11
Acordo sem coragem para abrir os olhos devido à dor de cabeça, resultado daquela caipirinha de ontem. O Daniel mencionou que teria uma reunião hoje. Será que ele já saiu? Não sei como vou olhar nos olhos dele e muito menos como vou lhe dirigir a palavra sem lembrar do que aconteceu na última noite. Ainda não tenho muita clareza nas lembranças, apenas flashs.
Abro os olhos devagar fingindo acordar agora. Ele não está ao meu lado, ufa! Retiro o edredom que me cobre e vejo que estou completamente nua. Me vem à mente o momento em que ele tirou o meu vestido... tão delicado e carinhoso... após isso o puxei para perto de mim, o beijei loucamente e tirei sua camisa.
Desperto do meu devaneio lembrando que a Paola que me trouxe e estou sem carro. Preciso encontrar meu celular, mas não lembro onde larguei minha bolsa...
Pensa, Karen!
Estava na mesa, lá fora. Depois levantei para dançar, mais tarde retoquei a maquiagem.... Ah... no sofá, onde tudo começou. Levanto devagar para que minha dor de cabeça não piore, porém esqueço do meu pé e ao pisar no chão, a dor que agora já está um pouco minimizada, me lembra do motivo pelo qual vim parar aqui na cama do Daniel.
Aquele peitoral definido... com pelos tão fininhos e quase transparentes me deixou louca. Eu esqueci que trabalhamos juntos, que temos um relacionamento profissional tão perfeito. Esqueci até o meu nome.
Manquei pelo quarto procurando minhas roupas. Tomei um banho no banheiro do quarto dele e estou na sala onde encontro minha bolsa. Pego meu celular e levo um susto com a hora, 10h35. Várias ligações perdidas da minha mãe, do Wes e da Paola. Tem mensagens também, procuro alguma urgente, mas são coisas irrelevantes, até que bato os olhos no nome dele: Daniel.
"Bom dia!
Não tive coragem de te acordar, você ficou tão cansada ontem... enfim, quando acordar, me liga. Quero saber como você está."
É... isso é real. Não vou ligar, não vou conseguir ouvir a voz dele, a mesma que esteve sussurrando loucuras em meu ouvindo na noite passada.
Disco o número do Wesley, mas nem sei se ele vai atender pois deve estar bem pior que eu, teve que ser levado daqui cedo por beber demais. Ele atende no segundo toque.
— Onde você tá, gata? — ele grita meio desesperado, parece que sumi por uma semana.
— Não grita. Minha cabeça dói... Estou na casa do Daniel. — ele dá um grito tão fino, que e eu chego a ficar zonza. Afasto o celular do ouvido até ele parar com o escândalo — você pode vir me buscar?
— Claro! Chego aí em 15min.
Ouço uns barulhos na porta da cozinha. Será ele? Ai, meu Deus! Não estou pronta pra isso. Ando devagar pelo corredor e ouço mais e mais barulhos de panelas e pratos. Não sei o que vou dizer. Dou mais uns passos e me surpreendo ao ver uma senhora com um uniforme preto e avental.
— Bom dia, Dona Karen!
— Bom dia — respondo. — Desculpa, como sabe meu nome?
— Trabalho para o Dr. Daniel há muitos anos. Meu nome é Carmen. Ele me ligou explicando que a senhorita estaria aqui. Não se acanhe — pede. — Seu café da manhã já está servido.
— Obrigada, mas — tento disfarçar e correr —, minha carona já está chegando e eu... — ela se dirige à mesa puxando a cadeira para que eu me sente.
— Imagina... Fique à vontade. — ela faz uma pausa e eu continuo parada em pé. — Me desculpe pela intromissão, mas se a senhorita não comer nada, o Dr. Daniel vai ficar chateado. — eu sorrio.
— Com uma condição — aviso.
— Sim, eu saio, tenho muito trabalho me aguardando lá fora.
— Não! Jamais... Quero que a senhora tome café comigo! — ela ergue as sobrancelhas. — A mesa está linda, eu como pouco e adoraria uma companhia.
— Não sei se devo...
— Acho que se a senhora recusar meu convite, o Dr. Daniel pode ficar chateado. — brinco. Ela sorri tímida e eu puxo uma cadeira para ela.
— Ficar chateado por isso é bem a cara dele mesmo. — reconhece sorrindo. — Tudo bem, mas não posso demorar.
A mesa está um espetáculo. Bolo de chocolate, pães, queijo e presunto, frutas, suco e é claro, um café bem preto e quentinho. Eu fui direto pro bolo de chocolate.
— A senhora foi quem preparou este bolo? — mordo um pedaço.
— Sim, os pães também — comoleta. — O Dr. Daniel vive dizendo que algumas coisas eu posso comprar prontas, mas eu gosto de fazer.
— Está uma delícia!
— Obrigada. — ela agradece enquanto pego o café e sirvo à nós duas. — A senhorita deve ser uma moça muito especial, pois o Dr. Daniel já ligou três vezes para saber se a senhorita já tinha acordado e se estava bem. — meu coração acelera.
— Sério?! — inquiro chocada. — Quero dizer, não duvido da senhora... é que... eu não esperava.
— A senhorita também é médica?
— Não precisa me chamar de senhorita, e nem de dona — digo sorrindo. — Sou sim. Cardiologista.
— Que legal! Você trabalha no mesmo hospital que o Dr. Daniel ou em seu consultório?
— No mesmo hospital que ele. Não tenho meu próprio consultório. — bebo um gole do café. — Mas meu pai tem pegado muito no meu pé para abrir o meu. Não quero, gosto do hospital, da emergência.
Ouço buzinas. Deve ser o Wes.
— Acho que é a minha carona. — me levanto. — Foi um prazer conhecer a senhora.
Dou-lhe um abraço e a agradeço pela atenção. Pego meus sapatos e os levo na mão, mancando. O Wes está do lado de fora do carro, encostado no mesmo.
— O que aconteceu? Por que você está mancando?
— É uma longa história.
Entramos no carro e ele dá partida.
— Me conta tudo! — ordena ele.
— Não sei por onde começar — digo já me justificando.
— Vou facilitar. Vocês transaram? — olho-o sem acreditar que ele acha que é só isso que importa. E o meu pé?
Havia tantas coisas para o meu cérebro processar antes de contar à alguém... Tudo o que a Paola e o Wes falaram, tudo o que o Daniel e eu fizemos... Aquela caipirinha realmente anestesiou meu corpo, mesmo assim cada toque das mãos dele, dos dedos dele, DELE... foi tudo muito intenso.
— Sim, a gente transou sim.
— E por que você está com essa cara?! Ele é ruim de cama?
É mais forte do que eu, não consigo controlar. As lágrimas escorrem e vêm os soluços para piorar. Logo o Wes para o carro.
— O que foi, Karen?! Ele te machucou? Foi grosso com você? — ele faz uma pausa aguardando minha resposta, mas não sai uma palavra. — Fala logo! Daí eu viro macho e arrebento a cara daquele médico gostosão!
— Foi maravilhoso, perfeito, intenso. — soluço e respiro fundo. — Ele é um amor, um doce.
— Então qual é o problema???
— O problema, Wes, é que ele é meu colega de trabalho. — limpo as lágrimas em vão, pois outras logo começam a escorrer. — A gente faz um trabalho incrível juntos. Nos vemos de duas à três vezes por semana em épocas tranquilas. Natal, Ano Novo e Carnaval, a gente passa quase e às vezes mais de 24h num plantão super exaustivo perdendo e salvando vidas. — ele emudece enquanto eu retomo o fôlego — EU NÃO SEI MISTURAR AS COISAS! — me exalto e começo a falar mais alto. — Não sei transar e depois fingir que não aconteceu. Não sei "aproveitar as oportunidades" sem que isso interfira na minha relação profissional com ele.
— Caralho!
O Wes sai do carro e volta em menos de um minuto com uma garrafa d'água e me dá. Vou bebendo aos pouquinhos, pois os soluços atrapalham.
Seu celular toca e ele atende no viva-voz.
— Fala, Paola.
— E aí? Buscou ela?
— Ela está aqui, malzona.
— Nossa! Então não foi uma boa ideia aquele teatrinho nosso ontem.
— É o quê?! — questiono bem irritada.
— Nada, ela não disse nada...
— Porra, Wes! Você colocou no viva-voz? — indaga aos berros.
— Que teatrinho? — pergunto intrigada.
De repente lembro daquela cara que ela fez ao entrar na cozinha dizendo que o Wes tinha bebido demais e relacionei ao fato dele estar super bem, sem vestígio nenhum de que encheu a cara.
— Vocês combinaram isso com o Daniel também??? — pergunto ríspida.
Os dois começam a se explicar ao mesmo tempo, atropelando as palavras um do outro e eu não consigo entender mais nada. Eles falam, falam e falam até que o Wes para e só ouço a Paola.
— Tinha tudo para dar certo!
— Vocês me manipularam!!! — grito. — Que papelão do Daniel, hein!
— Eu não te manipulei, Karen! Você tem vontade própria, querida!
— CALEM A BOCA VOCÊS DUAS! AGORAAA! — o Wes berra e eu acato seu pedido, seguida da Paola. — Em primeiro lugar, nós demos um tiro no escuro. Não sabíamos se ele notaria a oportunidade. A Paola te chamou para ir embora e, se ele não falasse nada, você viria junto. Em segundo lugar, uma pergunta: Você recusou quando ele se ofereceu para te levar em casa?!
— Aquele pessoal lá começou a...
— VOCÊ RECUSOU? — ele insiste em um grito.
— Não — respondo como um rosnado.
— Então, em terceiro lugar... — ele faz uma pausa, parece que esqueceu o que ia dizer. — Ah, não precisa de terceiro lugar, eu já arrasei nos dois primeiros. — tento conter o riso, pois ainda estou com muita raiva, mas escapole uma risadinha e eles riem também.
— Alguma dúvida, Karen? Ficou claro que a gente só deu um empurrãozinho de leve? — Wes pergunta.
Penso tentando encontrar alguma interrogação na minha mente, mas não há nenhuma, realmente o que aconteceu depois foi totalmente aleatório. Exceto pelo fato de eu tomar a iniciativa de beijar o Daniel. Que infeliz eu fui... agora estraguei nosso convívio pacífico no hospital.
— Não tenho nenhuma dúvida. Até me diverti. — reconheço. — Só ferrei meu tornozelo e minha convivência com ele.
— O que aconteceu com seu tornozelo? — eles perguntam juntos e meio embolado, mas foi o que entendi na mistura de suas palavras.
Contei sobre o meu mico e o que aconteceu depois, mas censurando boa parte, porque eu não gosto mesmo de revelar minhas intimidades. Ocultei como foi prazeroso o simples fato de ele roçar aquela barba em meu pescoço enquanto me beijava, descendo seus lábios ainda me beijando até chegar em meus seios... descendo mais beijando minha barriga e não parou por ali. Desceu mais e eu quase subi pelas paredes. Assim, cheguei ao clímax pela primeira vez, naquela noite.
O Wes liga o carro novamente e prossegue no caminho para minha casa. A Paola já desligou e voltou ao trabalho.
— Você não deveria estar tão preocupada com sua "relação profissional" com o Daniel. Em Grey's Anatomy, aqueles médicos vivem se pegando e dá tudo certo no final.
— Não mesmo! Só o George fez a Meredith chorar logo após a transa e a Torres virou lésbica depois de casar com ele. — o Wes me dá uma olhada de cima abaixo.
— Você tem resposta na ponta da língua, hein?! Parei...
— Wesley, isso aqui não é "A Anatomia da Karen", é a minha vida! — digo apontando para mim mesma - Eu queria dar um jeito de sumir hoje, porque amanhã estaremos todos de plantão. Ele, eu a Paola e o abominável Dr Júlio. Sem contar que devo uma resposta ao Douglas.
— Bom, você tem o direito de reagir como quiser. Uma transa entre amigos não tem o mesmo significado para todo mundo. Acho que você precisa conversar com ele e se abrir. Mas não do mesmo jeito de ontem né, colega...
• • •「◆」• • •
Passei o resto do dia alternando entre dormir, relembrar e tentar esquecer. Dormir porque estava muito cansada, relembrar porque é inevitável. E esquecer porque é preciso, para conseguir suportar as horas até o momento em que terei que encará-lo pela primeira vez após nossa noite cheia de imprevistos.
Já é noite e preciso retornar a ligação da minha mãe. Ainda deitada na cama, com o Théo, disco o número dela.
— Oi, minha filha!
— Oi, mãe. Se divertindo muito aí com o papai?
— Ah, a gente se desentendeu, mas já está tudo bem. — pela voz dela, já está tudo bem mesmo.
— E o que houve?
— Ele cismou que você tem de deixar o hospital e abrir seu consultório. — ela faz uma breve pausa, imagino que seja pra eu processar o assunto.
— Brigaram por minha causa??? Pelo amor de Deus, mãe!
— Não brigamos, Karen. Só temos opiniões diferentes sobre isso. Até ele tocar nesse assunto de novo, sempre concordei com ele. Desta vez eu acho que você deve fazer o que quiser.
— Então que bom que você me apoia.
— Não apoio. Eu até concordo com ele, mas não quero que ele te force a fazer o que não quer.
— Agora eu devo dizer o quê? Obrigada? — ela respira fundo.
— Acho sim, sua ingrata... Estou tentando fazer com que ele deixe você decidir.
— Desculpa, mãe — peço. — Eu sei.
— Karen, seu pai e eu trabalhamos em emergência por muito tempo e estamos muito mais que habituados. Lembra como foram difíceis os seus primeiros meses no hospital?
— Lembro, mãe... Esquece isso.
— "Esquece" não. É necessário lembrar que você não conseguia dormir, comer e ficou doente. Eu cheguei a me arrepender de ter te submetido a seguir a minha profissão, mas você foi forte e continuou. Você já provou que é audaciosa, mas se dê um tempo dessa pressão do trauma.
— Você acabou de dizer que não quer que eu seja obrigada a nada — argumento.
— Não estou te obrigando, estou te aconselhando — esclarece. — Você é quem sabe.
— Enfim, daqui a uns dias quando vocês chegarem, a gente conversa mais sobre isso tá, mãe?
— Voltaremos amanhã pela manhã. Seu pai vai ter que antecipar uma cirurgia de remoção de um tumor no cérebro, a qual ele vem se preparando há meses. Está muito animado para tirar toda a pesquisa do papel.
— Que bom! Então depois do trabalho eu vou ver vocês. — deixo escapulir um bocejo. — Eu fui à uma festa ontem e estou muito cansada, mãe. Amanhã nos falamos.
— Tudo bem, estou feliz que esteja voltando a ter uma vida social e esquecendo aquele rapaz infeliz.
E arrumando mais problemas com um colega de trabalho. — penso.
— Okay, mãe. Boa noite.
— Boa noite. Eu te amo, minha filha.
— Eu também te amo, mãe.
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