Capítulo 38
DYLAN
Tinha me esquecido o quão silenciosa aquela casa era. Meus olhos passearam pela sala enorme e decorada e não evitei o sorriso, tudo era sempre do jeito que ela gostava. Os quadros nas paredes, a posição dos arranjos de flores, até mesmo os porta retratos. Devia ser TOC aquela porra. Porque mesmo quando mais novo, se eu tirasse qualquer coisa do lugar e não o arrumasse da forma que encontrei...
Era porrada.
Mas não foi surpresa dar de cara com o vazio. Pelo horário ele já tinha metido o pé e ela provavelmente se enfiou numa das várias coisas que arranjava pra fazer. Andei pelo corredor espaçoso até a cozinha e novamente dei cara com o nada. Estiquei o pescoço, bisbilhotando pela janela sobre a pia e encontrei a primeira alma perdida, o caseiro limpava a piscina, retirando as folhas que caíram dentro da água.
Peguei uma maça da fruteira e fui andando até o lado de fora.
Tava quente pra caralho e o sol queimava. Ri, como senti falta daquilo naquela porra de Rússia gelada.
Acenei para o velho Jonas assim que passei por ele e fui até a estufa perto da casa de máquinas. Não tinha ideia de quantas plantas e toda aquela merda de flores e tudo o mais existia plantado ali, só sabia que por um breve período de tempo usei uns vasos colocados estrategicamente em um canto escondido para o cultivo da doce maconha.
Kate com certeza comeria o meu cú se soubesse o que fiz antes dela aparecer.
Encostando o corpo no batente da porta, pus uma perna na frente da outra, cruzei os braços e a fiquei observando. Ela se movia com leveza, sabendo onde tudo estava, o que devia fazer e como fazer. Tinha luvas nas mãos, o cabelo preso num rabo de cavalo – ela odiava tê-los soltos quando mexia com os matos dela – e o avental verde que usava desde que me lembrava por gente.
Abocanhei a maça e mastiguei sem tirar os olhos da mulher. A observei pegar dois vasos, um saco de terra e usar uma pá específica para trocar uma muda de um lugar para o outro.
Ela amava aquilo, era a sua terapia.
— Não te ensinaram que é falta de educação ficar xeretando onde não foi chamado? — com as mãos ela apertava a terra dentro do vaso maior.
— Então você é a culpada.
Ri, e mordi a fruta novamente, arrancando um pedaço maior.
Ela soltou um suspiro alto.
— Com certeza não foi culpa minha, e sabe bem disso.
Pegando o vaso, o levou até a outra bancada, colocando-o ao lado dos outros.
Como se eu acreditasse. Minha mente fodida tinha motivos de sobra pra ser daquele jeito, e aquela ali foi parte essencial.
Indo até onde estava, reclinei as costas na bancada ao seu lado, olhei sobre os ombros e fiquei a encarando.
— Na verdade, é culpa sua, sim senhora — meu tom saiu irônico, o que a fez revirar os olhos.
Talvez fosse dali que criei certo misticismo com tal ato, ela os fazia toda hora.
— Sabe, é muito feio você ignorar o seu filho desse jeito — sussurrei em seu ouvido quando me inclinei para perto de seu rosto. — Caso eu me sinta ofendido, estará trazendo grandes problemas pra você, mocinha.
Ela soltou o ar pesado e socou a terra dentro do vaso.
Quase gargalhei, mas pensei que fazer aquilo na cara da minha mãe seria um tanto quanto filho da putagem, então me segurei.
— Que bela forma de dizer olá depois de tanto tempo fora — e enfim ela me encarou, os olhos cor de mel por fora podiam parecer inocentes e inofensivos, mas sabia bem que ela era perfeita quando se tratava de esconder a verdade. — E como aparentemente isso não virá de você, então deixo aqui o meu, olá, meu filho.
Suas sobrancelhas arqueadas tinham tanto desdém que por pouco não a agarrei.
E então se voltou pra sua jardinagem.
Que safada.
Como se eu fosse deixar aquela afronta seguir sem consequências.
Me aproximei tanto que seu braço encostou em meu tronco e ela se viu obrigada a parar e erguer a cabeça, exalando forte, mostrando a irritação que surgia.
Vibrei com a reação.
— Já te disseram que fica muito atraente com essa carinha de quem está puta? Realmente atraente, devo dizer, se eu não fosse o seu filho, te colocaria na minha garupa e faríamos várias coisas inomináveis.
Esperei pelo que acontecia todas às vezes.
Comecei a ver um pequeno sorriso surgir em seus lábios, mesmo fazendo de tudo para esconder.
Ela passou o punho na testa, enxugando o suor e tirando os fiozinhos castanhos que se colavam na pele.
— E o fato de que eu sou casada não conta? — desferiu com desdém ao me olhar.
— Não mesmo — dei de ombros. — Seria ainda melhor, pegar na cara dura o que é dele... porra, só a possibilidade disso acontecer me deixa eufórico.
Balançando a cabeça, franziu os lábios.
— Também senti a sua falta, Dylan.
E finalmente, sorriu.
— Eu sei, fazer o quê? — largando o resto da maça de lado, a puxei com os braços e a envolvi, antes de deixar um beijo no topo de sua cabeça. — Sou extremamente amável, o que torna impossível ter outro sentimento por mim além desse.
— Ainda descubro a quem puxou.
— Minha teoria é de que quando fui feito, os meus genitores estavam bêbados e chapados.
Sua mão pequena bateu em meu braço.
— Nunca usei drogas, mocinho.
— Claro, nem eu.
Ela não precisava saber que era mentira.
— Dylan.
— Sim?
— Não minta pra mim, sou sua mãe, limpei a sua bunda, te dei banho, vi esse seu pinto quando ele ainda era minúsculo.
Gargalhei.
— Usou a palavra certa, delícia. Ainda — pegando em seu rosto, a obriguei a me encarar —, e também digo, é feio mentir pras pessoas, até porque, Woodstock nunca aconteceu e a senhorita nunca fui num show lá? Nunca experimentou LSD ou qualquer coisa semelhante.
Os álbuns foram escondidos, mas achei todos eles quando mais novo. Quem diria que aquela mulher na minha frente, a mesma que parecia ser uma dama, era a mesma que vestiu uns pedaços de pano coloridos que cobriam nada, uma bandana na cabeça e uns óculos espalhafatosos e néon para ficar pulando e cantando ao som de Jimmy Hendrix.
Apertei meus olhos em sua direção, sendo incisivo de propósito, mas a devassa mãe fez pouco caso.
— Ainda bem que não é cara de pau pra mentir na cara do seu bendito fruto.
— Senti saudades, querido — disse, com o sorriso que sempre tinha pra mim.
— Também senti sua falta mãe — taquei um beijo profundo e forte em sua bochecha, e ela não teve opção a não ser se segurar em mim.
— Principalmente disso — e retribuiu o beijo em meu rosto. — Mas e então, como você está? Tudo bem?
Sua mão direita me acariciava lentamente.
— Inteiro e sem nenhum arranhão.
— Então deu tudo certo?
Sua voz foi calma, mas percebi algo a mais.
Ela sabia.
Mas me fiz de desentendido, respondendo apenas o trivial.
— Perfeitamente.
— Devo acreditar?
— Ousaria duvidar da minha palavra?
— Sem pensar duas vezes, ou esqueceu que saiu de dentro de mim? — elevou uma sobrancelha — Te conheço como a palma da minha mão.
— Isso é assustador.
— Com certeza, querido — riu. — Por isso, trate de ficar esperto — com um tapinha em meu rosto, se desvencilhou.
Ela terminou de mexer nos seus vasos de flores, cortando, transportando, adubando.
— Bem, está muito quente e preciso de algo bem gelado — desfazendo o nó do avental e retirando as luvas, se virou pra mim. — Vamos, eu preciso secar esse suor e você precisa me contar muita coisa. E não pense que sairá daqui sem que antes me responda tudo o que preciso saber, Dylan.
***
— Quer alguma coisa? — perguntou, enquanto se dividia entre olhar o que tinha dentro da geladeira e a mim.
— Não, obrigado.
— Tem certeza? É cedo ainda, não está com fome? Você sempre comeu horrores de manhã.
Sua testa franziu com a minha recusa porque era verdade.
Só saía de casa com o estômago devidamente forrado.
— Já comi bastante em casa, não se preocupe.
E como comi.
A russa foi aperitivo, entrada, prato principal, sobremesa e o tira gosto ao final.
Tudo numa mesma refeição devidamente balanceada.
O café da manhã era a refeição mais importante do dia, certo?
Ela balançou a cabeça.
— Nem sei por que perguntei — esticando o braço, apanhou a jarra da prateleira.
Sorri de lado.
— Não me culpe — ironizei. — Seu filho nunca mais passará fome, se quer saber.
— Eu não preciso saber o que faz dentro do quarto, Dylan — bufando, entornou uma quantidade generosa de água no copo e dei um gole grande.
— Sou obrigado a concordar, e por razões bem óbvias. Seria demais pra essa sua cabecinha descobrir o que o seu amado filho faz quando não estão vendo. Prefiro que continue me achando um santo. Por que se souber o quanto isso pode não ser verdade...
— Como se eu não soubesse, não é? — desferiu à queima roupa — Ou esqueceu que te pegar na biblioteca não foi a única vez?
— Ninguém mandou ser enxerida.
Ela me mataria.
E quem disse que eu ligava?
— Mas me diga, o que quer saber? — voltei ao assunto principal.
— Como Nathan está? — sua indagação foi direta e sucinta, mas sua expressão era a de quem perguntava sobre o tempo.
— Muito bem, suspeito.
— Ah, sim. Que bom.
Seu silêncio em seguida disse muito mais do que qualquer palavra.
Sabia e muito a espertinha.
— Como descobriu? — baixei a voz, inclinando meu tronco sobre a mesa — Quem te contou?
Sua risada foi como se dissesse: você é muito burro.
— Querido, acha mesmo que a sua mãe é boba e inocente? Acha mesmo que depois de todos esses anos convivendo com alguém como o seu pai, depois de todo esse tempo aperfeiçoando o meu agir e falar para ser a esposa perfeita, depois de todo esse tempo apurando os ouvidos e aprendendo a desvendar as pessoas, depois de todos esses anos tendo o cuidado de aprender onde pisar, eu não saberia o que ele queria quando mandou que seu primo te acompanhasse até a Rússia?
Arqueando a sobrancelha, cruzou as pernas.
— Sabia muito antes de você, Dylan.
— O que exatamente?
— Tudo. Eu sou mãe, querido. Meus olhos se moldaram para não deixar escapar nenhum detalhe. Você e Nathan cresceram juntos, tinham quase a mesma idade, mas algo nele era diferente. Eu não podia dizer nada, seria perigoso. Então me calei por um tempo. Mas não podia ser indiferente. O amava como se fosse meu filho. Ele tinha uns quinze anos quando o abordei. Digamos que ele se fez de desentendido e disse não saber do que eu falava, mas não demorou muito e chorava nos meus braços.
Ela suspirou.
— Como eu poderia condená-lo por ser quem é? Como poderia dizer que era errado? Não tenho e nunca tive esse poder, e definitivamente não o quero.
Sua mão pegou a minha.
— Prometi que o ajudaria sempre que precisasse, fui firme quando afirmei que podia contar comigo. E o fiz, em todas as vezes que Nathan precisou, eu estava lá. Em todas as crises, nas tentativas de tirar a própria vida porque ele morria de pavor que descobrissem. Por muito tempo ele esteve sozinho, sem ninguém de confiança, sem ninguém que pegasse em sua mão — ela sorriu, com os olhos molhados, ao apontar para as nossas — e o desse forças. Fiz esse papel sem reclamar em momento algum, mas então, para a minha grata surpresa, vi o quanto o meu menino se parecia comigo nas coisas mais importantes.
Me apertando mais forte, firmou seu olhar em mim.
— Se soubesse o quanto estou orgulhosa de você... — em meio a um pequeno suspiro, disse — fico feliz que meu filho postiço esteja sendo quem ele é de verdade.
— Se você soubesse como e com quem ele está agora, talvez repensasse isso aí.
— Suponho que eu também não vá querer saber.
— Suponho que não, devassa mãe.
Enxugando o rosto, sorria aparentemente mais calma.
— E quanto ao canalha? — perguntei — Como descobriu o que ele queria fazer com o purpurinado?
— Purpurinado?
— Longa história.
— Ah, meu Deus, purpurinado... só vindo de você — passando a mão pela nuca, fez uma cara de reprovação. — Seu pai nunca conseguiu esconder de mim o que devia. A princípio tive uma pequena desconfiança que ele sabia. Me perguntei inúmeras vezes como ele foi capaz de perceber coisa alguma, mas infelizmente seu radar pegou algo no ar. Não demorou muito e a desconfiança se concretizou.
— E por que não me disse nada? — ela devia ter me contado — Por que não me alertou antes?
— Porque eu sabia que faria o certo, e principalmente, porque tinha que aprender a se virar. As coisas não são fáceis, eu não podia te guiar e dizer o que fazer, era a sua responsabilidade. A melhor forma de crescer e amadurecer acontece nas dificuldades. Se fosse fácil, não daria o devido valor.
Assenti.
— Tinha tanta certeza assim que eu conseguiria?
— Eu nunca duvidei de você.
— Nunca?
Ela negou.
— Conheço o filho que tenho.
— Pelo visto está certa.
— E agora a minha outra pergunta — relaxando o corpo, respirou fundo. — Por que me ligou como um louco da Rússia, me tirando da minha paz, pra que eu comprasse uma casa nova, a decorasse minimamente e ainda por cima montasse um quarto rosa, todo cheio de bailarinas e bonecas para todos os lados? Ah, sem contar toda a estrutura hospital. O que andou aprontando?
Bem, era hora de soltar a bomba.
— Eu não voltei sozinho de lá, mãe.
— Encontrou alguém que já conhecia por lá? — perguntou, curiosa.
— Conhecida? — ri — Não mesmo, eu trouxe foi a diaba comigo.
— Quem? — seu semblante era o de quem tentava ligar um ponto ao outro.
— Kate, ou Ekaterina, se preferir.
Falei, dando de ombros.
— Mas... — seu cenho enrugou — querido, por acaso essa menina sabe que...
— Sabe — a cortei, eliminando toda e qualquer dúvida.
— E mesmo assim ela concordou? — certo, minha mãe parecia mesmo chocada — Quer dizer, nosso estilo de vida não é a representação da típica família americana.
— Ela sabe disso, não se preocupe.
— Tem certeza que contou mesmo?
Nada como a descrença.
— Mãe, acredite, ela é o capeta em forma de mulher. Não caia na ilusão da pobre menina inocente e pura, porque aquela ali não presta, é coisa ruim mesmo, tão ruim que fui obrigado a me meter e reivindicá-la pra mim, calhou que os nossos lados fodidos decidiram se grudar e pronto, a porra fedeu.
Sua risada foi sucedida de um tapinha em minha mão.
— Você a ama — afirmou tão convicta que me assustei.
— Amo.
— Quem diria que esse meu filho louco se apaixonaria por alguém.
— Caralho, que imagem de merda tinha de mim? — cruzando os braços, ergui o queixo, a olhando com um falso ar de dureza.
— A imagem do menino que não sabia o que significava não transar com todas.
Gargalhei, jogando a cabeça pra trás.
— É justo, mas não pude fazer nada quando fui enrabado pela russa, então...
— Se é assim, preciso conhecê-la.
— E irá, por isso eu vim aqui.
— Ótimo, mas e o quarto? — me lembrou — Por que a existência dele?
— A russa não veio sozinha, cara devassa mãe.
Vi dúvida em seus olhos.
— Quer dizer...
— O quarto é da nossa filha, da nossa bailarina.
A mulher ficou branca.
— Vai morrer não, né? — segurei seu braço, mantendo-a ereta — Puta que pariu, antes de empacotar, conheça a sua neta primeiro, porque tenho certeza que ela vai amar conhecer a vovó e grande idealizadora do quarto que gerou muitos gritos.
Cobrindo o rosto com as mãos, respirou fundo algumas milhares de vezes antes de me olhar.
— Filha? — sua voz tremulava — Você disse filha?
— É — confirmei. — Não é de sangue, mas foda-se. O importante é que em breve ele terá oficialmente o meu nome e que me chama de papai, então o resto pode ir pro inferno.
Pela primeira vez na vida fiz minha mãe ficar muda.
— Os equipamentos... — disse baixo — ela...
Fechei os olhos, balançando a cabeça.
— Ela tá doente.
Eu odiava aquela merda com todas as forças.
— Dylan... — seus olhos transmitiam aquilo que a boca não ousava dizer.
— Não, mãe — fui veemente. — A bailarina vai ficar bem, dei a minha palavra. Prometi que daria tudo e faria tudo para deixá-la bem outra vez e vou fazer. Isso o que pensou não passa perto de ser uma possibilidade pra mim, então não pense também. Porque ela vai sair dessa e me fará de caixa eletrônico no futuro.
Assentindo, exprimiu um pequeno sorriso.
— Acha que ela vai gostar de mim?
— Gostar? Ela vai te pedir uma boneca assim que colocar os olhos em você, se prepare, e se por acaso der mesmo o que ela quiser, ai que você tá fodida.
Quanto mais gente pra ser explorado pela bailarina, melhor.
Olá mundo, amanhã tem mais ❤
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