Melanie não sabia o que fazer diante da declaração de seu primo. Ir para o Canadá era como deixar toda a história que já tinha construído ali. Claro que era um tanto dolorosa, porém eram lembranças que ela não queria se desfazer. Contudo Carlton permaneceu irredutível e, depois que a senhora Anastacia fora para casa, entraram numa enorme discussão. Matt apenas ouvia tudo calado e pensativo. Também não queria ir embora dali; tinha os colegas, sua escola e queria tanto voltar a ir à igreja. E ainda tinha Ryan. Não imaginava como ele reagiria a isso.

Por fim, Carlton lançou uma outra sugestão a ela: que eles viessem a morar em outra residência que ele mesmo compraria, em outro bairro. Caso contrário, iriam para o Canadá. Carlton não se preocupava com dinheiro, pois isso era o de menos, mas Melanie achava que abusaria muito da sua boa vontade além de nunca poder devolver nada do que ele a desse. Porém ele não se importava com isso e apenas queria o bem estar de sua parente.

— Imagine se nossos tios soubessem disso?

— Eles não se importariam. — Suspirou. — Desde que fiquei com a guarda de Matt, eles nunca vieram nos visitar. E você só apareceu agora.

— Porque eu tenho uma família em outro país e estou aqui a negócios. Aliás tenho uma empresa para administrar. Nem viagens de lazer tenho tido como gostaria. Como iria visitá-la? Foi sorte ou Deus eu ter te encontrado.

— Prefiro achar que foi Deus — dizia, ainda aborrecida. Porém no fundo estava feliz por vê-lo.

— E então? Decida-se. O Canadá ou uma nova casa.

— Eu ainda não sei o que eu quero.

(...)

Enquanto nada ainda era decisivo para Melanie e Matt, Ryan estava mais que convicto de que tudo permanecia no controle do Altíssimo. Ele não deixava de se perguntar como ela e seu irmão poderiam estar, mas preferiu se contentar apenas a poucos devaneios. Buscou antes se achegar mais a Deus e se esforçou ainda mais para levar a empresa às alturas. O marketing se encontrava quase em perfeição e a condição financeira da empresa estava sob este mesmo patamar. Tudo fluia bem até que Otávio veio visitar a empresa e falar com ele.

— Como vai amável primo?

Mas Ryan mal respondeu-lhe. Engolia em seco por se lembrar que ele poderia estar usufruindo da posição que pertence a ele. Otávio tinha pouco mais dos trinta anos na época. Sua família estava bem estruturada e ele colocava Deus acima de tudo o quanto fazia, apesar de que nem sempre fora assim; antes era um beberrão e problemático onde quase colocara o próprio casamento a perder por causa de sua insensatez, e disso Ryan se lembrava com veemência. Contudo não tinha conhecimento de sua transformação.

— Vejo que a empresa está indo bem em suas mãos. Alavancastes ainda mais o legado de meu tio. Estás de parabéns — proferiu de maneira sincera, porém Ryan ainda permaneceu desconfiado.

— Sim. Estou fazendo o melhor que posso. Estou dando o meu melhor.

— Espero que continues assim — proferiu sorridente.

— Qual o motivo de sua repentina aparição, Otávio? — Ryan foi direto ao ponto.

— Soube do contrato que tio Estevan lhe deixou e, depois, fui convocado a comparecer no dia da audiência com o juiz de sucessão.

Sua resposta deixou Ryan ainda mais apreensivo. Questionava a si mesmo o que mais se encontrava ameaçado a perder. E ele suspirou fundo diante da situação. O ambiente parecia que tinha perdido a cor frente ao olhar entristecido de Ryan e Otávio percebeu isso.

— Ryan. Não estou aqui para tomar-lhe a empresa e sim para ver como você está.

— Estou com Deus então acho que isso já pode servir como estar bem.

— É, mas cadê o bom ânimo em seu rosto, an?

Mas Ryan não respondeu a isso, antes estranhou a maneira como ele proferiu e franziu o cenho.

— Por que me encaras assim, primo? E aliás estou feliz por ouvir você falar acerca de Deus. Há tempos não ouvia isso sair de sua boca.

— O mesmo de você, eu digo. — Arqueou a sobrancelha. Estava confuso, porém Otávio lhe esclareceu tudo.

— Eu passei a professar a fé cristã depois de quase morrer numa mesa de cirurgia.

— Não soube de você ter feito alguma cirurgia.

— Eu fiz — disse. — Cirurgia transplantar de fígado, pois tive cirrose alcoólica.¹ No entanto, houve uma complicação com a minha pessoa devido a uma infecção hospitalar e foi aí que eu tive um encontro com Deus através de uma enfermeira.

E ele continuou a proferir tudo o que lhe acontecera para Ryan que ficou boquiaberto com a tamanha ousadia da cuidadora que permaneceu com ele no pré e pós-operatório. A mesma foi usada por Deus, ainda que não conhecesse a sua vida pessoal, e explanou claramente a ele a situação familiar que ele vivia. Ele foi duramente repreendido e assim ela o apresentou aquele que pode fazer novas todas as coisas se decidirmos deixá-lo guiar nossos passos: Jesus Cristo.
Otávio sempre fora um homem muito difícil de lidar e talvez por isso o Senhor tenha usado esse método para trazê-lo salvação. Sua família se tornou mais estruturada após sua conversão, porquanto fora verdadeira.

— Nossa e eu aqui te julgando esse tempo todo. — Ryan admitiu, pois achava que ele ainda era apenas um homem irresponsável. — E agora entendo que se eu desistir da empresa ela estará em boas mãos.

— Mas por que motivo desistirias dela? Por causa da moça que não encontrastes? — Otávio não sabia sobre Melanie.

— Eu a encontrei. Mas eu amo tanto que estou disposto a conquistá-la ainda que passe o prazo de um mês, que aliás acaba essa semana. — Desabafou. Parte dele ainda se sentia tristonho porque amava reger a corporação deixada pelos seus pais, contudo se encontrava satisfeito com o rumo das coisas. Foi então que naquele momento ele lembrou de algo que o homem dos sonhos lhe dissera: "Ele não vai destruir a empresa". Compreendeu em seu íntimo que este seria o rumo de sua vida. Perderia a empresa, mas ganharia muito mais do que isso. Sem pensar duas vezes, ele levantou-se do assento e se achegou a seu primo dando-lhe um abraço.

— Otávio, quando chegar a hora quero que dê o seu melhor nesta empresa, pois ela será sua — falou-lhe risonho. Porém Otávio recuou.

— Mas eu não quero tomar conta da empresa. E se isso tomar meu tempo com minha família? Eu não quero isso. Sei quanta responsabilidade há nesse lugar.

— Tenho certeza que não empatará em nada a sua família. Não rejeite porque tenho certeza que Deus tem abençoado para que assim se suceda. — Encarava-o firmemente a fim de fazê-lo concordar, e seu primo permaneceu pensativo; mas sua resposta foi a melhor notícia que Ryan ouviria naquele dia:

— Aceitarei. Mas — enfatizou —, no fim de tudo, entregarei ações em suas mãos e sei que farás um bom uso delas.

— Certamente! — Sorriu.

— Mas me diga uma coisa: Por acaso a moça que dizes amar tem o rejeitado e é por isso que não conseguirás cumprir o prazo?

E a resposta de Ryan, meus amados leitores têm noção de qual seja. Ele dissera com muito pesar e esboçando um sorriso amarelo no rosto.

— Infelizmente, sim.

Continua...

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Nota:

[¹] Cirrose Alcoólica - doença causada pelo excesso de álcool no organismo, onde o fígado, ao metabolizá-lo, acaba sendo acometido pelas substâncias tóxicas produzidas, ocorrendo então fibrose cística e consequentemente disfunção do fígado, requerendo então um transplante do órgão.

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