Cap 3 - Dia dela
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Zoe desperta mais cedo e fica debruçada sobre os cadernos e livros tentando lembrar das matérias que havia esquecido. Não podia simplesmente reprovar.
Muita coisa por conta do desuso de seus dias se perderam enquanto outras ficaram muito mais fáceis. Ela ri com a ideia de ser uma nerd. Nunca se imaginou com tal rótulo.
Rótulos...
Isso era algo tão comum nesta época. Cada pessoa tinha seus rótulos pré estabelecidos e era quase impossível fugir disso; engoliu seco ao lembrar como foi para sua família aceitar Francis simplesmente por ser preto.
Era um mundo muito mais cruel onde as coisas aconteciam sem impunidade ou controle. Onde se podia tudo...
Decidiu que seria a melhor versão de si, e começaria tentando se dar bem com sua madrasta. Saiu do quarto e preparou um belo café da manhã como fazia para seus filhos e depois netos.
O cheiro encantador inundou a casa e logo seu pai veio ver do que se tratava, a vendo dançar na cozinha como uma fada encantada, feliz por simplesmente cozinhar ao se lembrar do que ainda estava por vir. O sorriso de seus filhos crescendo e aprontando como o pai, seus netos pedindo biscoitos e pratos que só ela sabia fazer.
— O que deu em você? Está apaixonada? — A voz da madrasta a puxa de volta à realidade.
— Pior que sim. — Acaba por revelar a verdade. — Mas foi um sonho. Sonhei com o cara perfeito e to feliz ainda. Só isso. — Completa a fim de acalmar o pai que se sentava e parou para a olhar.
— E como era esse príncipe? — O pai pergunta meio perdido entre dar atenção a isso ou a vasta mesa linda que lhe enchia os olhos.
— Primeiro não era um príncipe. — Ela ri tentando tirar a imagem que eles tinham a fim de preparar o terreno para quando conhecesse Francis. — No sonho conheci ele em uma cafeteria. Conversamos muito e ele tinha um sorriso lindo. Uma gargalhada tímida e rouca e olhos cor de mel.
— Parece mesmo um sonho. — A mulher diz mal humorada e desgostosa pelo capricho que estava aquela mesa.
Era de fato obra de uma profissional, pois Zoe havia ganhado a vida cozinhando e tido seu próprio restaurante por longos anos até mudar para algo focado em café da manhã.
— Sim. Ele era tímido e engraçado. To apaixonada pelo garoto dos meus sonhos. — afirma sorridente sem se dar conta da nítida raiva da mulher.
— Espero que ele continue ali por um tempo. E não seja real... se for, melhor me contar em. — O pai diz desconfiado da alegria da filha que cora e se acaba de rir.
— Se ele for real... você vai ter que aceitar nosso amor e que vou casar com ele! — Se acaba de rir da carinha do pai. — Mas posso falar sério? Eu... fiz esse café porque quero que você se cuide mais. A Sonia vive reclamando que eu não ajudo em nada e eu... refleti e vi que ela está certa. Eu me proponho a cuidar da cozinha e ajudar em casa. E você vai comer melhor e me prometer que vai parar de fumar. — Diz tão séria que os dois param e a olham.
— Filha eu...
— Não! — Zoe se levanta e bate na mesa. — Eu sei que você vai falar que a vida é sua ou que sabe o que faz! Mas não sabe! Você está sendo egoísta! Voce planeja morrer e me deixar sofrendo?
— Filha que isso. Claro que não. — Ele se revolta, mas logo percebe que a garota está realmente chorando. — Calma filha. Eu não vou morrer por caus...
—- Vai sim! — Ela grita desesperada. Tinha a chance de prolongar um pouco mais a vida do pai, mas nenhuma forma de o fazer a ouvir. — Se isso não faz mal, assim que eu fizer dezoito vou começar a fumar também. — Ameaça trêmula sem ter opção.
— Calma filha. Calma. — Ele se levanta e vai até a garota que estava a frangalhos. — Eu não vou morrer disso. Ok? Eu posso morrer de tanta coisa. Sabe o...
— Risco de usar um carro. Sim, eu sei! — Volta a gritar.
— Essa garota está descontrolada. Não deveria dar atenção aos chiliques dela.
— Agora não, Sonia. — Ele briga com a esposa vendo que a filha estava realmente mal. E muito preocupada. Que a garota falava sério e acreditava naquilo. — Ok meu amor. Eu paro. Vou precisar de muita ajuda, mas eu paro. — Diz ao a abraçar e assim vai até a sala e põe o maço de cigarro sobre a televisão. — Pronto. Assim se me oferecerem eu lembro que já tenho em casa. E em casa vocês me ajudam a não pegar. Ok?
Com isso ela apenas dispara e vai até ele o abraçando com força.
— Calma. Calma.
Ele não sabia o por que de tanto desespero.
Mas não tinha motivos para brigar com ela ou a contrariar naquele momento. Tinha boa noção que o fazia mal sim, mas nunca foi de ter forças ou motivos para ir contra o vício; afinal era bem comum fumar.
Enquanto isso, a mulher bufa sem ter o que dizer.
Seria bom que o marido tivesse um cheiro melhor... mas odiava estar sentindo perder seu lugar naquela casa.
— Eu gostei das mudanças. E de dizer que vai ajudar em casa. Mas por que isso? — Insinua a fim de fazer o marido desconfiar. — O que deseja?
— Que ele pare de fumar. — Volta a afirmar encarando a madrasta de volta. — Se quiser eu faço o almoço e a janta de hoje. Só tenho que ir ao mercado ou alguém vai pra mim...
— Eu passo no mercado. Mas o que a senhorita precisa que não tem? — Responde com um tom grosseiro e logo Zoe tira do bolso da calça uma lista pondo na mesa.
— Tudo isso. Não tem temperos nem legumes. Está faltando cereais e verduras também. — Diz ao tirar a mão vendo o ódio pulsar no pescoço da mulher.
— Agora quer mandar na minha cozinha. Na minha casa? — Grita furiosa.
— Amor. Não tem nada de ruim ela ajudar e por mais comidas saudáveis na nossa mesa. Realmente não temos o costume de ter essas coisas. — Ele diz ao defender a filha e piorar a raiva da mulher que sai dali furiosa e ele pega a lista sobre a mesa olhando com cuidado. — Toma. — A entrega seu cartão. — Pode cuidar da cozinha. Não sei o motivo, mas você está me passando maturidade hoje.
— Obrigada pai. — O abraça sentindo muita falta disso. — E lutaremos juntos contra o cigarro. — Diz ao levantar o dedinho e ele sorri ao completar o gesto único o dedo mínimo ao da filha como fazia quando a mesma era criança.
Uma promessa de mindinho.
oOoOoOo
E assim ela vai à escola se deparando com os primeiros desafios.
Bullying que nesta época nem nome tinha de tanto que era comum e aceitável.
Zoe fica furiosa quando uma das meninas lindas e populares simplesmente derruba suas cosias e sai rindo. Revoltada com aquilo a garota se levanta e dá um grito.
— Sua filha da puta! Você fez de propósito! — Grita e todos no corredor olham para ela. — Se fizer de novo eu te quebro na porrada tá me ouvindo sua jumenta!
— Oi? Como é que é? Você sabe com quem está falando? — a garota se vira com o tom arrogante, fazendo o sangue de Zoe ferver nas veias.
— Com uma vadia que trai o namorado com o amigo dele. Com um lixo que se acha e vai perder os dentes da frente se não ficar esperta! — Responde ao grita indo pra cima da outra que apenas sai correndo dali por medo de apanhar.
Zoe sempre foi tímida.
Muito quieta e chorava por sofrer na escola.
Não sabia como reagir, e tinha esta época em sua mente como um pedaço do inferno.
Era magra e miúda e não tinha corpo, e por conta disso as garotas caçoavam dela. Mas lembrava de ver sua neta briguenta e ter orgulho e almejar ser assim na juventude; e agora podia ser.
Juntou todo ódio que sentia nessa época, a frustração de não saber lidar com nada e pois tudo para fora.
Todos no corredor a olhavam perplexos.
Ela era muito menor que a outra, mas jamais que a poderosa e bela Jade iria entrar em uma briga física.
Mas aquilo não acabou assim.
Os gritos tiveram uma repercussão e Jade não iria permitir que falassem que ela fugiu da magricela e inútil, que nem o nome sabia. A perdedora iria pagar, e quando estavam no intervalo de boas, a garota jogou sua bebida sobre Zoe.
— Pronto perdedora.
A garota ria e os demais também caçoavam da feição de espanto de Zoe, que estava distraída com seus pensamentos em seu pai e seu marido, pensando como se resolver com a madrasta ou não.
Mas tomada de puro ódio a garota se lembrou do que o marido falava: "a forma que você deixa te tratarem é como sempre irão fazer. Você não pode deixar."
Lembrou como ele a defendeu do próprio pai, enquanto ela não conseguia falar nada além de chorar pelo que a madrasta dele dizia.
Como ele a ensinou a ser forte.
— Perdedora... — murmurou ao pegar a bandeja e bater no rosto da garota. — Eu avisei sua filha da puta!
Foi uma cena minimamente memorável.
Jade não conseguia se defender das agressões de Zoe que cumbriu a promessa de a arrebentar na porrada.
A garota estava acostumada a provocar quem não revidava como Zoe, e nunca conseguiria se defender com as unhas postiças, fora seus trajes complicados e forrados de adornos que não eram nada práticos para seus movimentos.
Chegou a cair por conta dos saltos e mostrar a calcinha por causa da saia. Enquanto Zoei de tênis e calça a chutava e pisava.
oOoOoOo
— Eu posso falar. — Zoe comenta com um tom calmo ao ouvir todos os adultos debatendo na sala da direção.
Seu pai e madrasta haviam sido chamados. Incrédulos com o comportamento sempre permissivo e acanhado de Zoe, na escola os professores estavam afoitos com o estado que a garota deixou a outra e os pais dela por sua vez estavam surtando.
— Você fica quieta ouviu! — Sua madrasta grita e ela volta a se calar vendo aquela zona.
— Podem me expulsar ok. Eu odeio essa escola... — Diz e finalmente olham para ela. — A Jade é um monstro. Ta sempre me deixando louca. Ela jogou suco em mim de novo. Não foi só hoje. Todos os dias ela apronta algo e já perdi a conta das vezes que chorei por causa dela. Cansei de ser vítima. Se vou ser expulsa por causa disso ok.
— A minha filha nunca te fez nada.
— A claro. Eu sou louca e resolvi atacar sem motivos. Por que as pessoas fazem coisas assim sem motivos.
— Você que fez algo para provocar ela.
— Não. Ela só acha normal e divertido me provocar e vocês TODOS vocês sabem e deixam por que é normal! — Diz ao enfiar o dedo na direção dos professores, que realmente viam todos os dias as atitudes de Jade e nunca faziam nada. — Eu que não posso deixar, eu que tenho que ser forte! Não é assim? Não é o que me falam sempre?
E assim até o diretor se cala.
De fato já viu muitos casos de alunos sofrendo, e todas as vezes diz que ele tem de ser forte e resolverem eles mesmos. Normatiza o ato e deixa acontecer e julga que a culpa é da vítima por não se defender.
Zoe se defendeu.
oOoOoOo
O caminho para casa foi mudo.
Esperava uma bronca enorme pelo que fez...
— Eu... vou ir fazer a janta ok? Fiz as compras e pedi para entregarem. — Diz ao esperar a resposta do casal que conversava mudamente entre olhares.
— Precisamos conversar sobre hoje. — O pai diz.
— Espera. — A mulher interrompe. — Vou fazer um abaixo assinado sobre o motivo da expulsão de Zoe. Tenho certesa que a garota não perturbava só a Zoe e vai ter muita mãe aplaudindo a coragem dela.
Com isso ela não sabe o que pensar e fica olhando a mulher que sempre pareceu a odiar, a defender.
— Eu via a Zoe chegar triste ou chorando. Você também. Não tem pai que deseja ver isso. Agora sabemos o que acontecia. Vamos fazer dessa Jade um exemplo para outras escolas. Que valentões tem de ser desmascarados. Que nossos filhos podem reagir e vão ser apoiados.
— Você está certa. — O homem sorri.
E com isso ela sente que fez uma grande mudança, não apenas para ela.
Só não sabia se seria algo bom.
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