parte 1: cigarros apagados
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Meus pais sempre quiseram o filho perfeito, aquele do qual eles poderiam gabar-se com os amigos e parentes, e eu sempre me esforcei para ser a maior fonte de orgulho deles. No entanto, eu considerava Woosung, meu vizinho, como um obstáculo. O garoto que havia se mudado a cerca de dois anos era um prodígio, sempre que seu nome era tocado nas fofocas de minha mãe com as amigas dela, todas sempre falavam sobre como ele era educado, inteligente, bonito e um ótimo futuro partido para suas filhas, enquanto eu apenas jogava bola nas janelas das vizinhas.
Não adiantava nada tirar nove e meio em uma prova estudando o dia inteiro sendo que, o garoto tirava dez sem nem mesmo prestar atenção à aula, pois suas atividades extracurriculares eram tantas que ele acabava dormindo na maioria das explicações de matéria. Woosung tocava piano, guitarra e cantava nas festas do bairro com seus amigos, enquanto eu, levava broncas da professora de música por ficar entretido com qualquer coisa que não fossem os instrumentos. Woosung era o filho perfeito e eu era a típica criança que passava o dia brincando e sujava a casa com meu tênis cheio de terra. Ele também sempre ganhava nas brincadeiras, talvez fosse por ser mais velho, mas na minha cabecinha de criança, era porque ele sabia subir naquela árvore do quintal e falar aquelas palavras emboladas que soavam como feitiços, mas que ele afirmava apenas saber falar em inglês.
Quando completei doze anos, a família dele estava voltando para os Estados Unidos, e eu prometi a mim mesmo que, quando ele voltasse a ser meu vizinho, eu seria muito melhor que ele. Woosung, naquela tarde, me chamou para conversarmos no quintal. Ele me prometeu que voltaria e me deu um beijinho na bochecha, eu ainda lembro daquela cara de lesma sorrindo largo enquanto olhava para a minha expressão de desespero pós primeiro beijinho na bochecha com meu maior inimigo. Se eu fiquei abalado pelo meu primeiro beijinho na bochecha, com o qual eu sonhava tanto ser dado pela Soonyoung, minha amiguinha da escola, ter sido roubado por aquela praga? Claro que não, imaginem. Sorte que aquela praga não teve a coragem de roubar meu primeiro beijo na boca e, só pra constar, eu dei meu primeiro beijo com a Yerim, na festa de aniversário da irmã dela.
Assim se passaram os anos, eu me formei como melhor aluno da turma e atualmente me preparo para iniciar meu curso de advocacia — meus pais só faltam soltar fogos pelas orelhas por causa disso — , e claro, enquanto isso sou perturbado por Jaehyeong e Dojoon, meus dois melhores amigos que minha mãe diz que são "péssimos exemplos" pois, Dojoon é um cara que vive com os pais e passa o dia procurando um emprego e Jae era um garoto do terceiro ano do ensino médio que só sabia falar sobre videogames.
Tudo poderia estar as mil maravilhas, pois, de fato, eu tinha me tornado o que meus pais tanto queriam, mas, porém, contudo, entretanto, às vezes, raramente, quando me lembrava do garoto esguio cheio de olheiras, sentia um leve vazio. De que adiantava ter me tornado o melhor sendo que não podia esfregar isso na cara do Woosung? Eu queria que ele estivesse aqui para ver como eu sou um ótimo baterista ou que eu sei resolver aqueles cálculos quilométricos, e que também sei falar em inglês.
Mas olhem, desejar demais? Não recomendo não. Pois, numa fatídica manhã de sexta-feira, eu acordei com minha mãe correndo que nem uma louca pela casa, dizendo para levantar-mos, pois eles estavam chegando.
E bem, quando ela disse eles, eu já sabia que se tratava da melhor amiga da minha mãe (a amizade delas é meio estranha, é quase como se ambas estivessem numa constante competição da dona de casa mais perfeita) e dele. É uma longa história essa aí, mas o que posso dizer é que, a mãe de Woosung e seu pai se divorciaram a três meses e ela estava se preparando para voltar à Coreia, iria ficar na casa do avô do garoto até encontrarem um lugar para morar, mas, como minha mãe tem essa de querer se mostrar para as pessoas da vizinhança, ela ofereceu nossa casa para eles ficarem e meu pai não disse um "a".
Acho que posso até escrever um livro chamado "Dividindo o quarto com seu maior inimigo" após essa façanha da dona Haseul, pois não é possível tanto infortúnio assim na minha vida.
Se eu fiquei em casa para minha mãe me arrastar até o aeroporto para buscar o cara de lesma? Nem que o Dojoon arrumasse um emprego. Pulei a cerca do quintal e fui para a casa do Jaehyeong, que graças às divindades supremas, era meu vizinho, diferente de Dojoon, que morava à uns dois quilômetros da minha casa.
— Jae!— eu berrei enquanto quase quebrava a campainha da casa. Meu amigo apareceu, coçando os olhinhos. Eu já disse que ele é muito precioso? Se não, ele é um bebê muito precioso. — Preciso de um lugar para me esconder, minha mãe quer que eu vá ao aeroporto.
Jae e Dojoon já sabiam de todo o meu drama envolvendo Woosung, eles até riram da minha desgraça quando eu lhes disse que ele iria voltar a morar na Coréia, vê se pode. Com uns friends desses quem precisa de inimigos?
Nós dois subimos para o quarto do meu amigo e ficamos jogando videogame enquanto conversávamos com Dojoon pelo telefone.
— Eu acho que você deveria parar com esse fogo e ser amigo dele. — Dojoon falava pela centésima vez no último mês. Eu acho que ele dizia isso só para me irritar.
— Isso não vai acontecer Dojoon, nunquinha! — falei e dei um chute em Jaehyeong, que tinha acabado de me dar uma fatality, aproveitando a minha distração.
— Ainda não entendo essa sua cisma, esse Woosung parece ser legal. Não tem problema nenhum se ele for melhor que você em algo, você tem muitas qualidades incríveis Hajoon hyung. — Jae sorriu, e eu quis guardá-lo num potinho. — Eu sou melhor do que você no videogame, mas ainda somos amigos. — retira o que eu disse sobre ele ser um serzinho precioso.
— Mas eu não cresci ouvindo que deveria ser como você. É uma questão de orgulho, eu tenho que ser melhor do que ele. — eu bufei, me jogando na cama do meu amigo. — Além do mais, eu vou fazer ele repensar cada sorriso sarcástico e vezes que ele me mostrou a língua quando minha mãe dizia que eu tinha que seguir o exemplo daquela peste.
— Você guarda muito rancor. Jae, me lembre de nunca irritá-lo. — a risada escandalosa de Dojoon fez com que eu afastasse o telefone dos meus ouvidos. Jaehyeong gritou um "sim", me fazendo cobrir as orelhas.
Com amigos assim, aposto que essa história de não me irritar não irá durar muito.
Eu passei quase a manhã e parte da tarde inteiras apenas bolando uma forma de conversar normalmente com Woosung, sem querer dar um chute na face dele e, também, pensando em mil formas de mostrar que sou melhor que ele. No entanto, o pensamento de que ele poderia ser um cara super bem sucedido, namorar uma modelo e estar bonito pra caramba, enquanto eu ainda nem tinha começado a faculdade e todos os dias passava horas me maquiando por causa das espinhas, me assombrava. Se passaram seis anos e eu virei o exemplo de bom rapaz que as senhoras da vizinhança usavam com seus netos e o "genro dos sonhos" das amigas da minha mãe, mas e Woosung? E se ele fosse o partidão supremo, vegetariano e digno de um prêmio Nobel?
Quando eram cerca de três horas da tarde, Jae me expulsou de sua casa, após ter me feito limpar a bagunça de embalagens de salgadinhos que tínhamos feito, me dizendo que ele iria sair com seu "contatinho". Como eu disse anteriormente, ótimos melhores amigos eu tenho.
Contragosto, pulei novamente a cerca de casa e entrei, já esperando um sermão da minha mãe por eu ter sumido desde manhã.
— Ah, Hajoon, você chegou! — minha mãe sorriu de orelha a orelha assim que me viu. Eu direcionei um sorriso amarelo para a mulher sentada no sofá, que se eu me recordava bem, era a mãe de Woosung. — Você deve lembrar da Hyeju, não é?
— Hajoon, você cresceu bastante, ainda lembro de você pulando a cerca do jardim para poder brincar com o Sammy— a mãe da praga sorriu para mim, se levantando para me abraçar.
— Sammy? — Eu arqueei as sobrancelhas. Eu tinha esquecido de algum parente da praga? E olhem que minha memória é maravilhosa, quase fotográfica.
— Oh, desculpe, Sammy é o nome americano do Woosung. Aliás, ele não parou de falar sobre você um segundo durante a viagem.
Ah, essa é boa. Aposto que ele estava falando sobre seus planos malignos e sobre como iria esfregar sua vida e sotaque californianos na minha cara.
— Woosung está no jardim, vá falar com ele. — minha mãe falou, me olhando com a típica expressão de "anda logo ou eu te arrasto até lá".
Eu fui, com as mãos suando frio, lembrando de todas as vezes que tive que ouvir o quão Woosung era um filho e aluno melhor do que eu. Sabe, quando se é criança, você não liga tanto para este tipo de coisa, mas quando você cresce, ser comparado aos outros chega a ser doloroso. E eu não estava com vontade nenhuma de voltar a ser comparado à aquela praga. Demorei muito tempo para finalmente ouvir um "estou orgulhosa de você filho" vindo da minha mãe, para essa praga californiana estragar tudo bancando o ser superior que estudou no estrangeiro.
Eu abri a porta que dava para o jardim, que ficava na parte de trás da casa. E lá estava ele. Eu fiquei completamente paralisado.
Woosung tinha os cabelos tingidos de branco, as mangas curtas da camisa floral deixavam suas tatuagens expostas. Não era nem de longe o que eu esperava encontrar.
— Hajoon? — ele se virou assim que ouviu meus passos. Certo, ele tinha se tornado um homem bonito pra caramba, mas estava longe de ser considerado um "bom exemplo", ainda mais com aquele cigarro entre os dedos.
Onde está minha mãe para falar que eu tenho que ser como o Woosung, agora?
Eu ri, pois tinha ficado nervoso à toa. Eu realmente havia superado Woosung.
— Fazem alguns anos, você cresceu bastante. — ele sorriu, os olhos formando dois risquinhos e os dentes absurdamente brancos aparecendo.
— E você mudou bastante, não se parece nada com aquele garoto magricelo e com cara de nerd. — eu cruzei os braços.
— E você não se parece nada com aquele pirralho melequento que se lambuzava todo de sorvete de morango. — ele se aproximou e eu pude ver melhor o que os anos fizeram à ele. As olheiras abaixo dos olhos, algumas marcas de espinhas aqui, os cabelos ressecados e com raízes escuras, e claro, os lábios semiabertos para abrigar o cigarro entre eles.
— Vejo que não é somente a sua aparência que mudou. — eu lhe olhei nos olhos, buscando nas íris escuras uma forma de parar de olhar aquelas tatuagens nos braços dele. — Você dizia que odiava cigarros, por causa da sua avó.
— Ainda os odeio, mas gosto de metáforas, e de livros do John Green. — ele deu de ombros, me mostrando o cigarro que não havia sido aceso em nenhum momento. Eu passei a encará-lo com estranhamento. — Você coloca a coisa que mata entre os dentes, mas não dá a ela o poder de te matar. — ele sorriu como quando éramos crianças e ele me falava sobre as estrelas e sobre sua enorme vontade de passear pelos anéis de saturno, ele parecia completamente fora de órbita enquanto me olhava de cima a baixo. — Não me diga que não conhece John Green...
— Não faço idéia de quem seja esse, Woosung. — eu falei, sincero. Já esperando que ele viesse com aquela história de "Ah, era um filósofo famoso", como quando éramos menores e ele adorava se gabar de seus conhecimentos para os adultos, falando sobre Sócrates, Aristóteles e Platão, enquanto eu só sabia falar sobre Bob Esponja e Pokémon.
— Ele é um escritor bastante famoso. Eu não acredito que você nunca leu um livro dele! Eu trouxe alguns livros comigo, posso te emprestar, se quiser. — ele não tirou o sorriso do rosto nem por um segundo, o que me irritava profundamente, pois por fora eu parecia lindíssimo e pleno, mas por dentro eu só queria entrar no meu quarto, dormir e só acordar quando ele fosse embora.
Eu não queria ler os livros dele, tampouco queria continuar ali. Kim Woosung conseguia me deixar irritado apenas pelo fato de existir.
— Bem, como foram os últimos seis anos? Sinto que perdi muita coisa...
— Você não perdeu muita coisa, tudo continua igual, nada mudou nesses seis anos. — rolei os olhos, querendo que o assunto morresse logo para que eu pudesse sair dali.
— Você não continua igual ao garotinho de seis anos atrás. As pessoas mudam e as coisas também, mesmo que você não perceba. — ele olhou para as árvores de folhas amareladas no quintal, e levou uma das mãos até minha bochecha. Eu poderia ter lhe dado um tapa por isso, mas meu olhar se perdeu nas tatuagens que ele tinha no braço. Ele definitivamente não era o mesmo Woosung de anos atrás. — Mas você continua fofo, principalmente sem catarro no nariz.
A risada dele inundou meus tímpanos como uma total tempestade, era alta, mas também era calma, como uma das canções de ninar que minha mãe cantava.
— Meninos, venham, eu fiz aquele bolo que vocês adoravam, vamos comemorar a chegada de Woosung e a entrada na faculdade de Hajoon. Acredita que ele vai cursar advocacia? — minha mãe disse, estava acompanhada de Hyeju, que olhava sorridente para nós dois. Woosung bagunçou os próprios cabelos, saindo atrás de minha mãe, me deixando a olhar para a árvore do jardim da casa por alguns segundos antes de entrar novamente.
Minha mãe e Hyeju passaram o restante do dia conversando sobre minha vida e a vida de Woosung. Eu descobri que depois de chegar a Califórnia o garoto entrou na fase "adolescente rebelde", não fazia mais os deveres escolares, dormia de madrugada e pulava a janela do quarto durante os finais de semana para ir em festas, e que ele, até o momento, não sabia o que iria fazer da vida. Minha mãe se gabava por ter um filho que passou a adolescência mergulhado em livros escolares e que era um exemplo de bom rapaz. Estranhamente, a praga de cabelos brancos riu quando minha mãe falava sobre o quão bom filho eu era, ao invés de refletir sobre o que tinha se tornado: um cara que coloca cigarros apagados na boca e que não faz nada da vida além de ouvir bandas de rock e ir para festas.
No fim, eu finalmente havia conseguido ser melhor que Woosung, mas, por que eu não me sentia tão feliz em relação à isso? Por que, ao vê-lo sorrir como se a opinião do mundo sobre ele não importasse, eu sentia um enorme vazio?
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Eu comecei a escrever pensando que ia ser uma oneshotzinha, mas cá estamos nós
é um plot bem simples, mas espero que gostem
Até a parte 2
[xoxo]
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