60 - Eu vou te matar, seu MERDA
Nunca me senti tão linda como neste momento. O vestido que escolhi é bastante tradicional, mas optei pelo mais leve possível. Após minha experiência de quase morte, tornei-me muito mais cuidadosa comigo mesma, então, o peso foi um fator considerado com muita atenção durante a escolha.
O tecido do vestido é de organza, fino, armado e confortável. A parte da frente tem um caimento transpassado, proporcionando um belo decote ombro a ombro. Além de lindo, é sexy. Tenho certeza de que Lucca vai se surpreender ao me ver entrar no salão, principalmente porque tenho provocado bastante nos últimos dias. A situação do meu noivo está tão crítica que, durante a madrugada, acordo e o encontro dormindo no chão, apenas para não ter que compartilhar a cama comigo.
O curioso é que foi ele quem me deu as lingeries de presente, e eu apenas as uso. É pecado? Segundo Lucca, nesse caso, é tortura.
Sorrio com as lembranças enquanto me admiro orgulhosamente no espelho. A trança embutida que escolhi para o penteado combinou perfeitamente com o vestido. Suspiro. Quem diria... Não faz muito tempo que quase morri, e agora estou aqui, prestes a me casar com o meu primeiro e único amor. Não poderia estar mais feliz.
É como se estivesse em um conto de fadas.
Sinto as mãos de Lúcia, minha madrinha de casamento, massageando meus ombros. Vejo o reflexo de seu sorriso no espelho e faço o mesmo.
— Quem diria. Lucca e Eloá, cão e gato, se casando. — Ela ri. — Esse mundo é louco. Sei que tem toda uma história por trás, mas sinto-me parcialmente responsável pela reaproximação. E nem adianta dizer que não, já me coloquei nesta posição e dela ninguém me tira. — Declara orgulhosa e eu toco sua mão.
— Jamais, Lúcia! — Rio de volta. — Essa posição é sua. — Se não fosse tão intrometida, talvez eu e Lucca não estaríamos juntos agora. — Ela revira os olhos e eu gargalho mais ainda.
Sei que ela estava prestes a me xingar, quando a porta do quarto é aberta com um forte estrondo. Dou um grito em resposta ao susto. No entanto, de maneira completamente instintiva, lanço Lúcia para trás de mim, com o objetivo de protegê-la de qualquer coisa.
Para nossa surpresa, Jonas entra no cômodo com uma grande faca em mãos. Arregalo os olhos e estendo os braços. Lúcia não merece nem um arranhão. Na verdade, nenhuma de nós duas merece, porém, ela não tem qualquer envolvimento nesta situação. Se meu ex-namorado tem algum assunto pendente, é comigo. O b.o é meu.
Antes de avançar sobre nós, Jonas fecha a porta cuidadosamente, como se não tivesse feito um estrondo para abri-la, e me encara. De repente, ele me lança um sorriso emotivo.
— Como você está linda, Eloá. Sublime, eu diria. — Ele respira fundo. — O único problema é que o noivo não sou eu. — Tenta se aproximar e eu dou um passo para trás, afastando Lúcia junto.
— Pois é, Jonas. Hoje é o dia do meu casamento e se você tem amor à vida, reúna sua mediocridade e vá embora pelo mesmo lugar que entrou. — Observo a roupa dele e percebo que está vestido de garçom. Provavelmente o filho da puta se infiltrou entre os funcionários da empresa contratada para o buffet.
— Eloá, por favor, querida. — Ele dá mais um passo à frente e eu rosno de raiva, pois não tenho muito espaço para me afastar. — Está parecendo um pinscher. Quando te conheci, não era assim. Vamos com calma, você não merece passar por mais estresse, já sofreu demais nos últimos meses.
— Você só pode estar de sacanagem! — Lúcia se pronuncia pela primeira vez. Mesmo que tente disfarçar, o nervosismo é perceptível em sua voz, que está trêmula. — Desde que entrou na vida da minha prima, a única coisa que ela tem enfrentado é estresse! Porque o motivo do mesmo é você! — Esbraveja e Jonas revira os olhos em tédio.
— Eu poderia ficar o dia todo aqui, discutindo com as duas a minha versão sobre os fatos. Mas minha passagem neste clube foi cronometrada e o tempo já está se esgotando. Caso queiram que tudo termine agora, com as duas esfaqueadas, me avisem. — Jonas sorri sadicamente, fazendo meu coração acelerar a milhares de quilômetros por hora. — Admito que essa opção não me agrada muito, ser fichado por homicídio acabaria com minha reputação.
— Tudo sempre é sobre você, impressionante. Narcisista do caralho. — Comento enquanto balanço a cabeça negativamente. Que situação amedrontadora. Jamais imaginei que passaria por algo do tipo.
— Não fale assim. — Jonas rebate apontando a faca na minha direção. Encaro a lâmina afiada com os olhos arregalados e engulo em seco. — Enquanto estávamos juntos, respeitei seu tempo durante os momentos íntimos e, assim que me quis e se sentiu confiante, preocupei-me em te proporcionar todo o prazer do mundo. — Sorri orgulhoso, como se tivesse feito a coisa mais extraordinária do mundo. Coitado, que homem medíocre. — Eloá, as coisas sempre foram sobre você. — Conclui o monólogo.
Respiro fundo. Chego a duas conclusões após sua fala: querendo ou não, ele está completamente surtado, esta é a primeira. A outra é que Jonas está tão fora de si que não consegue ouvir as merdas que saem da própria boca. Entretanto, diante das circunstâncias, não tenho muitas escolhas. A vida me deu uma segunda oportunidade de estar aqui, neste plano, e não a deixarei passar porque meu ex-namorado psicopata não aceita o término do nosso relacionamento. Farei o possível para não terminar definitivamente morta hoje.
Encaro Jonas, que me observa com expectativa enquanto rodeia a ponta da faca entre os dedos polegar e indicador. Dou um passo à frente e sinto Lúcia segurar meu braço.
— O que está fazendo? — Questiona em um cochicho. O nervosismo é evidente em sua feição.
— Nos mantendo vivas, Lúcia. — Respondo entredentes. — Solte meu braço e confie que dará tudo certo. Ele não me fará nada de mal. Confio o suficiente na força do destino e creio que as coisas vão terminar bem. — Concluo e ela assente receosa, me deixando ir.
Com isso, continuo dando alguns passos, dirigindo a atenção ao psicopata à minha frente. Por fim, sorrio com desdém, ergo os braços e me dou por vencida. Enquanto isso, ouço alguns soluços vindos de trás de mim. Lúcia estava chorando compulsivamente. Mas não podia me deixar abater.
— Pronto, Jonas. Conseguiu o que tanto queria. — Meus olhos brilham de raiva. — Só espero, do fundo do meu coração, que não faça nada que venha a se arrepender. Além do sequestro, obviamente, porque essa merda... — Aponto para a faca em sua mão. Ele sorri e a coloca na bainha que está em sua cintura. — Vai acabar com a sua vida, me escute bem.
— A sua sorte, Eloá, é que ainda sou apaixonado por você. — Ele se aproxima e cuidadosamente me joga sobre seus ombros, me surpreendendo com o movimento. Evito me debater, pois ainda sinto nervoso em minha cicatriz. — Porque sinceramente, está muito desbocada. Acho que a convivência com Lucca não está lhe fazendo bem. Mas isso vai mudar, porque teremos uma conversa muito séria. Vou te fazer compreender que, na verdade, quem deveria estar se casando contigo hoje, sou eu. Não ele. — Jonas abre a porta, olha para os lados e, ao perceber que não vinha ninguém, segue para a escada de incêndio, que dá acesso à saída dos fundos.
Fiquei em silêncio durante todo o percurso, enquanto Jonas fazia questão de falar sobre como estava ansioso para o seu acerto de contas com meu noivo. Que, como seu ex-melhor amigo, independentemente de nosso envolvimento anterior, Lucca jamais teria o direito de furar seu olho daquela forma. "Trairagem". Era uma palavra que não saía de sua boca. Meus ouvidos só faltavam sangrar.
Se não soubesse que Jonas estava completamente fora de si, teria o mandado calar a boca na primeira frase. Não suporto que falem mal das pessoas que amo. Entretanto, meu peito não é de aço e ele estava em posse de uma faca. A vida é valiosa demais para colocá-la em perigo em situações que não podem ser solucionadas magicamente. Graças a Deus, ao contrário de Lucca, sou muito racional quando se trata de situações extremamente perigosas. Caso contrário, ele teria me apunhalado no quarto mesmo.
Mantive a cabeça no lugar durante todo o percurso. Da escadaria até seu carro e do carro até um motelzinho barato e mal frequentado no centro da cidade. Muito bem, ele decidiu me manter refém em um muquifo. Ponto para o homem que está obstinado a me reconquistar.
Assim que estacionou o carro, o troglodita do meu ex-namorado me permitiu sair andando até o quarto. A situação se tornou um pouco menos pior, mas não diminuiu minha vontade de espancá-lo até a morte. Nunca havia sentido tanto ódio por alguém, aquela sensação era nova para mim. Eu literalmente poderia arrancar aquela faca da bainha e cortar sua garganta sem qualquer tipo de remorso.
O desgraçado me fez passar por um estresse tão extremo durante semanas enquanto moramos juntos que, por fim, acabou provocando um aborto. Não satisfeito, ao me ver feliz e seguindo em frente ao lado do homem que amo, decidiu me sequestrar. Sinceramente, cadeia é pouco para esse verme. No que depender de mim, Jonas pode apodrecer no inferno, quicando no colo do capeta.
Assim que entramos no cômodo, ele trancou a porta e me lançou um sorriso. Como pude gostar tanto desse desgraçado? A vontade que sinto ao vê-lo é de beber água sanitária. Quem sabe assim me livre da sensação de que já fui tocada por esse traste?
— Agora que estamos a sós, podemos conversar. — Jonas senta na cama e sorri. Por minha vez, permaneço de pé, com os braços cruzados. — Está irritada?
Ah, não, ele só pode estar de sacanagem. Devem ter se passado quase duas horas desde que esse filho da puta me sequestrou. Isso significa que, pelos meus cálculos, eu deveria estar subindo ao altar agora.
— De todas as merdas que me disse hoje, essa foi a mais ridícula. — Balanço a cabeça negativamente e rio com escárnio. — Irritada? Não, querido. Pior. Estou consumida pelo mais puro ódio.
Jonas passa a mão no rosto, claramente frustrado com a resposta. Creio que ele queria que eu enxergasse em sua atitude uma prova de amor.
— Deveria facilitar essa aproximação, Eloá. Posso ficar contigo nesse quarto por dias ou semanas. Não me importo. Uma hora nos resolveremos, e você conseguirá compreender que meu comportamento tóxico foi em resposta ao seu. — Ele explica calmamente, como se sua reflexão tivesse algum tipo de lógica.
Estava começando a deixar o ódio tomar conta de mim, e isso não era bom. Sei disso porque quase levantei e chutei a cara dele após a declaração.
Diante disso, respirei fundo, fechei os olhos e decidi incorporar o talento para o teatro da minha prima, Lúcia. Após um longo minuto me acalmando, decido andar até a cama e me sentar à ponta contrária à dele.
— Realmente. — Tento esconder o tom de desgosto. — Errei muito ao te trair. Mereci os beliscões e cotoveladas. — Jonas me encara incrédulo.
— Não que merecesse, mas toda ação tem uma reação, e você entende isso perfeitamente, certo? — Questiona, e eu balanço a cabeça. — Não sou um monstro. Só me perdi em meio às desconfianças.
— Entendo... — Respondo, evitando contato visual, pois minha vontade é de arranhar seu rosto todinho.
— Piorou depois que fui trocado. Sei que tiveram um envolvimento durante a adolescência, mas foi comigo que namorou por meses. — Fala como se fosse muito tempo, e eu tampo o rosto com as mãos para revirar os olhos. — Admita: faltou sensibilidade. Principalmente naquela merda de pedido hollywoodiano de casamento. Não pensaram na minha saúde mental quando deram as entrevistas me chamando de bosta? — Pergunta, e eu sinto um tom de raiva em sua voz. — Mas estou disposto a te perdoar, se estiver disposta a fazer o mesmo.
Neste momento, antes que eu pudesse responder qualquer coisa, a porta de madeira do quarto se estilhaça com o forte chute dado por ninguém menos que Lucca. Ele entra no quarto em meio aos destroços, acompanhado pelo meu irmão, e para em frente a Jonas. Do lado de fora, ouço meu pai acionando a polícia.
— Perdoar o caralho, Jonas. Ninguém falou mentira nenhuma, não. Aceite que você é um merda. — Lucca se pronuncia e, sem pensar nas consequências dos seus atos - que é o que tenho feito a cada passo que dou desde o momento que fui sequestrada - parte para cima do meu ex-namorado. — Eu vou te matar, seu MERDA!
***
Nota da autora
A cargo de curiosidade, o vestido da Eloá:
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