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Agora

CHARLIE

Nunca soube como reagir a certas coisas. Não soube como reagir a meu câncer, e o pior de tudo é tentar imaginar o que está acontecendo no meu corpo nesse instante. No início eu não chorei, não esbocei nenhuma reação, porque tudo era muito novo e eu não fazia ideia do que significava ter câncer.

No terceiro dia a ficha caiu. De repente, todos os meus sonhos, desejos e tudo o que conquistei pareceram inalcançáveis e distantes. Então eu chorei, mas Ethan estava perto para me ajudar, porque ele sempre está. Ele tenta a todo custo não transparecer sua tristeza ou a gravidade do problema, mas sei que meu corpo é como uma bomba, que ao invés de explodir só tem um destino final: a morte.

Meus cabelos estão ralos e não gosto de me olhar no espelho. Tenho vergonha do olhar de Ethan sobre mim, no entanto ele continua me dizendo que sou o homem mais bonito do mundo.

Logo quando estávamos nos reconciliando o diagnóstico veio. Entrei no hospital com apenas uma dor nas costas e não saí mais. No início tentaram esconder o câncer de mim, mas eu sabia que tinha algo de errado. Briguei com meus pais, chorei e briguei com Ethan. Implorei para me dizerem o que eu tinha, até que me disseram. Às vezes acho que seria melhor não saber de nada e viver numa ilusão completa de que tudo vai passar. Eu sei, no fundo, que nada disso vai passar.

A cama do hospital é confortável, mas ficar muito tempo deitado me deixa irritado. Quero cozinhar, caminhar, sinto saudades de Dixie e do meu apartamento... E do restaurante que eu só visitei uma vez.

Estou mais triste do que de costume. No hospital não há tempo para ser egoísta ou mesquinho e agora vejo quanto tempo eu perdi ao ser uma pessoa tão irritante. Às vezes não tenho vontade nem de falar, querendo ser consumido pelo silêncio desse lugar.

Ouço uma batida na porta e suspiro baixinho de olhos fechados. A porta abre e abro os olhos, esperando algumas palavras alegres de meu pai, da minha mãe ou então os beijos de Ethan. Ele está mais cansado do que eu, pois precisa cuidar do namorado doente e da carreira promissora. Queria não ter brigado com ele daquela vez, não precisava ter exigido tanto dele...

━Ethan? -falo baixinho

Minha voz está fraca e quase não a reconheço. Sai num sussurro frágil, baixinho. Não gosto disso.

━Ele não gostou nada da minha visita, mas me deixou te ver.

Aquela voz faz meus olhos se arregalarem. Octave está ali, com um sorriso travesso nos lábios e o mesmo olhar direto que eu conheço. Há uma barba rala em seu rosto. Não sei como reagir. Sinto meu rosto esquentar e percebo que não quero que ele me veja desse jeito.

━O que está fazendo aqui? -pergunto, ajeitando-me no colchão

Ele senta aos pés da cama e toca minha perna por cima da coberta azul. Estou magro demais, eu sei, mas ele não fala nada.

━Vim te ver, sua mãe me contou que você estava no hospital.

━Ela te disse que eu vou morrer? -digo secamente

Claro que ela disse. Por qual razão Ethan o deixaria entrar aqui? Por pena e para se despedir de mim. Octave franze o cenho e suspira alto.

━Não me disse nada disso.

━Veio se despedir? -arqueio as sobrancelhas

Sei que estou sendo malvado e desnecessário, mas Octave não se irrita. Notei que, quando se está numa cama de hospital, é possível ser o quão irritante quiser, ninguém vai brigar por isso. Não que eu goste de testar o limite das pessoas, mas sei que não sou uma fácil de lidar.

━Vim te ver, Charlie. Está precisando de algo?

Ainda sinto raiva dele. Traí Ethan com ele para, no final, não ficar com nenhum dos dois. Ele acabou me trocando por qualquer um, um garoto, e Ethan não olhou para mim por um bom tempo.

━Nada.

Minha voz sai trêmula e me odeio por ter vontade de chorar. Estou angustiado, apavorado e amedrontado e as lágrimas saem com facilidade. Gostaria de conversar com alguém, mas não quero atrapalhar. Engraçado, agora estou pensando mais nos outros, quando devia estar pensando em mim.

━Também vim para te pedir desculpas. Não foi certo insistir para ficar com você quando Ethan era seu namorado.

━Você nunca se importou de verdade comigo, Octave. É tão egoísta quanto eu. Sempre pensou só no próprio prazer. Na França você me traía descaradamente, me magoava e nem se desculpava. Eu nunca concordei em ter uma relação aberta, mas minha opinião nunca importou para você.

Ele sorri com tristeza e busca minhas mãos, apertando-as com leveza. Afasto-me de seu toque, sentindo minha garganta apertada de angústia e vontade de chorar. Não gosto da proximidade dele e das lembranças que ele traz em minha mente. Octave me machucou e eu fui idiota o bastante para cometer o mesmo erro de ficar com ele. Não me importo mais de magoá-lo, porque ele já fez o mesmo comigo.

━Desculpe, Charlie. -ele levanta-se, cabisbaixo

Meu coração acelera ao vê-lo triste e sinto raiva de mim mesmo. Suspiro baixinho e o encaro diretamente e com seriedade.

━Eu escolhi ficar com você, fui idiota e traí Ethan. Aquilo custou vários dias longe dele, dias que eu jamais irei recuperar. Eu esperava que você fosse ficar comigo, mas quando Ethan nos viu juntos você me deixou, como sempre. E eu fiquei sem ninguém. Agradeço por Ethan ter me perdoado, mas eu precisava dizer isso a você, por ele. Jamais deveria tê-lo trocado por você, Ethan não mereceu isso. Caí na sua conversa e fui idiota.

Sua expressão se fecha e ele coloca as mãos nos bolsos, nervoso e envergonhado. Falei o que precisava, mas odiei ter soado como vítima.

━Sempre fui um péssimo namorado. Nós éramos tão jovens quando nos conhecemos, eu achava que a vida era uma festa e que você ia ficar ao meu lado, não importando o que eu fizesse. Eu sempre te amei Charlie, mas do meu jeito. Desculpe por ter te magoado.

Ele sempre havia sido melhor com os discursos do que eu. Sinto uma lágrima escorrer por minha bochecha e Octave se inclina, secando-a com o indicador. Seus lábios tocam minha testa e eu fecho os olhos, perdido em memórias boas e ruins. Talvez esse seja nosso adeus.

━Nós dois fizemos coisas idiotas. -murmuro baixinho

Minhas mãos agarram-se em sua camisa e me encosto em seu peito. Não quero fazê-lo se sentir culpado, por isso o perdoo. Pelo canto do olhar consigo ver Ethan espiando pela janela do corredor. Fico envergonhado com seu olhar, mas ele logo afasta-se, nos dando privacidade. Nesse momento sei que minha situação deve ser grave demais.

______

O choro já me consome por inteiro. A cada soluço sinto minha barriga doer e minha voz falhar. Meu rosto está todo molhado, mas o escondo no travesseiro, triste demais para verbalizar minha dor. Sinto muita dor nas costas e na barriga, mas não choro por isso e sim porque não há nada que eu possa fazer.

Os dedos de Ethan enroscam-se em meus cabelos ralos e, pela primeira vez, odeio quando ele me toca. É como se eu estivesse desaparecendo aos poucos. Não quero que ele repare em mim e nem que me olhe, porque não gosto do que vejo no espelho.

Ouço, por cima de meus gemidos, alguém entrar no quarto e, minutos, segundos ou horas depois, a dor passa, me deixando adormecido. Fico perdido no tempo e no espaço, grogue demais para perguntar qualquer coisa. Abro os olhos com dificuldade, vendo uma cena borrada a minha frente. Pisco várias vezes antes de focar minha visão em Ethan.

Ele sorri para mim, seus olhos azuis estão vivos, mas cansados. Sinto seus dedos em meu queixo e fecho os olhos com o carinho. A vontade de chorar volta ao saber que ele está desse jeito por minha culpa. Será que ele ainda está fazendo sessões de fotos? Tenho medo da resposta, então não pergunto.

São meses nesse hospital e nada muda. A cada dia fica pior, a cada dia sei que não há mais solução. Ninguém me fala nada e meus pais continuam sorrindo e tentando me animar, Ethan me beija e abraça todo dia, mas eu sei que eles escondem meu verdadeiro quadro de mim. Não quero mais saber, porque não aguento mais chorar. Ás vezes acho que seria melhor ir embora logo, porque a dor é insuportável.

━Por que deixou-o vir aqui ontem? -me assusto com o tom fraco da minha voz, mas não esboço reação

Ethan acaricia minha bochecha com delicadeza e entrelaça seus dedos nos meus. Estou tão magro que meus dedos quase somem no meio dos dele.

━Ele quis te ver e seus pais acharam importante a visita dele. -penso no quanto meus pais devem estar incomodando Ethan

━Desculpe. -murmuro, engolindo em seco com dificuldade

━Pelo quê? -suas sobrancelhas se unem com confusão

━Por meus pais. Por Octave. Acho que fui bastante rude com ele, mas acabei o perdoando -respiro fundo, de olhos fechados- Não queria que você tivesse visto nosso abraço. Não quis me despedir dele com raiva. -concluo com dificuldade

━Eu sei. -sua voz é suave e fecho os olhos para apreciá-la melhor- Sempre me dei muito bem com seus pais, por que agora seria diferente?

O efeito da morfina está passando e meus sentidos começam a ficar melhores.

Nós dois rimos com a ironia. Levo sua mão até meus lábios e a beijo com carinho. Gosto de seu toque quente em mim, sinto saudades das nossas intimidades, de nossos beijos intensos, mas não posso exigir que ele fique animado ao me ver assim.

Nunca tento nada com Ethan, apenas aceito seus beijos, mas ele sabe que tem algo errado e cutuca minha bochecha com um sorriso travesso. Ele finge que não há nada de errado comigo e que continuo bonito.

━Quer alguma coisa?

━Sim... -sinto meu rosto corar e olho em volta, percebendo que a porta está fechada e não há ninguém nos espiando

Seguro com dificuldade sua camisa e o puxo para um beijo demorado. Ethan parece surpreso, mas corresponde com carinho, acariciando meus ombros e meu pescoço. Seus lábios tem um gosto bom de café e os lambo como se há muito tempo não os provasse; o que é verdade, há tempos não o beijo desse modo. Nossos narizes se encostam e eu embrenho meus dedos em seus cabelos escuros.

Quero abrir sua camisa e, quando abro o primeiro botão, ele ri e se afasta. Encaro-lhe com confusão, prestes a chorar, mas Ethan se aproxima e me beija novamente.

━Tenho medo de te machucar. -sussurra em meu ouvido

Aperto seus ombros largos e mordo os lábios. Sempre gostei da nossa diferença de tamanho. Os músculos novos em seu abdômen me deixam quase salivando cada vez que ele coloca uma camiseta apertada e são o suficiente para fazer-me esquecer do meu estado atual. Afasto os pensamentos negativos e o encaro com desejo.

━Não me importo, por favor, Ethan. Estou aqui há meses e você nunca me toca desse jeito... -falo com frustração

Ethan ri. A janela do corredor está coberta pela cortina e ele começa a tirar a camisa. Rio baixinho com aquele showzinho, mas ele parece feliz em me fazer rir. A cada botão aberto ele me olha, as sobrancelhas unidas em uma expressão sedutora.

Sinto minhas bochechas esquentarem e, quando sua camisa cai, dou um suspiro baixo, mordendo os lábios com seu físico. Ele realmente havia adquirido alguns músculos bem definidos, o que me dá indicações de que ele continua trabalhando. Fico aliviado com a constatação.

Ele se aproxima e abre meu pijama horrível de hospital. Os botões são fáceis de tirar, mas me recuso a encará-lo. É possível ver minhas costelas pela barriga.

Seus dedos sobem por meu abdômen, deixando-me arrepiado. Seguro sua mão com força, fazendo-o parar. Sorrio com tristeza e entrelaço nossos dedos.

━Não precisa fazer isso. Sei que meu corpo deixou de ser bonito como antes.

━Eu quero fazer. Você continua lindo.

Seus olhos azuis me encaram com desejo e não duvido de seus sentimentos, mas estou triste. Não gosto de olhar para meu corpo e tentar deduzir o que ele está pensando. Cada toque seu em mim me deixa nervoso e triste. Não quero vê-lo descobrir o quão frágil me tornei.

━Desculpe, não estou bem. -murmuro com as bochechas quentes de vergonha

Ethan suspira e acaricia meus cabelos.

━Você ainda é o amor da minha vida, a primeira pessoa por quem me apaixonei.

Suas palavras quase me fazem chorar e toco seu rosto com carinho.

-Obrigado por estar comigo.

Quero pedir desculpas por ter sido e estar sendo um péssimo namorado, mas fico calado. Ele não gosta quando me desculpo. Penso em tudo que eu gostaria de dizer a ele, que nunca disse.

━Você é especial, Ethan. É a pessoa mais forte que conheço e é muito inteligente. Fico feliz por estar indo bem no seu trabalho. Sempre tive um pouco de inveja da sua força de vontade e por você nunca desistir.

Ethan franze o cenho, sorrindo com confusão.

━O que é isso, um discurso?

Vejo que seus olhos estão marejados de lágrimas, mas ele as segura.

━Eu te amo. -murmuro finalmente

Seus braços estão em volta de mim antes mesmo que eu termine de falar e retribuo o carinho, perdendo-me em seu perfume. Ainda preciso dizer muito mais a outras pessoas, a Kanaam, mas no momento estou feliz com minhas palavras. Vê-lo se mantendo forte por minha causa é desconcertante, algo que gosto e odeio ao mesmo tempo. Gosto porque ele consegue me animar várias vezes e odeio porque sei que ele não está feliz de verdade.

______

A presença dele aqui deixa o ambiente mais agradável. Kanaam parece um anjo no meio do quarto, contrastando com as paredes brancas e com o piso azul. Peço para ele se aproximar e ele senta-se em uma cadeira ao meu lado.

Gosto da sua honestidade e da positividade que traz consigo. Sento-me na cama com dificuldade e sinto uma fisgada na barriga. Não demonstro a dor, mas Kanaam quase pressente e se aproxima, colocando as mãos em minhas costas, ajudando-me a sentar.

━Ethan disse que queria falar comigo.

━Ele está preocupado?

━Está nervoso comigo aqui. -ele sorri- Me disse que preciso contar a ele o que você vai falar. Parece curioso para saber o que quer dizer para mim, e eu também estou.

Seus olhos verdes me estudam com atenção e curiosidade. Respiro fundo, olhando para as cobertas em minhas pernas. Não sei por onde começar, mas sei onde preciso chegar.

━Minha situação é grave. -começo a explicar- Acho que não tenho muito tempo de vida e preciso dizer tantas coisas, fazer tantas coisas... -franzo o cenho com tristeza

━Charlie, não se desespere tanto. -seu rosto é calmo e sorri com simpatia

Kanaam é perfeito, sempre foi, e é por isso que preciso dizer o que ando pensando há meses.

━Sempre achei que você e Ethan fossem perfeitos um para o outro.

Seus olhos se arregalam e as bochechas ficam vermelhas. Sorrio ao saber que ele continua sendo tímido. Pego suas mãos e as seguro em meu colo. Percebo sua confusão com meu toque.

━Sempre soube que você o amava, desde a escola, e que depois continuou o amando. Me comparava com você e perguntava a mim mesmo porque eu não podia ser tão bom, tão calmo e carismático assim.

━Nós somos diferentes. Todo mundo é diferente, Charlie.

━Mas você é incrível. -o encaro com um sorriso sincero- Você parece ter vindo de outro mundo. Você sempre o mereceu mais do que eu. Infelizmente eu sempre atrapalho as coisas e acabei atrapalhando a relação de vocês.

━Não foi assim. -ele suspira com resignação e se inclina para me olhar melhor- Foi como tinha que ser. Vocês tinham que se apaixonar. Ethan te ama mais do que tudo.

━Nunca pensou como tudo seria diferente se Ethan estivesse com você?

Eu pensava naquilo todos os dias. Mas eu sei que se Ethan estivesse com Kanaam eu estaria sozinho nessa cama de hospital. Meu lado egoísta sempre fala mais alto, penso com tristeza.

━Charlie, o que... -ele está confuso e o acalmo com um sorriso

━Sei que você ainda o ama. Pode ter diminuído, seu amor por ele, mas nunca desapareceu, não é?

Suas bochechas ficam mais vermelhas ainda e o deixo ajeitar-se na cadeira, largando suas mãos.

━Não entendo. Por que estamos falando sobre ele?

━Não é justo te pedir isso, mas quero te pedir mesmo assim. -respiro fundo, tomando coragem para falar o resto- Não quero que ele fique sozinho, Ken.

Kanaam pisca várias vezes, tentando entender o que digo e, quando sua ficha cai, ele se levanta, nervoso e desajeitado. Encaro-lhe com ansiedade.

━Quero que cuide dele depois que eu for embora.

A última parte da frase custa a sair e ainda parece uma possibilidade distante, mas sei que não é. Irei deixá-lo um dia, que parece estar mais perto a cada hora que passa. Confio em Kanaam para cuidar de Ethan.

━Eu vou cuidar dele, somos amigos! -ele diz, quase exasperado

━Ele vai precisar contar com alguém. Eu ficaria mais tranquilo se ele ficasse com você.

Não quero ser mais direto do que isso, acho que ele entende e engole em seco. No fundo sei que é egoísmo da minha parte. Prefiro que Ethan fique com Kanaam do que com qualquer outra pessoa.

━Estou namorando Owen agora.

Sei que as coisas entre os dois não estão muito bem por causa de Ethan, que me contou o quanto Owen sente ciúmes da amizade entre ambos.

━Prometa para mim que vai ficar com ele.

━O quê? Não posso prometer isso, Charlie. -seu tom é compassivo e comprimo meus lábios

━Prometa! -falo mais alto e com dificuldade

Seus olhos se arregalam e me odeio por tê-lo assustado desse jeito, mas não tenho alternativa. Preciso ouvi-lo prometer, só assim ficarei descansado.

━Prometo. -sua voz sai baixa e fico aliviado

━Não conte a ele que eu disse essas coisas.

Ficamos em silêncio, e sei que ele entende o que eu quero que faça. Quero que os dois fiquem juntos. Se há uma pessoa que pode fazê-lo feliz é Kanaam.

As palavras não ditas quase ecoam em nossos ouvidos, mas ficamos apenas apreciando os barulhos da rua e do hospital. Lá fora uma chuva escassa molha os vidros da janela com gotículas pequenas. Gosto do cheiro da chuva e aprecio seu som ao molhar o prédio. Pode ser a última chuva que verei.

ETHAN

As fotos deixaram de ser algo prazeroso. O pagamento também diminuiu, mas no momento não me importo com nada além de Charlie. Ganho o suficiente para pagar o aluguel e me alimentar, é o bastante para mim.

Claro que pensei em parar de trabalhar, mas não poderia fazer isso e ficar sem nada. Estou guardando dinheiro, mesmo que os pais dele sejam ricos quero ajudar nas despesas.

O apartamento fica vazio e triste sem a presença dele. Toda vez que entro aqui me lembro de como ele tentava me ensinar a cozinhar, de como Dixie ficava se esfregando em suas pernas enquanto ele utilizava o fogão ou abria a geladeira. Pensar no gatinho que lhe dei traz seus miados a meus ouvidos.

Olho para baixo e o encontro ali, me encarando com curiosidade, o rabo balançando para a direita e para a esquerda no chão. Ele é uma lembrança de Charlie e o pego no colo rapidamente, notando o quão pesado e comprido ele está.

Coloco um pouco de ração em seu prato, troco a água e ele quase me empurra, indo em direção às vasilhas. Fico observando-o com um pouco de tristeza e pena. Ele não fica sozinho, pois a mãe de Charlie seguidamente vem aqui, mas sei que sente falta do dono.

Caminho até o quarto, onde aconteceram tantos momentos bons e ruins. Abro as portas dos armários do closet e pego uma mala pequena, colocando dentro algumas roupas que ele havia pedido. Um pijama, pois não aguenta mais aquele "horroroso" do hospital, em suas palavras, e algumas camisetas frescas e largas, para disfarçar sua magreza, penso eu.

Dou uma última olhada na cozinha antes de sair. Todos lugares do apartamento trazem de volta memórias boas e ruins.

Saio de lá com o coração apertado, com a certeza de que nada será como antes. Eu o amo tanto que me sinto mal por ter brigado com ele, mesmo que tivesse razão. Gastamos tempo ficando separados, tempo que não temos mais.

Sei que não adianta ficar remoendo as coisas que já aconteceram, mas estou deprimido demais para não relembrar. Tento ser positivo apenas perto dele, porque já é triste o bastante ter que ficar 24 horas naquele hospital.

Caminho com lentidão até o carro e coloco a mala no banco traseiro. A chuva não me incomoda; esteve chovendo pelos últimos dias e já me acostumei com ela. O que me incomoda é saber que a qualquer momento uma vida pode acabar, desaparecer, e que essa vida é a da pessoa que mais amo na vida.

______

No meio do caminho havia passado em uma floricultura e em um restaurante chique, o tipo que vende as comidas que ele gosta. Sinto-me um pouco estranho ao entrar no quarto com rosas nas mãos, uma sacola com a comida e uma mala na outra.

Seus olhos azuis, outrora tão vivos e grandes, estão pequenos e com pouco brilho, mas ele senta-se na cama, animado com minha chegada. Deixo a mala com suas roupas na poltrona.

━O que trouxe para mim?

Sorrio, pensando no quanto ele ama receber presentes. Entrego-lhe as flores e dou-lhe um beijo na bochecha. Sua pele fica vermelha e ele me puxa para um beijo mais ardente. Retribuo com carinho, acariciando suas bochechas.

As rosas vermelhas contrastam com as paredes brancas e com a pele pálida dele. Charlie as encara com um sorriso, tocando algumas pétalas com cuidado.

━São lindas, obrigado. Preciso de um vaso para colocá-las. -ele franze o cenho, pensando em onde elas ficariam bonitas

━Depois vemos isso. -retiro com cuidado as flores de suas mãos e as coloco na cômoda ao lado

Estou arrependido por não ter lhe presenteado com flores antes de ele estar no hospitar e um arrepio de vergonha toma conta de mim. Será que fui bom o suficiente para ele? Será que estou fazendo o suficiente? Não quero pensar nisso, mas é inevitável.

Seu toque delicado me tira de meus devaneios e sorrio com carinho, beijando sua mão direita.

━E na sacola? -as sobrancelhas se arqueiam, curiosas

Rio enquanto tiro da sacola um pote pequeno, que lhe entrego em seguida. Gosto do quão animado ele fica.

━Comida?! -ele olha para os lados comicamente- Não pode deixar os médicos verem, ou vão te proibir de entrar aqui. Não aguento mais essa comida sem gosto! -choraminga

Ao abrir o pote Charlie morde os lábios e me olha com gratidão.

━Eu amo salmão! Eu amo você!

Ele come rapidamente, fechando os olhos a cada mordida. Os talheres de plástico não parecem atrapalhá-lo. Eu não devia ter-lhe dado esse tipo de comida, mas só quero vê-lo feliz. Ele merece ter o que quiser, porque não sei quanto tempo ainda lhe resta.

Os médicos foram categóricos ao afirmar que não há nenhum procedimento possível para acabar com o câncer, que já se espalhou do pâncreas para os outros órgãos. Só podem administrar morfina para diminuir a dor e nada mais. Seus pais, toda vez que os encontro, tem olheiras e não tem mais disposição para irritarem-se comigo.

Uma enfermeira entra e, ao vê-lo comendo, estreita os olhos e cruza os braços. Charlie a encara com irritação.

━Qual o problema? Não posso ser feliz nem quando estou morrendo?

Ela apenas resmunga algo baixinho e sai pela porta. Sua frase faz um arrepio passar por meu corpo. O fato de que ele irá me deixar ainda é muito distante para mim, mas me pergunto como ele deve estar se sentindo, sabendo de seu destino.

Charlie segura meu braço e me entrega o pote vazio. Sorrio ao ver que ele comeu tudo. Seria ótimo se a comida parasse no estômago dele, mas seu corpo está piorando cada vez mais.

A cama é alta e fico mais baixo do que ele. Entrelaço nossos dedos, notando o quão magro ele está. Seus dedos quase somem em minha mão. Ainda não caiu a minha ficha de que não há como evitar a sua morte precoce.

Seus cabelos loiros estão desgrenhados e, em alguns lugares, não há cabelo mais. Ele não gosta quando fico reparando nessas coisas, por isso desvio o olhar para seu rosto. Charlie também sente falta de fazer sexo, assim como eu, e toda vez que ele quer eu não nego, mas nunca continuamos até o fim. Seu cansaço impede, assim como sua baixa autoestima e meu medo de machucá-lo.

Nunca pensei que o veria tão inseguro, logo ele que fazia pessoas pararem para admirá-lo por sua beleza. É triste demais e não aguento não poder fazer nada. Ele está sendo tão forte que me faz amá-lo ainda mais.

Fico em silêncio, sem saber o que dizer, mas ele aperta minha mão com carinho, pedindo para que eu o olhe.

━Vai acontecer uma hora ou outra e não quero que se sinta culpado com nada. Você sempre foi forte e agora não vai ser diferente.

Encaro-lhe, segurando as lágrimas que há alguns dias não apareciam. Não quero pensar nisso no dia em que ele se for. Parece surreal pensar em morte quando meses atrás estávamos bem, juntos novamente, nos amando mais do que nunca. Nunca pensamos que algo desse tipo pudesse acontecer, jamais passou pela minha cabeça. As dores nas costas haviam começado há tempos, mas sempre passavam e eram tratadas com remédios, pensávamos que era normal... Até que um dia se tornaram insuportáveis.

━Dixie está bem? -ele acaricia meu queixo

━Sim -fungo baixo, segurando as lágrimas- está com saudades e qualquer dia vou trazê-lo escondido.

━Meus pais vão te matar, Ethan. -ele ri baixinho

━Não me importo, só quero te ver sorrindo.

Ver suas bochechas corarem me deixa alegre. Como sempre o hospital está silencioso. Aperto seus dedos entre os meus, massageando a pele macia e fina.

━Amanhã tenho uma sessão de fotos pela manhã, mas de tarde eu venho.

━Eu estava preocupado, não queria perguntar sobre seu trabalho. Está tudo bem?

━Tudo ótimo. -minto com um sorriso no rosto

Ele parece aliviado e me sinto culpado por minha resposta. Não gosto mais de ir trabalhar, não sinto mais prazer em passar nem que sejam algumas horas longe dele. Tenho medo de que algo aconteça e eu esteja longe demais.

━Kanaam esteve aqui, ele disse sobre o que conversamos?

━Ele disse que você queria falar sobre quando nos conhecemos.

Charlie desvia o olhar e suspira baixinho.

━É, estava com saudades dele. Conversamos sobre o passado. Kenny transmite paz em qualquer lugar que vai.

Concordo com a cabeça, sentindo-me grato por ter Kanaam em minha vida. Ele me ajuda com Charlie, sempre me acalmando e tentando ajudar, mas sei que não é fácil ser meu amigo, nunca foi, ainda mais para ele.

As luzes do corredor se apagam, indicando que é horário de dormir. Pego meus cobertores e me ajeito no sofá do outro lado da cama. Estou acostumado a dormir aqui e, mesmo que minhas costas doam, não reclamo. Não gosto de deixá-lo sozinho e ele gosta da minha presença ao seu lado. Um filme começa na televisão e nos ajeitamos para vê-lo. Charlie cai no sono em pouco tempo.

Quando Charlie acorda com dor, chorando com sua intensidade, sou eu quem aperta o botão para liberar morfina em suas veias. Odeio vê-lo se contorcer na cama e acho milagroso ele ainda não ter vomitado a comida que eu lhe trouxe. Uma parte de mim tem esperanças, mas a outra se prepara para o pior.

______

Lá fora o sol recém apareceu no horizonte e aqui no hospital tudo continua silencioso. Olho para a barriga dele, certificando-me de que está subindo e descendo com a sua respiração e fico aliviado ao ver que parece dormir tranquilamente.

Os médicos me esperam no corredor, com mais um de seus relatórios sobre o quadro de Charlie. Toda vez que falo com eles meu coração acelera com a esperança de receber uma notícia boa, um milagre que seja.

━O quadro dele continua grave e exige muita observação. Por enquanto ele continuará recebendo morfina para controlar a dor, mas em algum tempo nem ela conseguirá anestesiá-la.

━Por quanto tempo?

Meu coração acelera, triste com a notícia. Minha voz sai trêmula e cansada. Não entendo como eles estão tão calmos, mas então lembro que aquilo devia ser suas rotinas. A morte não parece natural para ninguém, mas é o destino de todos.

━Não sabemos. Podem ser horas, dias ou um mês. O câncer se espalhou demais, não podemos fazer mais nada.

Engulo em seco, sentindo um nó na garganta. Assinto com a cabeça, sem saber o que dizer. O diagnóstico só piora e eu nunca me acostumo com suas palavras.

━Obrigado. -murmuro antes deles saírem

Mando uma mensagem de texto nervosa para Kanaam e olho meu calendário, chateado por vê-lo tão vazio. Parece que minha carreira está indo por água a baixo. Aproveito para perguntar se Kenny não quer passar no hospital e ele responde prontamente que sim. Sorrio com a resposta. Ele não gosta de deixar ninguém chateado ou triste.

_______

Seu rosto continua alegre e bonito, marcado com expressões simpáticas que fazem todos gostarem dele. Sinto meu coração se acalmar apenas com a sua presença. A lanchonete está quase vazia e odeio esse silêncio triste que nos rodeia.

Sei como devo parecer aos seus olhos: cansado, triste e desleixado. Não me importo muito. Peço um café para mim e um suco natural para ele.

━Como você está? -sua mão toca meu pulso num aperto reconfortante

━Os médicos disseram que ele tem pouco tempo.

Seus olhos verdes me encaram com tristeza e desvio meu olhar do seu, temendo que as lágrimas voltem com força.

━Os pais dele estão com ele?

━Eles sempre chegam esse horário, saio antes para deixá-los sozinhos. -murmuro.    A garçonete chega com nossos pedidos e a agradeço baixinho. Tudo parece estar borrado através do meu olhar cansado. Preciso do café para acordar.

━Trouxe salmão para ele ontem. -sorrio ao lembrar da sua alegria ao perceber o que eu havia lhe trazido- E algumas flores.

Kanaam arqueia as sobrancelhas com um sorrisinho brincalhão.

━Flores? Não sabia que era tão romântico assim.

Sorrio com tristeza e tomo um gole de café que quase queima minha garganta. Abaixo a xícara no pires, observando-o tomar o suco de morango que eu havia pedido.

━Sempre tentei ser, mas a ideia das flores só surgiu agora, infelizmente.

━Não pense assim, Ethan. Ele gostou, é isso que importa.

Passo as mãos pelos cabelos com nervosismo e não consigo lembrar se lavei o rosto ou não. Sei que Kanaam não se importa com isso, mas eu sim. Estou cansado como nunca estive.

━As dores aumentam a cada dia. -sinto meus olhos começarem a ficar marejados 

━Ele está recebendo morfina, não?

━Sim, mas em algum momento não vai ser suficiente para terminar com a dor. E então ele vai...

As lágrimas escorrem e não as seco. Há tempos não choro na frente de ninguém e me sinto novamente como se tivesse 10 anos de idade. Não tenho pais para me apoiar, apenas Kanaam, e acredito que ele seja o suficiente.

Enterro meu rosto em minhas mãos, evitando que ele veja minhas lágrimas e, quando sinto seus braços a minha volta, fico surpreso ao senti-lo ao meu lado.

━Está tudo bem, pode chorar à vontade, não guarde tanta coisa pra você.

━Odeio não poder fazer nada. -digo com raiva, encostando meu rosto em seu ombro

━Eu também. Se eu pudesse ajudá-lo de qualquer maneira eu ajudaria, mas não há nada que possamos fazer. Ele precisa de nós, do nosso carinho.

Choro como nunca chorei antes e me sinto idiota por fazê-lo. Não é algo natural para mim, eu não choro com muitas coisas, mas por Charlie eu faço tudo. Não sei como irei viver sem ele, uma pessoa que entrou na minha vida há anos e que eu amo profundamente. Ele é a primeira pessoa que amei e o que sinto por ele é tão intenso que dói.

Nos separamos e limpo meu rosto. Tomo outro gole do líquido quente e então pergunto sobre Kenny, sobre sua vida, querendo desesperadamente pensar em outra coisa que não seja triste.

━E Owen?

Percebo que ele desvia o olhar com nervosismo.

━Ele não gosta do fato de você estar aqui, não é?

━Ele... -Kanaam morde os lábios- É como se não fôssemos mais namorados.

Suas palavras saem com dificuldade e ele evita me encarar diretamente.

━Desculpe. Não queria te atrapalhar... -murmuro, sentindo-me culpado

━Não é sua culpa, eu gosto de estar aqui e de ajudá-lo.

━Ethan? -ouço a voz do pai de Charlie e me viro

Os dois me olham com receio e de repente meu coração dispara, com medo de uma má notícia.

━O que houve? Ele está bem? -me levanto abruptamente, nervoso e trêmulo

━Ele acordou, está perguntando por você.

━Ah... Já vou subir -suspiro aliviado e tento me acalmar

Kanaam os cumprimenta com um aceno e eles saem rapidamente, cabisbaixos e tristes como eu. Encaro-lhe com gratidão.

━Obrigado por ter vindo, Kenny.

━Me chame sempre que precisar, vou vir visitá-lo mais seguidamente.

━E a sua faculdade? Você já se formou? -arregalo os olhos ao fazer a pergunta, me sentindo culpado novamente

Me sinto um péssimo amigo agora. Ele apenas faz um gesto com a mão, de que não é importante.

━Já me formei. Não quis te incomodar, preferi não falar nada.

Ele cora e sei que também se sente constrangido com o que fez. Suspiro e tento relaxar. Kenny não quis me atrapalhar, não quis afastar-me de Charlie e, por isso, não me convidou. Entendo seus motivos, mas mesmo assim me sinto mal comigo mesmo.

━Desculpe, Kenny. Eu devia ter ido, me esqueci completamente.

━Não tem problema, Ethan, não se preocupe. De verdade.

Tenho vontade de abraçá-lo por ser tão compreensivo. Eu não tenho cabeça para ir em festas nem para socializar mais. Fui omisso com nossa amizade, estou sendo e isso me deixa mais triste ainda.

━Vou ver como ele está, obrigado por ter vindo. Acho que só tomei seu tempo. -dou um sorriso amarelo- Nos vemos.

━Me ligue se precisar!

Pago nossas bebidas no caixa e aceno antes de sair da lanchonete. No elevador não gosto de me olhar. Minha aparência está horrível. Entendo por que não sou mais tão requisitado para estampar revistas.

Em contrapartida me sinto amado cada vez que Charlie pergunta por mim e, assim que entro no quarto, o abraço e beijo com carinho. Quero apertá-lo de tanta paixão que sinto, que se multiplicou nos últimos dias.

━Estava falando com meu advogado. -ele murmura

━Seus advogados? -faço uma careta e ele ri- Precisa se livrar de algum processo na justiça? -acho uma brecha para uma brincadeira e Charlie ri com dificuldade

━Muito engraçado. Vou deixar meu apartamento para você e o restaurante para Kanaam.

A notícia me pega de surpresa e franzo o cenho. Encaro-lhe por vários segundos, sem piscar, e ele acaricia meus cabelos, enroscando os dedos em alguns fios mais longos perto das orelhas. Ando tão desleixado que não corto meu cabelo há semanas.

━Por quê?

━Como assim? Porque eu te amo, porque acho que você merece meu apartamento.

Não quero o apartamento, mas não digo nada. Viver lá sem a presença dele seria doloroso demais e ter que lidar com os pais dele me chamando de aproveitador seria pior ainda.

━Você contou isso para seus pais? -sento-me na cama e seguro suas mãos

━Vou contar hoje.

━E o restaurante para Kanaam? -arqueio as sobrancelhas com curiosidade

Não quero falar sobre isso, porque tudo implica na sua morte e não quero ser lembrado dela, mas Charlie não me deixa esquecer. Seus cabelos loiros a cada dia estão desaparecendo mais... Mesmo assim aos meus olhos le continua lindo, o mesmo garoto que deu em cima de mim em meu próprio apartamento e me beijou após várias provocações. 

━Ele cozinha muito bem, me lembro das comidas dele. Você sempre trazia um pouco para mim. Não contei a ele, mas pode contar se quiser.

Seus dedos acariciam os meus com delicadeza e fecho os olhos com um suspiro.

━Eu te amo -digo baixinho, levando sua mão até meus lábios- Nunca quis brigar com você, me desculpe por ter te ignorado quando brigamos. Doía em mim te ver tão triste, mas eu fui idiota ao querer te machucar.

━Eu mereci, Ethan. Me arrependo de não ter sido uma pessoa melhor, um namorado menos chato, talvez. -ele ri e sinto meu nariz arder com o choro se aproximando

Odeio ouvi-lo falar dele mesmo no passado.

━É o seu jeito, sempre te amei assim mesmo.

━Octave me dizia a mesma coisa. -Charlie me provoca e franzo o cenho, fingindo irritação

Nós dois rimos alto. Octave havia pedido para conversar com ele e não pude negar. Eles tiveram um passado, ele é importante para Charlie e nunca quis privá-lo de ficar perto dos amigos, mesmo que esses amigos tenham nos machucado. Também permiti porque sabia do diagnóstico, que não havia volta e nenhuma possibilidade de melhora. Vê-los se abraçando não me deixou enciumado, mas aliviado, pois os vi se reconciliando. Eu também não queria guardar mágoas, não de uma coisa que machucou tanto nossa relação.

Dou-lhe um beijo na bochecha, aliviado por ele estar aqui comigo. É preciso viver um dia atrás do outro, porque o tempo pode ser tanto nosso amigo quanto inimigo agora.

KANAAM

O cheiro das comidas dos alunos me deixa um pouco enjoado e por isso vou até a sala dos professores e como a comida que havia preparado em casa. No pote há uma salada com ervas, um arroz com sementes integrais e uma carne de soja. O cheiro é muito bom e fico um pouco animado para comer.

Tenho a tarde de folga e resolvo mandar uma mensagem para Ethan. O quadro de Charlie me deixa apreensivo e ainda é difícil aceitar o fato de que ele pode partir a qualquer momento. Ethan me preocupa tanto quanto Charlie, pois ele está muito deprimido. Fico ansioso e nervoso ao vê-lo triste, algo que não agrada Owen.

Nossa relação mudou de uns meses para cá. Já não nos vemos com tanta frequência e, toda vez que tento uma aproximação, ele se retrai. Owen está irritado com toda a situação, eu sei. Desde que Charlie adoeceu eu tenho passado muito mais tempo com Ethan do que com ele. Também tenho revezado as visitas com Ethan e, quando ele tem algum compromisso, sou eu quem fica com Charlie.

Mastigo minha refeição enquanto escrevo para Ethan, pedindo novidades sobre Charlie. Sua resposta vem minutos depois.

"Ele está dormindo. Estou no quarto, vou dormir aqui. Charlie disse que quer falar com você de novo. Vocês estão de segredo nas minhas costas?"

Sorrio com o final engraçado de sua mensagem. Lembro então das palavras de Charlie que ainda martelam em minha mente e prefiro fingir que não prometi nada à ele. Saber que ele quer que eu tenha um relacionamento com Ethan após sua morte é algo que me dá arrepios. O pior de tudo é que eu prometi e isso me apavora. Por que eu havia prometido? Não gosto de pensar na resposta. Talvez porque só de pensar em ter uma desculpa para ficar perto de Ethan me deixa nervoso e animado. Ou porque não quis contrariar um desejo de Charlie no estado em que ele está.

"Não estamos escondendo nada, ele só me acha mais calmo do que você." Respondo sua provocação enquanto arrumo minhas coisas na bolsa. A escola em que trabalho é voltada para o ensino de crianças e gosto de trabalhar com elas porque me transmitem seus sentimentos sem hesitação, além de fazer meu dia ficar mais alegre.

A sala dos professores é pequena e não há ninguém quando saio. Já terminei de dar aulas nas turmas do turno da manhã e já posso ir embora. Preciso apenas me concentrar em criar planos de aula mais lúdicos e me dedicar aos alunos com mais dificuldades. Suspiro profundamente ao sair do aposento.

Charlie é um assunto constante dentro da minha mente e a todo segundo penso nele, mas não de forma tão triste e nervosa como Ethan. Penso nele com carinho e tranquilidade. A cada visita percebo que ele se tornou uma pessoa melhor. Não há nada que eu possa fazer, então não adianta ficar remoendo o passado como Ethan faz, algo que já comentei com ele. Prefiro não pensar na morte e tentar alegrá-lo a cada visita.

Ao sair do prédio sinto um arrepio, porque nunca sei o que me espera ao entrar naquele hospital. As energias de lá são pesadas e me sinto um pouco abatido toda vez que entro no saguão.

______

Nestes últimos dias eu e Charlie começamos a conversar muito mais do que antigamente. Ele havia me contado o quão arrependido se sentia por ter sido tão egoísta e mesquinho sobre o trabalho de Ethan. Também me contou sobre seus medos e anseios; me disse coisas que não quer dizer a Ethan para não deixá-lo mais triste.

As pessoas em geral gostam de desabafar comigo e acho que sou um bom ouvinte. Também gosto de ouvi-las e tentar ajudar, não custa nada, mas no caso de Charlie tudo é diferente. Ele é próximo a mim, é intenso e triste demais. Várias vezes ele chora e diz como sou importante e especial, ou o quanto sempre gostou de mim e fico grato demais com suas palavras. Nunca fomos tão próximos como agora, o que me deixa um pouco triste. Ethan sempre esteve no meio de nós e nunca me aproximei o bastante para conhecê-lo melhor.

O quarto está escuro e entro devagar, reparando que ele respira lentamente de olhos fechados. Está dormindo e, por isso, fecho a porta com cuidado para não fazer barulho. Sento-me em uma poltrona ao seu lado em silêncio, esperando por Ethan.

Aproveito o tempo para cantar baixinho um dos mantras da nossa religião que minha mãe havia me ensinado quando pequeno. Tento transmitir tranquilidade e calma com minhas palavras.

Pensar em minha mãe me deixa triste. Desde o encontro no restaurante nunca mais conversamos. Entendo o lado dos meus pais, deve ser difícil com a tradição da qual viemos aceitar que o filho está namorando um rapaz, mas jamais imaginei que eles iriam me ignorar e me machucar dessa maneira.

Sinto falta de minha irmãzinha que veio para Nova York e com a qual não tive tempo de passar o tempo. Sinto saudades dos temperos e dos cheiros da nossa casa, mas principalmente dos meus pais. Não sei por quanto tempo vamos ficar assim, sem nos comunicarmos, e isso me deixa aflito. Sinto-me egoísta por ficar triste com isso quando Charlie está desse jeito em minha frente.

Seus olhos se abrem e ele pisca lentamente. Os olhos azuis me encaram com estranhamento e em seguida um lampejo de reconhecimento os percorre. Charlie sorri e retribuo o gesto.

━Como está? -pergunto, sabendo da resposta verdadeira

━Com dor... -ele resmunga, remexendo-se com uma careta na cama

Charlie está diferente, quase irreconhecível. Ele perdeu seu brilho, sua confiança e sua segurança. Pela primeira vez o vejo frágil e para baixo. Nada disso me assusta, sei que faz parte da doença, é apenas diferente.

━Ethan disse que queria falar comigo.

━Ele foi pegar um café. Estou dormindo demais, queria passar mais tempo com ele. -suspira com tristeza- Sim, quero falar com você.

Um arrepio percorre meu corpo. Ainda lembro da última vez, da promessa que fiz, e estou apreensivo com o que ele quer me dizer.

━Vou deixar o restaurante para você.

Faço uma careta e então lembro que ele havia ganho do pai um restaurante logo após a própria formatura. A notícia me deixa atônito. Suas palavras saíram tão repentinamente que piscovárias vezes, tentando processá-las.

━O quê?

━Isso mesmo. Ethan sempre amou a sua comida, sei que você cozinha bem.

━Mas... Por quê?

━Por que meu pai já o comprou. Prefiro deixá-lo com quem eu confie do que um estranho. Você aceita?

A proposta me deixa boquiaberto. Nunca me imaginei em seu lugar, como um chefe de cozinha, fazendo e criando pratos... É uma ideia que faz eu me sentir estranho, mas não a descarto. Hipóteses começam a se formar em minha mente, mas não sei o que fazer com elas. Fui pego de surpresa. Cuidar de um restaurante é muita responsabilidade.

━Meu pai irá te ajudar, já pedi para ele.

━E-eu... -gaguejo- Não sei se vou conseguir.

━Claro que vai, confio em você. Meu pai chorou e não gostou da ideia, mas o convenci a te ajudar. É um presente.

Respiro fundo, tentando conceber a ideia de comandar um restaurante.

━Seria deselegante recusar. Obrigado. -murmuro baixinho, sorrindo

Inclino-se e beijo sua bochecha. Nunca havia sentido o perfume dele, que é doce e gostoso; Pergunto-me quantas coisas mais não sei sobre Charlie e me sinto péssimo com isso.

Charlie sorri com alegria e me sinto bem ao vê-lo daquela maneira, tão espontâneo. A cama é grande demais para seu corpo magro.

Ouvimos a porta se abrir e Ethan entra com um copo de café nas mãos. Ele arqueia as sobrancelhas ao nos ver juntos e sorri.

━Já começaram os segredos?

━Estava contando que irei deixar o restaurante para ele.

Vejo a expressão de Ethan suavizar-se e sei que ele não gosta de ouvir Charlie falando sobre o testamento, algo que implica sua morte.

━E você vai ajudá-lo, Ethan. -Charlie o puxa para um beijo

Gosto de vê-los tão próximos, tão amáveis um com o outro, quando meses atrás Ethan estava enraivecido com a traição. Mesmo assim meu coração aperta e me sinto mal por ainda nutrir sentimentos por Ethan. Quando ele entrou no quarto meu coração acelerou daquela maneira nervosa de sempre.

━Vou? -ele brinca, arqueando as sobrancelhas e me encarando fixamente

Estremeço sob seus olhos azuis penetrantes.

Mesmo que ele esteja cansado e com olheiras continua lindo. Os cabelos desgrenhados tem seu charme. Afasto os pensamentos que fazem eu me sentir suj, por causa das circunstâncias atuais. Não deveria estar pensando na beleza de Ethan, mas a promessa que fiz não me deixa dormir à noite. A possibilidade de ficar com ele, como namorados, me deixa nervoso. No dia em que prometi aquilo chorei durante a noite inteira, com sentimentos conflituosos dentro de mim. Quero ficar com Ethan, sempre quis, mas há Owen em minha vida. Charlie está doente, a vida se esvaindo dele, tudo enquanto eu penso em Ethan. Estou decepcionado comigo.

______

Ele está inquieto e odeio o som de seus passos pela sala. Quero que Owen sente ao meu lado e me fale o que o incomoda. Também estou cansado. Nossa relação se desgastou tanto em tão pouco tempo...

Tudo aconteceu muito rápido e não tivemos tempo para nos preparar. Em um dia tudo estava ótimo, no outro Charlie entrou naquele hospital e nunca mais saiu. Encaro Owen, com seu terno preto, tomando uma xícara de café. Eu nunca o mereci. Sinto vontade de chorar novamente, mas engulo em seco, bebericando minha xícara de chá.

━Owen? -o chamo

Ele não responde. Sinto sua energia nervosa, pulsante e sei que vamos brigar. Era algo muito raro nós dois discutirmos e, ultimamente, é mais raro ainda estarmos os dois em casa ao mesmo tempo.

Por vezes sinto como se o estivesse usando, pois moro no apartamento e agora ajudo com o aluguel, mas quase nunca nos beijamos ou fazemos coisas que namorados fazem. Sinto-me um intruso  e odeio deixá-lo triste.

Ele se aproxima com as sobrancelhas franzidas e os braços cruzados.

━Precisamos conversar. -sua expressão se suaviza

Respiro fundo, me preparando para suas palavras. Há tanto tempo não conversamos... Lembro de como ríamos quando estávamos juntos e como costumávamos nos beijar por todo o apartamento. Meu rosto esquenta ao lembrar de todos os beijos e toques que esse lugar já presenciou.

━Owen, sei que não estamos bem. -começo, engolindo em seco

━Eu te amo, mas você nunca me amou.

Percebo que ele está mais alterado do que eu imaginava. Seu pescoço está vermelho, suas mãos estão trêmulas e ele senta-se ao meu lado com nervosismo, sem encostar as costas no sofá. Estremeço, sentindo minha garganta apertar.

━Eu te dei espaço e tempo, mas estou cansado. Eu sou calmo como você, mas não consigo mais fingir que nada está acontecendo. Parecemos colegas de quarto e não namorados.

━Owen, me desculpe. -não sei o que dizer e uma parte de mim não quer ouvir suas palavras duras

Vê-lo tão nervoso e irritado me deixa um pouco surpreso. Parece que ele acumulou meses de impaciência comigo.

━Você acha que não percebo como você fica animado ao receber uma mensagem dele? Não sou cego. Não sei o que espera dele, mesmo que o namorado dele esteja no hospital. O que você quer? Ficar com Ethan quando ele morrer?

Encaro-lhe com choque. Ele engole em seco e desvia o olhar, sabendo que foi longe demais. Afrouxa a própria gravata. Não controlo as lágrimas que molham minhas bochechas. Tenho muitas coisas acontecendo em volta de mim, coisas que não posso mudar e me sinto encurralado, triste e solitário.

Ele fica em silêncio, movendo a perna sem parar, para cima e para baixo.

━Não quis dizer isso.

Não quero falar, quero ficar sozinho. As palavras ainda doem como um tapa em meu rosto.

━Você acha que eu sou assim? -pergunto baixinho

━Não, não acho. -ele fecha os olhos- Estou irritado, falei para te magoar, me desculpe.

━Não acho que você seja assim. -murmuro, secando minhas lágrimas- Nunca pensei que iríamos brigar desse jeito, que você fosse tão... cruel.

Estou vazio e decepcionado. Owen me encara e vejo arrependimento em sua expressão.

━Não suporto te ver passar tanto tempo com ele. Ethan não te ama do jeito como você o ama. Eu sempre estive aqui, sempre relevei pensando que um dia você me amaria, sem te pressionar, mas não aguento mais. Você nunca vai me amar, não importa o que eu faça.

━Desculpe.

Ele deve pensar que o usei todo esse tempo, mas eu gosto e sempre gostei da sua companhia. Levanto-me e fico ali por alguns segundos, olhando para o apartamento onde ficamos tanto tempo juntos, perdido.

━Vou arrumar minhas coisas.

━O quê? -ele franze o cenho e levanta-se- Não precisa ir embora.

━Não posso ficar aqui. -respondo

Não depois do que ele disse sobre Ethan, sobre Charlie e sobre mim.

━Para onde vai?

━Não sei.

━Não pode sair no meio da noite. -ele parece preocupado

Dói vê-lo desse jeito. Ele me ama, mas nunca pude correspondê-lo. Caminho até o quarto e começo a colocar minhas roupas em uma mala. Faço tudo cegamente, sem pensar direito. Estou chateado, triste e odeio essa confusão de sentimentos dentro de mim. Preciso de acalmar. Mentalmente repito uma oração, pedindo calma.

Owen me segue com nervosismo.

━Não queria ter dito aquilo, me desculpe. Também não queria que terminássemos assim.

━Iríamos terminar de um jeito ou de outro. -digo baixinho

Ele segura meu braço com hesitação e nos encaramos de frente. Desvio o olhar para meus pés. Eu gosto tanto da companhia dele, dos beijos, dos toques... Meu rosto esquenta. Mas não é suficiente, eu não o amo.

━Sei que gosta de mim. -sua voz sai num sussurro- Fui feliz com você, adorei cada momento juntos nesse apartamento. Não sei como vou viver sem sua presença tranquilizadora aqui, sem suas comidas saudáveis.

Suas palavras quase me fazem sorrir, mas sinto as lágrimas chegarem. Afasto-me e recomeço a dobrar algumas roupas. O que ele me disse antes foi tão... baixo que não consigo perdoá-lo, mas também não consigo ter raiva. Eu o entendo.

━Posso pagar um hotel para você...

━Eu tenho dinheiro. -digo baixinho

Ele percebe que só piorou as coisas e sinto pena. Owen tenta desesperadamente melhorar a situação.

━Posso te levar aonde quiser ir.

━Me deixe sozinho. -digo com a voz trêmula, controlando minha raiva

━Ok, tudo bem.

Não sei se se passaram minutos ou horas até minha saída, mas tudo acontece rápido demais. Owen não para de falar e paro de escutá-lo. Quando saio para o ar chuvoso da rua me sinto perdido. Não sei para onde ir.

___2 SEMANAS DEPOIS___

A capela está cheia e Ethan não emite nenhum som. Sua expressão está vazia e perdida. Abraço-lhe com delicadeza, mas ele não reage, apenas me olha com cansaço.

Parece outra pessoa e fico assustado com sua falta de reação. 

O caixão não está muito longe e me aproximo com cuidado e apreensão. Não sei porque estou com medo. Quando o olho ele parece o Charlie de antes. Seus cabelos parecem mais volumosos e há um pequeno sorriso em seu rosto.

Não ouso tocá-lo, seria estranho demais. Ele tem uma expressão serena e quase penso que a qualquer minuto ele vai abrir os olhos e mostrará aquele azul claro que deixava tantas pessoas hipnotizadas. Colocaram um terno azul turquesa que realça sua pele. É como se ele estivesse vivo e é horrível, mas ele está lindo.

Rezo baixinho, quase chorando. Na última visita ele havia me dito o quão especial eu era e eu havia lhe dito que gostava muito dele, que ele havia sido a melhor coisa que acontecera na vida de Ethan. Fecho os olhos ao lembrar.

Não sei quem estava com ele, mas acho que Ethan o viu partir. Reparo que há muitas pessoas aqui. Seus pais estão em pé, abraçados e chorando um no ombro do outro. O pai tenta acalmar a mãe, inutilmente.

Octave, o ex-namorado, também está aqui. Ele não chora, mas parece perdido em lembranças e memórias, assim como Ethan.

De repente começo a lembrar de cada momento que passei com Charlie. Recordo do quão amigável ele sempre foi comigo, mesmo sabendo que eu amava Ethan.

Sinto um toque em meu ombro e me viro. Owen está aqui. Sua expressão é de arrependimento e ele me olha com nervosismo.

━Sinto muito.

Eu havia lhe avisado por mensagem que Charlie havia falecido. Owen e eu continuamos conversando e sendo amigos, algo que me deixa alegre, mesmo sabendo que seus sentimentos continuam os mesmos.

Não sei o que dizer e ele me abraça. Apoio minha cabeça em seu peito e minhas mãos em seus ombros. Quero fechar os olhos e chorar, talvez dormir e esquecer que isso tudo aconteceu. Charlie passou por nossas vidas tão rapidamente... Na verdade foram anos, mas mesmo assim, tudo parece rápido demais, precoce demais. É horrível e quase antinatural saber que alguém tão jovem morreu.

Araço-lhe com força e suas mãos apertam minhas costas de maneira reconfortante.

━Ele foi um bom amigo... -murmuro baixinho, mais para mim mesmo

━Eu sei. Vi o quanto se dedicou a ele nos últimos dias.

Respiro fundo e sinto um alívio enorme por ter feito tudo o que podia para alegrá-lo. Levei comidas para ele provar, doces, flores... Ensinei-lhe sobre a tradição indiana, mostrei alguns deuses do hinduísmo e ele pareceu ávido por aprender.

Olho para o caixão e fico chocado ao perceber que ele está ali. É como se nada fizesse sentido mais. Fico olhando-o, estupefato e as lágrimas começam a escorrer abundantemente. Não consigo acreditar. Choro alto e só então percebo que Owen está me levando para outro lugar. Todos estão me olhando e me sinto horrível.

Choro, abraçado a ele, em um sofá. Não sei mais onde estou e não me importo. Nunca me senti perdido e impotente dessa forma. Ele murmura palavras, tentando me tranquilizar, acaricia meus cabelos e minha respiração se acalma após alguns minutos.

A inevitabilidade da morte não devia me deixar tão abalado, mas vê-la tão próxima muda a forma como a enxergo.

___1 SEMANA DEPOIS___

━Ethan, pare de beber.

O apartamento de Charlie, onde nós dois estamos morando, me deixa um pouco constrangido e não sei por quê. Os pais dele vem nos visitar com frequência e o fato de que a relação entre Ethan e eles está melhor me deixa triste. Charlie precisou ir embora para eles se darem bem.

━Não posso. -ele ri, visivelmente bêbado

Tiro a garrafa de cerveja de sua frente e coloco no lixo.

━Beber não vai resolver seus problemas.

Começo a preparar nosso almoço. Não é nem meio-dia e Ethan já está bêbado. Não é algo que acontece frequentemente, mas a bebida tem sido seu consolo desde a morte de Charlie. Tento perder-me em minhas receitas e evito pensar na promessa que fiz, mas ela sempre ronda minha mente, lembrando-me do que devo fazer.

━Não importa, eu quero beber!

Ethan parece uma criança. Respiro fundo ao vê-lo pegar a garrafa do lixo. Tiro de suas mãos rapidamente e ele me empurra.

━Pare de ser chato. -seu hálito de álcool me faz torcer o nariz

━Ethan, precisamos conversar sobre isso, quando você não estiver bêbado.

Ele revira os olhos. Suas sessões de foto estão diminuindo cada vez mais e estou preocupado. Sinto que toda a responsabilidade sobre ele está em meus ombros. Sou eu quem paga o aluguel, as contas, tudo com meu salário apertado. Não o cobro e sei que está sendo difícil para ele.

━Mas você está feliz, não está?

Um arrepio passa por meu corpo, reconhecendo aquele tom debochado que só aparece quando ele bebe. Comprimo meus lábios com medo do que Ethan dirá.

━Não. -murmuro baixinho, sabendo que é inútil conversar com ele nesse estado

━Agora que ele não está mais aqui você pode ficar comigo. Não é o que sempre quis?

Aquele tom me machuca mais do que deveria. Paro de cozinhar, desligo o fogão e respiro fundo. Ando ficando irritado com muita frequência para alguém que quase nunca se irritava. Seu rosto está contorcido em uma careta maliciosa e me afasto lentamente, sentindo um aperto no coração.

Por que eu havia prometido aquilo?

━Não fale assim, sabe que não é verdade. -murmuro

━Não? -suas sobrancelhas se arqueiam- Owen te deixou e você veio logo para perto de mim. Por que será? -suas palavras saem arrastadas- Agora que o caminho está livre acha que vou ficar com você?

Acontece rápido demais. De repente minha mão toca sua bochecha com força e sinto meus dedos arderem com o toque. Ele arregala os olhos e toca o próprio rosto, incrédulo.

Somente após alguns minutos noto que estou chorando. Estou perdendo o equilíbrio sobre a minha vida. Estou me tornando uma pessoa que odeio e não me reconheço mais.

Saio do apartamento quase às cegas, tremendo de vergonha e nervosismo. Dentro de mim há sentimentos enrolados que estão prontos a explodir a qualquer momento.




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