25
Desperto ainda com dificuldades para respirar e sem forças para reagir, ouvindo várias vozes misturadas em meio a uma agitação. Nenhuma dessas vozes é do Douglas.
— Ela voltou! — alguém alerta.
— Como estão os sinais vitais? — uma voz masculina pergunta.
— Pressão sanguínea de 80x50. Subindo 100x70, 110x80. Ritmo cardíaco de 60 batimentos por minuto também normalizando.
Tento abrir meus olhos, mas eles não obedecem ao meu comando.
— Karen, sou eu, Daniel. — sinto-o pegando em minha mão e isso me traz calma. — Você sofreu um choque anafilático. Te dei adrenalina e um antialérgico forte.
Quero falar com ele, mas a voz não sai. Não foi desse jeito que eu planejei revê-lo. Coloco a mão no rosto e sinto a máscara de oxigênio, tento afastá-la um pouco.
— Você é médica, sabe que precisa do oxigênio. — diz como se estivesse falando com uma criança que teima em mexer em algo que não deve, enquanto segura a máscara no meu rosto. — Não se esforce para falar nada agora, ok? — faço que sim com a cabeça. — Aquele brutamontes está lá fora esperando para te ver, mas você precisa descansar. Tenta dormir um pouquinho. Jajá eu volto para ver como você está e decido se deixo ele entrar ou não.
Não deu pra ele notar, mas eu ri desse último comentário. Mas foi um sorriso que logo se desmanchou ao pensar na situação constrangedora em que estou. Obviamente o Daniel já sabe que o Douglas e eu estamos tendo alguma coisa, pois fui trazida por ele para o hospital num sábado à noite e "vestida para matar", e quase morri.
Me sinto estúpida por não ter lembrado dessa maldita alergia quando o Douglas pediu para escolher a sobremesa. Para piorar, faz tempo que não carrego minha caneta de adrenalina para esse tipo de incidente. Ele deve ter ficado assustado ao me ver desse jeito.
Queria entender o porquê de eu sempre me meter nessas situações desastrosas... Preferia ter tido um orgasmo em pleno restaurante a ter vindo parar no hospital por conta de uma reação alérgica, fazendo com que o Dani descobrisse tudo da pior maneira possível.
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Não sei quanto tempo se passou, de fato peguei no sono. Desperto com o Daniel tirando algumas mechas do meu cabelo que se enroscaram no elástico que prende a máscara no meu rosto.
— Como está se sentindo?
Tiro a máscara para poder conseguir conversar melhor com ele.
— Melhor — minha voz sai rouca e fraca por causa do choque —, finalmente consigo falar e meus olhos já se abrem.
— Sim, seu rosto já desinchou bastante, só está um pouco vermelho ainda. — ele faz uma pausa enquanto eu me envergonho por ele ter me visto com o rosto deformado e cheio de edemas. — Mas você continua linda.
— Mentira, você não quer me deixar mal, isso sim — digo sorrindo e ele sorri também. — Como está sendo o seu plantão?
— Parecia uma noite normal e calma. Até você chegar inconsciente nos braços dele — responde tentando esconder a frustração.
— Desculpa — peço. — Aconteceu tudo tão rápido...
— Não precisa se desculpar. É a sua vida. — ele fica pensativo, encarando o nada por uns segundos. — Ele deve mesmo gostar muito de você. Foi preciso três seguranças para tirá-lo da sala de emergência.
— Nossa! Ele deve estar preocupado. — falo surpresa.
— Vocês estão namorando? — indaga sem cerimônias me deixando constrangida.
— Estamos nos conhecendo melhor. Saímos pela primeira vez para jantar e deu nisso que você está vendo.
— Então vocês resolveram aquele assunto que te deixou arrasada naquele dia? — pergunta curioso.
— É, ele resolveu — respondo sem aprofundar no assunto.
— E por acaso ele sabe de quem é a culpa por você ter sido afastada do hospital? — questiona um pouco irritado.
— E de quem é a culpa?! — devolvo no mesmo tom.
Sei que talvez o Douglas possa ter exagerado um pouco por não esconder o interesse por mim enquanto esteve internado, mas alguém inventou uma mentira. E não foi ele.
— Olha, não é porque eu não me conformo com isso, mas eu tenho a impressão de que ele vai te fazer sofrer. — fico sem acreditar nessas palavras. — Mas não é o que eu desejo, do fundo do meu coração. Porque você merece alguém que te faça feliz e que cuide bem de você. E não que tente te matar no primeiro encontro.
— Foi um incidente — explico. — Ele não teve a intenção.
Ficamos quietos encarando um ao outro. Talvez ele esteja querendo dizer que ele é essa pessoa que eu mereço, mas infelizmente, não é quem eu escolhi.
— Você quer que eu o mande entrar agora? — pergunta quebrando o silêncio.
Faço que sim com a cabeça e ele se aproxima, me surpreendendo com um beijo na testa. Ele anda até a porta e a abre fazendo um gesto para que o Douglas entre. Assim que ele atravessa a porta, o Daniel o acompanha somente com os olhos com uma expressão seria, até chegar perto de mim.
— Só dez minutos. Não tem horário de visitas no meio da madrugada. — o Daniel avisa ao Douglas, que parece não ter ouvido. Depois sai fechando a porta.
— Eu fiquei com tanto medo! — ele passa a mão pelo meu rosto, apavorado. — Como você está?
— Estou melhor — digo tentando acalmá-lo. — Não precisa ficar assustado, já passou.
— Karen, foi a cena mais apavorante da minha vida! — ele diz com as mãos no rosto. — E olha que eu já vi muitas no meu trabalho — acrescenta.
— Eu sei que eu devo ter ficado a cara do fofão, mas não foi tão ruim, foi? — brinco, tentando amenizar o pavor dele.
Ele ergue as sobrancelhas. Depois puxa a cadeira de acompanhante e senta.
— Você ficou desacordada todo o trajeto, do restaurante até aqui. — ele começa a contar. — Quando chegamos, eu te carreguei pedindo socorro e contando o que aconteceu ao mesmo tempo. Te colocaram na maca e uma enfermeira montou em cima de você fazendo massagem cardíaca enquanto uma equipe de... — ele pausa meio confuso e com o cenho franzido. — Não consegui contar quantos médicos e enfermeiros... Enfim, te levaram às pressas para uma sala e eu fui atrás. Tentei ficar perto porque estava com medo de que você não voltasse mais. — ele hesita. — Mas me forçaram a sair...
— Relaxa, eu estou bem. — ele me encara inspirando o ar. — Eu deveria ter avisado que sou alérgica, mas esqueci completamente disso, não imaginei que pudesse ter amendoim naquela sobremesa.
— Ainda não consigo não pensar no que poderia ter acontecido. — a expressão dele é de medo, encarando o chão. — Tudo o que eu penso é que você salvou a minha vida e eu quase tirei a sua. — ele torna a me olhar nos olhos.
— É assim que você vê? — pergunto surpresa e toco seu rosto com carinho. — Foi um acaso, um incidente, Douglas. — faço uma pausa pensando no que mais preciso dizer para explicar que ele realmente não teve culpa. — Você teve a chance perfeita de retribuir o que eu fiz e me salvou. Seu desespero te fez me trazer a tempo de evitar o pior. Você foi o meu herói hoje.
— E pretendo ser para sempre. — ele pega minha mão, a mesma que tocava seu rosto há pouco e a beija.
A maneira que ele me olha agora me faz ter certeza de que ele entendeu que não foi o responsável por aquilo. Finalmente. Eu detestaria que ele carregasse esse peso.
— Quando a gente vai repetir o jantar? — pergunto animada.
— Eu pensei que você nem iria querer sair comigo de novo — ele fala risonho. — Na minha casa. Quando você quiser.
— Pode ser amanhã? — indago evidenciando que não quero mais perder tempo.
— Claro! — concorda. — Pode ficar tranquila porque não vai ter amendoim em nada.
Alguém bate na porta.
— Deve ser o Daniel. Talvez esteja na hora de você ir — explico — Pode entrar! — falo alto para que dê para ouvir do outro lado.
O Daniel entra sem dizer nada e abre espaço para o Douglas sair, mas ele continua sentado. Olha para mim e depois para o Dani, parecendo pedir para ficar mais.
— Quando ela vai poder ir para casa? — pergunta o Douglas.
— Ela vai ter que ficar em observação, mas logo logo já estará liberada — responde o Daniel. Douglas continua analisando a informação sem se mover — Pode ir. Garanto que ela vai ficar bem. — assegura, parado ao lado da porta.
O Douglas se levanta para sair, mas muda de expressão parecendo lembrar de alguma coisa.
— Como tem tanta certeza? Você não é ortopedista?! — inquire.
— Fique despreocupado, eu dou conta dela — Daniel contesta fazendo meu corpo gelar e eu paraliso na hora.
Tem tanta tensão neste quarto que é possível cortá-la com uma faca. O Douglas saca que tem alguma coisa por detrás desse comentário e devolve a afronta.
— Descanse um pouco, Karen. — ele me dá um selinho e continua com o rosto próximo ao meu. — Quando tiver alta, me liga que eu venho te buscar. — em seguida, volta a me beijar, mas agora, como em uma cena de novela.
Eu fico encima do muro. Se eu corresponder a esse beijão, o Daniel vai ficar constrangido. Porém, se eu não corresponder, me complico com o Douglas. Eu não tenho nada com o Dani, e ele provocou isso.
Depois de me beijar por o que pareceu uma eternidade dadas as circunstâncias, o Douglas caminha em direção à porta com os olhos cravados no Dani, que não recua o olhar em momento algum até que ambos saem sem lembrar da minha existência aqui neste quarto.
O que foi isso? Penso quando finalmente fico só. Não entendo por que o Daniel agiu desse jeito. Até entendo que ele possa estar revoltado com o que aconteceu hoje e pense que foi por culpa do Douglas, mas ele ter dito isso me deixou mal nessa história. Deu a entender que ele já "deu conta de mim" antes.
E como deu...
~×~
Que tensão, hein gente!
O que será que está rolando agora do lado de fora do quarto???
~×~
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