C O L O R S
15/01/1967
Min Jee
Senti uma forte dor de cabeça ao acordar naquela manhã fria de inverno. Quando olhei para frente vi que nevava lá fora pela janela, e percebi que as cortinas da pensão que ficava na frente da nossa estavam fechadas. Os homens já haviam saído para mais um dia de batalha, e provavelmente muitos deles voltariam mortos.
Levantei-me com cuidado, eu já devia estar acostuma a dormir no chão duro e sujo de madeira pelo tempo que estou aqui, mas mesmo assim minhas costas doíam toda manhã que eu acordava sem lembrar-me de nada do que aconteceu há alguns dias. A última coisa que fiz e que me lembro, foi consertar um velho urso de pelúcia para minha filha, Mi Cha. Meu tesouro mais precioso, meu motivo de ainda estar lutando para no futuro, se a guerra um dia acabar, termos uma vida melhor do que essa.
Segui em frente, minha pequena ainda estava deitada na sua cama, coberta e aquecida, eu dava todo o conforto que eu podia para ela, tudo que eu fazia era por ela.
Como imaginado, não tínhamos água e nem comida. Suspirei frustrada, apesar da vida ser escassa aqui nessa ilha esquecida, eu ainda tinha esperanças de que um dia a felicidade voltasse para os poucos moradores de Baengnyeong.
Andei até a pequena e me ajoelhei ao pé da cama, mesmo com dois cobertores grossos, seus dentes batiam de frio e seus lábios não tinham a cor rosada natural, eles estavam roxos, o que me deixava preocupada e com o coração na mão pela minha Mi Cha estar desse jeito.
— Filha? - A balancei levemente. Mi Cha aprendeu a ter o sono pesado quando era obrigada a dormir mesmo em meio ao barulho da guerra, então era difícil acordá-la.
Aos poucos ela foi se mexendo por conta própria e se virou com os olhos poucos abertos para mim, dei um leve sorriso para ela.
— Mamãe? - Ela pronunciou com receio na voz. Temo pela minha filha quando ela aparece, odeia a única coisa boa que eu tenho e a maltrata. Pelo menos é assim que Mi Cha descreve-a para mim.
— Sou eu, meu amor! - Sorri e ela veio me abraçar, seus pequenos bracinhos rodearam o meu pescoço e os meus braços a sua cintura, ficamos assim por um tempo. - Você está bem? Aquela mulher fez mal a você?
Mi Cha se encolheu e mordeu os lábios.
— Não, ela nem ficou tanto tempo aqui. - respondeu desviando o olhar para o meu corpo, mais especificamente para as minhas roupas. Segui seu olhar e percebi que estava usando aquele vestido, levantei-me imediatamente assustada.
— O-Oque é isso? - Perguntei para mim mesma enquanto tateava aquele pedaço de roupa que me fazia lembrar coisas que aconteceram no meu passado. - Ela colocou isso em mim?
A pequena assentiu repetidas vezes.
Suspirei e retirei aquela peça de roupa imunda e a coloquei dentro de um baú velho que tinha ao pé da cama de Mi Cha, pegando logo em seguida outra coisa para vestir.
— Não a deixe pegar isso novamente, certo? - Tranquei o baú com uma chave e fui até a penteadeira gasta e suja que tínhamos no nosso quarto. Escondi a chave em uma gaveta.
— Mamãe, você está bem? - Mi Cha perguntou-me tossindo logo em seguida. Mesmo com dor de cabeça, eu respondi que estava bem e fui acudi-la.
— Se agasalhe bem filha, você saiu ontem? - Segurei seu rostinho com minhas duas mãos e olhei no fundo dos seus grandes olhinhos.
— S-sim. Eu fui atrás dela e pedi para você voltar mamãe. - Meu coração apertou-se e eu senti raiva daquela que ainda fazia mal para minha filha.
— Quando ela sair não vá atrás dela, sim? - Mi Cha assentiu fazendo seu cabelinho balançar e sua franja já grande a fazer espirrar por ter passado em seu nariz. - Acho que temos que cortar seu cabelo.
A garotinha se encolheu e pegou uma mecha de seus cabelos escuros analisando-o.
— Não quero corta-lo, mamãe. - Mi Cha me olhou sorrindo minimamente, sua pele alva estava mais pálida que o normal e eu estava com medo dela pegar alguma doença por falta de vitaminas. Por sorte, algumas mulheres da pensão nos davam comida em troca dos meus serviços como costureira.
— Tudo bem. Você está com fome? - A menina assentiu - A comida acabou, então vou ir até o quarto da Sra. Kim pedir algo para comermos está bem?
— Tá bem. - Mi Cha se cobriu e se encolheu, dei um beijo em sua testa e levantei-me indo em direção à porta do nosso quarto.
Mi Cha era a única criança desta pensão, ela brincava sozinha todos os dias, as outras mulheres diziam que ter uma menina tão nova podia causar problemas, e já que ela era pequena precisava comer para poder crescer forte, então elas a odiavam ainda mais por terem que dar-nos comida em troca de alguns favores que eu tinha que fazer. Lembro-me até hoje de quando minha mãe me ensinou a costurar, a cozinhar e limpar.
Tranquei a porta atrás de mim, aquele corredor escuro e quieto me dava arrepios. Segui em frente apalpando as paredes de madeira que rangiam assim como o chão a cada vez que eu pisava nele. O quarto da Sra. Kim ficava a uns vinte passos do meu, ela era a mais velha entre nós e a única que não reclamava de Mi Cha, mesmo assim, eu tinha certeza de que ela odiava minha filha.
Bati três vezes na porta da senhora antes dela abri-la e revirar os olhos.
— Quem é você? - A mulher de meia idade estreitou os olhos, engoli em seco e olhei para o chão envergonhada. Às vezes aquela mulher me irritava profundamente. Ela fez com que todas as mulheres da pensão e metade da ilha soubessem que ela existe dentro de mim, e sempre que alguém me via por aí ficavam me perguntando quem eu sou.
— Min Jee. - Respondi-a.
— Ótimo, entre. - A senhora deu-me espaço para passar e assim eu adentrei.
***
— Precisamos conversar, Min Jee. - a Sra. Kim sentou-se em uma velha cadeira de madeira, eu continuei em pé, mas não pude deixar de olhar para um armário que tinha perto de seu baú de roupas, eu sabia que era ali que ela colocava sua comida. - Ontem a sua filha veio até mim dizendo que a outra havia saído, e depois Mi Cha foi atrás dela no meio da noite.
Meu coração apertou-se, fechei minhas mãos em formato de punho e abaixei minha cabeça.
Naquele exato momento me culpei, eu que a criei, eu que a deixei sair naquele dia. Eu devia ter aguentado tudo sozinha, mas sem ela eu não duraria muito tempo, Mi Cha não tinha culpa de nada e aquela mulher ainda a tratava mal. Mesmo que eu a odiasse mais que tudo, não poderia me livrar disso.
— Mi Cha me disse que foi atrás dela. - Mordi meus lábios e encarei a anciã.
— Achei que ela não te contaria. - Comentou pegando um jarro de água e colocando em um copo de barro. - Bom, eu preciso que você conserte uns vestidos para mim. Em troca te darei algumas frutas, pão e uma jarra de água.
— Está bem.
A Sra. Kim deu-me cinco vestidos para remendar e consertar, em troca, duas maçãs, três bananas, dois pães e como prometido, a jarra de água. Isso alimentaria Mi Cha e eu por quatro dias, no máximo.
Sai de seu quarto com as mãos e braços cheios, cruzei aquele corredor novamente sem nenhuma eletricidade e gélido, abri a porta do nosso quarto e coloquei os vestidos em cima de uma mesa já bem velha e com cupins. Mi Cha estava deitada com sua boneca em mãos enquanto fazia uma voz mais fina como se fosse do brinquedo. Fiquei a observando sorrindo.
— Mi Cha unnie, quando a guerra irá acabar? - Minha filha inclinou a cabeça de sua boneca para baixo como se estivesse triste, embora a pergunta tenha me deixado com o coração na mão, achei uma graça ela ter chamado a si mesma de unnie mesmo que indiretamente. - Eu não sei, mas não se preocupe! Sempre estarei com você, e te protegerei nos momentos que mais precisar! Como minha mãe me protege.
Comprimi meus lábios. Eu não sabia o que pensar sobre isso, ter ouvido minha filha falar que eu a protegia, eu não vejo dessa forma. Eu sou um perigo para mim mesma e para a pessoa que mais amo, Mi Cha tem apenas sete anos e sabe muito sobre muita coisa. Ela nasceu de algo horrível e mesmo assim era a criança mais doce dessa ilha.
— Mi Cha, eu trouxe comida. –Aproximei-me dela. A menina se levantou e deixou de lado a boneca. - Coma bem está bem?
— Você não vai comer mamãe? - Ela mordeu uma maçã e então percebi o quanto estava faminta.
— Aniyo, eu estou bem. Pode comer. - Sorri acariciando seus cabelos. Minha maior preciosidade. - A mamãe vai trabalhar.
Levantei-me e deixei minha filha comendo enquanto ia até a penteadeira, dentro de uma gaveta eu peguei linhas, uma agulha e uma tesoura. Peguei o primeiro vestido que vi e comecei meu trabalho. Durante todo o tempo que estive remendando aquela peça de roupa, Mi Cha comeu aquela maçã inteira e um pedaço de pão, bebeu um pouco de água e continuou brincando. Às vezes ela olhava para fora, para a pensão na frente da nossa. Eu sei que ela queria sair para brincar, mas enquanto a guerra não acabasse as ruas não seriam totalmente seguras. Cortei um pedaço de linha e deixei a tesoura ao meu lado.
Por mais que eu me preocupasse com a guerra e com Mi Cha querendo sair, o perigo maior estava dentro desse quarto. E eu sabia que sempre que Min Hee aparecesse, minha filha iria sofrer. Mas eu não iria desistir, assim como ela existia dentro de mim agora, eu também existiria dentro dela quando aparecesse, e eu não deixaria fazer mal a minha Mi Cha!
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