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É como estar presa dentro de um pesadelo em que eu tento acordar e não consigo. Ou quando consigo, noto que ele é real. Foram dois anos em que achei que estava vivendo um amor, mas estava abrigando um foragido.
Naquela noite, o Douglas me instruiu a não contar nada sobre o Ygor à Paola e ao Wesley. Mesmo eles sendo meus amigos, essa ainda é uma investigação Federal altamente sigilosa e pode colocar minha vida em risco se mais pessoas souberem. Tive que explicar que eles estavam comigo quando fiquei sabendo que ele e a Vivian se encontrariam em nossa casa. Ele compreendeu o tamanho da confusão e os convidou para entrar. Eu não tinha visto todas as parafernálias montadas para a escuta telefônica na sala, pois além de ter entrado pelos fundos, meus olhos queriam ver outra coisa. Aquilo foi suficiente para eles acreditarem que não havia nada de errado acontecendo.
Depois que eles foram embora, foi a hora de ligar para o meu pai e explicar que eu voltei e descobri tudo. Chorei muito ao telefone me sentindo uma idiota por ter me deixado enganar pelo Y... Alejandro. Meu pai me pediu para ficar tranquila, pois ele conhece um advogado excelente para me defender, mas que não será necessário recorrer a ele, já que tem certeza de que o Douglas vai resolver isso. Eu acredito nele, mas o medo é inevitável. Tem muitas outras coisas que devem ser levadas em conta antes que ele resolva do jeito dele, e foram essas coisas que tiraram o meu sono durante a semana toda.
Comprei outro celular com um novo chip e troquei a faixa do aluguel da minha casa por outra com o número atualizado. Agora entendo o motivo pelo qual o Douglas pediu para que eu mudasse meus contatos. Não quero receber outra mensagem ou ligação do Alejandro novamente.
Apesar do Douglas ter me garantido que, por enquanto, não consta nada referente à mim na investigação, eu trabalho e ando nas ruas com a sensação de que todos sabem que eu hospedei um criminoso na minha casa. Isso sem contar com o fato de que vejo o Alejandro em todos os rostos que bato meus olhos. Eu tentei esconder isso do Douglas desde o começo da semana, mas ele sabe como tudo isso está me deixando.
São 20h30 e eu estou deitada no sofá assistindo um filme qualquer, mas perco a concentração e volto a pensar no que vai ser da minha vida e da vida do meu bebê se eu for parar atrás das grades. Eu quase não pego no sono e quando pego, sonho que estou sendo presa. No último sonho, eu estava na fila de um banco com o Douglas e vários policiais me rendiam com arma em punho e gritando comigo como se eu representasse algum tipo de perigo às pessoas. Douglas não deixou nenhum deles chegar perto de mim e me escoltou até a saída do banco, em seguida acordei assustada. Não existe uma previsão de quando este pesadelo vai chegar ao fim. Enquanto o Alejandro ainda for o alvo do Douglas, eu não vou conseguir ter paz.
Ouço o barulho da moto se aproximando e minha expectativa aumenta. Acho que meus argumentos são sólidos e tem grandes chances de eu conseguir convencer o Douglas. Mas se a Vivian, que o conhece melhor que eu, não conseguiu convencê-lo, como eu vou conseguir? Eu posso até ter algo que mexa com seus princípios, mas não sei o que é. Ele entra e meu peito acelera um pouco mais. Seu beijo em minha boca me acalma, mas só por um instante.
— Como foi seu dia? — pergunto iniciando uma conversa casual.
— Não muito diferente dos outros — responde enquanto eu me sento abrindo espaço para que ele se sente ao meu lado. — E o seu?
— Aquela rotina... Enjoo, sono e fome, você sabe — digo e ele sorri.
Ele desce os olhos até minha barriga e franze o cenho ainda sorrindo. Em seguida levanta um pouco a minha blusa.
— Está crescendo — ele fala acariciando uma pequena protuberância abaixo do meu umbigo.
— Acho que não, eu comi muito hoje — respondo.
— Você está comendo muito o dia todo, todos os dias, mas esse short não estava tão apertado na semana passada. — olho-o intrigada pela maneira como tem me observado ultimamente.
— É — digo concordando. — Talvez esteja mesmo crescendo. — ele abaixa minha blusa novamente e troca o canal da TV com o controle remoto.
— Amor, eu estive pensando muito durante a semana e...
— Aquele assunto de novo, não, Karen.
— Aquele assunto de novo, SIM, Douglas! — rebato. — Essa é a maneira certa de resolver as coisas!
— Karen, não existe garantia nenhuma de que você não vai ser presa — diz ele percebendo que eu vou insistir no assunto. — Você vai estar ajudando a polícia a averiguar e chegar até ele, mas ainda terá cada prova analisada e vai começar um longo processo até provar sua inocência.
— Mas eu sou inocente e acredito que vou conseguir provar isso — digo com convicção.
— Eu também acredito, Karen — diz ele. — O problema, é que eu serei afastado do caso por conflito de interesses. Você entende muito bem disso.
— Então! — exclamo por ter chegado no ponto certo. — Você está em um conflito de interesses. Não está mais vendo esse caso como um caso comum!
— Porque não é um caso comum! — ele diz aumentando o tom de voz. — Ele tem um impacto na minha vida, na nossa vida!
— É por isso que você precisa deixar outra pessoa fazer isso! E de forma imparcial. — ele balança a cabeça reprovando minha ideia. — Douglas, eu sinto ódio do Alejandro por ter feito isso comigo, mas não quero que você o mate. Não quero que isso ganhe proporções maiores do que deveria. — ele encara a TV sem prestar atenção no que passa na tela. — Olha para mim, Douglas — peço, mas ele não olha, então me levanto e paro em sua frente erguendo seu rosto. — Não quero que você destrua a sua reputação na polícia. — faço uma breve pausa, mas ele não diz nada. — Se em um futuro próximo ou não, alguém descobrir que a sua noiva é a mesma mulher que abrigou um traficante em casa e que esse mesmo traficante foi assassinado, você, meu noivo e líder dessa investigação, vai ser o principal suspeito.
— Acha que eu já não pensei nisso?! — indaga tirando minhas mãos de seu rosto. — A Vivian já falou a mesma coisa...
— Ah, a Vivian... — repito sem paciência. — Obviamente não tem diferença alguma eu dizer isso em vez dela, não é?
— Não foi o que eu quis dizer, Karen. — argumenta ele enquanto eu ando de um lado a outro da sala. — O problema é que eu já pensei em tudo e ainda acho que é isso o que eu tenho que fazer.
— O que você deve fazer, é me ouvir e desistir dessa ideia maluca.
— Então me dê um motivo para abrir mão do controle disso — pede ele. — Um bom e único motivo.
Enquanto o encaro, procuro em minha mente alguma coisa relevante para dizer, que supere tudo o que a Vivian já tenha dito ou feito, mas nada me vem à cabeça. Sinto algo diferente dentro de mim. Algo forte que faz meu peito disparar em resposta e que palavras não são suficientes para explicar. Me aproximo do Douglas novamente, pego sua mão e a guio até minha barriga.
— Esse — falo pressionando sua mão contra mim com força e imediatamente ele ergue seu olhar surpreso ao meu. — Esse é o motivo pelo qual você deve me deixar fazer o certo.
Juntos, sentimos os movimentos do nosso filho pela primeira vez, no momento mais oportuno que poderia existir. Minhas lágrimas não têm tempo de escorrer pelo meu rosto, elas pingam diretamente em nossas mãos unidas sentindo os chutes do nosso bebê. Tiro minha mão da sua e seguro seu rosto de novo. Ele, por sua vez, não tira a mão da minha barriga e continua sentindo cada manifestação de vida que habita em mim.
— É pelo nosso filho que você precisa abrir mão disso — falo olhando em seus olhos cheios de lágrimas. — Eu sei que isso te assusta. Parece a mesma tragédia que aconteceu com o seu pai, só que anunciada. Vamos apenas pegar um caminho alternativo e deixar o rio seguir seu curso. Vai dar tudo certo, Douglas. Vai dar tudo certo.
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