37 - Seja uma vadia que não mente
— Ele socou a cara do meu neto? É isso? — Vovó Conceição questiona enquanto a ajudo a sair do carro para aguardarmos em frente à delegacia. — E seu tio explicou o motivo? Porque se o Lucca não tiver feito nada de errado desta vez, eu juro que invado aquele lugar e dou na cara daquele corno com a minha bengala.
— Mamãe, calma. — Meu pai sai do carro e dá a volta, com o objetivo de abrir a porta para a minha mãe. — Marcos disse que era melhor falar aqui, porque é um assunto delicado, já que envolve uma pessoa conhecida.
Assim que termino de ajudar minha avó a sair do banco de trás do carro, fecho a porta. Preferi deixar Jonas dormindo no meu apartamento, já que ele deve ainda estar passando mal devido à ressaca e esse assunto é de família, apesar dos dois serem melhores amigos.
Tia Maria e Lúcia estavam no pátio da delegacia. Mário, Beatriz e tia Viviane estão trabalhando, então não puderam vir. Os pais de Lucca estão lá dentro, com ele.
— Alguém entendeu o que está acontecendo? É tão sério para o Marcos querer falar pessoalmente? — Minha mãe pergunta e tia Maria bufa.
— Essa situação já está me irritando. Eles já estão lá dentro há um bom tempo e ninguém fala absolutamente nada! As únicas coisas que sei é que ele precisou fazer corpo de delito e que a situação envolve mulher. — Ela responde e minha avó fica ainda mais nervosa, andando de um lado para o outro com a bengala.
— Mamãe, ficar assim não adianta! — Meu pai fala, preocupado. Então ela para na frente dele e dá com a bengala em sua canela. — Puta merda! Isso dói. — Agacha-se e abraça o local dolorido.
— Me deixe aliviar o estresse, senão entro lá dentro e quebro tudo atrás do corno que agrediu o meu neto! — Ela fala em tom de revolta.
Enquanto os ânimos entre os membros da minha família ficam cada vez mais exaltados, Lúcia agarra meu braço e me afasta de todos, querendo falar em particular.
— Não acha muito estranho isso estar acontecendo logo depois de você ter feito o que fez ontem? — Ela cochicha e eu a encaro friamente.
— Lúcia, você conhece muito bem o Lucca. — Não consigo esconder o tom de decepção. — Sabe o que ele estava fazendo no dia em que fui propor essas "aulas"? — Questiono e ela balança a cabeça negativamente, então continuo. — Transando com a nossa professora. Não me surpreendo com as atitudes dele. — Dou de ombros.
— Hum, então pode ser que ele tenha ido para a casa daquela dançarina que é sua amiga, a Clara. — Lúcia reflete em voz alta e meu estômago se embrulha com a possibilidade.
Certamente o que estou sentindo não é ciúme, disso eu tenho certeza. Mas é como se eu estivesse vendo o passado se repetir diante dos meus olhos e isso, por mais que eu odeie admitir, é doloroso.
Mas jurei que não sofreria ou choraria mais por isso, então mantive a compostura. Quando abri a boca para respondê-la, um carro vermelho estaciona ao nosso lado. Dele, Clara desce e me encara. Nesse momento, toda a minha família para o que está fazendo e nos observa.
— Tudo o que ele disse é mentira e você precisa acreditar em mim. — Clara já desce falando e coloca as mãos nos meus ombros. — Eu jamais faria isso com a minha mãe. Por favor, acredite em mim. — Observo-a curiosa, mas não demonstro qualquer tipo de sentimento.
Por que está tão na defensiva? É exatamente isso que preciso descobrir, então decido jogar verde, pois não tenho absolutamente nada a perder com isso.
— E por que eu deveria acreditar em você? — Pergunto friamente e ela derrama algumas lágrimas. — Vi ontem que você é do tipo que esconde muitas coisas.
Cruzo os braços e ouço uma risadinha da Lúcia. Ela sabe que não faço a mínima ideia do que está acontecendo e apenas estou jogando com a minha amiga. Se é que posso chamá-la assim.
— Eloá, minha mãe está no carro... — Cochicha e eu arqueio uma das sobrancelhas, tentando não demonstrar confusão. Por fim, ela respira profundamente. — Olha, eu transei com o Lucca. Passamos a noite juntos. Mas não fazia ideia de que meu padrasto ia aparecer lá do nada. Ele queria pegar algumas coisas para a minha mãe no meu apartamento, nada além disso.
Sinto meu sangue ferver quando Clara termina de falar. Isso porque, há uns meses, ela me confidenciou que estava envolvida com um homem casado e mais velho. Orientei que terminasse o relacionamento, afinal, seria horrível ser uma destruidora de lares.
Mas ficar com o marido da própria mãe? Um cara que te conheceu antes da maioridade? Isso é errado em muitos níveis, principalmente pelo fato de ter envolvido o meu primo nessa droga toda. Tenho que defendê-lo dessa vez: Lucca jamais imaginaria uma cachorrada dessas, senão nem chegaria perto.
Engulo em seco, ignoro suas mentiras e dou as costas, com o objetivo de me dirigir à minha família. Entretanto, assim que me viro, vejo Lucca, acompanhado pelos meus tios, saindo da delegacia com o rosto todo inchado. Ele segura um copinho de café com gelo para aliviar a dor do hematoma. Lúcia, que estava ao meu lado, corre até ele, assim como os outros.
Paro automaticamente enquanto observo toda a minha família acolhendo-o. Sinto o sangue ferver novamente e viro-me outra vez na direção de Clara.
— Acontece, "amiga", que você e o maníaco do seu namorado... padrasto... como preferir, se meteram com a família errada. — Acerto um soco bem dado no meio da cara dela. Ninguém envolve o meu primo nisso.
Não somos mais melhores amigos há muito tempo e, quando propus nossa reaproximação, deixei bem claro que meu último objetivo era reconstruir qualquer tipo de laço afetivo. Entretanto, isso foi demais para mim. Como ela envolve Lucca em uma confusão dessas? Se o cara entrou em seu apartamento de repente, é porque tinha a chave. Ou ela queria que ele flagrasse a cena ou é muito imbecil.
Sem contar que, apesar de nunca a ter culpado pelo envolvimento com Lucca durante a adolescência, uma pequena parte minha sentiu-se vingada.
— ELOÁ! — Ela leva as mãos ao nariz. — VOCÊ ESTÁ LOUCA?
— LOUCA É VOCÊ POR ESTAR DORMINDO COM O SEU PADRASTO E NÃO TER A DECÊNCIA DE AO MENOS LEVAR O MEU PRIMO PARA OUTRO LUGAR! — Falo, dando alguns passos em sua direção, mas logo sinto meu corpo sendo segurado. Olho para trás e percebo que é o próprio Lucca, que está de cueca, que me impede de atacá-la novamente.
Nesse momento, a mãe de Clara, que ouviu meu grito, sai do carro e observa a cena. Toda a minha família também se aproxima.
— Isso que Eloá está dizendo é verdade, Clara? — A mulher pergunta olhando para a filha, que prontamente responde.
— Ela está louca, mãe. Esses dois são cúmplices desde a adolescência. Sempre foram unha e carne! São capazes de fazer absolutamente tudo para se defenderem, bem ao estilo daquela música: "ela quebra a garrafa quando eu entro em briga". — Clara dá uma pausa e eu encaro Lucca com um sorrisinho de lado, que também me olha.
É como se lembrássemos que, antigamente, além do desejo carnal, também existia um afeto muito grande entre nós dois. Ela realmente está certa ao dizer que éramos capazes de fazer qualquer coisa para nos protegermos.
Talvez ainda sejamos, só precisávamos ser lembrados disso, afinal.
— ATÉ DE MENTIR SOBRE UMA COISA TÃO ABSURDA! — Tenho minha reflexão interrompida com Clara perdendo a linha e meu primo dando uma gargalhada.
— Pelo amor de Deus, se for para ser uma vadia, seja uma vadia que não mente, Clara! — Ele fala e eu solto uma risadinha, fato este que arranca um grunhido da minha ex-melhor amiga. — Dona, me perdoe pela sinceridade, mas seu marido estava no apartamento da sua filha hoje mais cedo berrando, pedindo satisfações do motivo de ter um homem pelado na cama que ELE comprou PARA QUE OS DOIS DORMISSEM JUNTOS!
— A merda já está feita, Clara! — Falo entre dentes, tomada pelo mais puro ódio. — Parafraseando meu primo, se for para ser uma vadia, seja uma vadia que não mente.
E foi exatamente neste momento que a situação conseguiu se tornar ainda mais caótica, porque Clara perdeu o pouco de compostura que lhe restava e partiu para cima de mim, já puxando meus cabelos. Lucca tentou me puxar para fora do seu alcance, mas sequer foi necessário, porque, em questão de segundos, ela caiu no chão choramingando de dor.
Vó Conceição havia dado uma belíssima e certeira bengalada em sua canela. A mãe de Clara estava simplesmente paralisada diante da situação. Alguns policiais finalmente perceberam o barraco e vieram em nossa direção.
— Oh, garota! — Vó Conceição encara a garota choramingando no chão. — Já não basta estar fazendo sua mãe de otária enquanto dorme com o marido dela? Ainda tem que passar uma vergonha desse tamanho em frente a pessoas que nem conhece direito? — Pergunta e Clara começa a chorar. — Seja uma vadia que não mente, minha querida.
A garota encara a mãe e, de repente, já não sinto mais as mãos de Lucca nos meus braços. Admito que até fico chateada quando o vejo se afastando em direção aos seus pais, mas compreendo perfeitamente. Afinal, a noite anterior foi extremamente confusa. Se não fosse, nem estaríamos aqui.
Por fim, permaneço em silêncio enquanto Clara finalmente admite que sim, está tendo um caso com o padrasto e que ele, ao encontrar Lucca em sua cama mais cedo, surtou e o atacou. O melhor de tudo é vê-la falar isso com a mão cobrindo o nariz, uma vez que o soco que levou possivelmente quebrou algum osso.
Depois que ela conclui seu monólogo, minha avó retoma a palavra.
— Muito bem, agora que a moça tomou vergonha na cara, eu e minha família podemos ir embora, correto? Creio que não vai registrar nenhum boletim de ocorrência contra minha neta por causa do soco no nariz. Afinal, se ainda existir um pingo de consciência dentro de si, vai perceber que mereceu. — Minha avó sorri maliciosamente, me fazendo rir discretamente da sua postura gângster.
— Não vamos registrar boletim de ocorrência algum, senhora. — A mãe de Clara se manifesta. — Fique tranquila que, a partir daqui quem resolve sou eu. Com ela e Bruno. Podem ir embora sossegados. — Ela encara Lucca, que observa a situação silenciosamente. — Inclusive, peço desculpas por isso, rapaz.
— Não precisa pedir desculpas, senhora. — Ele responde, irônico. Claro, ele está muito irritado com tudo o que aconteceu. — Já tem problemas suficientes para resolver, não preciso que se preocupe comigo. — Dá as costas e caminha em direção ao carro dos meus tios, que o acompanham.
Todos nós seguimos para falar com eles, antes de nos reunirmos na casa da minha avó, como é costumeiro nessas situações.
— E o que foi decidido? — Meu pai questiona o tio Marcos.
— Que a partir da próxima semana Lucca começa na empresa, no mesmo setor que Mário. Se ele tem tempo para lidar com esse tipo de problema enquanto estuda, também tem para atuar na Oliveira Vinhos, algo que já deveria ter começado há muito tempo. — Meu tio circunda o carro e, antes de entrar no banco do motorista, declara. — E não quero opiniões sobre isso, porque quando surge o problema, todo mundo aqui só apoia, mas quem resolve sou eu. — Diz e entra no veículo.
Tia Dorotéia, sem muito o que fazer, lança um olhar constrangido para nós pela grosseria do marido e entra no carro. Nesse caso, de certa forma, ele está correto ao reivindicar privacidade. Lucca, sem dizer nada, ocupa o banco de trás.
Nunca o vi tão abatido ao sair de uma delegacia, mas estou plenamente ciente de que seu estado atual abrange muito mais do que isso. E me sinto extremamente culpada por tudo ter acontecido.
Se antes já precisávamos conversar por tudo o que ocorreu na noite anterior, agora então, é praticamente uma questão de vida ou morte.
***
Nota da autora
Dona Conceição segue fazendo tudo, amores.
E aí, o que acham que vem agora?
Não deixem de votar e comentar!
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