Capítulo 1
Cidade de Nova York
2 de Julho de 2006
É bastante louvável relembrarmos também um de seus honoráveis dias na corporação, dois anos e meio após a tragédia com sua família, onde, pela primeira vez, as coisas estavam prestes a tomar um novo rumo no qual nem ele mesmo achava que isso era possível.
Naquele dia, ele se encontrava furioso por sua secretária, de nome Clarke, cometer os mesmos erros de sempre durante a digitação de alguns documentos. Uma coisa que ele detestava eram erros desnecessários provenientes de qualquer pessoa que fosse. Se trabalhava ali, tinha que manter tudo nos conformes a não ser que desejasse o despache da empresa. Mas a sua secretária conseguia deixá-lo de cabelos brancos, se isso viesse a ser possível. Se não a conhecesse com toda certeza já estaria longe dali a muito tempo atrás, no entanto ele foi benevolente por causa de sua situação familiar, porquanto ela praticamente havia implorado para que ele não a demitisse. Não que fosse um sinal de compaixão, mas conhecia seus pais a ponto de entender que necessitavam de uma ajuda, visto que o pai dela tinha feito uma cirurgia que, se não fosse pelo emprego, nunca teria como pagar, afinal Clarke ganhava muito bem mesmo com suas dificuldades na função.
Ela havia se desculpado proferindo ter refeito por cerca de três vezes, mas mesmo assim havia pecado na mesma parte e os gráficos continuavam incorretos. Ryan a deu apenas mais uma chance de reparar o erro, caso contrário ele a demitiria sem pestanejar. Suas palavras foram o suficiente para deixá-la trêmula e preocupada. Cabisbaixa, retirou-se da sala com os olhos mareados e isso não lhe passara desapercebido.
Por estar aborrecido, Ryan embolou os papéis e os jogou no lixo com força, fazendo com que o vaso balançasse. Logo após, esfregou as mãos no rosto e suspirou fundo olhando para o relógio de pulso, visualizando que já estava quase no horário do almoço.
Normalmente, quando dava o horário, ele não almoçava fora da companhia e sim na cozinha juntamente com os outros funcionários, porém ninguém ousava falar com ele diretamente ou informalmente, a não ser que se tratasse dos negócios da corporação. Ele sabia disso e não dava a menor importância, mas gostava dali, afinal seu pai também fazia suas refeições ali, quando não era no escritório. No fundo, o senhor Kent sempre fora como um exemplo a ser seguido por ele e por todos que o rodeavam, diferente dele que por mais que fosse admirado por muitos era também o mais temido.
(...)
Num outro ponto da cidade, situava-se Melanie Owen, uma jovem meiga, de formoso semblante, que sempre fora bastante temente a Deus. Ela morava com seu irmão caçula de nome Matt, somente. Seus pais já não faziam parte da existência havia quatro anos e também não tinham parentes nas proximidades com quem eles possuíssem qualquer contato que fosse.
Melanie corria por entre a multidão, ponderando estar em atraso, com o almoço na sacola. Já era praxe chegar na residência atrasada.
Ela contemplou um táxi vindo e acenou para que um parasse e assim aconteceu; e, ao se aproximar, abriu a porta do carro e assentou-se no banco de trás. O taxista, um senhor de pelagem negra, possuindo olhos castanhos e rosto esbelto com uma barba por fazer, perguntou para onde ela iria, olhando-a pelo retrovisor. Melanie estava checando a sacola para ter certeza que sua refeição não desmoronou. Este veio a ser uma pessoa de grande estima para ela no futuro.
Bedford era para onde ela iria. E assim que o motorista deu a partida, ele falou-lhe:
— É a terceira vez essa semana, que a encontro assim tão apressada. — Mencionou ao pararem no semáforo seguinte.
— Ah, é mesmo. Nem tinha reparado. —Sorriu, inocentemente.
— Já devia ter desconfiado que irias para a avenida Bedford. — Riu e acelerou o carro após abrir a sinaleira.
— É, não é mesmo?! — Melanie briu um doce sorriso e o senhor mudou o semblante, tornando-se sério.
— Que o Senhor Deus continue te abençoando, menina. Existem aflições que são testes da nossa fé em Deus e é por isso que não podemos desistir nunca.
— Eu não desistirei. — Encarou pelo retrovisor dianteiro e franziu o cenho. — O senhor é cristão?
— Sim.
Ao chegar em seu destino, Melanie pagou a corrida e buscou as chaves da casa na bolsa até que a encontrou e abriu a porta, revelando uma imensa simplicidade. Alguns móveis, um pouco antigos, eram o maior destaque, porém por mais simples que a habitação fosse, era bem arejado e as coisas se situavam todas em ordem.
Ela pôs as chaves na estante de madeira descolorida, juntamente com as sacolas e foi em direção ao quarto, esse com uma pintura desgastada, possuindo apenas um guarda-roupa amadeirado e uma cama, também amadeirada com um colchão de espuma frouxa que afundava com um peso a mais, onde o seu irmão dormia.
E ela o chamou, sacudindo-o, fazendo com que ele murmurasse algo. Logo, ela escutou ruídos vindo do estômago do garoto, entendendo quão tamanha devia ser a fome que sentia.
Melanie trabalhava durante o dia numa pequena lanchonete com apenas três funcionários, sendo ela um dos, mas boa parte do dinheiro era direcionado às contas da casa, não dando para ter um armário cheio de alimentos. Se alimentavam somente duas vezes no dia, o suficiente para sobreviverem – o que não quer dizer que não estivessem desprovidos de nutrientes – pois o salário não era muito avantajado.
Seus corpos magros denunciavam certa pobreza e escassez, mas uma coisa que Melanie sempre acreditou foi que Deus traria a providência e nunca deixaria faltar nada.
— Matt, venha comer. — A jovem o balançou novamente e ele arregalou os olhos.
Aquela palavra soava como um soar de campainha ao seus ouvidos. E mesmo com um ronco audível proveniente de seu estômago, o garoto abriu um sorriso imenso e assentiu com a cabeça. Melanie sorriu mais alegre dessa vez e seguiu junto com ele para a cozinha.
— O que tem para hoje? — O garoto perguntou.
— arroz, feijão, peixe e salada! Meio a meio. — Brincou, abrindo a marmita.
Quando o garoto estava em casa tinha a sorte de desfrutar refeições variadas que sua irmã lhe trazia. O importante era comer, independente se era típico de sua cidade ou não e ele gostava disso. Na escola, o prato habitual era outro e um tanto recheado de purê de batata que ao seu ver já havia se tornado enjoativo.
— Meio meu e meio seu. — Repetiu a sua célebre fala e se assentou na cadeira apoiando o braço na mesa velha de madeira com uma parte remendada, onde havia somente um plástico recobrindo as tábuas. Ele olhou para a comida e depois para ela.
O menino, assim como Melanie, possuía olhos claros e cabelos lisos de um tom quase dourado, além de um belo sorriso e brilho no rosto. Algo que a escassez nunca os tirou foi o brilho no olhar.
— Mel, dona Anastácia vai me ensinar hoje? Estou com dúvidas em matemática —questionou o menino, enquanto ela colocava a parte dele no prato.
— Sim. Às 15:00h ela virá. — Beijou a sua cabeça e acariciou os seus cabelos. E ele sorriu, saltitante. Apreciava a forma como a vizinha ensinava e o fazia compreender tudo rapidamente.
Matt estudava numa escola pública, na classe do fundamental I (Elementary School) e recebia alguns reforços em casa com ajuda da vizinha por possuir certa dificuldade em memorizar conteúdos.
Era dia de aula até, mas Melanie quis que ele ficasse em casa e assim se sucedera.
Ela o convidou a orar pela refeição e assim fizeram, erguendo as mãos e agradecendo por estarem com vida e pelo alimento do dia, pedindo até mesmo que ele abençoasse as mãos daqueles que haviam preparado aquela comida.
Quando Matt deu a primeira garfada, sentiu imensa sensação de prazer. Suas papilas gustativas estavam bem receptivas naquele instante. O alimento estava mui agradável ao seu paladar. Proferiu o quanto Deus era bom com eles e Melanie apenas assentiu saboreando a comida também.
Por mais que existissem pessoas que conhecessem a condição dos dois, não se disponibilizavam a ajudá-los como deveria. Mel nunca se importou com isso e seu irmão também não. Apenas viviam por conta própria e pelo esforço de Mel e sua fé, conseguiam viver consideravelmente um pouco além do limite de sobrevivência.
No término do almoço, ela levou os pratos e talheres para a pia, lavando-os de imediato. Enquanto o fazia, entoava um hino que muitos consideram até hoje como louvor fúnebre:
"Mais perto quero estar meu Deus, de ti! inda que seja a dor que me una a ti, sempre hei de suplicar mais perto quero estar mais perto quero estar meu Deus, de ti!
Andando triste, aqui na solidão, paz e descanso a mim teus braços dão; nas trevas vou sonhar, mais perto quero estar, mais perto quero estar, meu Deus, de Ti![...]"¹
— Matt, eu já irei voltar ao trabalho. Não abra a porta para nenhum estranho e...
— ... Se alguém que nunca mencionei o nome de forma boa chegar procurando você, também não é para deixar entrar. — Completou a frase rotineira.
— Bom menino. Só abra para dona Anastácia.
— Certo — disse e ela se afastou indo em direção a porta, mas ele correu até ela e a abraçou. — Eu te amo, maninha.
Ela sorriu e se acocou ficando na mesma altura.
— Eu também te amo! — Beijou a testa do menino. — Fica com Deus.
— Amém! — Sorriu e se despediu de sua irmã.
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[¹] Hino da Harpa Cristã nº 187
O que acharam do capítulo?
Já conheceram um pouco dos personagens... E aí, gostaram?
Não se esqueça de deixar seu voto e/ou comentário caso tenha gostado! Vale muito! ^^
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