parte 2: estrelas mortas
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Ter Woosung dentro do meu quarto, com certeza, era a minha coisa menos favorita naquela história toda. O Kim analisava as paredes de cor creme e parecia julgar cada ursinho de pelúcia que eu tinha sobre a cama ou cada livro na minha estante. Eu não tinha mais motivos para odiar Woosung, já que, aparentemente, ele havia se tornado tão diferente do garoto de anos atrás que já era impossível comparar-nos, no entanto, eu não conseguia deixar de querer que ele fosse embora.
Enquanto ele andava para lá e para cá pelo meu quarto, me deixei perder nas tatuagens em seus braços, me perguntando quais os seus significados. Lembro que, quando mais novos, ao ver um moço repleto de tatuagens na rua, ele disse que algum dia, se tivesse coragem, faria as estrelas em seu corpo, mas em um lugar onde a mãe dele nunca visse. Agora lá estava Woosung, com os braços repletos de rosas coloridas, frases em línguas que eu desconhecia e desenhos com significados aos quais eu não compreendia.
— Seu quarto é a sua cara. — ele disse, acabando com o silêncio que se instalava confortávelmente no ambiente. — Não sabia que ainda guardava ele. — pegou uma tartaruguinha de pelúcia, que estava na minha cama. Se não me engano, a mãe dele havia me dado ela no dia do meu aniversário de onze anos, este em que Woosung não compareceu, pois estava na casa de sua avó materna que morava no interior.
— Eu costumo ser cuidadoso com as minhas coisas. — descruzei os braços, me sentando na cama, enquanto o olhava perambular novamente pelo cômodo, passando os dedos pela lombadas dos livros na minha estante.
— Pelo visto, você apenas leu livros acadêmicos. — ele fez uma careta enquanto abria um dos livros e folheava as páginas amareladas. — É sério, você precisa ler 'A Culpa é das estrelas'. — fechou o livro, ocasionando um baque, e o colocou ao contrário na minha estante tão impecávelmente arrumada. O silêncio voltou a pairar sobre nós, até ele parar de vagar pelo meu quarto e se sentar ao meu lado na cama. — Sua mãe mencionou que você vai cursar advocacia...
— Ah, sim. — eu encarei minhas mãos ao responder.
— Você não parece tão animado com isso quanto sua mãe. — Woosung cruzou as pernas sobre minha cama, apoiando o rosto nas mãos enquanto me encarava. Eu olhei para seus olhos escuros, procurando qualquer sinal de deboche ou coisa parecida.
— Bem, o sonho dela é que eu seja advogado, então ela está em êxtase. — sorri forçado, enquanto observava a expressão, antes curiosa, de Woosung mudar.
— Mas e você? Você não está feliz com isso? — ele perguntou, e pela primeira vez nos últimos anos, era uma pergunta a qual eu não tinha resposta alguma. — Você está fazendo isso por você ou pela sua mãe, Hajoon?
— E que diferença faz? — dei de ombros, na tentativa de fazê-lo desistir daquele assunto.
— Faz toda a diferença Hajoon! É a sua vida. — e lá estava a coisa que eu mais odiava no rapaz de cabelos tingidos que estava ao meu lado, a mania irritante de Woosung de sempre achar que é o dono da razão, o ser supremo que entende e sabe de tudo.
— Pois bem, é a minha vida Woosung, eu sei o que eu faço. Não sou mais uma criança. — bufei, cansado daquela conversa, e não era nem por causa de Woosung em si. Dojoon e Jae viviam a tendo comigo e sempre acabavámos brigando por causa disso.
— Certo, me desculpe. — ele se jogou na cama, as costas batendo contra meu colchão. — Onde eu irei dormir?— ele virou o rosto para me encarar. Me levantei, indo até o guarda roupa e subi em uma cadeira, com as mãos na parte superior do móvel. Com uma carranca no rosto, peguei o colchão, que costumava deixar ali para quando Dojoon e Jae viessem para minha casa, mas que eu não tirava de lá desde a festa do pijama do meu aniversário de quinze anos, jogando-o no Kim.
Woosung coçou o nariz enquanto segurava o colchão fino, por causa da poeira de anos acumulada nele. Se bem me recordava, ele tinha uma terrível alergia a ácaros.
Minha mãe, com sua mania de aparecer do nada, abriu a porta do meu quarto animadamente, no entanto, ao ver que eu já pegava alguns lençóis e cobertores e entregar para o rapaz de cabelos brancos e tatuagens aleatórias, ela me lançou um de seus olhares mortais. Aquele olhar que me fazia sentir mal por uma semana inteira quando era mais novo, mas que atualmente eu apenas fingia estar ocupado demais para prestar atenção, e fazia o possível para que esse olhar fosse substituído por ela sorrindo quando suas amigas falavam o quanto eu era um bom filho.
Minha mãe sempre foi a pessoa mais importante para mim, ela era o motivo de eu me esforçar tanto. Nunca a desobedeci, mas, quando ela me disse para dormir no chão e deixar a minha cama para aquela praga dormir eu, pela primeira vez em anos, quis refutar. No entanto, de nada adiantaria, pois quando Choi Haseul tem algo na cabeça, dificilmente desiste daquilo.
— Sua cama é bem grande, podemos dormir juntos, se quiser. — Woosung sorriu para mim, sentando com as pernas cruzadas sobre minha cama, assim que minha mãe deixou o quarto. Peguei um dos bichinhos de pelúcia da estante e joguei nele, sentindo o rosto queimar de nervoso.
— Prefiro dormir no jardim. — revirei os olhos e deixei o quarto, deitando no sofá da sala para assistir a um documentário sobre pinguins.
Quando o céu escureceu, eu já estava atingindo meu limite. Woosung era ótimo na cozinha, enquanto eu só sabia fazer ramem de lojinha de conveniência. Minha mãe, diferente do que falava na tarde do mesmo dia, era toda sorrisos para o Kim, e dizia que eu deveria aprender a cozinhar também.
Assim que terminei o jantar, lavei a louça em silêncio e fui terminar de assistir o documentário. A mãe de Woosung foi a primeira a ir dormir, no pequeno quarto de hsopedes, seguida por minha mãe e meu pai, e por ultimo a peste carregando seus cigarros no bolso da calça. Quando o documentario acabou, passavam das dez da noite, escovei os dentes e fui para o meu quarto, entrei aos tropeços no cômodo, pois sabia que ele tinha sono leve. E sim, fiz isso de birra mesmo. Woosung havia acabado de chegar e, duas vezes, me fez enganar-me. Quando eu pensei que finalmente tinha o superado, ele me mostrou que eu estava errado.
Deitei no colchão ao lado da cama, me cobrindo dos pés a cabeça. As luzes estavam apagadas e a praga parecia dormir, porém, assim que fechei os olhos, sentindo o chão duro, através do colchão fino, fazer doer minhas costas, ouvi o barulho de passos. Espiei, ainda com a cabeça coberta, deixando apenas os olhos para fora, e vi que o cobertor da cama estava quase caindo da mesma e que, Woosung não estava mais ali, assim como a caixinha de cigarros que estava sobre o criado mudo iluminado pelo pequeno abajur. Um dos meus grandes defeitos, com certeza é a imensa curiosidade que possuo, pois sem nem pensar, coloquei minhas pantufas e a passos lentos e cuidadosos andei pela casa, me perguntando onde ele estaria e também o motivo de estar procurando-o.
Decidi que iria olhar o jardim, mas se não o achasse lá, voltaria para o quarto, me esparramaria na minha cama e dormiria.
Pela segunda vez no dia, encontrei Woosung no jardim. A luz refletia nos cabelos dele, e ele não parecia tão diferente do garotinho de anos atrás, pelo menos, não com aquela camisa com desenhos de gatos, que eu podia ver graças a luz da lampada da varanda.
— Também não consegue dormir? — ele tinha um cigarro apagado entre os lábios e os braços cruzados em frente ao corpo.
Eu poderia dizer que ele havia me acordado no momento em que começou a andar pelo quarto de chinelos, mas apenas balancei a cabeça, afirmando. Girei os pés para voltar para dentro, quando ouvi a voz dele novamente:
— As estrelas estão mais brilhantes hoje. — ele me encarou e depois voltou a olhar para o céu escuro, onde era possível ver alguns pontinhos brilhantes.— É incrível pensar que algumas delas não existem mais, e o que vemos é apenas o brilho delas que demora demais para chegar aqui.
Eu olhei para as estrelas, não com pressa como costumava olhar, mas com mais atenção. Existe sempre muito mais do que vemos e, por alguns instantes, me perguntei o que havia por trás da fachada de Kim Woosung. Ele era indecifrável, perfeitamente imperfeito com suas tatuagens, cigarros e gosto questionável para livros.
— Hajoon, eu...— ele tirou o cigarro da boca, suspirando pesadamente antes de me olhar com um sorriso nos lábios.— Eu ainda não acredito que você nunca leu A Culpa é das Estrelas.
— E eu não acredito que você pintou o cabelo dessa cor. — dei de ombros, ainda admirando o céu. Era difícil ver as estrelas direito com as luzes da rua.
A risada de Woosung preencheu o espaço, o silêncio e prendeu a minha atenção. Eu odiava, mas em alguns momentos não achava motivo para isso, e talvez fosse isso o que mais me irritava nele. Meus olhar se perdeu nos desenhos em sua pele descoberta pelas mangas curtas da camisa e, só então, eu percebi que ele tinha estrelas tatuadas no antebraço.
— Fez essa tatuagem por causa do livro?— perguntei, apontando para os desenhos.
— Não. São apenas estrelas mortas.— ele guardou os cigarros no bolso da calça de moletom, me fitando com as orbes castanhas. — É uma lembrança permanente do que eu sou, assim como o brilho das estrelas, foi minha primeira tatuagem.
Eu abri a boca para dizer algo, mas apenas consegui olhar para ele. Voltei para o meu quarto minutos depois, pensando comigo mesmo que, eu deveria ler aquele maldito livro.
Inexplicavelmente, naquela noite, sonhei com estrelas e cigarros nunca acesos, mergulhados no mar de sonhos não realizados que eu possuía.
Na manhã seguinte, levantei com uma terrível dor nas costas, mas, infelizmente, eu precisava trabalhar naquele dia. Levantei aos tropeços, ainda cansado e com sono, invejando Woosung, que roncava esparramado na minha cama. Tomei meu banho e me arrumei para mais um dia de trabalho em uma livraria, onde eu passo todos os meus sábados.
Minha mãe estava em êxtase naquela manhã nublada, exibia seus não-dotes culinários para a senhora Kim, que elogiava tudo com a maior educação do mundo. Desejei muito para que ela dissesse algo como "as torradas estão queimadas e a omelete tem muito sal" para que, talvez assim, a Dona Hyeju decida ir ficar na casa do avô de Woosung. Eu peguei uma das torradas levemente queimadas e saí, fazendo uma reverência como despedida.
Jaehyeong me esperava em frente ao portão de minha casa, com uma mochila enorme nas costas e uma expressão alegre demais para quem iria passar o sábado inteiro fazendo trabalhos na biblioteca.
— Então, ele é um ser horrível ou eu deveria te dizer que estava certo o tempo inteiro? — ele segurou a alça da mochila enquanto falava, se referindo a Woosung. Lhe dei um tapa no ombro, começando a andar pela rua.
— Bom dia para você também. — revirei os olhos.
— Bom dia, boa tarde e boa noite. — Jae riu, parando na minha frente. — Agora me diga, como foi passar parte do dia sob o mesmo teto que o seu inimigo mortal?
Contei ao meu amigo sobre Woosung, sobre suas tatuagens de estrelas mortas e sobre seus cigarros idiotas. A conversa se estendeu o caminho inteiro, e ele me ouvia com atenção. Devo dizer que essa é uma qualidade que admiro em Jae, ele sabe ouvir.
— Ele definitivamente é uma incógnita.— o mais novo colocou uma das mãos no queixo. Sim, era isso, Woosung era uma incógnita, o x da questão. Pela primeira vez em anos, sendo o melhor aluno em matérias de exatas, sinto que não vou conseguir resolver a equação que era Kim Woosung, com todas as suas ideias e personalidade tão metamórficas.
A primeira coisa que fiz assim que entrei no prédio da livraria, vendo Jaehyeong sumir no prédio da biblioteca do outro lado da rua, foi olhar no sistema para ver se havia algum exemplar de A Culpa é das Estrelas, apenas por pura curiosidade.
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