Capítulo 10.
No paraíso o único que reinava era a tensão e a aflição, desde o desterro de Lúcifer e os rebeldes tudo tinha ficado pior do que estava. Deus tinha feito aquilo com o intuito de devolver a paz ao nosso lar, mas só conseguiu criar desconfiança e insegurança.
Os anjos já não dividíamos momentos juntos, os treinamentos tinham chegado ao fim e as conversas entre irmãos eram raras de se ver. Todos desconfiavam de todos e o medo de uma segunda guerra predominava dentro de cada morador do céu, nem mesmo os Arcanjos tentavam melhorar a situação, pois sabiam que o acontecido tinha abalado e atingido cada anjo de formas diferentes. Não existia possibilidade de que as nossas vidas voltassem a ser o que eram.
A minha relação com Miguel tinha se deteriorado, as suas obrigações tinham aumentado excessivamente mantendo-o ocupado quase o tempo todo, e eu mentiria se dissesse que o nosso afastamento não tinha me magoado tremendamente. Eu já tinha perdido Laylah, Lúcifer... Perder o Arcanjo também seria algo do qual dificilmente iria me recompor.
Eu e o castanho não voltamos a ter uma conversa ou momento a sós após o fim da guerra, às vezes achava que ele estava até mesmo me evitando, pois mais de uma vez tinha visto Gabriel e Rafael passeando pelo céu, mas não havia nenhum sinal de que o meu outro irmão estivesse com eles ou pelo menos perto deles.
Sentia saudades do Querubim, a imagem dele caindo naquele horrível lugar me atormentava constantemente e a vontade de gritar me invadia. Era frustrante saber que não tinha feito nada para impedir aquilo, e mesmo tendo consciência de que naquela hora estava impossibilitado de fazer qualquer tipo de ação, não podia evitar sentir que tinha falhado outra vez. Lúcifer precisava de mim da mesma forma que Laylah precisou, e eu decepcionei-os.
Tinha me tornado um viciado em treinos, ao não ter a companhia de nenhum dos anjos apenas me restou achar um refúgio na minha espada. Ela havia deixado de ser apenas uma arma para passar a ser minha melhor amiga e confidente, mais de uma vez me encontrei pensando que começava a perder a cordura, pois falava com o artefato como se o mesmo fosse me responder ou ao menos escutar.
Aproveitava também que a arena de treinamentos era um local desconhecido para quase todos os anjos e me escondia lá, afinal, a única pessoa que poderia me encontrar ali não se daria ao trabalho de me buscar.
Tinha repetido mais de dez vezes um mesmo movimento com a espada e ainda assim não conseguia executá-lo com sucesso, minha mente estava focada demais em todos os problemas e isso não me permitia ter uma boa concentração no que fazia. Joguei a arma para longe com raiva sem me importar onde ela cairia, quando me acalmasse a buscaria e começaria tudo de novo, não iria sair da arena até não realizar o movimento corretamente.
-Ainda bem que os meus reflexos são bons, se não você teria me acertado em cheio.
Virei rapidamente em direção à voz e me surpreendi ao ver quem era o intruso.
-O quê você está fazendo aqui?
-Estive te buscando por um longo tempo, preciso que conversemos.
-Como você me encontrou, Sean? – Questionei incomodado por saber que o meu lugar segredo já não era tão segredo assim. – Quase ninguém sabe da existência deste lugar.
-Estava andando pela ala e me deparei com a porta da arena – Respondeu o anjo ruivo, e eu sorri inconscientemente ao lembrar da minha irmã. – Entrei por curiosidade, não imaginei que te encontraria aqui.
-É, as portas dessa ala nunca escondem nada bom.
Um desconfortável silêncio se fez presente.
-Bom... O quê você queria conversar comigo? – Perguntei para acabar com a incomodidade do momento.
-Eu queria te dizer que eu sei como você se sente – Olhei-o confuso. – A dor que você sente por ter perdido a Laylah é a mesma dor que eu sinto, a mesma que me levou a fazer escolhas erradas.
-Não sabia que vocês eram próximos – Disse com sinceridade.
-Ninguém sabia, apenas o nosso Pai, po-...
-Não fale d'Ele – O interrompi abruptamente. – Não quero escutar nada que tenha a ver com Ele.
-Hm, eu sinto muito – Sean passou a mão no cabelo com nervosismo. – O que eu queria dizer é que realmente ninguém sabia que eu era alguém próximo a ela, mas também não tinham como saber, pois eu nunca fui notado aqui em nosso lar, apenas no dia do Juramento.
-Laylah sim te notou – Empeçava a entender o que ele queria expressar. – Ela te deu o amor que você tanto queria e precisava.
-Exatamente. Ela foi a única que me parabenizou quando me converti em Anjo da Guarda, e depois daquele momento começamos a passar bastante tempo juntos até nos tornarmos muito próximos.
-Eu só não entendo porquê ela não nos apresentou.
-Eu pedi a ela que não fizesse isso.
-Por que você pediu tal coisa? – Interroguei com estranheza.
-Eu tinha ciúmes de você e até mesmo de Miguel – Ele confessou. – O vínculo que eu pudesse ter com ela não chegava nem perto do que vocês três tinham, e muito menos da relação que você tinha com Laylah. Eu sei que ela me amava, mas amava muito mais você e eu não sabia lidar com aquilo.
-Eu nunca poderia pensar que você se sentia assim em relação a nós, a mim – Não sabia o que dizer. – A morte da minha pequena é algo que eu não consigo superar e que possivelmente vai me acompanhar pelo resto da minha eternidade, mas eu fico feliz em saber que ela foi o melhor que podia ser com todos nós, acho que o único que agradeço de verdade a quem nos criou foi ter nos dado uma irmã tão incrível quanto ela era.
Novamente o silêncio apareceu, mas desta vez ele estava aí para nos permitir relembrar os bons momentos com a ruiva e deixar que a saudade falasse em nosso lugar.
-Tenho que admitir que cheguei a te odiar – Meu irmão quebrou o silêncio. – Te culpei muito pela morte dela, mas tempo depois, precisamente na guerra, eu vi que estava fazendo tudo errado.
-Não te culpo por me culpar – Ri levemente. – Eu me culpo até agora. Prometi a ela que a cuidaria e protegeria, e bom... Todos sabemos como tudo terminou.
-Quando eu vi Lúcifer transformado em um dragão senti pânico, mesmo sendo parte das tropas dele eu sentia medo, era isso que ele causava nos anjos. Olhei ao meu redor e o céu era um caos, naquele momento você estava inconsciente, achei até que estava morto, e acredite quando eu digo que teria preferido estar na inconsciência a ter que viver tudo aquilo. O desespero era visível no olhar de Miguel, Gabriel esteve prestes a nos deixar e Rafael também, por um momento acreditei que era o fim ao ver o estado deplorável em que se encontravam os Arcanjos.
Sean deteve a sua fala e eu pude notar que a guerra era um assunto mais do que complicado para ele, eu tinha vivenciado parte dos acontecimentos, mas ele havia resistido até o fim e tinha sido uma peça fundamental.
-Ali, quando eu vi todos eles, quando vi você, só consegui lembrar do amor que Laylah tinha por cada um de nós e do quanto ela teria lutado para nos proteger. Ela uma vez me disse: "Chegará um momento no qual você deverá escolher, mas você terá que fazer isso pensando em si mesmo e em se poderá conviver com as consequências da sua escolha. Guardar mágoas, rancores ou culpas sempre irá tirar o pior de nós, mas depende de nós, e apenas de nós decidirmos se queremos ser luz ou trevas." E foi isso o que eu fiz, escolhi a luz antes que as trevas me consumissem por completo, e graças a isso pude ajudar os nossos irmãos – Ele se deteve novamente. – O que estou tentando dizer a você com isto é que não quero que você erre como eu errei, eu sei que você não está bem e isso não é só pela Laylah, mas também por Lúcifer. Sei também que você se culpa por não ter feito mais, mas quer saber Sebastiel? Somos anjos, mas mesmo assim às vezes não podemos salvar a todos e está tudo bem com isso, um tropeço não tem porquê definir a nossa eternidade. Laylah sempre confiou no teu potencial e agora eu também confio, use-o para fazer o bem e para recuperar a confiança, você não precisa demostrar nada a ninguém.
Olhei fixamente o ruivo por alguns segundos e depois avancei para abraçá-lo, ele tinha dito tudo aquilo que eu precisava ouvir. No começo não tinha gostado da interrupção no meu treino, mas conversar com meu irmão tinha me motivado para seguir em frente.
-Miguel disse que tal vez você não iria querer me escutar, mas essa conversa saiu melhor que o planejado.
Afastei-me bruscamente com a menção do nome do Arcanjo.
-Você falou com Miguel?
-Ah, sim! – Ele respondeu animado. – No caminho encontrei-o conversando com outros anjos e aproveitei para perguntar se ele sabia onde você estava já que sempre andavam juntos, mas ele disse que não. Convidou-me para ser parte da conversa deles e ficamos falando por um bom tempo até ele se despedir, pois tinha que continuar cumprindo as suas obrigações. Nunca tinha tido a oportunidade de conversar com ele, mas agora espero poder fazer isso mais vezes.
Todos os bons sentimentos que tinham nascido dentro de mim se evaporaram após aquelas palavras, ultimamente as coisas boas não passavam de algo efêmero. O castanho estava realmente me evitando e eu não entendia o porquê, mas tinha o pressentimento de que havia algo verdadeiramente errado por trás dessa atitude.
Agachei-me e recuperei a espada que tinha caído ao lado de Sean, para assim depois ultrapassá-lo para me retirar da arena.
-O quê você vai fazer? – Indagou o ruivo com preocupação ao me ver saindo.
-Ter uma longa conversa com nosso querido Miguel – Respondi antes de abandonar por completo o local.
Meus passos eram firmes enquanto explorava cada lugar do céu, meu irmão não podia se esconder de mim para sempre. Estava furioso, preocupado, triste e magoado... Minhas emoções brigavam entre si para ver quem venceria a batalha e lideraria o desastre dentro de mim.
Quando cheguei ao Cristal dos Anjos – como passou a ser chamado o ponto de encontro principal – avistei Gabriel e Rafael conversando animadamente com alguns dos nossos irmãos. Detive a minha caminhada e duvidei se ir até eles era realmente uma boa opção, pela primeira vez em bastante tempo via os anjos manterem uma conversa e não queria estragar aquilo.
Meu olhar e o de Rafael se encontraram e ele acenou em minha direção chamando-me para me juntar a eles, mas eu não me movi nem um centímetro. Tinha me afastado de todos, não podia simplesmente chegar e fingir que nada havia acontecido, mas agora não só o Arcanjo moreno como também o loiro me chamavam com insistência para que me unisse à sua conversa.
Caminhei ainda com insegurança até eles e me posicionei ao lado de Rafael, sorrindo com incomodidade aos outros anjos ali presentes.
-Sebastiel! – Disse Gabriel alegremente. – Passou um tempo desde a última vez que nos vimos.
-Acho que essa última vez foi na guerra – Repliquei notando como todos ficavam tensos. – Mas é bom estar com vocês novamente... E em paz.
-Isso é o principal – Falou Rafael sorrindo. – Que estamos todos em paz.
Nenhuma palavra foi dita após aquela frase, e eu só confirmava cada vez mais que me juntar a eles tinha sido uma péssima ideia.
-Onde está Miguel? – A pergunta tinha saído da minha boca antes que eu pudesse detê-la.
Os Arcanjos se olharam entre si como se estivessem se perguntando silenciosamente o quê deviam me responder, e tal ação apenas deixava a situação mais preocupante.
-Eu estou aqui Sebastiel.
Os anjos se afastaram para que Miguel pudesse passar e andar com tranquilidade, finalmente o tinha frente a mim. Ele caminhou com calma e elegância até se deter a uns metros de distância de onde eu estava, o castanho me olhava fixamente esperando que eu me pronunciasse.
-Acredito que este não seja um lugar propício para conversar – Expressei olhando disfarçadamente ao meu redor, sinalizando que havia demasiados irmãos por perto.
-Seja o que for o que precisa me dizer, pode fazê-lo aqui – Retrucou o Arcanjo sem desviar sua vista de mim. – Não podem existir mais segredos em nosso lar.
-Por acaso é alguma nova regra de Deus? "A partir deste momento, as conversas privadas são totalmente proibidas."
-Sebastiel – Miguel olhou-me com seriedade. – Não começa.
-Não, Miguel! Eu não estou pedindo nada impossível, apenas quero saber a verdade e tenho certeza que este lugar não é o mais adequado para ter esse tipo de conversa!
-Eu não tenho nada a esconder, posso responder cada uma das tuas perguntas aqui.
Olhei o meu irmão enquanto segurava com fúria o cabo da minha espada, a qual não tinha guardado em momento algum. Eu sabia que a nossa conversa não acabaria bem e ele também, então não entendia o porquê dele querer exposição.
-Se é isso o que você quer – Repliquei mantendo o controle. – Por que você esteve me evitando esse tempo todo?
-Eu não estive te evitando.
-Não minta para mim! Desde que a guerra terminou você tem desaparecido, mas coincidentemente você apenas desaparece quando eu estou por perto!
-Você mesmo disse Sebastiel, é uma coincidência.
-Para com esse cinismo, Miguel! Agindo dessa forma você parece o Lúcifer!
-Não ouse voltar a falar esse nome aqui no céu! – Os olhos do castanho brilhavam cheios de raiva. – Como pode me comparar a ele, Sebastiel?! Como pode?!
-Se você não tivesse se comportado como ele, eu não precisaria fazer comparações!
-Eu não me pareço em nada com esse traidor! Em nada!
-Esse traidor é o nosso irmão!
-Na minha família não há espaço para os traidores, Sebastiel!
-Então é por isso que me evita?! Eu também sou um traidor?!
Miguel fechou os olhos e passou as mãos pelo seu rosto, me dando tempo de olhar ao nosso redor: Nossos irmãos nos olhavam chocados, não esperavam tamanha discussão entre nós. O sol tinha desaparecido e as nuvens haviam ocupado seu lugar, a última vez que tinha estado tão escuro foi quando a guerra aconteceu.
-Você não é um traidor, Sebastiel – Disse finalmente o Arcanjo após longos segundos em silêncio. – Eu jamais poderia pensar assim de você.
-Então me diz porquê, Miguel – Eu implorava por uma resposta e não me importava com que todos me vissem.
-Eu não posso olhar para você! Não posso! – Contestou o castanho com desespero. – Toda vez que eu te vejo eu me lembro dele e detesto isso!
-Mas eu não sou Lúcifer, Miguel!
-Eu sei que você não é ele, mas eu não consigo te ver sem pensar nele e na guerra! Sebastiel, o único que o... Que ele realmente apreciava aqui era você.
-E o quê isso tem a ver?! – Questionei com confusão e irritação.
-Vocês tem uma estranha conexão que já salvou a tua vida mais de uma vez, ele se importa contigo mesmo que demostre de forma esquisita! – Miguel fechou novamente os olhos buscando se tranquilizar. – O ponto é que você ainda o ama e se importa com ele como se a traição nunca tivesse existido, e toda vez que eu penso que poderia ter evitado o que ocorreu sinto raiva de mim mesmo.
-Não tinha como evitar Miguel, você não sabia.
-Mas poderia ter sabido! Eu abaixei a guarda e dei uma oportunidade a aquele traidor por você! Quando eu vi que por alguma estranha razão você era feliz com a companhia dele eu decidi deixar de lado o meu instinto e confiar nele, e aquela foi a pior decisão que eu poderia ter tomado!
-Então agora é minha culpa?! – A cólera tinha invadido cada parte de mim. – A guerra ter acontecido é minha culpa?!
-A guerra não, mas eu ter abaixado minha guarda sim!
-Não foi você quem me disse quando a Laylah morreu que "Se o nosso Pai permitiu que isto acontecesse, é porque assim devia ser"?! Por acaso as suas palavras não valem nada agora?! – Ele me olhou querendo retrucar, mas sabia que eu estava certo. – Você sabe perfeitamente que se essa guerra aconteceu foi porque Deus quis! Ele faz e desfaz o que quer e quando quer! Ele tirou a Laylah de mim, desterrou o Lúcifer, quem será o próximo Miguel?! Quem será a próxima vítima do jogo do nosso querido Pai?! Eu tenho certeza que desde que fomos criados as nossas eternidades estão traçadas, ou você esqueceu que o nosso criador é Deus e que ele nos fez como queria?! Assim como ele te criou Arcanjo, ele criou Lúcifer Querubim, mas acima de tudo o criou como um traidor!
Ninguém se atreveu a dizer nada, nem mesmo Miguel ou os outros dois Arcanjos. Tudo o que eu tinha dito tinha ficado por muito tempo em minha mente e eu sabia que hora ou outra iria explodir, só não esperava que fosse daquela forma.
O Arcanjo principal avançou lentamente até mim até que a distância entre nós tornou-se inexistente.
-Escuta com atenção, Sebastiel – O tom de voz do castanho era ameaçador. – Se você desrespeitar o nosso Pai novamente haverá consequências. Eu não vou aceitar outra rebelião.
-Eu não sou teu inimigo, Miguel – A mágoa se fez presente através da minha voz. – Eu sou teu irmão.
-Ele também era, e olha no que deu.
-Acho que vocês precisam se acalmar – Gabriel nos afastou. – Já foi suficiente. Rafael leva Miguel a um lugar onde possa se relaxar, eu cuido de Sebastiel.
O moreno empurrou o castanho levemente para que começassem a andar, até que subitamente desapareceram das nossas vistas.
-Vem comigo, eu ainda apoio a privacidade – Disse Gabriel com diversão tentando me fazer sorrir.
Não estava prestando atenção ao caminho pelo qual o loiro me levava e nem mesmo sabia aonde estávamos indo, eu apenas olhava as minhas botas como se elas fossem a coisa mais interessante já criada. O Arcanjo segurava o meu braço e me guiava, pois se não fosse por isso já teria me perdido há muito tempo. De vez em quando ele olhava para mim e logo depois focava no caminho novamente, estava ciente de que ele queria me dizer muitas coisas, mas se tudo eram defesas a favor de Miguel eu não ficaria para escutá-lo.
-O quê você achou do lugar? – Interrogou Gabriel soltando-me.
Olhei-o desorientado ao não compreender as suas palavras, mas tudo ficou claro quando notei os objetos à nossa volta: Três tronos que pareciam ser de ouro puro se encontravam no meio da sala, e, frente a eles – e extremamente protegido -, estava o Livro dos Anjos. Comecei a recorrer o local lentamente sem poder ocultar a minha surpresa e admiração, era como se cada coisa existente naquele cômodo tivesse sido pensada e criada com extremo cuidado, pois havia delicados e minúsculos detalhes e desenhos em cada peça.
Armas que nunca antes tinha visto se encontravam dentro de uma brilhante esfera que parecia ser poderosa e principalmente perigosa, motivo pelo qual deixei a curiosidade de lado e me afastei às pressas. Gabriel me olhava quase rindo pelas minhas ações, o loiro estava apoiado sobre uma mesa – também de ouro – que eu não tinha notado antes. Ela era enorme, mas não foi o tamanho o que chamou minha atenção e sim o fato do objeto parecer estar flutuando.
-Eu estou alucinando ou a mesa está realmente flutuando? – Questionei sem conseguir parar de olhá-la.
-Ela realmente flutua – O Arcanjo começou a rir sem deixar de me ver. – É engraçado que você se impressione com uma mesa flutuante. Você tem asas, Sebastiel.
Encarei Gabriel sem expressão no rosto e ele deteve abruptamente a sua risada.
-Me desculpa irmão – O arrependimento era visível nele. – Eu esqueci completamente, nunca faria um comentário assim com más intenções.
-Eu sei Gabriel, não se preocupe. Mas afinal, por que me trouxe aqui?
-Foi o primeiro lugar que me veio à mente ao pensar em privacidade, e sendo sincero, não podemos estar aqui, você não pode na verdade.
-É aqui que vocês ficam, não é? – Ele sorriu levemente. – Miguel, Rafael e você. Este é o seu lugar no céu e aqueles são os seus tronos.
-Isso é correto, e eu ter trago você aqui irá me trazer muitos problemas, especialmente com Miguel.
Após a menção do nome do castanho um tenso silêncio apareceu, já não suportava mais esse tipo de situação constrangedora.
-Não vou pedir para você desculpá-lo e muito menos irei justificar as atitudes dele, que sejamos irmãos não quer dizer que preciso concordar com tudo o que ele faz. Mas há coisas que você precisa saber, e se mesmo após isso o teu posicionamento prevalece, te dou a minha palavra de que não voltarei a falar sobre o que ocorreu.
Apoiei-me junto a ele na mesa e me mantive calado, não tinha certeza de querer escutar o que ele tinha para dizer, mas ficar com a dúvida seria mil vezes pior.
-Está bem, te escuto.
-Quando a guerra aconteceu algo em todos nós se apagou, mas principalmente em Miguel. Ele sente continuamente que falhou e que todos estamos decepcionados dele, principalmente o nosso Pai. Não consegue entender que ninguém o vê como um fracasso, nunca poderíamos sequer cogitar a possibilidade de vê-lo dessa maneira – O loiro negou e riu sarcasticamente. – Eu e Rafael já não sabemos o que fazer, o peso que Miguel carrega nas costas vai além da nossa compreensão e isso nos impossibilita de poder ajudá-lo. Acima de nós na hierarquia há muitos anjos, mas nosso Pai nos deu a missão de cuidar dos nossos irmãos e por isso convivemos com vocês, e mesmo assim, mesmo estando ao pendente de cada um, não pudemos evitar a guerra e muito menos a perda de tantos anjos.
-Mas nada disso foi culpa sua ou minha, ninguém teve culpa a não serem os envolvidos. Não esperávamos que algo assim acontecesse, era inimaginável.
-Miguel esperava, e esse é o grande problema.
-Do quê você está falando?
-Acredito que quando o Pai criou Miguel lhe deu o dom de ter um instinto que funciona quase como um presságio, mais de uma vez ele usou as palavras Lúcifer e rebelião na mesma frase.
-Então ele realmente ignorou o que sentia por minha causa? – Perguntei cabisbaixo.
-Sim e não. Miguel não vai ficar feliz se souber que te contei isso, mas você não merece carregar mais uma culpa que não te pertence – Gabriel apertou carinhosamente meu ombro. – É verdade que no começo ele lhe deu oportunidades a Lúcifer graças a você, mas depois de um tempo Miguel realmente se afeiçoou com ele mesmo que negasse isso veementemente. A pior traição sempre será aquela que vem de quem mais amamos, porque são os últimos em quem pensaríamos que poderiam nos trair. Desde a guerra eu tenho tentado ser corajoso porque o Pai não nos permite ter medo ou demostrar fraqueza, mas eu estou assustado Sebastiel, sou um Arcanjo e tenho medo. Medo de outra guerra ocorrer, medo de que Miguel não volte a ser quem era, medo de perder mais um irmão... Ser Arcanjo é a maior benção que nosso Pai poderia ter me dado, mas às vezes sinto que vou explodir por carregar tantas responsabilidades.
-Vou te dizer o mesmo que disse para Laylah uma vez: "Se Deus te confiou tal responsabilidade é porque Ele sabe do que você é capaz." Está bem estar assustado, ter medo. Às vezes o único que você precisa é deixar de ser o Arcanjo Gabriel por alguns momentos para ser apenas Gabriel.
Sorri para o meu irmão e ele retribuiu o sorriso, ele me lembrava à ruiva em vários aspectos. Ambos gostavam de demonstrar que poderiam lutar contra o mundo se quisessem, mas eram os dois seres mais puros e bondosos que eu já havia conhecido.
-Eu sinto falta dela – O olhei desconcertado. – Da Laylah, você estava pensando nela.
-Eu costumo esquecer que podemos ler mentes, não faço isso com frequência – Ri baixinho. – Achei que depois de um tempo começaria a saber conviver com a sua ausência, mas nunca vou conseguir isso.
-Nosso Pai deveria ter feito mais do que apenas desterrar Taphiel.
-Como...?
-Todos sempre suspeitamos dele, e na guerra ele terminou por confirmar o que já sabíamos.
-Ele a matou porque ela já sabia de tudo, eu não entendo porquê Deus deu à Laylah um poder que a colocava em perigo.
-Ao igual que eu não entendo porquê Miguel te culpa só porque não pode fazer isso com Lúcifer.
-O quê você disse? – O loiro arregalou os olhos e desviou o olhar. – Gabriel, o quê você disse?
-Prometa-me que você não irá atrás de Miguel.
-Gabriel – Tentei controlar meu tom de voz, pois o Arcanjo ao meu lado não tinha culpa. – Por favor, não me faça perguntar de novo.
-Primeiro preciso que você saiba que tudo o que eu disse é verdade, mas o exato motivo de Miguel agir assim contigo é que ele te usa como receptor da frustração que Lúcifer lhe causa, e, além disso...
-Além disso o quê, Gabriel? – Questionei já sem paciência pelo que tinha escutado.
O loiro sussurrou algo ininteligível e eu fechei os olhos fortemente buscando a calma que precisava.
-Fala de uma vez.
-Miguel acha que você irá seguir os passos de Lúcifer, não é segredo que desde a morte de Laylah você não gosta de escutar sobre o nosso Pai e o questiona com frequência. A briga possivelmente só aumentou a paranoia de Miguel e...
Bati na mesa violentamente e Gabriel se afastou velozmente, não duvidava que todos no céu tivessem ouvido o som produzido pelo choque entre a minha luva e o ouro.
-Como ele é capaz de duvidar da minha lealdade?! Como apesar de tudo ele ainda ousa desconfiar de mim?! – Os gritos cheios de fúria rasgavam a minha garganta. – Eu lutei ao lado dele na guerra, enfrentei Lúcifer para manter o nosso lar seguro e ele ainda acha que vou os trair?! Eu perdi até a minha asa naquela luta, estive prestes a morrer! Mas Miguel só consegue pensar na mágoa que ele sente e no que Deus irá dizer dele! Eu poderia ter me juntado às tropas de Lúcifer e poderia ter vingado a morte da minha irmã destronando Deus, mas sabia que aquilo me custaria tudo e um pouco mais! Mas quer saber?! Estou me arrependendo das minhas escolhas, se Miguel quer motivos para desconfiar de mim, então ele os terá!
Aproveitando a aparição de uma porta saí rapidamente daquele lugar deixando o loiro sozinho, se ficasse mais um segundo ali terminaria perdendo o pouco autocontrole que me restava.
Sentia que estava dentro de um pesadelo sem fim, Laylah estava morta, Lúcifer desterrado e Miguel me achava um traidor. Ele ainda tinha tido a coragem de olhar nos meus olhos e dizer que jamais poderia pensar assim de mim, quantas mentiras mais tinham sido ditas pelo meu irmão?
Não era ciente de aonde me dirigia, parecia que meus pés se controlavam sozinhos e me levavam para onde eles queriam. Empecei a ter uma má sensação e tentei deter meus passos, mas por algum motivo desconhecido não tinha controle nenhum sobre as ações do meu corpo. A espada continuava firme na minha mão e estava atento a qualquer movimentação estranha ao meu redor, meus reflexos não falhariam.
Perdi completamente o equilíbrio e caí fortemente no chão quando vi onde tinha chegado: Por que o jardim de Laylah estava frente a mim se ela estava morta?
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