Capítulo 1 - Train Wreck
Brooklin Heights - 1992
A névoa cobria cada uma das casas na redondeza assim como os prédios e galpões das indústrias, havia algo de bucólico em observar o movimento daquela densa neblina nos subúrbios do Brooklin Heights. Não era um lugar onde se podia andar em segurança e nem mesmo os moradores se safavam de ser assaltados ou sofrerem algum tipo de violência. Era tão complicado viver ali como em qualquer lugar similar. O cheiro das ruas era de tristeza, sangue e morte, vistos em igual proporção. Não havia um dos transeuntes que podia se dizer imune ao quadro de violência generalizada que se instalava nos becos escuros durante as madrugadas. Ou que tivesse a segurança de conseguir passar por esse quadro sem ser 'da vida'.
A vida poderia ser injusta em alguns pontos e com ele era na maior parte das vezes. Deveria já estar na cama, mas, estava olhando pela janela do único quarto da casa, pedindo silenciosamente à Deus que lhe desse algum descanso. O jovem Malcom Lace tinha por volta dos seis anos de idade, ele não tinha certeza de sua data de aniversário, assim como sua mãe que drogada em metade do tempo disponível do dia, vivia por xingar e gritar com a criança que mesmo tão jovem, já era vítima de uma das coisas que deveria ser protegido, violência contra sua infância e inocência.
Ele não entendia metade das coisas que aconteciam, em boa parte do tempo, só sabia que deveria se manter firme e que independente do que houvesse, teriam respostas às suas preces.
Naquele momento estava testemunhando mais um dos episódios em que seu pai chegava bêbado em casa e agredia a mulher que lhe dera a vida. Fúria era um sentimento tão tóxico quanto qualquer outro que exacerbado poderia trazer desgraças. Apesar de segurar os ouvidos e apertar as pequenas mãos para não escutar os gritos dela, era impossível para ele barrar todos os sons que vinham da sala. As coisas vão melhorar, era o que sua irmã mais velha lhe dizia. Eram geralmente apenas os dois.
Ele sempre acreditou que deveria conseguir se livrar de seu pai, devia ter algum jeito de trazê-lo à justiça por tudo o que fazia e seu triste papel na vida da esposa e das crianças. Não havia como determinar quando a vida deles degringolou de forma tão absurda, mas, ele poderia dizer que foi antes de ele nascer. Sua primeira lembrança da infância, era da irmã segurando seu corpinho apertado numa das frias noites de inverno.
A impiedade da vida com ele, sempre o deixou pensativo sobre o motivo de existir, apesar de ter apenas oito anos, a forma como claramente fora indesejado nunca deixou de bater em sua mente. Reflexões muito grandes para uma criança tão jovem, mas, ele sempre ouvira que alguns crescem pelo amor e outros pela dor. Ele era um exemplo claro de como a dor pode transformar as pessoas em seres muito mais evoluídos que os demais.
Rosa com doze anos e ele apesar de pouco mais jovem, sob seus cuidados, geralmente era esta a rotina da família Lace. Seus pais eram o tipo de pessoas que não deveriam ter procriado, pelo menos era o que ele e Rosa diziam quando estavam nervosos ou preocupados com o que comer no dia seguinte. Durante alguns momentos houve aquele silêncio, a sensação de calmaria pós tempestade, era sempre a certeza de que algo de errado estava acontecendo e que provavelmente o pai estava tentando estrangular a mãe para fazê-la parar de chorar. Rosa estava na casa de uma coleguinha de escola, ele se sentia sozinho, mas agradecia por ela não presenciar isso hoje. Ela merecia tanto descanso quanto pudesse ter.
Apesar dos esforços dos dois, era difícil viver com essa realidade, além de não terem estrutura familiar para nada, ter de se cuidar e cuidar dos pais por estarem sempre altos por causa das drogas. Colocar os pés descalços para o lado de fora da cama, enquanto o chão frio causava arrepios, levantar-se e arrumar para ir para a escola da comunidade. Depois de andar por quase 7 quilômetros e ainda sofrer com ameaças e ofensas pelo tom de pele e condição social.
Negros, pobres, carentes e com poucos recursos para cumprir o cronograma escolar com sucesso e acompanhar o desenvolvimento das atividades na escola, eram 'vítimas do sistema'. Ele odiava isso, odiava que não pudesse fazer parte dos clubes e aprender coisas novas como desejava, ser uma criança comum e ter possibilidades de melhoria de vida, assim como via alguns de seus colegas serem, felizes e em famílias amorosas.
O rancor crescia há cada dia mais perene no coração da criança, que naquela idade não entendia bem como a sociedade funcionava, mas, tinha uma boa noção do que estava acontecendo. Seus pequenos olhos negros miravam todos os cantos, procurando respostas, exigindo que houvesse algo que os pudesse salvar de seus pais. Era irônico, não? Que ele pedisse para algo como a providência divina para salvá-los de seus próprios genitores.
As pequenas mãos caíram dos ouvidos e foram para a posição de oração que a avó ensinou através dos anos. Ele não conseguia mais pensar em nada que pudesse ajudar. Somente Deus poderia.
Ele sempre orava para que as coisas corressem melhor do que até o momento. As palavras de seu avô sempre vinham à sua mente.
"Você vai ser o que quiser ser, e, será o melhor."
Ele esperava sinceramente por isso, apesar de a realidade atual não permitir que fosse tão positivo, ele queria honrar o homem que havia sido seu exemplo de pai. Apesar de tentar várias vezes, os avós nunca conseguiram tirar os netos das garras do filho e da nora. Sabiam tudo o que se passava, mas, infelizmente a lei não permitia, os processos foram tão lentos que quando o suposto aniversário de sete anos do garoto chegou, o idoso não resistiu à um ataque cardíaco.
Requerendo já cuidados, a avó teve de ficar com a irmã mais nova, que morava na Flórida e assim, iniciou-se a pior fase da vida dos irmãos. Pois sem o cuidado e o carinho que a mulher oferecia, suportar os pais era ainda mais difícil. A viagem era longa e penosa demais para que a frequência dela fosse menor, então uma vez a cada dois meses, a idosa ainda vinha ver os netos.
Eram os melhores dias, como respirar depois de muito tempo submersos na água gelada. Apesar disso, seguiam firmes dizendo-se que havia sempre um motivo para tudo nesta vida. Se havia, eles descobririam.
06/2020
Lace acordou dessa lembrança enquanto observava Brutus correr de volta para ele com a bola que havia sido lançada. Anos depois, algumas lembranças ainda eram tão vívidas que davam a ele a sensação de embrulho no estômago. Ainda que fosse impossível. Depois de anos entre psicólogos, psiquiatras e quaisquer médicos que o comando indicasse, ele não conseguia ainda compreender o que sentia quando tirava vidas. E, nunca havia honestamente se importado com isso. Os dedos rasparam no cabelo que deveria ter meio dedo de comprimento, enquanto acariciava o pescoço do cachorro para que ele soltasse a bola presa entre seus dentes.
- Tenho que ir, Brutus...
Viver encerrado entre árvores e no meio de uma paz que contradizia sua vida rotineira, era algo inteligente em seu caso. Ele gostava da privacidade que o pequeno bosque conferia, assim como os alvos lotados de balas que ficavam à distância em sua casa, fora os sensores de movimento nas cercanias da casa e o sistema de câmeras que filmava tudo à sua volta, vinte e quatro horas por dia. Ele poderia viver ali para sempre, sem ninguém além do cachorro da raça fila e do que poderia caçar na mata. Não era o maior especialista com facas, mas, se virava bem, já que dependendo da forma como atirava em seus alvos, eles poderiam explodir e não restar nada muito comestível.
- Tsc tsc, para dentro.
O cachorro obedeceu e enquanto seu pote de ração era cheio, ele conseguia ver como se tornava a cada dia mais difícil conviver com os companheiros de time e fingir ser 'normal', como eles eram. Ele não precisava mentir para ninguém além deles, não havia sobrado ninguém para se preocupar com ele além do time. E, isso era de certa forma gratificante, tanto quanto preocupante. Lace era seu sobrenome, Malcolm em homenagem à Malcolm X, ainda que o imbecil ignorante de seu pai não soubesse quem ele havia sido e a grandeza do homem.
Entrou no 4x4 e sorriu ao ver Brutus sentado na janela do lado de dentro da casa, assim que passou pelo último obstáculo, armou a armadilha e os alarmes e tomou a interestadual sentido a Fort Pierce. Seus dedos leves no volante, assim como eram em sua arma. Ele não era o tipo de homem violento que se sobressai por força, ou que se sobressaia de qualquer maneira. Tão quieto e silencioso que passava despercebido em diversas situações.
Lembrou-se de que não havia deixado água para Brutus, isso era um problema. Mas, faria isso quando chegasse em casa, era um bom cão, ficaria bem em sua ausência.
Assim que se viu na entrada de Fort Pierce, se lembrou das palavras do avô e a forma como ele sempre disse à Lace para ser o melhor que pudesse o tempo todo.
"Para algumas pessoas, nossa cor nos condena. Nos julgam inferiores e cobram menos de nós. É ótimo que haja alguns de nós que resistam a isso, e, provem que somos tão bons e capazes quanto eles."
O avô sentiria orgulho de vê-lo neste momento. Era um homem feito chegando aos 38 anos de idade, que tinha uma carreira digna, um trabalho que amava e era reconhecido e protegido por todos em seu grupamento.
Batendo os pés no chão ao descer do carro, observou os demais alinhados à sua esquerda e direita, até nisso eram organizados. Os operativos possuíam basicamente todos eles o mesmo modelo de carro, fora Jordan que agora no terceiro filho, dirigia um sedan que era considerado por eles, o 'carro da mamãe'.
Colocando o sorriso mais brilhante no próprio rosto, disfarçando as lembranças funestas daquela manhã, seguiu na direção onde estavam os outros soldados, excetuando o major Scott. Depois do nascimento do filho dele com Rebecca, vivia atrasado para os padrões do time, mas, sempre dentro dos horários do comando.
- Bom dia, senhores.
- Lace! Como vai cara...? As férias te fizeram bem!
- Fizeram à todos nós, não é?
- Sim... Acho que sim. Ei, Harrison, notícias do Ryan?
- Ainda nada, mas, deve estar chegando... Ele sabe como o General é.
- E não sabemos todos?
- Tá de bom humor hoje, Lace?
- O usual.
Seu sorriso os enganava e fazia pensar que era como eles. O que era uma bênção e uma maldição.
- Desculpem o atraso, senhores. Becky está se adaptando à vida de mãe ainda.
- O Brian vai fazer 1 ano já, cara... Como assim?
- Sim, meu moleque vai fazer um ano. Dá para acreditar?
- Não... Não dá, principalmente depois que o Logan sumiu do casamento com as alianças... Aquilo foi hilário.
- Eu vou arrancar as suas bolas, isso sim.
- Ei ei ei... Todos vocês, calem a boca e vamos entrar.
- Sim, senhor Tenente Harrison.
Ryan encabeçava o time, atrás dele Harisson, e, logo após Renèe, Lace, Paris, Jordan, Willis e Briant. O time Andrômeda, de folga à quase um mês. Soldados fortes que renovados estavam felizes em estar de volta ao comando após algum tempo apenas preenchendo os papéis da última missão e revigorando as energias em seus lares com as famílias felizes.
Menos ele, Lace não tinha uma casa harmoniosa e feliz para onde voltar, e, isso era um assunto tão sensível quando poderia ser para o homem.
A porta do escritório do General O'Hare se abriu e ele os saudou e recebeu continências respeitosas em resposta. O Agente Nichols estava com as laterais da cabeça já brancas, o Agente Silver parecia um pouco mais careca e no lugar do diretor Pratt a Diretora Keating que havia assumido o posto após eles terem descoberto a traição de seu antecessor. Se esse grupo específico de pessoas estava ali, algo de muito ruim havia acontecido ou estava para acontecer.
- Senhores, é um prazer, vou dispensar as apresentações, pois infelizmente já nos conhecemos bem. E, é por esse motivo que nos reunimos novamente.
- Senhor. – Ryan bateu uma continência assim que o general finalizou.
- Descansar, soldados. Estamos com algumas questões, e, precisamos discutir com urgência, sentem-se.
Assim que a unidade Andrômeda se sentou, o general olhou fundo em seus olhos.
- Torino apareceu e vocês não vão gostar de onde...
- Oh, merda! – Renèe disse ao abrir a pasta, sendo seguido por alguns dos companheiros em observações silenciosas.
~
Eu sei que tenho projetos sem finalizar, mas, já recebi tantas ameaças de morte por causa desse volume da série que acho que não conseguiria concluir 2023 viva sem começar, então, cá estamos <3
O volume dois da série Seal Team está oficialmente com o primeiro pontapé dado.
É um prazer reencontrar vocês, meus queridos, e, não sejam tímidos! Podem comentar bastante e me deixar feliz <3
Beijos de luz e carinho... vamos embarcar juntos nessa aventura incrível.
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