me feito virar uma manteiga derretida.
Me sentei ao seu lado, o silêncio que predominava não era tão incômodo mais; estar tão próximo dele me lembrava nossa infância, quando corría-mos um atrás do outro por causa de uma briga boba. Olhei para ele e para seus braços descobertos, as estrelas mortas nunca fizeram tanto sentido. Ele cantarolava uma música, os pés cobertos por uma meia de cor clara balançando na grama e o calor emanando dele naquela noite fria. Parei e pensei nas palavras dos meus amigos. Eu e ele havíamos tomado rumos tão opostos. Percebi então, que não odiava mais Woosung, eu odiava pensar que sempre estaria abaixo dele, mas ele não tinha culpa nenhuma por isso. Não havia mais como nos comparar, e isso me deixava feliz.
— Me desculpe também, acho que tenho sido um idiota com você desde que chegou. — com dificuldade, finalmente disse.
— Talvez, "desculpe" seja o nosso sempre. — ele tirou a caixinha de cigarros do bolso, pegando um e brincando com ele na mão, enquanto sorria para o céu. Ele provavelmente havia notado a lanterna do meu celular ligada durante as noites anteriores, quando eu tinha um exemplar recém adquirido da obra de John Green nas mãos e lia silenciosamente, apertando os olhos por causa da pouca claridade.
Eu deitei na grama, e encarei o céu noturno. Ficamos em silêncio por minutos, até eu começar a bocejar e me despedir da companhia de Woosung.
Nas semanas que se seguiram, eu já não me irritava com ele tão frequentemente. Confesso, às vezes eu tinha uma recaída e o xingava de todos os palavrões possíveis, mas, na maior parte do tempo, parecíamos até melhores amigos. Dojoon e Jae estavam levemente enciumados, mas era só eu mencionar algo relacionado a comida, que ambos esqueciam completamente esse assunto.
Nesse tempo que passei com a ex-peste, descobri coisas sobre Woosung que nunca pensei: ele teve uma banda, já havia pintado o cabelo de todas as cores possíveis e era assumidamente bissexual.
Não que isso fosse algum problema, mas quando ele falou tão abertamente que beijava mulheres e homens, eu percebi que havia muita coisa que eu não sabia sobre esse Woosung.
— Teve uma vez em que eu estava com um garoto no meu quarto, minha mãe entrou para nos oferecer biscoitos e me pegou sentado em cima dele, enquanto ele tirava minha camisa. — ele ria enquanto abraçava meu hipopótamo de pelúcia e eu, que estava deitado ao seu lado, na minha cama, arregalei os olhos, rindo junto. — Foi assim que ela descobriu que eu não beijava apenas garotas.
Woosung possuía muitas histórias malucas sobre sua adolescência, ele me contava entre risadas sobre todas as festas, trotes e brigas que venceu, durante o colegial. Eu, que não havia participado de nada disso, me sentia parte da vida dele apenas em ouvir.
— Agora, me conte sobre você, Hajoon.
E eu contei. Falei do meu medo de aranhas, da minha habilidade na bateria e no canto, e também do quanto eu odiava geometria. Ele ouviu cada palavra em silêncio, as vezes soltando uma risadinha, e depois fez carinho nos meus cabelos, como se eu ainda fosse uma criança.
Nessa noite, em que conversamos como verdadeiros amigos, eu não precisei dormir no chão, pois eu e ele dividimos a minha cama. Ele, abraçado ao hipopótamo de pelúcia, e eu, com minhas costas agradecendo por finalmente estar em uma superfície confortável.
Quando percebi, já nem parecia que eu havia o odiado algum dia. Nós tomávamos café-da-manhã juntos, conversávamos sobre o espaço e sobre livros, assistíamos filmes e brigávamos por alguma bobagem antes de dormir; ele também me buscava na livraria todos os sábados, e vínhamos conversando com Jae o caminho inteiro. Em pouco tempo, ele já tinha se tornado parte da minha vida, assim como anos antes só que, dessa vez, eu gostava de tê-lo como amigo.
Durante a semana íamos até a casa de Jae e jogávamos com ele e Dojoon, vez ou outra os três faziam piadinhas sobre meu extinto ódio, e eu apenas os mandava calarem a boca. Nós dois, quando era por volta das duas da tarde, deitávamos no gramado do jardim e olhávamos para as nuvens, coisa que fazíamos quando pequenos.
— Aquela ali parece um peixe! — ele dizia apontando para o céu, enquanto o desenho era desfeito pelo vento. Eu sorria para ele, sem perceber.
— Parece mais uma cenoura, olha direito!
Woosung, com seus cigarros não acesos, tatuagens de estrelas mortas e seu amor por A Culpa é das Estrelas, definitivamente era uma daquelas equações difíceis que eu não conseguia resolver e, por incrível que pareça, não queria. Eu me surpreendia todos os dias com algo novo sobre ele.
De certa forma, ver Kim Woosung tão feliz por ser um péssimo exemplo a ser seguido, me fez refletir sobre minha própria felicidade. As palavras dele nos dois primeiros dias, as ações dele acerca de tudo. Pela primeira vez em anos, pensei em mim, no que eu queria, quando ele me questionou sobre meus sonhos, em uma tarde de quarta-feira.
— Quem é você, Hajoon? É apenas a projeção dos desejos dos seus pais?
Minha mãe queria que eu fosse o melhor em tudo, queria que eu fosse o mais inteligente e educado, que eu fosse um advogado, que me casasse com uma mulher bonita e a enchesse de netos. Eu não queria nada disso, mas havia aprendido a querer, pois assim poderia saber que mamãe estava orgulhosa e que papai poderia dizer na roda de amigos que seu pestinha havia virado um homem.
— Eu sou um bom filho, sou um aluno exemplar, sou um bom partido.
— Você pode ser tudo isso, mas você não é você mesmo. — Woosung me cortou, deixando uma das canetas que ele utilizava para batucar na minha mesa de estudo sobre um livro aberto. O encarei, deixando o Código Penal de lado. — Desculpe, mas eu realmente não entendo, eu só...
E realmente não era algo fácil de entender, nem mesmo eu entendia. Trocamos olhares por alguns minutos, eu sentado na cadeira e ele ao meu lado.
Talvez por algum rompante, por eu estar com sono ou por eu realmente me permitir fazer algo que desejava naquele instante; os lábios dele estavam perto, perigosamente perto, e eu quis beijá-lo — só por pura curiosidade científica, que fique claro —, então apenas virei o rosto e encostei meus lábios nos dele. Era uma sensação nova, eu já havia beijado garotas, mas nunca sentia algo daquele jeito, com aquela intensidade, nunca pensei em beijar garotos, mesmo que meus amigos dissessem para experimentar, pois eu não achava a menor graça nas curvas femininas, mas lá estava eu, sentindo como se flutuasse no espaço.
— Desculpe. — eu disse assim que nos separamos, sentindo as bochechas quentes, com toda a vergonha do mundo caindo sobre mim naquele instante.
— Woah, por essa eu não estava esperando. — Woosung sorriu, passando as mãos pelos cabelos descoloridos. — Mas eu gostei, gostei bastante. Não vou te desculpar por isso, a não ser que me dê outro, assim eu posso pensar no teu caso, Hajoon.
Eu ri, e lhe dei um tapa, não me sentindo verdadeiramente culpado por fazer algo que minha mãe diria com todas as letras ser "errado". Deixei o Código Penal de lado, e pensei se seria uma boa ideia virar um mal exemplo como Woosung também.
Ele e Hyeju se mudaram para a casa nova alguns dias depois, eu fui os visitar logo depois da mudança, levando um buquê de rosas, que a Dona Kim fez questão de colocar num vaso e deixá-lo no quarto de Woosung. Nós dois nos víamos com menos frequência após isso, e eu sentia como se ele estivesse distante novamente.
— Jaehyeong, pode me pagar! — Dojoon berrou, assim que terminei de falar.
— 'Tá bem, 'tá bem. — Jae pulou da cama, pegando o cofrinho em formato de porco e jogando uma nota para o mais velho.
— Pagar o que? — perguntei com os braços cruzados.
— Apostamos que você ia acabar apaixonado por ele. — Dojoon falou, colocando a nota no bolso da calça. Fiz uma careta. — Ah, nem vem Hajoon. (1) eu sempre soube que você não era hétero coisa nenhuma, pois tá escrito "sou do vale homossexual" na sua testa, (2) Woosung é um homão da porra e (3) o ódio e o amor andam lado a lado, meu amigo. Agora eu tenho dez pratas, e você um futuro namorado. E nem vem com essa de "amor é apenas um monte de hormônios" não.
Com amigos como esses, quem precisa de inimigos, não é? Tentei negar tudo, mas não adiantaria nada, pois, segundo Jae, eu estava com todos os sintomas de alguém apaixonado, eu só precisava aceitar aquilo.
Olhei para as estrelas naquela noite e pensei nele. No nosso "sempre" e nos momentos que compartilhamos.
Eu realmente estava gostando dele, e talvez isso me fizesse estar mais perto ainda de ser um mal exemplo, mas eu não estava ligando para isso.
Beijei Woosung outras incontáveis vezes quando o fui visitar, e vice-versa, até sermos pegos pela mãe dele, na cozinha da casa, quando eu dei a desculpa esfarrapada do "vou beber água". Dona Hyeju riu, disse que sabia que isso iria acontecer — não sei porque todos dizem isso — e que Woosung gostava de mim desde quando éramos crianças.
Descobrir que fui o primeiro amor dele me fez sorrir como um completo idiota pelo resto da semana, só pra constar.
Quando faltava um mês para o início do meu semestre na faculdade, eu já havia lido todos os livros de romance possíveis, já havia feito Woosung retocar a cor do cabelo e já havia acordado ao seu lado, atrasado para meu serviço na livraria, umas três ou duas vezes. Então, decidi que era hora de me tornar um completo mal exemplo.
Foi difícil lidar com minha mãe, que chorou e gritou comigo por alguns minutos, e com meu pai, que mesmo em silêncio carregava um olhar de desaprovação, mas, mesmo que aquilo doesse, eu estava orgulhoso de mim. Eu não iria cursar advocacia, iria cursar letras.
Eu não era mais o filho perfeito, era apenas eu, o Hajoon.
Minha mãe, com o tempo, voltou a ser a mesma, e agora se gabava do seu filho futuro escritor e do namorado maravilhoso dele, e meu pai, bem, ele diz que seu garotinho cresceu. Dojoon e Jae dizem que estão orgulhosos de mim, mesmo que eu seja um amigo chato, e eu não poderia estar mais feliz por isso.
— Que tal fazer uma tatuagem?
— Talvez, vou colocar na "Lista de Coisas que Quero Fazer, E Vou". — falei com a tampa da caneta na boca, soltando uma risadinha enquanto escrevia com letras garrafais "TATUAGEM". — Ah! Vencer o Jae no Mortal Kombat. — adicionei mais um item a lista.
— Pintar o cabelo de rosa, vai ficar fofo. — Woosung deitou a cabeça no meu ombro, cruzando as pernas atrás do meu corpo e me abraçando.
Fechei o caderno onde fazia a lista e o deixei sobre a cama, olhei para o teto do quarto de Woosung, onde tinham estrelas e planetas pendurados. Eu me sentia completo. Olhei para os braços que me prendiam num abraço, haviam duas novas tatuagens ali, feitas recentemente: uma nuvem que parecia um peixe-cenoura e uma rosa.
Talvez, eu tatuasse algo relacionado ao meu universo também, quem sabe um cigarro nunca aceso, ou apenas "desculpe" em outra língua, apenas para dar um charme, quem sabe em inglês? "Sorry" soa bem. Mesmo que algum dia não estivéssemos mais juntos, seriam as minhas estrelas mortas.
— Hajoon, está me ouvindo?
— Hum?
— Eu acabei de dizer que te amo e você diz "hum"?
[fim]
chegamos ao fim de "seja nosso sempre"
Confesso que, achei que ela não ia ter nem 1000 palavras, mas, wow!
Obrigada a todos que leram, vocês são demais galera.
Vivam seus sonhos, vivam para vocês mesmos e o mais importante, sejam vocês mesmos
[xoxo]
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