Capítulo 25
DYLAN
— Que porra de filho é esse?
A respiração do outro lado da ligação tremeu, vacilou. A voz não conseguia sair. Ouvia nada mais do que suspiros surpresos de quem não esperava que eu fosse usar aquele tom, ainda mais com ela.
— Dylan... — falou num quase clamor, como se suavizar sua entonação me fizesse ter pena do que ela fez. Para o inferno. Se ela queria usar de chantagem comigo, seria com coisa pior que a receberia.
— Que porra de filho é esse? — repeti sem um pingo de pena. Meu sangue fervia. Aquele era o preço por ser condescendente com alguém que só se importava com o caralho do próprio umbigo. Não que eu não soubesse que Rose era assim, mas a desgraçada tinha passado dos limites, e ela sabia muito bem que eu não era gentil todo o tempo.
— Nosso filho, Dylan... — tentou parecer mais firme e não tão afetada, mas eu conhecia muito mais do que a bunda daquela ruiva desgraçada.
— Meu filho na puta que pariu, Rose! — esbravejei e como consequência ela soltou um gritinho abafado, o som ficou confuso, chiado, cheio de ruídos — Não sabia que agora é possível se engravidar dando o cú. Quem diria que você fosse abrir as portas para uma nova realidade. Essa criança vai ser o que? Feita da merda que tá na sua cabeça fodida? Recomendo chamar os especialistas, porque encontramos uma bizarrice da natureza.
— Deixa eu explicar... — choramingou — não tive alternativa, Dylan.
— Alternativa? — debochei — Não teve alternativa? Vai se foder, Rose. Sabe qual é o seu problema? Acha que todos caem nessa sua lábia. Mas quem sou eu para falar disso, não é? Cedi à vontade de te ter na minha cama e agora estou aqui, sendo pressionado por todos os lados. Ao menos tem noção do que fez? Onde me colocou? Porra! Isso é o que? Ego ferido de uma menininha que não conseguiu dar uma chave de boceta no otário aqui?
— Não! — sibilou nervosa, conseguia imaginar o quão vermelho seu rosto estava, as mãos trêmulas, o olhar perdido e confuso — Claro que não... nunca faria isso, não sou assim...
— Faça-me um favor, Rose — minha raiva queimava em minha pele, flamejando, faiscando. — E esse teatrinho é o que? Sério? Quer me obrigar a te aceitar como esposa?
Grunhi no telefone tão alto que suas lamúrias foram ofuscadas.
— Diz que não é assim... — estava a beira de estourar — mas na primeira oportunidade que tem, faz o que faz. Esperava muito mais de você, Rose. O pouco de consideração que um dia senti, hoje se resume em pena e indiferença.
— Amor... — trinquei o maxilar ao escutar a voz sebosa.
— Pela milésima vez, não sou seu amor, não sou seu querido, não seu noivo ou coisa parecida, e o mais importante, não sou o pai desse bastardo que carrega na barriga. É bom se acostumar logo com isso, porque daqui pra frente as coisas serão assim. Se quer uma dica, reze muito pra que eu esteja de bom humor. Sorte sua que existe um oceano entre nós, caso contrário, minhas mãos estariam no seu pescoço agora.
— Por que está me tratando desse jeito? — explodiu — Com que direito fala assim comigo? Acha que eu vou escutar você me difamar assim e ficar quieta?
— Ora... — sorri, semicerrando os olhos. — Olha quem resolveu dar as caras. A dissimulada que estava se fazendo de sonsa. Demorou a aparecer. O que ouve? Cansou de bancar a boazinha e inocente? É chato se fazer de vítima, não é?
— Não me chame de sonsa! — revidou.
— Não mandei você falar — a alertei, pausadamente, frio, distante, sem qualquer tipo de compaixão. — Agora que fez a merda, vai escutar nessa porra.
— Quem pensa que é?
— Tem problema de audição? Mandei calar a porra da boca, a não ser que queira que eu seja mais filho da puta do que estou sendo agora. Juro que não vai querer que eu a faça ficar quieta. Ou vai querer? Não sei mais. De você, espero de tudo a partir de agora.
O peso da minha afirmação a acertou em cheio. E eu não ligava a mínima para o que ela pensasse de mim. Minha postura naquele momento era o avesso do jeito como sempre a tratei. O que ela queria? Que me compadecesse e confirmasse a mentira dela? Que me transformasse no cachorrinho que ela usaria para conseguir o que queria?
Rose enfim se calou. Chorava baixo, engolindo as lágrimas que começaram a se misturar com os resmungos provenientes de seus soluços.
Focando na parede à minha frente, passei a mão no rosto, os dedos apertando meu nariz.
Fiquei mudo alguns minutos. Pensando em como desfazer aquela merda colossal. Jamais ficaria com Rose, isso não era nem perto de ser uma opção. Não negociaria o que eu sentia por Ekaterina por uma garota que não soube nem trepar direito. Tinha os russos no meu encalço que não podiam ser ignorados, afinal eu devia muita coisa. Tinha o desgraçado do meu pai que gostava de me ver sem saída. Tinha Nathan, a cruz que eu carregava, e o infeliz do espanhol dele que em poucos dias chegaria à Rússia.
Respirando fundo, ergui o rosto e me levantei.
Eu não gostava de ser ruim com mulheres, evitava sempre que possível, mas Rose sabia muito bem como as coisas funcionavam.
Não havia muitos caminhos para resolver aquilo, e muito menos caminhos que terminassem de um jeito bom.
Com passos curtos, andei até a mesa e peguei uma garrafa que repousava sobre a bandeja prateada. Virei um pouco do conteúdo dentro de um copo e o levei até a boca. O amargor impregnou a língua e o líquido amarronzado desceu com facilidade, umedecendo a garganta que ficara seca.
— Estou indo pra casa e vamos tirar tudo a limpo — disse calmo, limpando uma gota que havia escapado pelo lábio com o dorso da mão que segurava o copo — Vou provar que essa criança não é minha e você vai pagar muito caro por estar fazendo tudo isso. Não terei misericórdia com mentirosos.
— Não menti! — gritou — Pense na criança, você não machuca crianças. Machucaria seu filho?
Tentou me dissuadir. Chorando mais alto, implorando, quase rastejando.
Filha da puta. Foda-se mãe, foda-se tudo.
Soltei uma risada irônica.
— A esperta fode com todos os paus da cidade, engravida de sabe-se lá quem e vem dizer que é meu? — perguntei irritado — E ainda por cima aproveita que não estou aí pra fazer essa palhaçada. Não está em posição de pedir coisa alguma.
Elevei a voz, me segurando para não quebrar o que estava ao meu redor. Os dedos apertavam com força celular contra o ouvido. A gola da camisa parecia querer me sufocar.
— Me ajuda, por favor...
— Ainda não entendi muito bem o que eu tenho a ver com isso. Estava fodendo comigo e com mais quantos ao mesmo tempo?
— Do que está falando? — retratou-se rápida e afobada demais para alguém que se dizia inocente — Nunca teve mais ninguém, só você.
Gargalhei.
— Mesmo? Pois eu discordo. Por acaso era boa nas aulas de matemática? Não sei você, mas as minhas professoras me ensinaram muito bem — chacoteei. — Espero que saiba contar... — limpei a garganta, fazendo a contagem de nomes mentalmente — temos eu, Charles, Matthew, James, Daniel, Christopher, Levi, qual é mesmo o nome daquele cara que faz a sua segurança? É o francês, se me lembro bem..
Rose não cogitava que eu soubesse de todos.
— Dylan... — sussurrou temerosa.
— Calma, vou me lembrar... — aguardei uns dez segundos e falei — Pierre, isso. Alto, cabelo curto e escuro, olhos afiados sempre fixos na sua bunda, sorriso totalmente desconexo para alguém da posição dele.
Fiz questão de falar o nome de cada um. Não que eu me importasse, ela podia dormir com quem quisesse, mas a ruiva, e principalmente eles, eram péssimos em disfarçar. Aqueles eram os que eu tinha certeza. Alguns faziam questão de se gabar por terem entrado no meio das pernas da garota mais linda da cidade. Outros a encaravam como um passatempo, e ainda tinha aqueles que a idealizavam como um tipo de deusa, e dormir com ela era como chegar ao apogeu de toda uma vida.
— O que? — se exaltou — Como pode me desrespeitar assim? Não sou uma puta qualquer.
Ao ouvir suas palavras endurecidas por ter tido a verdade jogada em sua cara, suguei o ar lentamente, sorrindo de lado. Apesar de estar puto com ela, saber que a maldita não conseguia se fazer de forte o tempo todo era animador.
Brincar quando se tinha as cartas na manga era fácil, difícil era quando te conheciam muito bem.
O quarto estava escuro. Não tinha nem chego perto da cama ainda, sobre a mesma mesa de madeira, tudo o que reuni durante os dias em Moscou. Recibos de pagamento, dados de transações, nomes de laranjas.
— Então não se comporte como as vagabundas que dormem com qualquer um que possa te dar uma joia cara e um passeio de lancha — pus o copo sobre a mesa, deslizando o dedo sobre uma folha de papel.
— Não sou uma prostituta, nunca me prestaria a esse tipo de papel. E se é assim que quer lidar com a verdade, tudo bem. Não ligo, mas esse bebê é seu.
— Quero ver — a desafiei. — Mas duvido muito, para a sua infelicidade, apenas sua bunda e sua boca viram meu pau.
— Vou provar, e vai pagar por tudo isso que estou tendo que ouvir.
Apoiando-me com a mão na mesa fria, inclinei o corpo ligeiramente para frente, quase que como se a estivesse encarando.
— Nos vemos em breve, Rose.
KATE
Parada na calçada, enquanto abraçava meu corpo para me proteger do vento que batia, observava o táxi levar Nina e Nathan embora, assim que o carro virou para a esquerda no cruzamento após o sinal, girei o corpo e voltei para dentro do hospital.
Natasha dormia quando saímos do quarto.
Mas antes de apagar, fez Nathan prometer que compraria o vestido da Julieta, uma casa de boneca que custava mais de dois mil e uma tiara.
Ele foi mais um que não conseguiu dizer não, ainda mais porque ela falava mansinho, sorrindo o tempo todo, segurando o colar com as sapatilhas – colar esse que não consegui tirar de seu pescoço com ela acordada –, batendo os longos cílios uns contra os outros.
Foi engraçado ver um homem já feito sendo enrolado daquele jeito. Cada palavra que saía da boca de Natasha fazia com que Nathan a encarasse com um semblante de quase adoração. Muitas coisas que ela falava ele não entendia, mas em nenhum momento aquilo foi um impedimento.
Assim como ela ensinava coisas que ele não sabia, o contrário também aconteceu. Nathan mostrou como se pronunciava algumas palavras em inglês, e a bailarina, com os olhos firmes e atentos, absorvia a tudo. Parecia que se conheciam há muito tempo, e não que eram, teoricamente, meros desconhecidos.
Natasha fez questão de recitar as falas de Julieta, e como estava hipnotizado pela pequena bailarina, ele entrou na onda e repetiu o que ela direcionava com a ajuda de Nina. Foi longe de ser perfeito ou cem por cento preciso. Mas ninguém ali ligava para aquilo, o mais importante era as risadas que foram dadas, a alegria compartilhada, os abraços distribuídos e o carinho vivenciado na forma mais simples e pura.
Colocando uma moeda numa daquelas máquinas de café expresso, apertei o botão do chocolate quente e esperei. Assim que o líquido fumegante caiu no copo plástico, o peguei nas mãos e aspirei a fumaça antes de dar o gole.
Fiquei ali até que eu tomasse aquela pequena dose e energia e joguei o copinho no lixo. Olhando no relógio em punho, vi que se aproximava das nove horas da noite. Suspirei, o dia tinha passado mais rápido do que imaginei, e só ali, depois de terminada toda a correria, que começava a sentir uma leve moleza.
Escorregando em uma cadeira que ficava no corredor, encostei a cabeça na parede e descansei os olhos por alguns minutos. Minha mão que repousava na perna aos poucos escorregou, e deixando o rosto de inclinar sobre o ombro, cochilei. Despertei ao sentir um toque em meu braço, ao abrir os olhos, dei de cara com uma das enfermeiras que cuidava da Natasha.
A senhora de olhar doce, coque na cabeça com os cachinhos bem enroladinhos e pele com rugas que despontavam ao redor dos olhos me sorriu. Perguntou se estava tudo bem e se eu precisava de alguma coisa. A tranquilizei ao responder que era apenas o cansaço acumulado.
Assentindo, me deu boa noite.
Enquanto criava forças para me levantar, a vi se distanciar. O corpo robusto rebolando sobre os sapatos baixos, a bolsa preta nos ombros, o casaco grosso que batia no meio das canelas. Ela era uma das mais engraçadas e a menos carrancuda de todas, porque tinha umas que me davam arrepios.
Dessas eu corria. Ou então sorria e fingia demência. Melhor solução para não ser grossa e arrogante. Uma coisa que sempre tinha em mente era, em hipótese alguma, irrite russos. Apesar de eu mesma ser uma, não era de muita valia quando se estava cara a cara com um que poderia te fulminar apenas com o olhar.
Era preciso saber jogar de acordo com as peças.
Meu corpo tinha se acomodado tão bem na cadeira que o ato de levantar foi feito sob meus resmungos. E ali estava a comprovação que Natasha era sangue do meu sangue. Nada como a genética para perpetuar nossos defeitos.
Arrastei-me até o elevador.
Assim que entrei no quarto de Natasha, avistei alguém perto da cama. Quando saí, tinha deixado apenas a luz do banheiro ligada, mas naquele momento a luz do abajur se encontrava igualmente acesa.
A mulher loira com os cabelos muito claros estava de pé e com uma prancheta em suas mãos, focada em anotar alguma coisa. Como era de praxe a visita dos médicos, de início não achei estranho. Ainda mais por causa da festa de aniversário. As crianças se movimentaram muito, falaram pelos cotovelos, gastaram a energia que não era mais tão comum.
Em silêncio, virei o corpo para trás. O corredor estava quase vazio, apenas alguns funcionários dispersos que transitavam sozinhos. Encostei a porta. Quando me virei, a mulher havia contornado a cama, de modo que eu tinha livre acesso ao seu rosto.
Estreitei os olhos sobre ela.
Sua mão tocava no cabelo de Natasha, deslizando os dedos nos fios espalhados sobre o travesseiro.
— Não sabia que era médica agora — falei irônica, cruzando os braços.
Ergueu a cabeça e me fitou.
— Sou aquilo que preciso ser — devolveu baixo, dando de ombros, sem deixar de se afastar da cama. — Achei que se lembrasse disso. Ou esqueceu que nós aderimos a forma daquilo que é necessário, Ekaterina?
— E tem como esquecer? — meneei a sobrancelha — Há coisas que não somem com o tempo, Lara.
Ela arriscava um sorriso enquanto eu levava meus pés mais próximos a ela.
Nem sempre estar certa era reconfortante. Ainda mais porque Lara era a representação mais forte e contundente daquilo que deixei para trás. Havia alguns anos desde a última vez que tínhamos nos visto. Mas apesar disso, ela parecia a mesma. A idade era algo que quase não a afetava.
Nina sempre dizia que era porque ela se banhava no sangue de virgens inocentes.
Não duvidava que fosse verdade.
— Ela me lembra seu pai — confessou, tocando no braço de Natasha. — É quase uma versão mirim dele, imagino que os olhos também devam ser semelhantes. Já que você os herdou, é lógico que a sua filha os tenha.
Focou em meu rosto.
— É bom te ver de novo, Ekaterina — sorriu. — Sentimos sua falta.
— De mim ou das minhas mãos?
Alargou o sorriso.
— Todos são igualmente sentidos e lamentados por não estarem mais conosco.
— Mas um com certeza é mais que o outro — sinalizei, e sabia qual era.
Baixei os olhos, me atentando na bailarina que dormia serena, mal sabendo que era observada de perto.
— Por que apareceu agora?
Não era boba ou inocente de pensar que ela tinha surgido por mero acaso. Primeiro porque nossa convivência havia se findado. Outra porque ela não sabia que minha filha estava doente. E muito menos eu tinha revelado o hospital onde Natasha estava internada.
— Porque eu prometi à ele que ficaria de olho em você, te protegeria, e eu jamais seria negligente quanto à isso.
Assenti.
O relacionamento entre meu pai e ela era uma irmandade forte. Apesar de não compartilharem o mesmo sangue, meu pai a tinha como irmã.
— E te conhecendo muito bem, esperou que eu saísse pra que pudesse bisbilhotar sem problemas — falei calmamente. — Suponho que presenciou tudo o que aconteceu mais cedo também.
— Sim — confirmou. — Precisava ver como você estava, se precisava de alguma coisa — soprou aparentando estar verdadeiramente preocupada. — Eu me importo com você, Kate.
Respirei fundo.
Não estava acostumada a vê-la comovida. Minhas lembranças eram baseadas em uma mulher dura, fria, insensível com todos, inflexível quanto ao que queria e almejava.
— Como ela está? — inquiriu — Vi o que ela tem, e sinto muito.
— Caminhando um dia de cada vez — inclinei-me sobre a cama e beijei a testa de Natasha. — Ela lida melhor do que eu, muito melhor na verdade.
Lara soltou um riso melodioso, como se ouvir aquilo lhe despertasse coisas boas.
— E não poderia ser diferente. Olha... — esticando o braço, alcançou meu punho e o segurou, fitei seus dedos que me envolviam, as unhas, como sempre, perfeitamente cuidadas, o esmalte vermelho que ela nunca deixava de usar. Era a sua marca registrada, assim como a pele sempre maquiada.
— Não... — a cortei antes que prosseguisse — se for o que estou pensando, não precisa continuar. Não quero nada, Lara. Posso me virar sozinha.
— Sempre a mesma — resmungou, revirando os olhos. — É um presente por todo o tempo longe.
— Presente? — retruquei não me deixando influenciar — Precisa fazer mais do que isso, te conheço bem o bastante para saber que não se trata de presente algum.
Ela me soltou e ficou ereta, ajeitou os fios atrás da orelha e limpou a garganta, adotando uma pose que poderia convencer qualquer um de que era mesmo uma médica.
— O presente é para ela — indicou Natasha ao erguer o queixo. — De acordo com o que sei, o tratamento não é barato e digamos que o seu novo emprego não basta para suprir tudo o que é necessário.
A palavra emprego saiu com desdém e não evitei o sorriso que se formou em meus lábios. Lara nunca se conformaria com a decisão que eu tinha tomado. Quando fui embora, ela foi ridiculamente enfática ao dizer que eu estava tomando a decisão errada.
Havia uma chance alta dela estar certa.
— Agradeço, mas posso me virar sozinha.
— Merda, Ekaterina — bufou.
— Não devia xingar perto de crianças — suscitei em resposta, passando a língua pelos dentes.
Apertou os olhos, xingando novamente. Era ótimo ver o quanto ela era diferente em uma situação mais preocupante com aqueles que ela se preocupava. Ao abri-los, vi as faíscas que cintilavam devido à minha recusa. Com passos firmes, se colocou ao meu lado. Encarando-me sem piscar, mantendo os grandes olhos azuis em mim, tirou algo que estava preso na prancheta e o estendeu para mim.
— Lara... — me recusei, indo para trás.
— Não estou pedindo para pegar — disse severa.
Crispei a testa.
— Não manda mais em mim, mesmo que pense que sim.
Havia passado o tempo em que eu seguia fielmente suas palavras. Mas as coisas tinham mudado e ela não mais tinha poder para mandar e desmandar.
— Que russa teimosa — irritada, pegou outra vez a minha mão, abriu meus dedos e enfiou o cheque ali. — Pode rasgar depois, mas você vai aceitar primeiro. E outra, os meninos também ajudaram, o passado não se apaga assim.
Nossos olhares ficaram conectados até que eu enfim cedi, e pegando no pedaço de papel, engoli a saliva ao ver o valor que tinha ali. Senti-me invadida com a sensação de gratidão. Querendo ou não, eles foram a minha família por anos.
Como se tivesse ganhado alguma coisa, Lara empinou o nariz.
— Obrigada... — sussurrei, soltando o ar pela boca.
— Não há de que — meneou a cabeça. — Espero que ajude.
— Irá... — suspirei, mesmo não querendo admitir, aquilo ali salvaria o meu pescoço, estava vivendo na corda bamba há meses, me segurando onde conseguia — e como irá.
— Ótimo então — reverberou satisfeita. — Mas tenho que ir, o trabalho nunca para.
— Claro que não.
Girando o corpo, se afastou. Puxou a porta e a claridade do corredor bateu em seu rosto.
— Ah... — pigarreou — mande lembranças para Nina, aquela menina faz falta também.
— Mesmo com as piadas sobre você ser uma vampira?
— Mesmo assim.
— Pode deixar — ri. — Direi que mandou lembranças.
Voltei a olhar Natasha, velando por seu sono tranquilo. As máquinas apitavam marcando sua pulsação. A linha que mostrava as batidas do seu coração bem viva. Seu peito subia e descia. Toquei seu rosto, deslizando o polegar em sua bochecha.
Ela estava bem, e aquilo era o suficiente pra mim.
— Suas armas estarão sempre te esperando, caso sinta saudade... — sua voz firme me atingiu, fazendo com que eu me arrepiasse — sabe onde me encontrar.
A porta fechou e mais uma vez me vi no limbo.
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