O encontro
Andei por horas, tive vontade de pegar um ônibus e dormir em casa, mas Marinne estava certa e este seria o primeiro lugar que me procurariam.
Fiquei tentado em pedir ajuda para a Gianny, mas e se ela fosse má mesmo e me levasse de volta para a Célia? Se eu soubesse que posso confiar nela, certamente pediria ajuda porque eu sei que seria o último lugar que pensariam que eu estou.
Pensei em ligar para algum amigo meu, mas nenhum pai iria me deixar morar lá ou passar alguns dias e pior, poderiam me levar de volta ao orfanato.
Pensei em dormir num hotel, mas prefiro gastar dinheiro com comida quando a minha terminar.
Então, o que me restou foi dormir na rua e mesmo com um casaco grosso, sentir aquele intenso frio. Nunca me senti tão sozinho como naquela noite.
Acordei, comi, dormi e assim passaram-se dois dias. A minha comida acabou, então tive que comprar. Me olhavam torto, na certa pensavam que eu roubei de alguém ou que deixei acumular as esmolas para comprar algo.
Esmola... acho que é algo que eu devo começar a fazer porque senão eu estou perdido.
Passaram-se três dias e o dinheiro da minha mãe havia terminado. Consegui dinheiro com esmola, se é que se pode chamar isso de dinheiro. A maioria fingi que o mendigo não existe, nem olha, é como se eu fosse invisível.
Andei muito, não tinha mais o que ser feito. Estava com saudades da Marinne, queria conversar com ela, mas não tinha dinheiro para ir numa Lan house, nem para comer eu tinha e se eu arrumasse, certamente eu iria comprar algo para comer, ao invés de ir na Lan saber notícia dela.
A minha fome começou a apertar, não comi nada hoje e só tinha apenas um real no bolso. O que fazer com um real? Comprar bala, era o que dava.
Vi uma lojinha, lá tinha bala, mas eu estava com fome, com muita fome, eu queria comer, não queria uma bala e se... eu roubasse? Eu sei que é errado, espero que os meus pais me perdoem, mas eu preciso comer.
Nem cheguei a entrar na loja, peguei o primeiro biscoito que estava ao meu alcance até que apareceu um homem que me segurou, tentei lutar, mas ele era forte e eu não conseguia sair, estava completamente imobilizado.
“Eu vou ligar para a polícia.” Ele falou. Logo uma multidão começou a cercar o local. Comecei a chorar.
Mas apareceu um anjo, ou um maluco, ainda não sei o que seria.
“Então você está aí, Vincenzo?” Ele deve estar me confundindo com alguém. Apenas olhei e não disse nada.
“Desculpa, ele é mudo e sofre de um pequeno transtorno mental. Os médicos ainda não sabem direito o que seria, mas ele gosta de fugir de casa e cometer pequenos delitos. Acho que é para chamar atenção. Ele é o meu primo.”
“Senhor Ferrandini, eu não sabia que ele era. Se eu soubesse, jamais teria feito algo desse tipo.” O homem abaixou a cabeça e me soltou. Sorri. Estava livre.
“Eu sei disso. O biscoito está aqui. Mais uma vez me desculpa.” Ele pediu.
Não estou entendo nada, só sei que ele devolveu o meu biscoito e eu estou com fome! Merda. Revirei os olhos.
Saímos de lá e toda a aglomeração se espalhou. Só sei que ele deve ser muito rico e respeitado. O cara da loja ficou com medo dele e ele só deve ser um pouco mais velho que eu.
“Obrigado por me tirar dessa enrascada, mas eu não sou o seu primo.” Disse dando de ombros.
“Eu sei. Não tenho primos.” Ele sorriu.
“Por que você me salvou?” Perguntei curioso.
“As pessoas tem a péssima mania de enxergar o crime, mas não ver o que motivou ele. O seu foi a fome.”
“Sim, foi.” Se ele sabia o motivo, por que ele não comprou o meu biscoito? Abaixei a cabeça por pura frustação.
“Qual o seu nome?” Ele perguntou.
“Salvatore Spinoza e o seu?”
“Christian Ferrandini. O que acha de ir até o Mcdonald's comigo?” Ele perguntou.
Sorri. Foi inevitável. “Por que está fazendo isso tudo? Não era mais fácil ter comprado o meu biscoito?” Perguntei. Era no mínimo estranho.
“Não sou viado, mas gostei de você e sei que aquele biscoito não mataria a sua fome. O que aconteceu com você? Sei que não vive nas ruas há muito tempo.”
“Como sabe? Também te achei legal.” Não sou viado, mas como não gostar desse cara?
“O seu tênis. Ele deve ter no mínimo um ano e você não está cheirando tão mal como os moradores de rua.”
“Ele tem seis meses. Me amarro em tênis, ele é de uma das últimas coleções da Nike.” Disse.
“Eu sei. Tenho ele. Na verdade, Eu tenho tudo que eu quiser. Vamos para um dos meus apartamentos, lá você vai poder tomar um banho e trocar de roupa. Não posso ir com você num lugar público com você desse jeito.”
Ele tem razão. Alguns diriam que ele é metido, mas acho que ele é tão acostumado com o dinheiro que para ele o que ele diz soa como natural, não é para humilhar ninguém.
“Você tem apartamentos aqui?” Disse assustado.
“Dois, mas pretendo ter mais. Vou te levar para o mais próximo.”
Nos aproximamos de um carro incrível! “Uau, é seu?”
“Sim. Eu sou um dos caras mais ricos da Itália. Acho que sou até mais do que o presidente.”
“Nossa, o que os seus pais fazem?” Perguntei curioso.
“Ficaria surpreso se soubesse. Mas eu vou te contar mais tarde.”
Entrei no carro dele e fomos para o apartamento que ele estava falando.
“Chegamos.” Ele disse ao abrir a porta. O apartamento era lindo, aconchegante e muito espaçoso.
“Você mora aqui?” Perguntei.
“Este apartamento é o que eu mais gosto, mas eu moro com os meus pais numa mansão.”
Ele colocou as chaves em cima da mesa e começou andar num corredor. “Vem cá.” Ele me chamou. Comecei a segui-lo.
“Bom, eu sou mais alto que você e malho. Então a roupa não vai ficar lá essas coisas, mas vai servir.” Ele disse enquanto abria o armário e pegava uma roupa dele.
“Toma.” Ele disse e eu peguei.
“Você ainda me deu combinando. Que mauricinho da porra.” Saiu sem pensar.
“Você acha que eu ia andar com alguém mal vestido? Não sou viado, sou estiloso. Se quiser sair comigo para comer terá que ser nos meus termos, seu imbecil.” Ele ia sorrir, mas tentou se segurar na pose de mau encarado.
“Eu gostei. Você tem bom gosto, estava só zuando. A bichinha está irritada?”
Sei que parece sem noção falar isso para alguém que não me conhece e que está me ajudando, mas eu gostei dele e quando um homem gosta de um homem ele demonstra das formas mais bizarras possíveis.
Está prematuro para dizer, mas talvez este seja o começo de uma grande amizade.
“Sai para lá, seu arrombado! Vai tomar banho e vê se não pensa em nenhuma mulher no chuveiro porque eu não vou ficar esperando nenhum viadinho bater uma não. Lembre-se de que quem está com fome é você!”
“Ok. Estou indo.” Eu disse sorrindo.
“Antes disso...” Ele apareceu com um copo de água que eu virei na mesma hora.
“Eu não moro aqui, então só tem isso.” Ele deu de ombros tentando se desculpar.
“O que você está fazendo por mim não tem preço. Obrigado mesmo, eu nunca vou poder te dar nada em troca, mas saiba que sempre terá a minha lealdade e que poderá contar comigo para sempre.” Disse com sinceridade.
“Você também, seu baitola. Agora vai tomar o seu banho antes que comece a chorar igual a uma menininha.” Ele me disse me empurrando para o banheiro.
“Ou é você que ficou comovido?” Perguntei com um tom de voz, zombeteiro, dando um soquinho no ombro direito dele.
Ele não resistiu e sorriu. “Sou homem, porra! Vê se te manca, arrombado!”
Tomei banho e coloquei a roupa.
“Depois eu te compro umas roupas novas.” Ele me disse ao constatar que ficaram um pouco largas e grandes. Mais largas do que grandes.
“E os seus pais?” Perguntei. Eles não iriam gostar disso e por mais que ele tenha dinheiro e esteja querendo me ajudar é abusar de mais, não é?
“São podres de ricos e o meu cartão é ilimitado. Vamos comer?”
Entramos no carro dele. Vou comer! Nem acredito!
Entramos no Mcdonald's. Ele pagou o lanche e sentamos para comer. Ele ficou me analisando por uns segundos, enquanto eu comia.
“Cara, respira! O hambúrguer não vai sair correndo por aí. Come com calma, temos todo o tempo do mundo.” Ele disse rindo e eu fiquei envergonhado ao me dar conta de que estava comendo igual a um animal.
“Me desculpa.” Comecei a comer com mais calma.
Ele sorriu. “Então, fugiu de casa?” Ele perguntou.
“Não. Após matar os meus pais, eu fui mandado para um orfanato, mas eles maltratam a todos lá e eu resolvi me mandar.” Disse. Tentando me controlar para não chorar. Falar disso me faz reviver tudo o que eu passei nesses dias.
“ – Não matarás pai e mãe - é um mandamento da bíblia. Você pode fazer tudo, tudo nessa vida é perdoável, menos isso. Mas você não parece o tipo de cara que mata. O que houve? Eles tentaram de matar?” Ele negava com a cabeça. Ele se revoltou com o que eu fiz. Sou um monstro.
“Não. Eles me amavam e eu os amava. Mas, eu os convenci a irem num camping comigo em Cavallino. Nós estávamos indo de carro, começou a chover muito, tinha um bêbado indo na contra mão, o meu pai não viu, o carro bateu e...” Não consegui terminar, mas acho que ele entendeu.
“Ok. Ainda não entendi como você matou os seus pais. Me explica, estou um pouco lento hoje. Você pegou o volante das mãos do seu pai para bater no carro do bêbado? Eles não viram o carro, mas você viu. Foi isso? E se foi, por que você fez?”
Ele me perguntou ainda com calma. Se fosse outro já teria ido embora, ele citou um mandamento bíblico. Deve ser religioso. Perdi um amigo.
“Não. Eu convenci eles a irem no camping comigo.”
“Então você não os matou. Fatalidades acontecem.” Ele deu de ombros e sorriu.
“Mas se eu não tivesse convencido, eles certamente estariam aqui.” Eu disse.
“Bom, mas não estão e eu queria saber se você quer morar com os meus pais. Eu não quero te deixar na rua, cara.”
“Eu quero, mas eles me aceitariam?” Perguntei cheio de esperanças.
“Sim, mas a gente precisa conversar sobre algumas coisas antes.” Ele disse. Quando a esmola é demais o santo desconfia.
“Tudo bem. Pode falar.” Disse.
“Vamos comer e a gente conversa no meu apartamento.”
“Ok.”
Terminamos de comer e entramos no carro dele.
“Você tem quantos anos?” Perguntei.
“Não sei e você?” Ele disse, após respirar fundo.
“16. Ah, qual é? Você é um baitola mesmo. Quem não diz a idade é mulherzinha!” Disse.
Ele respirou fundo novamente. “Você teve o privilégio de conhecer os seus pais, de ser amado por eles e de conviver com eles durante 16 anos da sua vida. Eu nunca vi os meus pais. A minha mãe me abandonou num dos becos mais perigosos da Itália no meio do frio. Eu era apenas um bebê. Mas eu tive sorte e fui encontrado. Eles me adotaram, mas nunca me deram amor, principalmente a minha mãe. Eu tenho tudo que se possa comprar, menos o amor dos meus pais, menos amigos. Eu não sei qual é o meu verdadeiro nome, eu não sei quantos anos eu tenho de verdade. Eu tenho 17 anos, mas talvez eu tenha 18. Não sei.”
“Desculpa, eu não sabia.” O que dizer numa hora dessas?
“Tudo bem. Ninguém sabe. Eu contei para você porque eu acho que posso confiar em você.”
“Como você não tem amigos? Você é um cara tão legal!” Disse sem acreditar que isso pode ser verdade.
“O dinheiro fode com isso tudo. As pessoas só veem notas, não te enxergam de verdade.”
Percebi que ele estava ficando triste com o rumo da conversa e resolvi mudar.
“ Já jogou street fighter?” Perguntei sorrindo.
“Amo esse jogo! Vamos jogar mais tarde?” Ele disse animado.
“Lógico!” Fiquei triste e olhei para a janela, tentei ver a rua e esquecer de tudo.
“O que foi?” Ele perguntou ao notar a minha súbita mudança de humor.
“É que eu só pude fugir do orfanato com dinheiro, comida e o meu celular. O resto das minhas coisas ficaram lá, incluindo o meu Xbox. Foi o último presente que o meu pai me deu. Pedi para uma menina guardar as minhas coisas no armário dela, mas acho que eu perdi tudo.” Dei um meio sorriso só de lembrar da Marinne.
“Se você está sorrindo por isso, é porque gostava da garota, né?”
“Sim. Ela foi a primeira garota que eu gostei, mas vou tirar isso da cabeça porque não poderemos ficar juntos mesmo.” Dei de ombros.
“Eu vou pegar as suas coisas. Só preciso de mais detalhes sobre esse orfanato aí.” Ele disse.
“Mas como?” Perguntei surpreso.
“Sou o Christian Ferrandini. Tudo que eu quero, eu consigo!”
“Mas é perigoso, tem certeza? Pode acabar preso!” Disse temeroso.
Ele riu. “Eu preso?”. Sorri. Não sabia o que dizer. Só porque ele tem dinheiro acha que está imune à lei?
Chegamos no apartamento dele.
“Senta aí, cara.” Ele disse me apontando o sofá. Sentei.
“Olha, eu não sei ficar enrolando. Vou falar logo tudo, ok? Mas peço para que não me julgue, como não julguei a você. Se não quiser morar comigo, apenas diga não e que tudo que eu fale aqui, morra aqui, entendeu?” Ele disse. Isso me assustou um pouco. Assenti com a cabeça.
“Lembra que eu te disse que o beco onde eu fui deixado e encontrado era perigoso? Não fui encontrado por um anjo. Ele é chefe da máfia italiana, como eu sou o filho dele fui treinado para matar, para praticar crimes, todo o tipo de crime possível. O meu pai está querendo se aposentar e ele me incumbiu para formar um grupo de 4 a 6 pessoas para trabalhar comigo. Eu poderia te deixar morar em algum apartamento meu, mas o meu pai descobriria por causa da fatura do cartão e mais cedo ou mais tarde eu teria que contar. Só vou deixar de me justificar com ele quando eu virar o chefe. Se você for morar comigo, será para virar mafioso. Terá um treinamento, uma casa, muito dinheiro e um amigo. Se quiser negar, vai continuar sendo um mendigo e se essa conversa vazar, vai ser um homem morto. O que me diz?”
Quero correr daqui.
“Christian, eu agradeço a proposta. Mas não quero praticar crimes. Pode deixar que eu não contarei nada para ninguém.” Tentei agir com naturalidade. Meu Deus, no que fui me meter?
Me encaminhei para sair de lá. “Você tem um mês para pensar na minha proposta. Vou te esperar todos os dias em frente ao Mcdonald's e ficarei das 14 até as 16 te esperando.”
“Por que eu? Nem roubar aquela lojinha eu consegui.” Disse.
“Eu não sei. Meu pai me disse que eu teria que procurar na rua quem seria os meus companheiros e que eu sentiria dentro do meu coração quem deveria ser. Eu acho que é você.” Ele disse.
“Entendi.” Não entendi, mas é melhor deixar para lá. Nunca serei o que ele quer que eu seja.
“Toma.” Ele me deu 100 reais.
“Para você não ficar com fome. Se você quiser te dou mais depois. É só me encontrar no local combinado.”
“Você é muito bom para ser um mafioso.” Eu disse com sinceridade.
“Não sei se levo isso como um elogio ou não.” Ele sorriu e eu sorri de volta.
“Tchau, cara.” Eu disse.
“Tchau.” Ele disse, abriu a porta e eu saí outra vez sem rumo pela cidade.
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Boa noite, meus amores!
O que vocês acharam do primeiro encontro dos dois?
Eu ia postar este capítulo ontem, mas fiquei sem wi fi e só voltou agora. Me desculpem.
Dedicado á:
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