Sprioc
Dos sete aos onze anos eu treinei, todos os dias, tudo para que me sentisse seguro novamente. Para que nunca mais me sentisse fraco e vulnerável.
Eu passava horas na floresta com o vovô, às vezes dormíamos por lá.
Aos oito anos eu podia sobreviver e me orientar em praticamente qualquer lugar nas montanhas.
Aos nove anos eu tinha aprendido artes marciais com os melhores e manuseava armas brancas.
Aos dez eu comecei com as armas de fogo e os jogos de estratégia.
Aos onze, com o corpo do meu avô nos meus braços, eu me dei conta que não seria o suficiente.
Eu nunca me sentiria seguro novamente.
— O QUE FICARAM FAZENDO NO QUARTO?
Pela terceira vez Gaara lhe perguntava aquilo, com aquele olhar acusatório no rosto. Naruto se sentiu como se estivesse em um interrogatório.
Passou as mãos pelos cabelos tentando disfarçar, sem graça com toda a situação, como todo aquele escrutínio.
Estavam no quarto de Gaara, sentados um ao lado do outro na cama dele. O quarto era igual ao seu, com exceção de alguns objetos pessoais de seu colega de quarto. Pôsteres de luta, vários prêmios expostos em prateleiras e cores extravagantes. Naruto olhou levemente divertido e curioso para isso. Havia se deparado com Rock Lee algumas vezes, haviam lutado no tatame também — antes de ser banido das aulas — e o outro adolescente havia limpado o chão com seu corpo. O garoto era incrível em artes marciais, tinha que admitir. Embora fosse um tanto excêntrico.
Olha quem fala.
Morra.
Gaara não tinha nada ali que mostrasse que ocupava o lugar. Nenhum enfeite, livros, fotos, pôsteres, tênis jogados, nada fora do lugar que denunciasse que ali vivia um adolescente de dezessete anos.
Aquilo sempre lhe deixava triste. Isso e a forma impessoal com que a irmã dele o tratava ao passar por ele, o evitando. Sabia que havia história ali que não sabia ao certo, mas sentia raiva por ela não vier a pessoa incrível que tinha nas mãos.
Naruto daria de tudo para ter Gaara como um irmão e ela simplesmente o ignorava. Embora de uns tempos para cá ele ter admitido que as coisas estavam melhorando, que ela estava tentando se aproximar, Naruto sabia que tudo estava longe do ideal. Gaara merecia muito mais do que isso.
—Naruto?
— Hn? Ah, nada de mais, só conversamos e ele pediu desculpas.
— Uchiha Sasuke pediu desculpas? — Perguntou incrédulo. — Aliás Naruto, o que aconteceu?
— Aah... — Se jogou para trás, se deitando na cama macia do outro, sentindo o cheiro bom que impregnava aquele pedaço do quarto. Cheiro de casa. — Foi uma brincadeira nossa, idiota, mas tudo bem, não quero mais falar disso. Já basta os infelizes que nunca mais me deixarão em paz.
Gaara deu de ombros, se recostando na parede, puxando os pés do outro garoto para seu colo, começando uma massagem lenta no pé direito. O toque foi tão natural que sorriu. Semanas atrás Gaara não parecia muito certo em como se mover ao redor de Naruto e agora esse simples ato parecia reflexo para ele.
Naruto suspirou e jogou o braço esquerdo sobre os olhos.
— Você está muito tenso, só relaxe.
Ele não precisou pedir duas vezes, pois em minutos já ressonava na cama.
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Gaara não sabia se se sentia exasperado ou divertido. Essa confusão era constante ao redor de Naruto. E a preocupação parecia um sentimento constante também.
Nessas horas concordava com Nara, Naruto era problemático. Ainda assim, agradecia todos os dias por ter se deparado com aquele loiro excêntrico na sua vida.
—Umdoisumdoisumdois...
Quase revirou os olhos ao ouvir a cacofonia que se aproximava. Lançou um olhar mortal de aviso quando a porta do quarto foi aberta de supetão e Naruto se moveu no sono.
Rock Lee arregalou os olhos ao ver a cena e fechou a boca com as mãos.
—Desculpe.
Hum, não sabia nem que ele conseguia falar baixo. Assentiu, ignorando o outro e voltando o olhar a Naruto, que havia se aproximado mais no sono, caindo mais em cima dele possível. Suas costas já começavam a doer, mas não queria se mover.
Naruto precisava dormir, isso era óbvio. Havia notado o cansaço se apoderando mais dele a cada dia, e não sabia o que fazer, não sem ele se abrir sobre o que acontecia. Se sua ajuda era sendo travesseiro humano, que fosse.
Estou ficando muito mole.
—Tome.
Se surpreendeu com a voz muito perto e ergueu o rosto. Rock Lee oferecia um travesseiro, a expressão sem graça.
Os dois se encararam, surpresos. E então o outro piscou, vendo o problemaN
—Ah, desculpe, não pode se mexer, deixa que eu... — notou ainda mais surpreso o outro colocar o travesseiro entre a parede e suas costas, sentindo logo um alívio. — Pronto, melhor.
Que...estranho.
O colega de quarto o olhava com um sorriso incerto, parecendo estranhamente encabulado. Nunca haviam sido exatamente amigos, e sabia que parte da culpa era sua, mas Rock Lee não era tão irritante quanto todos falavam. Se passasse toda a excentricidade.
E perto de Naruto, Rock Lee era até bem normal.
E foi pensando em Naruto que notou que não havia agradecido o gesto.
—Obrigado.
O outro pareceu surpreso. Será que era tão mal-educado assim que um agradecimento era tão surpreendente?
—Ah...de nada, Sabaku-san!
O outro ficou mais animado e menos nervoso, podia observar, sentando-se na cama oposta aos dois, a voz ainda baixa. Naruto dormia de forma pesada. Havia se virado e agora era sua cabeça que estava em seu colo, a expressão cansada mesmo no sono.
—Ele está bem?
Se surpreendeu, novamente. Parece que aquele era o dia. Rock Lee geralmente era barulhento, e nervoso ao conversar com ele. Hoje ele parecia diferente. Pensando bem, havia notado ele conversando com a Yamanaka mais cedo. A loira o fitando do outro lado da sala com uma cara estranho.
Nunca admitiria isso para ninguém na vida, mas tinha medo daquela garota. Ela era perceptiva demais. Agradecia por ela gostar tanto do Naruto. Ela e Nara eram duas pessoas perigosas ali dentro, e ficava surpreso como ninguém mais notava isso.
—Cansado. Foi um dia...estranho para ele.
O outro pareceu querer segurar uma risada e o olhou feio.
—Desculpe. É só...ele é bem diferente.
Coloca diferente nisso.
—Ele é uma boa pessoa. — Defendeu.
—Eu sei que é. — a voz do outro foi sincera. — Ele faz bem a Sabaku-san também.
—Hn?
Escondeu a surpresa que sentia por isso. O olhar do outro era sereno. Estranho demais para a expressão que ele sempre trazia.
—Desde que Uzumaki-san chegou, Sabaku-san parece mais feliz. Mais vivo.
—Obrigado...eu acho.
Sorriu levemente em agradecimento. O outro ficou estranhamente vermelho e então levantou depressa murmurando alguma coisa que não entendia e saindo do quarto falando sobre treinar.
Gaara só convivia com pessoas estranhas, pelo jeito.
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O cheiro ruim queimava suas narinas. Urina, fezes e sangue se misturavam no ar. Não sabia ao certo há quanto tempo estava preso ali, mas parecia uma eternidade desde que tomara um banho, ou dormira em uma cama.
Sabia que poderia ser bem pior. Ouvia os gritos das celas ao redor. Ninguém havia tocado em um fio do seu cabelo.
Ainda.
Ouviu o som de passos no corredor, e sabia quem era antes mesmo de o ver. Conhecia o som dos passos dele, e mais que tudo o medo irracional com sua simples presença.
Victor parou de frente a sua cela, analisando-o na penumbra. Continuou sentado no canto, mas isso não deteve. Para sua surpresa, ele puxou as chaves e abriu a cela, entrando.
— Não devia fazer isso.
O olhar dele o encontrou. Os dois se fitaram longamente. Apesar do pavor, não iria recuar. Havia algo além de medo em seu coração.
E era ódio. Um ódio como fogo. Ergueu-se e o fitou sem recuar.
Havia algo diferente nos olhos dele. Além da frieza. Era quase... tristeza ao o ver daquela forma.
Devia estar enganado. Afinal, ele havia o jogado ali.
—Seu julgamento será hoje.
Assentiu.
—Eu sei que não foi você.
Arregalou os olhos com isso. O homem o fitava de forma mais firme, se aproximando. Se esforçou para ficar no mesmo lugar.
—Seu...tutor tentou interceder.
John.
Sentiu uma dor em seu coração. John não poderia fazer nada. Não deveria fazer nada.
—Eu posso o ajudar.
—Stephen vai...
—Stephen foi quem denunciou você, Castiel. — O homem o cortou. — Seu guardião trouxe provas. Traição...bruxaria. Tem testemunhos de você fazendo coisas inexplicáveis.
Aquilo não devia o surpreender. Era esperado. E ainda assim, sentiu sua postura ficar mais derrotada.
—Eu posso ajudar você. Você sabe o que tem que fazer.
—Eu não...Você me jogou aqui. — Olhou o outro com ódio. — Você. O que ainda quer de mim?
O homem o olhou de forma intensa e sentiu-se exposto.
—Eu posso lhe ajudar. — Ele repetiu. — Com as provas que eles têm, o mínimo que vai acontecer é tortura até você torcer para morrer, e a certeza é a fogueira. Eu posso acabar com isso.
Aquilo tudo era tão...familiar. Toda aquela cena. Por um momento olhou a parede de modo distante. Uma lembrança...distante.
—Castiel?
Quando ele havia ficado tão perto? A mão fria agarrou sem pulso e sentiu pavor, mas não havia saída. Estava preso contra a parede fria, a voz dele em seu ouvido.
—Culpe o mordomo. Há provas contra ele. Haverá provas contra ele.
Seu coração acelerou mais. Os olhos arregalados.
—Masaru?
—Ele está foragido ainda. Ele seduziu você, ele o fez fazer tudo aquilo...
—Eu não fiz nada!
—... Dê a palavra, e você vai estar fora daqui, hoje mesmo.
—Não.
Sua voz saiu mais serena do que sentia. O outro se retesou, surpreso com a recusa.
E então o soltou. Devagar. O rosto dele transtornado a centímetros do seus.
—Você vai morrer.
Não respondeu. O rosto dele fez uma carranca feia.
—Masaru não fez nada.
O homem negou, e então o soltou totalmente.
—Como desejar, Castiel.
A voz obscura lhe deu arrepios. Ele o fitou uma última vez ao sair da cela.
—Eu vou o encontrar, e acredite, a morte dele vai ser pior do que a sua.
Tentava se fazer de forte. Afinal, aquela havia sido a sua decisão, havia muito em jogo. A realidade é que estava apavorado. E se tudo houvesse sido em vão? E se apesar de tudo, Victor cumprisse sua ameaça e Masaru acabasse em seu lugar?
Ele, um nobre, um herdeiro, ainda tinha uma chance. Masaru, um imigrante, filho de um mordomo? Seria esquartejado em praça sem nem mesmo um julgamento.
Ele ainda tinha uma chance.
Só uma.
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Acordou em um arfar, os olhos azuis arregalando na penumbra. Quando viu onde estava, buscou controlar sua respiração.
Seu nome era Naruto, não Castiel.
Estava em uma escola de malucos nos EUA, não em uma prisão na Inglaterra.
Seu nome era Naruto, não Castiel.
—Naruto?
Fitou olhos verdes que o olhavam de forma preocupada.
Sorriu levemente.
— Tenho de dizer que meus pés são meu ponto fraco? — murmurou sonolento se sentando, ouvindo a risada suave e rouca do amigo que se levantou. — Dormi muito?
— O bastante para deixar minhas pernas dormentes. — Naruto iria dizer algo, mas o outro levantou uma mão. — Não se desculpe, está tudo bem, já melhorei.
Viu-o caminhar até o banheiro, onde acendeu a luz e ouviu o som da torneira sendo ligada. Naruto olhou para as próprias mãos, piscando brevemente. Apesar do sonho estranho, era a primeira vez que se recuperava tão rapidamente das sensações que eles traziam, e nem mesmo sentia a exaustão comum quando ocorriam esses episódios. Talvez por estar cansado e desgastado, ou pela paz que a presença de Gaara lhe trazia.
A torneira foi desligada e Gaara voltou ao quarto, secando o rosto, com alguns fios de seus cabelos molhados pregados a sua testa.
— Acho melhor eu ir. — Se levantou, olhando para fora da janela fechada, o céu já escuro. — Já é de noite, você está perdendo o jantar.
— Não tenho fome, mas e você? — jogou a toalha na cama de seu colega, e Naruto se perguntou se ele não se importaria com aquilo.
— Estou bem. — Foi até o ruivo e o abraçou, surpreendendo o rapaz, que devagar retribuiu.
— O que foi?
Naruto negou com a cabeça, sem responder.
Gaara suspirou. Era incrível como Naruto era necessitado de contato. Para Gaara isso era algo novo, nunca gostou de contato, nem da proximidade, ou até de conversar com alguém. Sempre fora frio, aprendeu desde criança que não deveria confiar em ninguém. Seus irmãos o excluíram, pela morte de sua mãe em seu parto, sempre o culparam disso, mesmo não tendo dito abertamente ele sabia.
Seu pai também era assim, o tratava somente como algo que tinha a obrigação de criar, mas sem dar amor ou carinho. Era como se fosse somente um objeto, um estorvo na vida dos três. E assim cresceu, sendo ignorado, e se habituou a isso, tanto que nunca se importou com o fato de não ter amigos. Até Naruto chegar.
Naruto ergueu o rosto do peito do outro devagar, o olhando ternamente.
— Vou indo. — Deslizou as mãos pelas costas largas do amigo. — Se cuida, ruivinho.
— Urh, já disse para não me chamar assim. — Gaara desviou o olhar carrancudo, apesar da coloração levemente avermelhada que tingia suas maçãs.
— Ruivinho fofo. —Cantarolou e puxou a bochecha do outro o fazendo lhe mandar um olhar mortal. Mas logo fazendo um trejeito com a boca, que deveria ser um sorriso.
— Pequeno raio de sol. — Desdenhou.
Naruto fechou a cara no mesmo momento.
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Onde passava recebia olhares nada amigáveis. Naruto sequer conseguia distinguir o que eles tanto lhe olhavam.
Por um momento se arrependeu de ter negado a companhia de Gaara.
Péssima ideia sair do quarto depois daquilo. Pensou suspirando. Por culpa de Sasuke estava se sentindo como no primeiro dia naquele inferno. Ou talvez até pior.
— Eita loiro, por que você não para nu na minha cama? Iríamos brincar a noite todinha. — Ouviu um rapaz moreno, que estava junto a mais alguns três falar quando passou.
Sentiu a raiva passar por si e ponderou dar um corretivo naquele cara, mas engoliu em seco e continuou, seu espírito brigão e suas mãos coçando para acertar a cara do outro.
— Ô delícia! Amei sua tatuagem! — oOuviu outro gritar, do mesmo grupinho, e ouviu as risadas.
Enfie um chute na bunda deles!
Não me instigue, pelo amor de qualquer coisa, já estou fodido demais pra um dia só.
Continuou a caminhar, devagar, como se não estivesse sendo seguido por olhares, e ouvindo cochichos a seu respeito.
Quando chegou em seu quarto estranhou a porta estar trancada, já que a àquela hora Sai já deveria estar ali, e ele geralmente a deixava destrancada até que chegasse. Levou a mão ao bolso pegando as chaves, destrancado a porta, ainda curioso. Rodou a maçaneta revelando o quarto escuro, esticou a mão tateando a parede até achar o interruptor e ligou a luz.
Se assustou quando se deparou com Obito sentado em sua cama. Pensou em sair correndo dali, mas antes que conseguisse ver-se preso pelos olhos negros e impacientes do mais velho.
— Que bom que resolveu voltar, Uzumaki.
Naruto fechou as mãos em punhos, tentando conter um arrepio que cismava em subir sua espinha.
Como desejar, Castiel.
— Claro, este é meu quarto. — Replicou, ainda parado na porta. — O que faz aqui?
— Entre e tranque a porta.
Se encararam por breves minutos. Seu coração disparado não ajudava a se acalmar. Se piscasse os olhos podia ver as paredes de uma cela ao redor e aquele mesmo olhar...
Meu nome é Naruto. Não Castiel
Obito não parecia estar de muito bom humor, na verdade, não parecia tão idiota como sempre estava. Não havia sorrido nem feito uma piadinha sem graça. Ele só lhe encarava com sério e firmemente.
Ele precisa morrer.
A frase foi tão clara em sua cabeça, tão alta, que quase olhou para trás para ver se alguém havia falado às suas costas. Arregalou os olhos minimamente, em choque.
—Entre. — O homem repetiu, praticamente cuspindo as palavras. — Tranque a porta. Agora.
Não tinha como desobedecer a aquela ordem tão clara, por mais que quisesse dar meia volta e sair dali. Conseguia ver um brilho no olhar do outro, que reconhecia bem.
Insanidade.
Fechou a porta e fingiu que a trancou. Continuou ali parado, qualquer coisa ele sairia dali rapidamente.
— Diga. — Disse entre dentes. — Diga logo e vá embora.
Ele precisar morrer pelo o que fez. O que vai fazer.
Prendeu sua respiração. No momento não sabia de quem sentia mais medo.
De Obito ou si mesmo. Ele nunca... ele nunca ouviu aquele tom naquela voz.
Quando uma voz na sua cabeça a lhe pedir para machucar pessoas, matar pessoas, mesmo que seja quem merece, isso não é algo muito bom.
— Não seja apressadinho, temos todo o tempo do mundo. — Obito cruzou as pernas. — Você não teve a mínima pressa para sair de cima do Inuzuka, não é?
Devia saber que era sobre aquilo que o homem queria falar.
— Eu não fiz aquilo porque quis. Mas o que isso tem a ver com você? — Sua voz saiu como um sibilo, fechado as mãos trêmulas em punhos.
— Tem tudo a ver, moleque! Eu mando em você, esqueceu? Você pertence a mim agora.
—Isaak..Você pertence a mim agora...
—Pare...
Gritos. Uma lâmina em seu rosto. Dor
—Sempre pertenceu...
—Não!
—Sempre vai pertencer...
—Eu não pertenço a ninguém!
—ME RESPONDA!
Abriu os olhos arregalados e o outro estava ali, bem na sua frente. Se conteve para não tapar os ouvidos, tentando calar os gritos em sua mente. Fogo, dor. Ódio.
Ele precisa morrer.
Pare com isso!
Você é fraco demais ainda.
Uma mão segurou o seu braço com força.
— Não! — O outro deu um passo para trás com seu grito, levemente surpreso.
Armou um soco que foi seguro facilmente. Obito se levantou ainda segurando sua mão direita e se esquivando do soco de esquerda que receberia. Segurou o ombro e girou o braço que ainda segurava junto ao corpo, o fazendo ficar de costas para si com braço torcido dolorosamente para trás. Tudo tão rápido e agilmente que não ouve como reagir.
— Raposinha, raposinha, não estou de gracinha com você hoje. — Murmurou baixo e ofegante, sabendo que o outro o ouvia bem.Puxou mais o braço do garoto. — Foi assim que segurou o Inuzuka naquele dia, não foi? Só que foi mais bruto, hum, aprendi com você esse truquezinho.
Naruto mordia o lábio contendo um gemido dolorido, não o faria sentir esse triunfo sobre si.
— Hum, cansei dessa brincadeira. — O soltou devagar. — Vou falar logo e bem explicado, então ouça bem.
Naruto se afastou rapidamente, ficando de costas para a janela, olhando o outro que estava a poucos passos de si agora.
Tão fraco
Não tinha como responder a isso. Havia perdido uma luta com ele, que mal começara, e tentava conter os tremores em seu corpo. De raiva e de medo.
Estava apavorado.
— Somente vim te avisar uma coisa. Sou uma pessoa muito paciente e de bom humor, mas minha paciência e meu espírito esportivo tem um limite. E esse você ultrapassou quando saiu mostrando a bunda para todo o colégio ver. E ainda por cima ficou se agarrando ao Inuzuka.
Olhava-o de cima com fúria, e algo que Naruto que o encarava notou, ciúmes. Não falou nada, apenas tentando manter a distância, segurando seu ombro dolorido com cautela.
— Se você fizer mais uma gracinha sequer, se me desafiar de novo. Eu juro que mato o seu amado Sasuke, e não só ele, mas o Sabaku e sua família. Entendeu? Todos vão parar a sete palmos abaixo da terra em minutos. Pense bem antes de tomar qualquer decisão, Naruto. Você me pertence...
"Você me pertence, Isaak."
Obito se aproximou devagar, enquanto Naruto se afastava, sendo encurralado pela parede. Quando parou, o rosto dele o fitou impassível.
— Sua vida me pertence, então me obedeça. Te quero longe de Sasuke e de qualquer outra pessoa, não é porque ele é meu sobrinho que terei pena de o esquartejar vivo. Terei o prazer de ouvir cada grito de dor e medo, terei o prazer de ver sua expressão agoniada e derrotada, terei o prazer de sujar as minhas mãos com o sangue dele, tudo isso a sua frente, devagar. Até que ele dê seu último suspiro e vá para o inferno, eu e você assistiremos de camarote, meu querido.
Se ao menos não fosse tão fraco, pequeno.
Naruto não deixou transparecer o quão estava assustado.
— Irá ficar longe de Sasuke entendeu?
Não houve como negar. Não conseguia negar. Era o bem para ele, mesmo que doesse em si.
Ainda assim. A voz a minutos que sibilava em ódio agora parecia mais calma, seu tom quase com pena. Sabe que não vai conseguir se afastar dele, pequeno.
Eu sei.
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Caminhavam pelo corredor, Sai e Ino de cada lado de si, enquanto caminhava no meio. Seu olhar fixado no chão, tentando não olhar as outras pessoas que estavam no corredor. Shikamaru e Chouji estavam mais atrás, Chouji conversando sobre algo da aula. Haviam se despedido a pouco de Gaara e Hinata também, que tinham uma aula diferente da deles nesse período.
Naruto não era idiota. Havia percebido que os amigos estavam o seguindo ainda mais que o habitual depois do outro dia. Pensou levemente divertido que eram como um bando agora. No momento, aos olhos deles, ele era o lobo mais fraco da matilha, por isso sempre ficava no meio, sendo protegido dos olhares nos corredores. Tentou ficar irritado com isso, não precisava ser protegido, mas não tinha como esconder que seu coração ficava leve também. Nunca tivera amigos assim, longe da família. Era a primeira vez que experimentava isso.
Se ao menos não estivesse tão malditamente assustado em que tudo isso implicava. Em como eles se aproximarem podia ser perigoso para eles. Todos eles eram muito perceptivos, principalmente Ino e Shikamaru, mas Gaara o preocupava mais. Gaara era teimoso demais, e farejava as coisas no ar. Ele foi o primeiro que percebeu que estava evitando Sasuke, e logo se deu conta que o bando estava o ajudando nisso.
Já haviam se passado dias desde o incidente. Achava que se pudesse se enfiar debaixo da terra, já o teria feito há muito tempo. E nisso, há dias não via Sasuke, havia se esquivado dele das melhores maneiras possíveis. Se tinha aulas que partilhava com ele, não aparecia ou ficava sempre colado a Gaara. No refeitório, quando ele aparecia, não fugia dali. Nunca foi alguém de fugir, simplesmente saia dali pela porta da frente com a dignidade que um Namikaze tinha.
Ainda assim, sentia saudades e um remorso imensurável por estar o ignorando, sabia que ele deveria estar chateado com isso. Seria até engraçada ver Sasuke sendo bloqueado por Hinata no meio dos corredores de forma disfarçada, os olhos dela tentando bancar a inocente. Se algo daquela situação pudesse ser divertido.
Infelizmente todo lugar que passava desacompanhado ouvia uma conversinha idiota, parecia que todos haviam perdido o respeito para com ele. O que piorava ainda mais sua situação. Será que teria de perder sua classe e bater em alguém ali dentro?
Desde quando tem classe, pequeno?
A voz soou estranhamente divertida, diferente do tom assassino e assustador de dias atrás.
Tenho mais classe que qualquer um, voz da insanidade idiota.
Quando vai finalmente falar meu nome, Naruto?
Se calou a isso, sem entender o que o outro queria dizer. A voz parecia tão triste.
— Estou tão orgulhosa, Naruto! — Ino cantarolou ao seu lado, enquanto mexia no celular imenso que tinha em mãos, Naruto se perguntando se aquilo era realmente um celular. — Sua popularidade está maior do que a de Sasuke! Olha duas mil e quatrocentas curtidas na sua foto!
— O que? — Se virou para a moça, vendo-a sorrindo enquanto enrolava uma mecha de cabelo loiro com o dedo. — Que foto? Eu nem tenho rede social.
— Er... Eu fiz uma montagem e botei na rede social do colégio para testar sua popularidade... — Tocou mais algumas vezes na tela para a virar para naruto, onde estava a dita cuja montagem.
De lado esquerdo estava a foto de Naruto, tirada dele de costas olhando para trás na direção de escadaria, rodeado de gente. À mostra seu traseiro e a enorme tatuagem nas costas. E na outra foto do lado direito, tirada de Sasuke de sunga saindo da piscina, da qual Naruto reconheceu ser a que nadara no outro dia. E abaixo de sua foto em letras grande e negras estava "CURTA" e na de Sasuke "COMENTE".
Olhou abismado para Ino que sorriu amarelo.
— Ino! Achei que era minha amiga! Quem tirou essa foto, pelo amor de Deus?! — Perguntou, parando no meio do caminho. Sai começou a rir e a loira continuou sorrindo sem graça. Naruto arqueou as sobrancelhas irritado. — Nem acredito... Que estou pelado na internet! Já bastou eu ter ficado assim na frente desse povo esquisito e... — Parou antes que dissesse algo que não deveria, já que estava sendo o alvo de todos os olhares. — Que vergonha.
— Calma, olha, pense pelo lado bom, o Sasuke tem duas mil e cem comentários, você está com uma grande vantagem até... — se aproximou, colocando a mão no ombro do outro. — Talvez...
— Algum diretor te veja e pense em te chamar para fazer um filme pornô gay, seria a carreira ideal para você, que fica gemendo de noite como se estivesse tran...
— CALA A BOCA, SAI! — gritou se soltando da garota, já avançando na direção do outro. — Ou vou quebrar a sua cara de cera!
— Calma aí, exterminador. — Disse acenando, como se estivesse rendido. — Brincadeira.
— Brincadeira... — Repetiu azedo. Olhou para Ino, que tinha voltado a tocar na tela do celular. — E você Ino, trate de tirar essa foto daí.
— Certo, certo... — Suspirou, se virando, sabia que Ino não tiraria a foto tão cedo, e que possivelmente não era a única foto sua que estava na internet.
Até que a carreira de ator pornô não seria tão mal assim...
E novamente, aquele tom de brincadeira.
Vai pra puta que pariu!
A alta risada que retumbou em sua mente quase fez sua cabeça doer. Começaram novamente a andar, agora, com mais olhares sobre si. Irritado, bufou.
— Sabe, gostei mais da sua foto também, Naruto. Ainda bem que Ino escolheu bem o seu ser para curtir, imagina se fosse para comentar. — Sai riu. — Tem meu apoio para a carreira. — Olhou para Sai, pronto para respondê-lo à altura quando alguém apareceu atrás dele.
— Qual carreira?
Quase pulou de susto, se virando encontrando os olhos negros de Itachi em si, curioso. Sai respondeu antes de Naruto.
— De ator pornô. — Disse rindo, mas seu riso se desmanchando ao receber um tapa na cabeça. — Aí, eu to mentindo?
— Vai dar, Sai! — Lhe mostrou o punho. O olhar elétrico na direção do rapaz sarrista. — Repita isso e eu te parto o focinho!
— Meninos... — Ino tentou interferir, mas Itachi foi mais rápido e agarrou o braço de Naruto.
— Uzumaki, o diretor quer ter uma palavra com você.
Naruto se virou para ele no mesmo momento, os olhos arregalados, seu corpo ficando calmo no mesmo instante que foi tocado. Abaixou o punho e olhou para o chão enquanto era solto devagar.
— O que aquele... Diretor quer comigo? — Se corrigiu ao lembrar de que não estavam sozinhos. Itachi cruzou os braços olhando para fora das pilastras.
— É sobre seu pai, é só disso que sei.
Se seus olhos pudessem ficar maiores do que já estavam... Sentiu o coração acelerar e suas mãos a começar a suar pelo nervosismo que sentiu. Será que algo havia acontecido a seu pai? A sua mãe?
Mas eu fiz tudo o que ele pediu! Deus, não seja nada ruim...
— Então vamos. — Murmurou, saindo na direção que antes voltava, sem dizer nada para Sai ou Ino. Deixando-os surpresos com sua reação e pela mudança de clima, que havia ficado pesado.
Itachi somente acenou brevemente e seguiu-o, alguns passos mais atrás até descerem a primeira rodada de escadas.
Quando se viu longe dos olhares dos dois e dos outros alunos, se aproximou de Naruto que andava rapidamente, ficando lado a lado com o rapaz.
— Não se preocupe, ele está bem, é só uma ligação. Acredito que seja porque você não tenha o ligado antes... — Tocou-lhe o ombro. — Tudo bem?
Naruto o olhou por alguns segundos e Itachi viu tudo refletido nos olhos azuis cintilantes, tão belos naquela manhã cinzenta. Ele estava com medo, assustado, cansado e hesitante. Era tão obvio que Naruto não estava pronto para aquilo tudo, que não estava pronto para a pressão que sofria, para as ameaças, para a morte.
Infelizmente não podia fazer nada, mas se pudesse, Obito nem estaria vivo.
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Bateu a porta duas vezes, após ser encorajado por Itachi, que prometeu ficar do lado de fora até que saísse. Sendo alvo dos olhares nada gentis da secretaria entrou na sala. Obito estava ali como sempre, sentado como um rei à mesa, conversando ao telefone, e quando o viu, abriu um sorriso. Naruto se arrepiou pelo sorriso.
— Oh! Minato aqui está seu pirralho... Sim, irei passar para ele. — Riu. — Então, nos vemos depois, meu amigo!
Naruto teve vontade de tomar aquele telefone e dizer a seu pai o quão amigo da onça era Obito, que estava ameaçando a todos. Mas simplesmente tinha de agir como as aparências. O mais velho sinalizou para que se aproximasse. E foi isso que Naruto fez, o encarando firmemente.
Naruto levou a mão para pegar o telefone quando se aproximou, mas teve a mão puxada e praticamente se debruçando sobre a mesa. Obito aproximando sua boca da orelha do rapaz que arregalou os olhos, e sussurrou:
— Seja um bom garoto e diga a ele que tudo está bem. Mas lembre-se, diga qualquer coisa errada e quem paga não será você.
Naruto puxou o braço das mãos frias do Uchiha, se afastando rapidamente. Obito apertou em um botão na base do telefone. E sorrindo como se nada estivesse acontecendo, apontou para o objeto.
— Naruto?
Naruto quase chorou ao ouvir a voz preocupada do outro lado da linha, caindo sentado na poltrona. Sua boca se abriu sem fala, um sorriso aliviado em seus lábios. Seu corpo antes tenso relaxando instantaneamente.
— Filho?
Só percebeu que não havia falado nada ainda quando Obito o olhou de forma ameaçadora, o queixo repousado nas mãos cruzados, ainda sentado imponente em sua mesa, o viva voz preenchendo a sala.
— Daidi! — Sua animação não era falsa. Queria pegar o telefone, queria gritar.
— Naruto! — A voz soou animada do outro lado— Campeão, pensei que tinha esquecido da gente, está tudo bem?
No mesmo momento o sorriso de Naruto morreu. Ele queria contar, queria muito. Seus olhos azuis ficaram angustiados e Obito o olhou de forma ameaçadora.
— Sim. — falou tentando soar o mais verdadeiro possível. — Está tudo bem.
O pai ficou em silêncio por um tempo, então falou preocupado.
— Sua voz está cansada, está comendo direito? E dormindo? Sua mãe queria muito falar com você, mas ela ainda não chegou.
— Sinto falta de vocês. — falou em uma voz débil. O outro suspirou.
— Nos também Naruto, mas você sabe que foi necessário, para seu bem.
Naruto fechou os olhos fortemente e apertou as mãos nos braços da poltrona. Não queria ver os olhos de Obito espreitando sua angústia.
— Eu sei. Vai ficar tudo bem. — Ele falou isso com mais determinação.
— Eu sei que vai. Você é como seu avô, sempre faz as coisas darem certo quando quer.
Naruto riu baixo, quase chorando, mas não faria isso, não daria aquele gosto ao Uchiha.
— Seanathair era assim mesmo. — Disse passando as mãos nos cabelos. — Daidi? — Completou hesitante e o diretor estreitou os olhos em ameaça.
— Sim?
— Eu amo vocês. Eu sinto muito por não ser um bom filho. — Completou como uma despedida disfarçada, os olhos azuis se abrindo e fitando as mãos.
— Você é o melhor mo grá. Is breá linn tú, go mór. — O pai falou rapidamente, a voz angustiada. — Só é meio... difícil as vezes, mas nunca deixamos de acreditar em você.
— Eu sei, me desculpe. — Completou de forma triste.
— Está tudo bem mesmo, Naruto? — A voz do pai soou incerta e Naruto ficou alerta.
— Claro. — Riu nervoso. — Está tudo bem, só esse clima sabe, preciso do sol, às vezes acho que vou pirar.
— Eu entendo. Tudo bem.
Obito fez sinal para ele terminar logo e estreitou os olhos irritado, contendo o desespero. Não queria deixar de ouvir a voz do pai, não quando poderia ser a última vez.
— Obito disse que você está indo muito bem nas lutas, sua mãe e eu estamos orgulhosos.
— Bem, sim. Escute, daidi, preciso desligar.
— Ah, tudo bem. — A voz do outro soou triste. — Tudo bem.
Naruto fechou os olhos de novo, e falou quase em um sussurro.
— Is breá liom tú.
Seu pai pausou alguns segundos, a voz dele parecia estranhamente embargada ao responder com o que sempre lhe falava desde criança.
— Grá mo Chroí.
Obito desligou a linha. O silêncio ficou na sala por segundos em que o garoto apenas remoía aquilo. A cena de seu pai o rodando no ar pela casa e falando isso em sua cabeça.
— Você foi muito bem.
Não respondeu. Se respondesse, quebraria a cara de Obito, o que seria uma péssima ideia.
— Posso ir? — perguntou tentando conter a amargura na voz, o outro assentiu vendo o desespero nos azuis. Voltou a olhar para os papéis, lhe dando privacidade.
O garoto saiu da sala sem olhar para trás, passando pela secretaria e batendo a porta.
Nem mesmo olhou se Itachi cumprira o que prometera e estava ali. Andou alguns passos, passando por alguns alunos que retornavam para as salas após o intervalo. Nem reparou nos olhares em si, continuou andando em passos duros, na direção aposta a sua sala, controlando-se. Quando o corredor se tornou vazio, começou a acelerar os passos, logo correndo pelas alas às cegas.
Passou pelas escadas sem ver ninguém, e só parou quando chegou na torre abandonada de astronomia, seu refúgio de sempre. Parou sem fôlego, deslizando pela parede e sentando o chão, os olhos azuis se focando para o lado de fora, o céu escuro pelas nuvens cor de chumbo.
Vai ficar tudo bem. Vai vê-lo novamente.
Como pode ter certeza?
Eu vou proteger você, pequeno.
Você é apenas uma voz.
Não.
A voz falou quietamente. Esperou algo a mais, se encolhendo e segurando as lágrimas no canto dos olhos.
O que quer dizer?
Quando lembrar do meu nome, vai entender.
Mais nada foi dito.
Os minutos se tornaram horas, até que julgou estar bem o suficiente para sair dali. Respirou fundo e se ergueu. Saiu da sala, descendo as escadas.
Estaria bem se chegasse ao quarto, havia perdido quase todas as aulas mesmo, agora só dormiria o restante do dia, assim estaria inteiro para a maldita tarefa a noite.
Reparou que não tinha sorte ao virar o corredor e ver Sasuke. Ele estava com as mãos nos bolsos e parecia chateado com algo. Os olhares de ambos se encontraram e Naruto pensou ter visto alívio nos do outro ao lhe ver. Pensou em voltar pelo caminho por onde viera, ou simplesmente passar direto pelo outro.
Ainda estava chateado por aquela bola de neve que havia se tornado o joguinho de vingança dos dois. Ele havia acabado sendo ridicularizado em frente a muitos alunos. E então as ameaças de Obito.
Ele pensou em tudo isso, os dois parados ainda se encarando. Mas para surpresa dele mesmo, seu corpo pareceu trabalhar melhor que sua cabeça, e antes que pudesse se dar conta tinha andado a passos rápidos até o outro e o abraçado, seu corpo pedindo algum consolo depois do desgaste emocional. De ter que suportar aquela tortura psicológica sozinho.
— Naruto? — O outro murmurou incerto, talvez pensando que iria aprontar consigo novamente. Naruto o apertou mais forte, os braços rodeando seu pescoço, na ponta dos pés e o puxando para baixo. Sasuke quase se desequilibrou até abraçar o corpo pequeno de volta, ainda hesitante.
— Não pergunta nada. — A voz soou tão baixa e triste.
Sasuke sentiu um aperto no peito e beijou a cabeça loira que se escondia em seu ombro. Preferia mil vezes Naruto aprontando consigo do que vê-lo daquele jeito, tão quebrado. Ficaram um minuto ou mais assim, de olhos fechados, Naruto tentando buscar um alívio naquela sensação de segurança que sentia cada vez mais com Sasuke. O soltou devagar, sem fita-lo, e o outro acariciou seu rosto, as mãos descendo e parando em seus ombros.
— Você está gelado. sussurrou, sem saber por que falavam baixo. Naruto se abraçou só então percebendo que ficara todo aquele tempo sem o casaco do uniforme, devia ter deixado na diretoria, e a sala de astronomia era gelada. Sentiu algo quente o envolver e olhou para o moreno confuso. Sasuke havia o envolvido no casaco, ficando apenas com o cachecol cinza e a camisa branca de inverno da escola. — Ficou enorme em você. Você é muito pequeno, Naru.
Naruto fez um bico ofendido, franzindo a testa, e Sasuke riu. Como resposta Naruto deu um sorriso tímido, se aquecendo mais, se enrolando. Ele que não ia recusar. Sasuke merecia passar frio, ele não.
Não vamos começar com vinganças, vamos? Se for, vão acabar fodendo um ao outro na sala de química.
Na sala do Orochimaru. Tremeu com isso, com certeza, nada de vinganças.
Sasuke olhou curioso o loirinho franzindo a testa pensativo, o rosto imerso. Ele ficava assim às vezes, como se discutisse consigo mesmo. Estalou os dedos na frente dele e ele acordou, o olhando confuso.
— Não é por nada, mas está frio aqui. Um chocolate no refeitório não é uma má ideia.
Naruto o encarou por segundos. Não deveria ir, a ameaça de Obito fora clara, cristalina. Odiava admitir, mas estava na mão daquele filho-da-mãe. Era quase como se aquele telefone fosse a maneira do diretor lembrá-lo que tinha total poder sobre ele ali dentro.
Balançou a cabeça sob o olhar curioso e um pouco nervoso de Sasuke pela demora. Os azuis ficaram avaliativos. Era óbvio o medo de Sasuke, por mais que ele tentasse disfarçar, o mais novo estava prevendo a rejeição.
Sasuke demonstrava o quanto mais novo, em vários aspectos, era ele naquele momento.
Suspirou e então assentiu devagar.
— O refeitório não está fechado? — Perguntou curioso, inalando disfarçadamente o cheiro do outro do casaco e se achando o mais gay de todos por isso.
Ele descobriu! Soltem os fogos!
— Tenho vantagens de ser bonito e sobrinho do diretor.
— Além de modesto. — Bufou já andando a seu lado, bem próximos. Ignorando os olhares dos alunos que andavam a esmo pelo corredor sobre os dois, que até poucos dias eram inimigos declarados, atuando no episódio que marcaria aquela escola para sempre. Afinal, Naruto Uzumaki pelado era uma coisa que nunca se esquecia. Agora, das fãs de Sasuke, apenas Sakura e a secretária de Obito ainda se mantinham fiéis apenas para ele.
Naruto se sentiu aquecido e mais calmo quando se sentou no refeitório vazio e viu Sasuke trazer dois copos descartáveis com o líquido fumegante. O pegou contente, assoprando e vendo a fumaça rodopiar. Sasuke se sentou à frente do loirinho, mais aliviado ao ver o sorriso animado dele, mesmo que os olhos azuis ainda estivessem um pouco apagados.
Ele queria muito ajudar Naruto, e já estava perdendo a paciência com o outro que não lhe contava o que diabos o estava fazendo sofrer tanto. Aquele abraço havia sido muito desesperado para não ser por nada.
Ficou fitando o sorriso do outro, o rosto corado pelo frio, o casaco que o fazia sumir um pouco dentro. Seus olhos vagaram pelos contornos bem-feitos até que focaram nos lábios sedutores que assopravam o chocolate quente. Foi um gesto inocente, mas que lhe lembrou que aquela boca já tinha feito...bem, enfim. Ele já havia a beijado também.
Ele queria muito beijá-lo no momento.
A boca bonita se contorceu e voltou os olhos para o loiro que o fitava de maneira desconfiada, já que Sasuke olhava tão gravemente, ignorando seu chocolate e o comendo com os olhos. Sasuke corou com o olhar do mais velho.
— Sasuke, você não colocou nada nesse chocolate, colocou? — ele perguntou estreitando os azuis de forma perigosa.
Sasuke riu dessa vez, um pouco alto até.
— Ah Dobe, apenas tome logo esse chocolate.
Naruto tomou, mas só depois de trocar os copos.
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Olhou para a floresta, da qual sabia ter de entrar logo que conseguisse sair do quarto. A lua sequer aparecia, o céu completamente carregado de nuvens. Suspirou, sentindo todo o cansaço de não poder dormir. Odiava mais que tudo ter de participar daquele jogo, e odiava ainda mais o que seria obrigado a fazer.
Todas as entrelinhas daquele maldito jogo foram expostas na primeira tarefa, e Naruto entendia todo o espanto que todos esconderam naquele momento. Sabia que agora, todos estariam preparados para matar e não morrer, o que dificultava muito sua tarefa de ganhar a qualquer custo. Sabia que hora ou outra teria de sujar suas mãos, mas ainda assim não estava pronto para tal. Achava que nunca estaria.
Vestia um catsuit, que lhe cobria os braços e pernas, o material era impermeável e o lembrava roupas de mergulho, mas que lhe dava uma liberdade como uma segunda pele. O capuz cobria seus cabelos e já vinha com a máscara que somente tapava seu rosto. Os coturnos negros faziam um conjunto perfeito. Daquele jeito era impossível reconhecer alguém.
Olhou-se no espelho que ficava pendurado atrás da porta do banheiro. A roupa era tão agarrada que deixava evidente todas as curvas que seu corpo tinha.
Me sinto ridículo. Como se eu fosse um Power Ranger.
Não conteve pensamento estranho.
Pelo menos ainda existia um pouco de humor negro em si.
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Estavam, novamente de pé, enfileirados um ao lado do outro. Havia ficado entre a garota da máscara de tigre e a de leão. Uma leve garoa caia do céu, suas mãos fechadas em punhos trêmulos pelo frio, enquanto via Obito andar de um lado a outro, com um Ipad em mãos.
Estavam em uma clareira dentro da floresta, que era iluminada por postes de holofotes móveis. Haviam sido guiados até ali, se embrenhando cada vez mais na densa e gélida floresta. Todo lugar que olhava, podia-se ver o tom enegrecido que se tonava o verde intenso da floresta, todos os lugares que pisava eram repletos por musgos nojentos ou plantas asquerosas molhadas. Para piorar, tinham de ter escolhido uma noite com temperatura com sensação térmica de uns 10 graus para realizar a droga da prova. E ainda por cima estava com tanto sono.
Oh meu Deus, acho que devo ter feito algo terrível nas minhas vidas passadas, só pode!
Hum...Sobre isso... A voz soou estranhamente divertida, mas a interrompeu antes que se distraísse mais do que estava com suas lamúrias internas.
Calado!
— Ah sim... Boa noite! — Obito disse sorridente, se virando para os adolescentes. O capuz de seu grosso casado sobre sua cabeça, deixando pouco a vista a gola alta de sua roupa de baixo. Mas ainda sim podia-se ver o quão feliz parecia estar. — Está meio frio, mas nada que não consigam suportar, estou certo? — Colocou a mão direita, enluvada, no bolso do casaco, direcionando um sorriso e olhar furtivo ao loiro. — Enfim, vamos logo começar com nossa maravilhosa prova de hoje!
Silêncio.
Obito abaixou o braço que havia levantado pelo entusiasmo e suspirou. Sendo observado pelos jogadores e os vencedores, com descrença.
— Vocês são muito desmotivados. Mas acho que logo se animarão. Na prova de hoje, vocês poderão escolher a arma que quiserem, na quantidade que quiserem. — Sorriu, seu olhar novamente fixado na raposa. Naruto crispou os lábios. — Vocês terão de entrar na floresta e, bem... — Seu sorriso aumentou. — Irão brincar de tiro ao alvo. Mas o alvo, serão vocês mesmos.
Um desconforto inoportuno se apossou de Naruto, que disfarçadamente olhou para seus "companheiros". Sabia que uma hora ou outra ele iria propor algo do gênero. Como o psicopata que era. Não perderia uma chance de fazê-los destruir uns aos outros.
— Diferente do que muitos de vocês pensam, será usado balas de borracha, o que faz a brincadeira menos perigosa.
Que espécie de definição ele tem para perigoso?
— As balas de borracha têm um pequeno compartimento de tinta, cada um de vocês recebera cartuchos de uma cor, o que vai nos ajudar a reconhecer quem foi atingido. — Começou a andar, cada passo sendo anunciado pelo chapinhar abaixo de seus pés, seus olhos passando de jogador a jogador calmamente. — As regras são simples, proibido atirar em pontos vitais, como cabeça e peito. Proibido também toque físico, tudo o que farão, deveram usar somente as armas que escolherem. Quanto mais pessoas vocês acertarem, melhor. Terão meia hora para se embrenharem na floresta e fazerem suas vítimas, e vinte minutos para voltarem a este ponto.
Ele parou no falcão e fez o retorno, as mão se movendo enquanto explicava.
—A cada dez minutos um sinal soará, e nos últimos vinte, o sinal soará de cinco em cinco minutos. Terão pequenas setas fixadas nas árvores próximas a borda, que indicarão para onde seguir. Então indico que sejam rápidos e cheguem antes do fim do tempo. Se isso ocorrer será desclassificação imediata da prova. — Parou de frente a Naruto, os olhos negros brilhando. — Aqui está tudo valendo. Será usado novamente o esquema de pontos. Aliás, o jogador Tigre já tem menos vinte e cinco pontos, por ter chegado depois do sinal, aconselho que recupere seus pontos. Enfim estaremos de olhos em cada ação de vocês e depois da contagem lhes daremos a nota final.
Só aí Naruto se deu conta que, diferente da primeira prova, ali não parecia ter câmeras, o que seria um grande trabalho. Não parecia ter uma estrutura de monitoramento por perto. Isso o fez pensar em como eles os vigiariam. Claro, tinham os rastreadores nos braços, mas isso não era grande coisa.
Obito o encarou e Naruto o fitou a altura, até o homem se virar e caminhar novamente para o meio da clareira.
— Então, se divirtam minhas crianças, e lembrem-se. — Olhou o diretamente ao se virar— Não percam.
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Naruto olhou para as armas ali dispostas sobre uma espécie de cobertor de veludo no chão. Todos haviam sido liberados para escolherem suas armas juntos, com vigilância de quatro vencedores, claro.
Havia sete arreios de ombro e sete coldres de cintura, além de sete cintos de utilidades, todos de couro negro. Naruto escolheu um cinto e um arreio de ombros, não queria carregar muitas armas, somente duas seria perfeito. Além de que não queria ser atingido e mais leve poderia fugir e se esconder mais facilmente. Conhecia todas que estavam ali dispostas. E optou pelas que sempre teve mais familiaridade, uma H&K VP70¹ e um M93R². Checou os clips de ambas, vazios. Recebeu uma cotovelada nas costelas.
Irritado se virou pronto para despejar um manto de xingamentos.
— Se já terminou, vá para a fila. — A voz firme ordenou, a máscara de uma onça parecia muito bem com sua áurea.
Engoliu a raiva e colocou as armas nos coldres, se encaminhando em passos duros até onde já dois participantes equipados esperavam. Era o falcão e o Javali. Novamente Naruto sentiu um frio na barriga ao parar ao lado do falcão.
Idiota, se concentre na prova. Daqui alguns minutos você estará baleado ou baleando os outros por aí, então vai com calma.
Olhou disfarçadamente ao redor, procurando por Itachi. O havia visto enquanto eram guiados pela floresta. Ele caminhava ao lado de Obito o tempo inteiro, mas havia desaparecido quando chegaram à clareira. Talvez, estivesse junto aos "superiores" que os avaliariam. Ou nos arredores, já que ele conseguia sempre estar por perto, sem se deixar notar.
Não demorou muito para que os outros quatro voltassem aos seus lugares. A esse ponto, Naruto já estava quase entrando em colapso nervoso. Além do frio irritante que tinha no estômago por estar perto daquele cara, estava pensando no que seria melhor: Caçar os outros ou se esconder? Claro, tinha de receber uma boa nota naquela prova, impressioná-los como havia feito anteriormente, mas para isso...
Tinha de fazer o que queriam que fizesse.
— Então jovens entusiastas da natureza, todos já equipados? — Olhou para um dos seus ajudantes, que começou a distribuir os pentes de balas. — Cada um, como já disse, terá sua cor, serão dez pentes para cada um. Cada pente que receberam já corresponde ao calibre que escolheram. Então, já podem carregar as armas.
Obito parecia preocupado, sempre olhava para os lados, ou para o chão. Às vezes apertava o ouvido, mostrando evidentemente que tinha um ponto eletrônico ali e que recebia comunicados.
Crispou os olhos azuis por debaixo da máscara, achando estranho toda a situação, mas quando recebeu sua munição, começou a carregar ambas as armas. Ejetou o clip vazio da H&K, notando o som metálico, a substituindo por um cheio, do qual notou na traseira das balas negras a cor laranja. Novamente olhou para Obito, o cara tinha escolhido sua cor favorita de propósito. Desviou o olhar do mais velho que parecia ocupado demais andando de um lado a outro, continuando a carregar, agora a M93R.
Havia escolhido ambas as armas por três motivos. Primeiro, para ejetar o clip e recarregar, ambas eram rápidas. Segundo, nem era preciso engatilhar, ambas eram semiautomáticas, se quisesse engatilhar poderia, mas não era preciso. Terceiro, o disparo era contínuo, enquanto o dedo estivesse no gatilho elas continuariam a mandar fogo, como já dito, semiautomáticas. Eram armas de fácil manuseio, antigas, mas bem mais descomplicadas do que as outras que foram oferecidas ali. Sabia que precisaria de cada segundo ali, como havia aprendido na outra prova, cada segundo contava, e não poderia perder tempo com troca de pentes nem nada do gênero.
Anko ficaria orgulhosa dele naquele momento. Anos de treino haviam finalmente colocado algo em sua cabeça sobre armas.
— Então, se está tudo em ordem. — Recolocou a arma no coldre. Obito agora se virou sorrindo, olhando para todos, e parando o olhar em Naruto. — Que comece a partida!
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Se jogou contra o tronco da arvore dolorosamente, suas costas sendo arranhadas pela casca grossa. Ofegava pela recente corrida, e ainda mais, com o som de tiros que ouvia. O som era mais abafado do que de tiros normais, pois eram balas de borracha, mas não menos assustador. Apesar de já ser acostumado, não deixava de ser assustador a condição que estava, numa floresta sendo caçado e caçando pessoas.
Primeiro, tenho que fazer minhas vítimas. Pelos tiros, não estão longe, e quem atira já tem um alvo.
Olhou ao redor, a floresta escura e agora em silêncio absoluto. Sabia que poderia ouvir a aproximação de alguém, não tinha como ocultar aquilo, mas ainda assim não confiava somente em seus ouvidos. A escuridão não ajudava, mas precisava de uma localização visual de seu alvo, assim para mirar.
Pegou a arma do lado esquerdo do arreio, engatilhando, apontando para cima, respirou fundo. Tinha de se concentrar e deixar de lado seu nervosismo. Não seria a primeira vez que balearia alguém, afinal.
Seja rápido, rápido. Mas não esqueça o caminho de volta.
Saiu de detrás da árvore, forçando a vista, tentando enxergar qualquer coisa além das sombras, apontando a arma para frente. O corpo levemente arqueado, em posição de defesa, ou até de fuga, seguiu em frente. Passos leves, pouco hesitantes. Ouvia gralhas ao longe, fugindo dos estampidos na floresta, que haviam dado uma trégua.
Naruto não sabia para onde ir ao certo, haviam sido dispersos na floresta com uma distância de menos de trinta metros de um a outro. Mesmo assim sabia que havia saído de sua rota entrado no espaço de outro e poderia ser baleado.
Tinha de tentar achar alguém antes do fim do tempo.
BAM! BAM!
Quase se jogou no chão de susto, o som foi perto, mas sabia que não fora para lhe acertar. Abaixou-se e correu até a árvore mais próxima. A arma foi apontada para cima enquanto olhava para trás de soslaio.
Nada, não conseguia ver nada.
A garoa ainda caia, dando a impressão de uma nevoa clara no local. Algumas gotas da chuva de tarde ainda caíam das árvores, com o som de pedras nas folhas. Respirou fundo, o ar gélido queimando em seus pulmões, com aquele cheiro de terra, água e musgo. Aguçou os sentidos, em especial a audição. Foi então que ouviu passos. Quem quer que seja estava se aproximando, correndo.
Apertou a arma, e fechou os olhos, se concentrando. Seu estômago gelou, e contou.
Saiu de detrás da árvore, praticamente pulando no caminho de quem quer que seja, a arma em punho apontada para baixo.
BAM! BAM! BAM!
Ouviu um grunhido de dor e seu alvo foi ao chão. Tinha certeza de que era um homem, mas não conseguia ver nada além de uma silhueta escura e que havia acertado os três tiros nas pernas. Ponderou se aproveitar do alvo desprevenido, mas seu lado honesto falou mais alto. Somente dirigiu um olhar penoso ao que gemia no chão, e correu suavemente para longe dele, antes que o outro resolvesse lhe devolver o favor.
Desculpe cara, mas não vou perder.
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Três sinais já haviam sido soados, o que significava que faltava vinte minutos para voltarem. Naruto, nesse tempo, havia baleado mais três pessoas, e levado um tiro de raspão no braço, que ardia como o diabo. Orgulhava-se da destreza que conseguia se esgueirar pela floresta, sempre usando do efeito surpresa para ganhar suas vítimas.
Por todo esse tempo, os estampidos não pararam, o que o deixou ainda mais agitado.
Estava novamente correndo pelos cantos, colhendo sombras, da melhor maneira possível. Havia utilizado dos ensinamentos do seu pai, que sempre dizia "um bom agente sabe como usar a falta de luz a seu favor". Havia sido treinado várias vezes em florestas por seu avô, de noite, brincando de pique pegue. Era divertido e sempre tinha dicas como "ouvir o que a natureza fala" ou "sentir as vibrações". Na época tratava tudo como uma diversão, só um tempo depois entendeu o que significava tudo.
Quase foi ao chão com a brusca parada, escondido por uma árvore, ouvindo o som de passos se tornando mais perto, evidentemente sendo duas pessoas correndo.
Eram passos pesados, já que folhas e galhos secos se quebravam auditivamente e então um som leve, seguido de grunhidos. Naruto olhou de soslaio novamente, tendo a ampla visão do que acontecia. Duas pessoas rolavam pelo chão, numa troca de socos evidente. Viu algo voar dali e identificou sendo a máscara de um deles, que caiu perto.
Era de um leão.
Ouviu novamente um gemido, que julgou ser de quem estava em desvantagem por estar por baixo e sentiu o coração apertar.
Eles não precisavam disso. Espancar uns aos outros nem mesmo fazia parte da maldita prova. Em um rompante, quando um sentimento estranho de raiva se apossou de si, sacou a 9mm. Mirou facilmente nas costas da silhueta escura que se mexia.
BAM! BAM! BAM! BAM!
Só parou de segurar o gatilho, quando o espancador saiu de cima do outro.
Sua mão formigou pelos solavancos prazerosos da arma, mas não a abaixou. Sua arma ainda mirava a pessoa no chão, ofegante, sem a máscara, que julgava estar lhe olhando. Iria atirar, contrariando seus instintos, quando a reconheceu, apesar da penumbra do amanhecer que vinha. Os olhos perolados assustados, os cabelos negros presos em um coque emaranhado pela luta.
Era Hinata.
—Pode vir, Brin.
O som do mar arrebentando abaixo no penhasco. O cheiro de floresta e de maresia. Sorriu, ouvindo os passos leves finalmente se aproximarem.
Ela se colocou ao seu lado. O arco nas costas, os cabelos escuros voando ao redor do rosto suave. Sempre tão solene ao seu lado.
—Sempre me percebe.
Sorriu suavemente. E como não perceberia? Não apenas era o protetor daquela floresta, mas ali, a seu lado, estava um dos últimos dos seus.
Se fechasse os olhos, poderia sentir a sua aura, o seu sangue que corria nas veias dela. O sangue de sua mãe Eriu e Mac Gréine que também corria em suas veias. O sangue de seu filho, que havia deixado esse mundo há tanto tempo.
Por anos pensou que sua linhagem nesse mundo havia acabado. E ali estava um de seus últimos descendentes.
—Estava esperando que viesse me ver. Tenho algo a entregar-te.
Os olhos muito claros o fitaram surpresos. Tocou o cordão em seu pescoço, o anel ainda preso na corrente, que havia lhe sido retornado junto com o corpo de seu filho há tantos anos.
Finalmente, havia encontrado alguém a quem passá-lo.
Voltou à realidade, surpreso, vacilando por segundos. Tempo suficiente para que ela pegasse sua máscara e a recolocasse.
Naruto se virou, correndo dali, atordoado com a descoberta e a visão. Seu corpo mecanicamente agindo, enquanto sua mente estava quase travada. Mais uma estranha lembrança, com vacilações de rostos... Rostos esse que sua mente se recusava a reconhecer, mas...era Hinata. Apenas sabia.
Brin.
BAM!
Travou no lugar, voltando a realidade segundos depois. Conhecia aquele som, o estampido era alto, era mais puro que os anteriores. Era de balas de verdade. Alguém estava ali munido com munições verdadeiras.
BAM! BAM!
Se jogou no chão, os tiros vindos em sua direção. Alguém queria lhe acertar, mas parecia ter uma mira não muito boa. A adrenalina em suas veias o fez agir rápido, rolando no chão par aperto de tronco de árvore, apesar dos cutucões das perdas e galhos. Se levantou bem e rápido, tentando fazer o mínimo de barulho possível.
Olhou ao redor, alerta, começando a suar de nervoso apesar do frio. Seus olhos correram pela escuridão e aproveitou para trocar de clip, pois desconfiava que tivesse ido suas últimas balas naquele cara. O ejetou, ouvindo o som sendo repetido ao colocar a munição. Suas mãos apertaram o metal gelado, seu dedo deslizou para o gatilho circular.
Foi quando o viu. Um homem se aproximava devagar, enxergava pouco, mas podia distinguir perfeitamente a arma em suas mãos. Apontada em sua direção.
Naruto estava encurralado, definitivamente. Tinha sido estúpido e descuidado demais. Ter sido seguido assim era quase um insulto.
Mordeu o lábio por detrás da máscara, pensando rapidamente no que fazer. Inúmeras rotas de fuga, mas nenhuma plausível. Não teve tempo de pensar, quando ouviu o som.
Se jogou no chão, uma bala cravando na árvore em que antes estava, na altura de sua cabeça. Ele tinha razão, aquilo não era uma bala de borracha.
Pelo jeito Hinata não é a única que estão tentando foder quebrando as regras...
Levantou-se em um pulo, pedaços de madeira quebrada caindo em sua cabeça. Sua arma já apontada, mesmo que fosse de borracha seria doloroso o bastante para distrair seu agressor.
BAM! BAM! BAM!
Viu-o desviar, rápido e com destreza dos três tiros. Naruto crispou os olhos na escuridão e pegou a outra arma, ficando com uma em cada mão, se escondendo novamente.
Aguçou os sentidos ao máximo.
Esquerda!
Girou o corpo na direção e apertou os gatilhos, suas mãos saltando enquanto as armas faziam seu trabalho. Atirou, girando o corpo, balas acertando troncos de árvores, galhos, menos seu alvo. Seja quem fosse, a pessoa era muito boa em desviar e se esconder.
BAM!
— Merda! — Sibilou baixo no exato momento que sentiu algo rasgar sua pele na altura das costelas. Cambaleou para trás sentindo o ardor, abaixando as armas, e novamente o viu a alguns metros, com a arma apontada.
Estava pronto para desviar a todo custo, mas não foi preciso. O barulho característico de uma arma sem balas foi ouvido, junto a um xingamento baixo do outro. Bom em desviar, péssimo em planejamento, ao que parecia.
Não esperou que ele recarregasse. Simplesmente se virou e correu, correu como se sua vida dependesse disso, o que era verdade. O arranhão que havia ganhado da prova com os lobos doeu pelo esforço.
Ouviu mais estampidos atrás de si, tinha certeza de que ainda estava sendo perseguido. Viu as setas que Obito havia mencionado, eram azuis e milimetricamente pintadas nos troncos das árvores.
Quase suspirou em alívio, se não estivesse tão ofegante e irritado com tantos galhos que lhe ricocheteavam. Tropeçou em uma raiz, quase caindo.
BAM! BAM!
Se virou, apontando para trás, devolvendo os tiros e sendo retribuído novamente. Ouviu um gemido, um grito feminino. O outro parou de atirar e fez o mesmo. Quem quer que seja, havia acertado outra pessoa, aparentemente por acidente.
Naruto continuou correndo, dessa vez não estava sendo mais seguido.
Só espero que não tenha sido Hinata.
Engoliu em seco e se virando para frente, vendo o final da maldita floresta dos horrores.
Por fim, se viu fora dali. Um estranho alívio se apossou de si, se segurando para não cair ajoelhado. Ofegante, dolorido, machucado, com o coração na mão, contemplou pela primeira vez com felicidade o céu escuro apesar do amanhecer, adornado por expeças nuvens que despejavam sua fina garoa.
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Pela irritação clara de Obito, ele realmente não sabia que alguém iria usar munição verdadeira. E para completar a situação, o equipamento de cada um dos participantes estava ali sendo avaliado, e nada. Seja quem fosse que quebrara as regras, se livrara das provas.
Eles realmente soltaram sete adolescentes armados no meio da floresta sem vigilância nenhuma. Naruto não era tão tapado ao ponto de não perceber que eles podiam adivinhar que isso bem podia acontecer. Talvez fosse essa a intenção, despertar neles o desejo de ganhar a todo custo. E o preço, por hora, havia sido a garota da máscara de tigre, levada embora em um dos carros. O tiro lhe atingira na barriga, e pela quantidade de sangue que perdera, Naruto duvidava que ela conseguisse sobreviver, e mesmo que sobrevivesse, não poderia mais jogar, o que significava que iria morrer de qualquer forma.
Deletou esse pensamento de sua cabeça, não precisava pirar naquele momento e piorar tudo.
Todos estavam em silêncio. Muitos, ele acreditava, chocados com o que Obito classificara "um terrível acidente." Sim, um terrível acidente que eles tivessem ali, entre os seis restantes na clareira, um assassino. E como se não fosse nada, fora dada continuidade a prova e os vencedores começaram as contagens de tiros que cada um recebera e associar a cor com cada participante que atingira cada um. Naruto estava tão imerso em torpor por tudo que acontecera, que só acordara ao sentir uma mão em seu ombro, sentado em um tronco de árvore morta.
Levantou os olhos e viu a máscara de corvo.
— Levante. — A voz falou em um tom alto e obedeceu, cansado. Itachi o analisou, como os outros o eram pelos demais vencedores, e acrescentou baixo, para apenas os dois ouvirem. — Você está bem?
— Alguém tentou me matar. — Disse no mesmo tom. — E acho que no labirinto também. Na época eu pensei que haviam atirado para me ajudar, mas agora duvido.
O moreno apertou seu ombro de leve, anotando algo em um ipad, como os outros faziam.
— Você está sangrando.
— Foi de raspão. — Respondeu levantando o braço para o outro olhar o ferimento. — Itachi, como eles...
— Shh. — O outro o calou e Naruto viu que Obito vinha em sua direção. Itachi ergueu a voz novamente. — O candidato sete possui dois ferimentos de raspão, um deles por munição real.
— Vamos desconsiderar o ferimento por munição real em quem foi atingido, por ter sido contra as regras. Contabilize um. — Naruto sentiu o olhar preocupado do diretor em si, olhando de modo disfarçado, buscando mais ferimentos em segundos. — E leve o candidato sete para cuidar do ferimento, logo os pontos tenham sido contados. Agora, vá ao jogador seguinte.
— Sim senhor. — Itachi respondeu de modo indiferente, se afastando devagar.
— E sete, junte-se aos outros. — Naruto obedeceu andando devagar, mas ao passar pelo homem foi seguro pelo braço e obrigado a parar, ouvindo a voz baixa em seu ouvido. — Você sabe quem o atingiu?
Ponderou em dar uma resposta malcriada, mas estava esgotado demais. Apenas negou e foi liberado.
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— Aqui tenho a pontuação de vocês. — Obito falou olhando os dados no ipad. — Primeiro, vamos começar do pior, para variar. O candidato número três foi desclassificado do jogo, por impossibilidade de continuar. Bom, pensem como um concorrente a menos.
Esse cara é um demente maldito.
Percebeu agora? A voz sibilou de forma furiosa.
— Foram atribuídos 20 pontos a cada tiro efetuado com sucesso no alvo e 10 pontos perdidos a cada recebido. Assim, em último temos o candidato número dois, por ter atingido apenas dois candidatos e ter sido atingido por cinco. Oh ho. Melhoras meu amigo, você está no negativo aqui. O número quatro atingiu quatro, foi atingido por quatro, 40 pontos. Candidato número um, atingiu quatro alvos, foi atingido apenas por dois, 60 pontos. Hum, temos um empate aqui. Candidatos...cinco e seis. Quatro alvos, apenas acertados por um, 70 pontos. E nosso campeão de hoje, número sete. Cincos alvos acertados de seis. E apenas um tiro de raspão. Isso me soa como 90 pontos. E parece que alguém saltou para primeiro lugar. — Ele cantarolou a última frase, sorrindo.
Obito o olhou, assim como todos pareciam estar olhando. Muitos olhares, nenhum pouco amigáveis.
Ótimo, agora tenho uma seta ainda maior de alvo na minha cabeça. Estou fodido.
Isso eu concordo totalmente com você, pequeno.
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Sprioc: Alvo!
(¹)H&K VP70 = pistola de dezoito balas
(²) M93R = 9mm. italiana.
Seanathair: Avô
Mo grá. Is breá linn tú go mór — Meu amor. Nós te amamos muito
Is breá liom tú — Eu te amo
Grá mo Chroí. — É uma expressão famosa em Irlandês gaélico, significa 'Eu te amo meu coração'
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