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Me sinto bem agora e acho que vir sentada no assento do canto me ajudou a relaxar. Olhar a cidade de cima e ver como o mundo é vasto, me fez chegar à conclusão de que meus problemas são tão pequenos quanto uma formiga.
Foi a coisa mais constrangedora da minha vida falar sobre o meu piercing para minha irmã. Quando ela viu as tatuagens do Wesley e da Paola, arregalou os olhos em minha direção sabendo que de nós três, eu sou a pior quando estamos bêbados. Tentei dizer que não havia aprontado nada, mas o Wesley contou na maior cara de pau. Kássia riu feito uma iena e depois de recuperar o fôlego, pediu para eu ligar contando como foi a reação do Douglas quando visse.
Nos despedimos no aeroporto e mais uma vez declarei meu amor por ela e disse o quanto eu a admiro e torço para que só venham coisas boas na vida dela e do Eduardo. Ela desejou o mesmo por mim e foi tão calorosa nas palavras, que eu realmente comecei a ponderar isso.
O Douglas havia combinado de nos buscar no aeroporto, porém, mais uma vez o trabalho dele nos impediu de se encontrar. Chamamos um Uber e fomos cochilando dentro do veículo. Depois que a Paola e o Wes chegaram na casa deles, ainda segui viagem até minha casa por cerca de meia hora. Moro distante de tudo, da casa dos meus amigos, do salão do Wesley, da casa do Douglas, dos meus pais e até da clínica. Isso tem me deixado exausta.
Chego em casa às 18h20 e a primeira coisa que faço, é abrir o portãozinho do Théo, entre o muro da minha casa e da Dona Marly. Ele pula em cima de mim, exalando alegria em me ver e eu me rendo aqui no quintal mesmo. Me jogo na grama e o deixo sentir meu cheiro de novo. Quando ele finalmente me deixa, levanto e entro em casa seguida dele.
Embora a viagem tenha sido maravilhosa e eu já esteja com saudades da minha irmã e de São Paulo, estar em casa é muito bom. O cheirinho do nosso lar é mais gostoso quando retornamos depois de um tempo fora.
Coloco uma boa quantidade de ração na tigela do Théo e adiciono um agrado que comprei no caminho, um petisco de carne com molho especial para cães de grande porte. Ele se esbalda enquanto eu abro a geladeira para pensar no que preparar para comer, mas não tem nada que me desperte o apetite. Como eu queria que o Douglas estivesse aqui para cozinhar para mim! Quem sabe eu consigo fazer com que ele venha para cá hoje. Pego o celular e me sento no sofá discando o número dele.
— Oi, pequena! — atende me chamando pelo jeito que mais amo. — Chegou bem?
— Cheguei sim, estou com saudades — falo em tom meloso. — Você não quer vir para cá quando sair do trabalho? — ele fica em silêncio por uns segundos.
— Não vai dar, amor — profere lamentando. — Lembra que eu disse que precisava resolver umas coisas até segunda-feira?
— Lembro de ouvir você falar isso com sua amiguinha ao telefone. Douglas, hoje é domingo! — percebo sua respiração pesada e devo ter irritado ele.
— Eu vou aí, mas para te buscar e levar para minha casa. Pode ser?
— Melhor mesmo, não tem nada aqui para eu comer — falo sentindo o estômago roncar.
— Ah.... Entendi tudo agora. Está com saudade da minha comida, né?! — sorrio achando graça do tom bobo que usou para falar.
Explico que na verdade, eu só quero unir o útil ao agradável e após alguns contra-argumentos, ele entende e avisa que vai chegar aqui por volta das 19h15. Ao invés de desfazer as malas, arrumo outra, só que bem menor com apenas o necessário para passar a noite na casa do Douglas e para ir trabalhar amanhã. É uma pena deixar meu cão passar mais uma noite sem mim, mas pelo menos já nos reencontramos. Entro no chuveiro e logo me arrependo de ter marcado algo com o Douglas hoje, pois eu havia esquecido que agora tenho um piercing na vagina e precisava de um tempo para me acostumar com a ideia, antes de revelar ao meu namorado. Agora é tarde. Coloco um vestido leve de crepe florido ombro a ombro e deixo os cabelos soltos. Ele chega no horário combinado e fica me aguardando do lado de fora do carro, como na maioria das vezes. Sou invadida por um sentimento bobo quando ele me envolve em seus braços parecendo que não nos vemos há meses. Não entendo o motivo, mas meus olhos se enchem de lágrimas enquanto inspiro seu cheiro amadeirado e rústico. Pode ser pelo fato de termos nos despedido de uma forma mal resolvida ontem na casa da Kássia.
— O que foi?! — indaga tentando ver meu rosto.
— Nada... — digo limpando as lágrimas disfarçadamente e entro no carro. Ele fecha a minha porta e eu aproveito para terminar de secar as lágrimas nos cantos dos olhos. Ele entra e me observa.
— Tá tudo bem, Karen?! — questiona mais uma vez.
— Está, amor — respondo segura. — Vamos?
• • •「◆」• • •
No caminho eu contei melhor como foi o evento que minha irmã realizou e sobre o meu discurso improvisado e ele riu, mas notei uma certa tensão nele. Provavelmente por causa do trabalho. Perguntei se está tudo bem e Douglas garantiu que sim, mas eu sei que ele não diria se algo estivesse errado.
Meu namorado preparou uma macarronada com almôndegas que está deliciosa, tanto que estou comendo pela segunda vez. Até ele confessa que está um arraso, pois nunca me viu comer tanto assim. Desde que a Paola contou a ele sobre o meu vinho favorito, ele nunca mais deixou faltar e sempre embala nossos jantares. Enquanto comemos, um frio na barriga toma conta de mim, pois a cada minuto que se passa, o momento de revelar a merda que eu fiz se aproxima. Termino de comer e deixo escapar um bocejo.
— Está cansada? — inquire retirando os pratos da mesa. Fico em dúvida do que responder, pois não sou de negar fogo e ele sabe disso.
— Só um pouquinho — respondo e vejo um sorriso se formando no canto de seus lábios.
— Vou te esperar na cama — aviso e ouço um "não vou demorar". Me dirijo até o quarto com a sensação de estar no corredor da morte.
Entro no quarto e apago a luz, para evitar contato visual. Deito e tento relaxar esperando que o Douglas não pire, pelo menos não muito. Ele, a Paola, minha irmã e mais algumas pessoas que me conhecem bem, já disseram que eu não devo beber, mas só percebi a gravidade disso hoje, quando acordei com um acessório em minha parte íntima. Não demora muito e ele entra no quarto. Em seguida deita ao meu lado. Por sorte não acendeu a luz. Sinto seus braços me envolvendo e me esforço para manter-me calma.
— Por que você ainda está vestida, hein?! — indaga em meu ouvido e meu coração já começa a palpitar em resposta.
— É uma longa história — refuto querendo adiar explicações e deixá-lo descobrir sozinho.
— Ah... Não me diga que está naqueles dias... — resmunga.
— Não... Não tem nada a ver. — percebo que o jeito mais fácil é contar o que aconteceu, ou melhor, a parte que eu lembro. — Amor, não briga comigo, tá?
— Não vou brigar, fala.
— Bom, você já sabe que eu bebi um pouco ontem, né?
— "Um pouco" foi o que você bebeu hoje, ontem você deve ter entornado todas — devolve.
— Tenho que concordar — admito. — Então, eu, o Wesley e a Paola, fomos em um estúdio de tatuagem...
— Puta que pariu! — ele levanta para acender a luz e volta em seguida. — O que você tatuou? — questiona enquanto me dou conta do quanto isso vai ser difícil de explicar. Pego sua mão e guio por entre minhas pernas. — Não — ele puxa a mão de volta —, não tenta me distrair desse jeito. Só vamos transar depois que você me mostrar essa tatuagem. — desisto dessa outra tentativa e ergo o quadril enquanto tiro a calcinha. — Karen, não adianta. — coloco as mãos sobre minha abertura e abro-a apenas o suficiente para que ele enxergue o piercing. — Caralho!!! — exclama com os olhos arregalados.
— Pois é... — digo sem saber o que poderia soar melhor que isso.
— Eu deixei você em São Paulo para um evento de dança com a sua irmã e você volta com um piercing no GRELO?! — seus olhos oscilam entre os meus e a novidade entre minhas pernas. Não consigo sequer imaginar o que ele pode estar pensando neste momento e nem o que ele vai falar, quando resolver dizer alguma coisa. Sentindo o desconforto de ser olhada com tanta atenção, fecho as pernas. — Não, deixa eu olhar mais um pouco. — sinto meu rosto corar, parece que ele gostou. Com uma sobrancelha erguida, ele foca mais uma vez no piercing. — Se você tivesse me falado que queria colocar isso aí — diz apontando para o local —, eu não concordaria. Mas... Caralho! — ele puxa o ar e continua — Você sabe que eu vou querer te foder olhando para essa argolinha, não sabe?
Sorrio deixando escapulir uns ruídos devido às palavras inesperadas enquanto faíscas de desejo percorrem meu corpo. Mal consigo encará-lo, pois logo me vem à cabeça as posições que possibilitam esse contato visual constrangedor. Ele quer transar olhando para a argolinha.
— Pensei que você fosse pedir para eu tirar... — digo com vergonha.
— Se você tirar, eu mesmo coloco outra. — me acabo de rir novamente enquanto ele começa a tirar o meu vestido.
• • •「◆」• • •
Peguei no sono depois da transa que exigiu de mim, um bom desempenho físico. Como diz a Paola, fiz um bom treino de pernas. Acordo procurando o aconchego no corpo do Douglas, mas ele não está aqui. Não sei quantas horas se passaram desde que dormi, mas está longe de amanhecer, a escuridão da noite ainda se mantém firme ao olhar pela janela próxima à cama.
Levanto devagar e me dirijo até a porta do quarto. Ao abrí-la, vejo o Douglas dormindo no sofá, mas de uma forma que deixa evidente que ele não tinha essa intenção. Em seu peito, tem uma pasta aberta e sua mão direita a segura. Dá a entender que ele estava lendo antes de pegar no sono. Na mesa de centro, tem várias pilhas de papéis presos por grampos e outras por clips. Aproximo-me mais e noto uma pasta fechada escrito "Interpol". Deve ser o relatório e tudo sobre o caso que ele está investigando. Sinto uma pontada de curiosidade em saber do que se trata. Me abaixo ao lado da mesa e, com o dedo indicador, sinto o relevo das letras douradas sobre a pasta em dúvida se dou uma olhada rápida no que ela diz. Olho para o Douglas avaliando seu estágio de sono. Parece dormir feito uma pedra. Toco a capa e na posição já pronta para abrí-la, mas lembro do Douglas falando sobre isso ser confidencial e que eu não posso saber. Acabo desistindo e acho melhor chamá-lo para que volte para a cama. Paro bem próxima dele e toco em seu braço.
— Douglas — chamo dando leves balançadas e ele acorda com os olhos arregalados.
— Você mexeu em algum destes papéis, Karen? — pergunta preocupado enquanto os junta com pressa.
— Não...
— Você leu??? — indaga mais ríspido desta vez.
— Não, eu não li nada! Juro! — respondo aliviada por ser a verdade, se eu tivesse que mentir, me odiaria.
Ele pega tudo o que estava espalhado pela mesa e anda apressado para o quarto. Sigo-o e o vejo abrir uma gaveta de um criado mudo que eu nem tinha notado que existia e coloca lá dentro. Me impressiono quando noto que ele tranca a gaveta com uma chave que estava no bolso de sua bermuda.
— Vem — me chama enquanto afasta o edredom para deitarmos —, vamos dormir. — não falo nada, apenas deito na cama com ele.
Fico ao seu lado durante um tempo pensando na cena que acabei de ver. Lembro-me de quando jantamos no restaurante italiano e ele me contou que virava noites trabalhando para solucionar casos que ninguém conseguia resolver. Me bate um peso de preocupação. Talvez isso esteja acontecendo com frequência, pois ele tem andado mesmo sob muita tensão, como no sábado, quando recebeu a ligação da tal de Vivian. Será que ele já falou sobre isso com o psicólogo?
— Karen — ele me chama outra vez me trazendo para a realidade. — Deita aqui — diz enquanto ouço o som de sua mão batendo levemente duas vezes contra seu peito. Eu obedeço sem falar nada.
Provavelmente percebeu que fiquei inquieta e quis me aproximar mais dele. Douglas sabe que o som do seu coração me acalma, eu já admiti isso muitas vezes. Eu ouço batidas de coração quase todos os dias, mas as dele são especiais, pois me fazem lembrar como tudo começou, como cheguei aqui, e o quanto eu o amo.
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