Solas na gréine
Aviso: Violência física
O homem de cabelos vermelhos era conhecido no mundo das fadas como o benevolente Deus ex machina, salvando os mortais infelizes contra os feitiços de outras fadas.
Sua figura estava presente em várias histórias as quais vovô me contava, incluindo a de um homem cruel e covarde com sua esposa, que ao passar pela justiça das fadas elas decidiram o afogar ao tentar atravessar boffin da Shark Island. O homem de cabelos vermelhos surgiu pedindo clemência pelo homem covarde, que passou o resto de sua vida seguindo o caminho certo com temor das fadas decidirem vir buscá-lo.
Ele sempre era uma figura que me despertava curiosidade, como ele surgia na hora certa para ajudar. Isso, para mim, o tornava o mais poderoso entre todas as fadas.
—São os cabelos. — Eu dizia com a toda a certeza de uma criança de cinco anos. — Certeza.
— Por que diz isso, Sionnach beag?
— Cabelos vermelhos, Seanathair. Como mam e Naa. Cabelos vermelhos são mágicos! Como daídi também!
Vovô riu com minha lógica, os olhos curiosos: — Faz sentido, Sionnach beag, mas seu daídi não tem cabelos vermelhos.
—Já teve. Quando era pequenininho assim como eu, e me esperava lá no riacho Seanathair. Não sabia?
Vovô me olhava de forma estranha quando eu contava isso, mas eu não ligava.
Eram os cabelos vermelhos, eu tinha certeza. Como daídi sempre cuidava de todo mundo, como mam vivia salvando pessoas no trabalho, como tio Naa me confortava sempre que tinha sonhos ruins. Eles eram' a fada dos cabelos vermelhos' para mim.
Naquele dia, eu tive a certeza de que estava certo.
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— ITACHI!
Naruto agarrou a cintura de Sasuke, o puxando para fora antes do carro despencar no oceano abaixo. O mesmo oceano que havia engolido Obito.
Que havia engolido Itachi.
Sasuke gritou em seus braços tentando se aproximar do precipício, mas o segurou forte, o abraçando. Não sabia quem estava tremendo, provavelmente os dois.
Conseguia ouvir o barulho dos carros, faróis se aproximando. Sabia que não era seu daídi. Ouvia a voz de Tobirama, ele estava perto. Muito perto.
— Itachi! Eu tenho que salvá-lo! Itachi!
— Sasuke! — segurou o rosto do outro com força, mesmo querendo gritar também com toda a dor que sentia no momento, pelos dois. — Temos que ir.
— Itachi...Ele está...
Encostou a testa na do outro, o encarando. O obrigando a olhá-lo, focar em si. Queria ter mais tempo para consolá-lo. Para entender aquela dor que sentia.
—Ele nos salvou. Ele nos deu uma chance.
Sasuke respirou fundo, ainda trêmulo, mas assentiu, os dois se erguendo com esforço. Na lama, viu o rádio e o pegou também. Olhou ao redor, escolhendo o caminho oposto. Não sabia quem estava apoiando quem no momento quando entraram na floresta. Tentava não pensar.
Noland causaria a morte de Aeron, fosse por auto sacrifício, fosse por assassinato. Davlin mataria Noland. Ewen mataria Davlin. Tudo se repetiria.
Sua respiração estava trêmula. Tanta dor. Não sabia o quanto dela era física ou não. Tropeçou e Sasuke o apoiou. Os dois estavam quebrados.
Sozinhos.
Davlin salvou Ewen, Ewen salvou Noland. Noland salvou Aeron.
O que tudo aquilo significava? Havia tudo acabado?
Não acabou. Ainda não acabou.
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— Ele está vivo. Os dois estão.
Sasuke quase perdeu o sussurro do outro ao seu lado. Os dois haviam parado perto de uma rocha para respirar. Podiam ouvir os passos ao longe. Olhou para Naruto, sem querer ter esperanças.
Itachi havia caído dentro do oceano. Se sobrevivesse a altura, havia pedras. E sua perna...
— Naruto...
— Eles estão vivos. — Os olhos azuis olharam os seus, cansados, mas tão certos, sem qualquer dúvida. — Ainda não acabou, Sasuke.
Assentiu hesitante. Querendo acreditar. O movimento o fez gemer e trincar os dentes. Olhou para a mão na faixa que havia feito e ela veio suja de sangue.
Aquilo não era nada bom.
A mão ágil do outro tirou a sua do lugar gentilmente, examinado o ferimento, e tentando disfarçar sua expressão.
— Você vai ficar bem.
—Mentiroso.
Naruto quase sorriu, a cena comum aos dois, agora em papéis opostos, mas nenhum dos dois conseguia sorrir naquele momento.
Naruto olhou por cima do ombro, por trás das pedras. A chuva havia parado, e uma névoa havia tomado o seu lugar. Ainda tinham tempo antes de terem que voltar a fugir. Pegou o rádio e o analisou.
— Quase nenhuma carga. A frequência só irá pegar em um lugar mais alto. Temos que subir. Sei que meu pai está naquela direção.
—Como sabe?
— Perto do rio, perto do colégio. Lá encontraremos ajuda. Foi para onde pedimos para nos procurar. Ele sem dúvidas ouviu as explosões de antes. É uma questão de tempo. Temos que continuar andando. E depois de tudo isso, vamos encontrar Itachi, e dar um chute nele. Sim?
Sasuke queria tanto acreditar. Desviou os olhos do outro, e sentiu o queixo seguro pela mão menor. Os olhos azuis firmes nos seus.
— Confie em mim. Vou tirar a gente daqui. E vamos encontrá-lo.
— Naruto...
— Naruto! — a voz odiosa os interrompeu — Vamos brincar de caça à raposa!
O viu tremer ligeiramente. Mesmo ele tentando disfarçar, era claro o medo nos olhos azuis quando fitaram os seus. A voz de Tobirama estava mais perto do que haviam pensado. Ainda assim ele estava tentando ser forte, focar. O focar. A mão, que de tão pequena parecia tão frágil agarrou a sua e apertou com força.
Estavam feridos, traumatizados, cercados de todos os lados. Naquele ponto, não sabia se Tobirama iria os querer vivos, e se não, o quanto iria querer "brincar" com a comida antes de devorar. Havia rigidez muscular demais em Naruto para não denotar a dor que devia estar sentindo, e ele mesmo não era de muita utilidade, quase desmaiando pela perda de sangue, tentando sair do choque do que havia acontecido momentos antes. Não sabia de onde Naruto estava retirando a força para ficar de pé, e ainda o ajudar como fazia. Apesar da situação crítica, não conseguia não olhar Naruto, e não pensar no quanto o amava, no quanto o admirava naquele momento, por continuar lutando, e o induzindo a fazê-lo também.
Ele amava demais Naruto.
A expressão no rosto bonito se endureceu, os azuis faiscando determinados. O corpo pequeno se aproximou do seu, o apoiando em silêncio, enquanto retornavam a fuga.
A caçada havia começado.
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Ele estava cansado, ferido e com medo, mas não parava de correr. Uma névoa deixava toda a mata com um aspecto ainda mais aterrorizante, mas sabia que o verdadeiro terror estava logo atrás. Podia ouvir os passos em compasso com os seus. Era quase como se aqueles olhos o pudessem enxergar através de toda a névoa, lama e árvores. Eles estavam cravados em suas costas, brincando com sua sanidade.
Naruto nunca havia sido medroso. Na verdade, sua coragem beirava a insanidade. Ele também não entrava em lutas para perder submisso e morria antes de se entregar. Porém, isso era um ensaio totalmente diferente. Era ele contra um demônio, pois era aquilo que aquele inimigo era. Alguém como ele, não poderia ser humano, poderia? Com um prazer insano de machucar, ferir, para ter o que queria acima de tudo.
E ele queria a ele.
Naruto estava com medo, porque não sabia como lutar contra alguém que havia matado adolescentes como se fossem brinquedos que se esmagava facilmente antes de serem descartados. Alguém que havia o torturado de todas as formas possíveis que se podia torturar alguém.
Não, sem chance.
Naruto também estava com medo porque carregava Sasuke, o amparando no ombro, sentindo todo o cansaço de levar alguém maior que ele. Ele não podia perde-lo também. Já havia tido perdas demais.
— Só mais um pouco. — Sussurrou. — Aguente.
Sasuke balbuciou algo em resposta, mas não o compreendeu. Ele havia perdido muito sangue e Naruto sabia que ou encontrava a saída daquele lugar, encontrava seu pai, ou Sasuke morreria. Ele mesmo não estava em melhor estado: sentia seu corpo o traindo. Fosse o que fosse aquele poder, estava o destruindo e não sabia se conseguia mais parar o que havia iniciado.
Tropeçou e caiu levando o outro junto. Não tinha mais forças para correr e Sasuke não se movia. O arrastou para trás de uma árvore, o recostando nela com cuidado.
— Não feche os olhos, bastardo, não feche os olhos. — Pediu baixo com a voz trêmula.
Não me deixe também, Sasuke. Não faz isso comigo.
Os olhos negros o encararam e Sasuke sorriu minimamente, algo tão pouco usual seu que mesmo com toda a situação sorriu de volta.
— A gente vai conseguir sair dessa, Sasuke.
Sasuke assentiu, a expressão mais ausente. Naruto colocou a mão onde a faixa improvisada para tentar conter a hemorragia não parecia estar funcionando. Havia tanto sangue.
— Como consegue ficar de pé ainda? — Sasuke perguntou em um sussurro divertido. —Você não é mesmo desse mundo, hn?
Naruto sorriu e tocou dele suavemente, ignorando o rastro de sangue que estava deixando: —Não vou cair até livrar a gente dessa, eu prometo, você vai ficar vivo, eu sempre cumpro o que eu prometo.
Sasuke franziu a testa. Não lhe passou despercebido que ele havia prometido que Sasuke ia ficar vivo, mas não ele. Antes que pudesse falar algo ouviram a voz retumbando, perto demais.
Perto demais perto demais perto demais.
— Era uma vez, um lobo mau e uma raposinha. E esse lobo adorava brincar com raposinhas rebeldes. — Naruto tremeu ao ouvir aquela voz e sentiu o pânico lhe tomar. Sasuke segurou seu rosto entre as mãos, o olhando fixamente.
"Mantenha a calma, estou aqui."
Assentiu, controlando a respiração a todo custo. Não podia entrar em pânico. Não havia mais tempo para cometer mais nenhum erro.
— Essa raposinha tinha olhos azuis e adorava se rebelar. Onde está minha raposinha fujona?
Os olhos de Naruto endureceram com determinação novamente. Ele ia acabar com aquilo de uma vez por todas. Não podia fraquejar agora. Tirou do bolso o rádio comunicador e deu a Sasuke. O outro garoto o olhou sem entender, cansado demais para se mexer. Naruto se inclinou sobre ele e sussurrou em seu ouvido.
— Quando terminar, fale com meu pai, faça eles virem buscar você Sasuke. E diga a ele que os amo.
Sasuke arregalou os olhos, mas antes que pudesse dar um dos seus ataques e entregar a localização dos dois, Naruto o beijou, como nunca havia beijado antes.
Para ele, era o último beijo dos dois, tinha que dizer tudo nele.
Enquanto o beijava pensava em como havido parar naquela situação toda, naquela história trágica. Até meses atrás era só um estudante rebelde com problemas de comportamento, expulso do antigo colégio e obrigado a vir para um colégio interno no meio do nada. Ali ele conheceu Sasuke, que mudou tudo, que agora era o ponto onde a órbita de todas as coisas parecia girar na sua vida. Sasuke, que havia odiado, respeitado, temido e agora... agora o amava. Conheceu também Itachi e toda a história que os cercava, que os marcava, que os tornava o saco de pancadas do destino.
Nos últimos meses Naruto conheceu o ponto mais alto da felicidade que já havia experimentado e conheceu também o ponto mais alto da dor.
E agora, iria conhecer sua morte.
— Achei minha raposinha.
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Tobirama era um homem paciente, e sempre tinha o que conseguia. Sabia que não tinha muito tempo até Minato chegar ali, seus homens, o que restara deles, estavam tentando segurar o Namikaze o quanto podiam, mas o conhecia o bastante para saber que logo ele estaria ali.
Era uma pena, queria prolongar aquela caçada, aproveitar o terror dos dois garotos ao máximo.
No entanto, quando o garoto se virara para si, o corpo pequeno e tenso a frente do outro adolescente caído, o protegendo, não havia terror algum nos olhos azuis. Eles faiscavam, em fúria, determinação. Antes mesmo da mão se erguer esperou o impacto que o jogou para trás.
Então ele ainda tinha seus truques. Mas não forte o bastante, o impacto não o jogou tão longe. Logo estava de pé, arma em punho. Esperava que ele tivesse voltado a fugir, mas ele o esperava no mesmo lugar. Dessa vez sozinho.
— Escondeu seu Uchiha. Naruto?
Sorriu de modo falsamente gentil. O menino nem mesmo piscou. Estava ali, desarmado, ferido, o rosto cansado apesar que querer aparentar que não, mas agia como se fosse superior. Tobirama riu.
Ele era mesmo maravilhoso.
— Tenho certeza de que usou aquela sua voz de comando nele. Aposto que ele não ficará nada feliz quando sair dela.
— Você vai estar acabado até lá.
Seu sorriso alargou. Ouviu farfalhar ao redor, e sabia ser seus homens, alguns surgiram atrás de si, armas em punhos, os cercando.
— Vão atrás do outro garoto. — Ordenou sem se virar.
— Não!
— Sua voz não funciona neles, Naruto.
— Mas isso sim. — Um dos homens que se movia para o obedecer voou longe, batendo em outro. Tobirama se abaixou a tempo de sair do caminho.
Árvores foram arrancadas ao redor, formando uma barreira, que não iria detê-los, mas os faria perder tempo. Franziu o cenho, se irritando.
Ele era mesmo tão irritante quanto o pai.
O garoto caiu de joelhos, tossindo. Sangue descendo pelo seu queixo.
—Tanto esforço para salvar alguém que o deixa sozinho para lutar. — Provocou.
Se aproximou e seu corpo paralisou por instantes, como se lutasse contra uma barreira. Que logo se quebrou. Parece que o garoto estava acabado.
Se colocou de joelhos de forma teatral, lentamente, segurando aquele rostinho bonito e que o olhava com tanto ódio. Ele tentou o estapear longe, mas não havia força nenhuma naquele corpo para resistir.
— Parece que você vem comigo, vamos nos divertir muito.
Sentiu uma dor aguda na lateral do corpo, olhou para baixo e um dos seus punhais estava cravado ali. O maldito havia pegado do seu cinto. Olhou para cima, as mãos ainda no rosto do garoto que sorria minimamente.
Maldito.
Antes que ele torcesse o metal em seu corpo o soltou, o estapeando com força o bastante para que ele fosse ao chão. Ergueu-se vendo o estrago. Se não estivesse usando proteção, o garoto teria o derrubado.
— Você é mesmo uma coisinha cheia de truques.
Removeu o punhal, limpando o sangue em sua calça. O garoto tentou se afastar no chão, mas pisou em seu peito, o segurando no lugar. O rosto abaixo de si estava pálido, sangrando, e ainda assim ele o olhava de forma desafiante.
— Vou quebrá-lo, Naruto. Totalmente. E vou aproveitar cada parte disso.
Foi quando ouviu o silvo. Por puro reflexo desviou a tempo, afastando-se minimamente da faca que vinha em sua direção. A arma voou, cravando na árvore atrás de si. Olhou para trás, se deparando com os olhos acinzentados em um rosto sujo de sangue. O sangue que não era o seu. E pela quietude ao redor, seus soldados estranhamente ausentes, sabia de quem era.
— Nagato, parece que andou derrubando meus homens. Não gosto disso. Eles iam capturar um Uchiha para brincarmos.
—Afaste-se dele.
Apertou o pé com mais força, e ouviu um gemido abafado abaixo de si.
Sempre quisera lutar com o Uzumaki ruivo. Desde que o vira treinando pela primeira vez, apenas um moleque. Sempre quisera derrubá-lo. Destruí-lo fisicamente, como vinha o destruindo mentalmente usando Naruto nos últimos meses.
Finalmente tinha a oportunidade.
—Venha buscar.
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Sasuke não podia acreditar que Naruto havia feito aquilo. Usado a maldita voz para que o deixasse sozinho com aquele monstro. Gritou. Esmurrando uma árvore e se apoiando nela. Estava confuso com a perda de sangue, sem saber em que direção correr para retornar. Não havia sons de tiros, nada para o guiar. Sabia que estava perto dos três rochedos, mas não conseguia nem sequer se mover.
— Naruto! — seu grito saiu mais como um murmúrio, seu corpo desabando. Olhou para cima, as árvores impedindo que ver o céu. Sabia que estava morrendo.
Grasnados ao redor o fizeram virar o rosto, se deparando com olhos negros o fitando. Um corvo descia das árvores. Havia vários deles, agora notava. A floresta estava repleta das aves, que pareciam atentas. Esperando.
Sentiu um arrepio percorrer sua espinha, sabendo bem o que aquilo podia significar.
Não, não pode acabar tudo assim. Ele não...
Ouviu o som do riacho próximo, lembrando do que Naruto havia dito. Com um último esforço pegou o rádio que apertava em seu punho. Apertou o botão e no lugar dos ruídos da desconexão, dessa vez havia estática.
— Naruto. – Murmurou, o único nome que lhe vinha à cabeça no momento. A única coisa. Tinha que salvá-lo.
— Quem está na escuta? — Uma voz que havia atribuído ao pai de Naruto respondeu de imediato. Estava ofegante e dura.
— Sa... — Sentiu lágrimas de frustração descendo pelo seu rosto. Sua língua não trabalhava. — Ri..acho. Rochedos. Três...roch...
Soluçou. O homem falava alguma coisa, mas sua voz já estava distante.
— S.salve...Na...
O rádio caiu de sua mão, seus olhos piscando molemente, se fechando.
Só esperava ter sido o suficiente.
.......................
Não se mediram por muito tempo. Sabia o estilo de Nagato: Agressivo como o do sobrinho. Direto e com força bruta. Sabia que ele estava tentando o afastar do menino, ainda no chão, o fazendo recuar. Sorriu.
Nagato era bom, tinha que admitir, mas nunca fora páreo para ele. O único que fora alguma vez havia sido o velho Jiraya.
— Decepcionante. — Zombou, seu punhal passando pelo rosto do outro, tirando sangue.
Os dois lutavam com armas de corte, nisso eram parecidos. Estava armado, mas não via diversão maior. Até mesmo o risco de Minato chegar não superava aquilo. O de deixar o corpo de Nagato mutilado para que encontrasse.
Mais um golpe, dessa vez no braço do garoto. Seu braço dominante. Outro em seu ombro. Se deleitou com o grito. Ele não duraria muito. Era bom o bastante para derrubar seus homens na surdina, mas ali, ele não ganharia, não desarmado como estava. Ele nem mesmo estava usando proteção. Mais um golpe na lateral, sabia que havia vencido.
— O ama tanto ao ponto de se matar aqui, Nagato, vir me enfrentar desarmado, e sozinho?
Sorriu vitorioso, agora mirando na carótida desprotegida, quando sentiu uma dor aguda em suas costas. E outra ainda mais forte quando o objeto dentro de si girou.
— Ele não está sozinho.
Rangeu os dentes. Não imaginava que o menino podia ainda ficar de pé, depois de tudo. Chutou Nagato longe e se afastou do garoto, que puxou a faca que havia removido da árvore, de seu corpo.
Sem a proteção, estaria morto. Mesmo com ela o golpe o desestabilizara. Olhou ao redor, os dois Uzumakis se colocavam de pé, cada um com uma faca, os rostos tão diferentes, e ao mesmo tão parecidos. Parecia que havia os subestimado, afinal.
— O que seu pai diria de vê-lo lutando ao lado de um traidor, Naruto? — zombou, ofegante.
O garoto não respondeu a provocação, a lâmina perto de seu rosto, a expressão cansada, mas os olhos dele estavam selvagens. O rosto sujo de sangue, seu sangue. Os cabelos loiros ao redor do rosto que parecia brilhar.
Fora o mais lindo que o vira em todo aquele tempo.
Atacou.
..................
Naruto sonhara com aquele dia quando menino. O dia que poderia lutar ao lado de seu tio Naa. Que os dois se olhariam de forma cúmplice, os dois sabendo os passos um do outro sem nada precisar dizer.
Aquele Naruto que era havia morrido há muito tempo. Nenhum dos dois era o mesmo. Naquele momento ele não pensava em nada além de matar Tobirama. Encontrar Sasuke. Salvar Itachi. Retornar para seu daídi e sua mam, se possível.
Os dois estavam sincronizados. Eram mais fracos, estavam acabados e mais feridos, mas juntos estavam conseguindo fazer o homem recuar. Era como treinar com seu avô de novo. Os movimentos, a fluidez, a cumplicidade.
Por isso quando Nagato deu o bote, se moveu no momento certo e tinham Tobirama no chão. Foi bem a tempo de ouvirem gritos ao longe. O chamando.
Seu daídi havia chegado.
Seu tio girou a faca, pronto para finalizar o outro, os olhos duros. Eles não esperavam, por isso quando os tiros vieram, paralisou. Por um instante não sabia o que havia acontecido. Não sabia que Tobirama, ainda no chão, havia finalmente sacado a arma, cansado de brincar com os dois. O primeiro tiro foi seguido de mais dois. O corpo de seu tio se sacudiu, a faca deslizando de suas mãos.
Ele caiu diante de seus olhos. Olhou em choque, apenas tendo tempo de aparar o corpo. O som dos tiros apenas ecoando em sua cabeça, e por toda a floresta. O peso o levou ao chão junto, mas não se importou.
Nada mais o importou naquele instante. Esqueceu Tobirama que olhava a cena do chão, sorrindo. Esqueceu seu instinto de sobrevivência. Esqueceu a voz de Aeron na sua cabeça. Tudo.
—Naa...
Sussurrou em choque, passando as mãos trêmulas no rosto pálido em seu colo, seu corpo inteiro trêmulo. Os olhos cinzentos se focaram nos seus, e a mão ensanguentada subiu para seu rosto. Não conseguia chorar, falar, respirar.
—You are my sunshine, my only sunshine...you m.make...
Sentiu um nó na sua garganta ao ouvir a voz trêmula. Aquela era a música que sua mãe sempre cantava para os dois. Era a música deles. A música que Nagato tanto amava cantar para ele quando sua mãe saia e ele ficava com medo.
— ...ke me h.happy when the skies are grey....
A voz do tio era ainda a mesma voz suave, a mesma voz que parecia acabar com todos seus medos. A mesma voz que tanta amava.
— You never know d.dear, how...how much I love you...
Ele parou, a voz abafada pelo sangue que saia de sua boca, tossindo. Naruto sorriu, as lágrimas já caindo, e com a voz trêmula, ainda a voz mais bonita que Nagato ouviria na vida, continuou a música.
— P.please don't take my sunshine away...
O tio sorriu, os olhos cinza perdendo o brilho, se fechando. Até não restar nada.
Na sua cabeça, veio o lamento da banshee. Agudo, poderoso. A roupa com o símbolo Uzumaki no riacho. Não era ele.
Era Nagato, o tempo todo, era seu tio Naa...
— Naa? — Chamou o sacudindo de leve, sua voz baixa e frágil.
—Ele se foi, Naruto.
Ergueu os olhos cheios de lágrimas para o homem de pé, alguns metros a sua frente. Não sabia o que sentir. Todos os sentimentos dentro de si se tornavam um furacão, como nunca havia sentido antes. Tudo junto. Sasuke, Itachi. Obito. Seu gigante. Gaara. Todos os adolescentes. Seu avô. Tio Naa. Todas as vidas, tudo destruído.
Tudo destruído.
—Bem mais limpo de como eu queria.
Encarou o homem, que sorria.
Naruto...Pare...
Todo o barulho morreu ao redor na floresta, como se os animais soubessem o que acontecia ali.
Corvos voaram das árvores como uma nuvem escura.
Havia gritos na sua cabeça. Cenas de guerra e carnificina. Sangue e morte. Podia sentir o poder, a sede que o consumia, que o tomava para um caminho que sabia ser sem volta.
Não! Pare!
Como Castiel, Naruto aceitou ser consumido.
......................
Tobirama fitou o garoto estranhamento silencioso com curiosidade. Notou o chão tremer abaixo dos seus pés. Algo repentinamente saltou da terra e tentou o segurar, sendo salvo por seus reflexos rápidos. Olhou alarmado que era uma raiz, se desenterrando como uma cobra em sua direção. Voltou a fitar o garoto, e o rosto dele se ergueu de onde estava enterrada no peito do tio morto. Esperava os olhos azuis furiosos. Não esperava os olhos cinzentos no rosto mortalmente pálido.
Quando o garoto finalmente gritou, não era sua voz, mas um som animalesco que verberou por toda a floresta.
O chão começou a tremer abaixo dos seus pés, fissuras surgindo na terra. Tentou se equilibrar e sentiu algo agarrar seu tornozelo. Ao partir a raiz com uma faca, tentando sair do alcance das demais, seu pulso foi seguro por outra.
—Merda.
Não tinha tempo de brincar naquele momento, não podia hesitar. Aquilo havia saído totalmente do seu controle. Se lamentando por todo o trabalho perdido pegou a arma com a mão livre e mirou no garoto, que continuava sentado com o homem em seus braços, os olhos cinzentos de forma sobrenatural e apáticos o fitando.
Disparou em sucessão, dando um grito frustrado quando viu mais raízes surgindo do chão, protegendo o garoto, que agora se erguia lentamente. A arma foi arrancada de sua mão, sentiu um agarre em seu outro braço, seus pés, seu torço. Estava totalmente imobilizado e suspenso no ar.
O maldito garoto se colocou a sua frente, a mão suja de sangue se movendo e sentiu o aperto no seu corpo. O ar pareceu mais rarefeito, uma força dolorosa o fazendo arfar. Nunca havia sentido dor como aquela.
—Você perdeu sua chance.
A voz saiu distorcida, como se fossem várias pessoas falando ao mesmo tempo. Havia sangue escorrendo dos olhos cinzentos, da boca que se abria em um sorriso assustador. Viu perplexo o corpo pequeno se contorcer em espasmos, fissuras se formando aos pés dele, o corpo parecer explodir de dentro para fora em uma energia que o cegou por instantes, ouvindo apenas o grito animalesco no seu despertar. Árvores foram arrancadas ao redor, sentia como se uma bomba tivesse explodido a sua frente.
As raízes afrouxaram, e pensou por um instante que teria uma chance ali, até sentir seus membros serem esticados para longe do seu corpo. Gritou ao sentir seus ossos estalarem, as articulações sendo deslocadas, e ainda assim a força continuava a puxando em direções opostas.
'Eu vou matar você, Tobirama. Bem antes que você encoste no meu pai. É uma questão de tempo.'
Diante da dor sentiu algo tentar entrar em sua boca, que tentou fechar em vão. Raízes penetraram sua garganta, o sufocando, o rasgando por dentro ao entrar em seu esófago e procurando uma saída em seu peito.
'Me condicione o quanto quiser, uma hora o cachorro que você criar, vai mordeu a mão do dono. Devia me matar logo.'
Quando a raiz saiu de seu peito, levando junto seu coração, a última coisa que viu foi a besta o fitando firmemente. A última coisa que ouviu foram as palavras dele ecoando em sua cabeça.
'Diga oi a Morrígan por mim, Tobirama.'
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Fugaku encontrara Sasuke primeiro. Seu instinto paterno o levando ao lugar certo. O garoto estava caído perto de uma árvore. Seu garoto. O rosto tão pálido que por um momento achou que havia chegado tarde demais.
Se ajoelhou ignorando todo o resto, encontrando um pulso, muito lento, mas ainda estava lá.
— Temos que levá-lo ao helicóptero. Ele perdeu muito sangue. Tio Fugaku! — Shisui o tirou do transe enquanto fazia os exames de emergência iniciais. — Agora mesmo. O pegue nos braços, assim. Cuidado com o ferimento dele, tem que continuar o comprimindo.
O obedeceu, ignorando tudo ao redor até tê-lo nos braços da melhor forma que conseguiam o colocar, não tinham tempo de esperar um paramédico chegar ali, precisavam o levar até ele.
—Há tantos corvos aqui. — Alguém comentou ao seu lado, os agentes que estavam fazendo o perímetro retornando.
— Itachi... — perguntou, segurando melhor Sasuke. — Encontraram Itachi?
— Nada ainda. Mas vamos encontrá-lo.
Vivo. Só esperava que vivo.
Seu filho se moveu, os olhos abrindo, os surpreendendo. Naquele estado ele não deveria estar consciente.
—Sasuke...Vai ficar tudo bem, filho.
Os olhos dele estavam desfocados, como se não o visse. Caminhou mais rápido. Minato havia continuado em direção ao rio, em direção aos tiros que ouvira minutos antes.
Seu filho gemeu baixo, e então seus olhos se arregalaram.
E ele gritou.
....................
Fora como uma explosão, mas não havia fogo algum. Alguns dos homens foram jogados longe pela força do impacto. O som também havia sido diferente. Aquilo não era um som de um explosivo, mas de um animal enfurecido.
Foram segundos apenas, arvores ao redor sendo arrancadas como em um furacão.
— Segurem!
Logo depois vieram os gritos sufocados.
Sabia. Apenas sabia que seu filho estava ali, em meio aquilo tudo. Avançou enquanto outros eram arrastados. Quando chegou perto da clareira, que parecia ter sido recentemente formada, a cena que viu era o que jamais havia esperado.
Raízes retorcidas saiam do chão, pontiagudas como lanças no centro da cratera que havia se formado. Corvos, os únicos animais que pareciam não ter fugido da região estavam pendurados nelas fazendo a cena ainda mais grotesca, pois havia um corpo empalada ali. O sangue jorrando pela madeira no chão, conseguia notar que no centro havia apenas o tronco e a cabeça, os membros arrancados e intricados entre as raízes. Dali, ele parecia irreconhecível demais para ter uma ideia de quem teria sido.
Havia outro corpo no chão, esse inteiro, e dali podia ver os cabelos ruivos. Não precisava ver o rosto para saber quem era, e seu coração apertou, um soluço quase saindo engasgado de seu peito.
Ele sabia. Apenas sabia que era Nagato. Arma em punho, tentou se aproximar do corpo, verificar se ele estava vivo apesar de todo o sangue que via ali. Antes que pudesse se aproximar um passo se quer, o animal surgiu por trás do emaranhado de raízes, se colocando a frente do corpo e rugindo em sua direção, com fúria.
Por um momento pensou que fosse um urso, mas a aparência era de um lobo ou raposa. Exceto que não existiam raposas daquele tamanho. Ou mesmo lobos. O animal era maior que qualquer urso que já vira. A pelugem era dourada. A cada rugido o chão tremia abaixo de seus pés. Tudo ao redor silenciava. Os pássaros, até mesmo o som do riacho. Era como se tudo se curvasse perante a besta ali.
Pegou sua arma com mais força. Mais homens chegavam a seu lado, também com as armas apontadas para o animal que continuava rugindo. E foi quando notou os olhos. Azuis. Os olhos azuis dele.
Minato era um homem cético. Mas ele apenas sabia. Contra toda a lógica ele sabia. Era como se seu pai, ali, lhe sussurrasse aquilo que havia lhe dito ainda menino, antes de saírem da Irlanda.
"Não existe lógica dos homens, na lei dos deuses, Minato."
— Parem! — gritou a seus homens, que o olhavam como se fosse louco. — É uma ordem. Não atirem!
Soltou a arma no chão, as mãos de frente ao corpo. O animal o seguia com o olhar. Um dos homens se moveu para mais perto e ele rugiu, furioso.
Assustado.
— Ei, olhe para mim. — pediu, entrando na cratera.
— Sr. Namikaze! — ouviu alguém gritar.
— Fiquem! — ordenou. Os azuis estavam nos seus novamente. Havia dor ali, tanta dor. — Está tudo bem. Vai ficar tudo bem.
Quando finalmente chegou mais perto e ergueu a mão, cauteloso, o animal abaixou a cabeça enorme. O corpo abaixo da sua palma tremia, se curvando. Um gemido piedoso demais para ter vindo de um animal tão majestoso fez seu coração doer no peito.
E ele apenas sabia.
— Daídi está aqui. — Murmurou. E foi o que bastou. O corpo caiu no chão pesadamente, como se não suportasse mais seu próprio peso. O impacto fez a terra tremer abaixo de seus pés e sua mão foi ao flanco onde sentiu a respiração dolorosamente forçada.
Viu, entre fascinado e horrorizado o pelo sumir, o animal se encolher de forma agonizada. E em segundos, não havia raposa alguma. Havia o corpo pequeno, nu e machucado de seu menino. Dessa vez soluçou ao cair de joelhos, o pegando nos braços. A respiração dele estava ainda mais forçada, os gemidos dolorosamente baixos. Os olhos azuis desfocados e em agonia estavam nos seus.
Alguém gritou ordens de cima da cratera, mas mal ouvia. Os olhos estavam apenas nos do seu filho, que ganhavam vida aos poucos, o reconhecendo enquanto focavam.
— Daídi. — O sussurro era tão doloroso, mas era seu filho ali. Vivo.
Sorriu entre as lágrimas, sentindo a mão gelada em seu rosto, como se ele não acreditasse que ele estava realmente ali. Ele mesmo não conseguia acreditar.
— Eu disse que viria te buscar, vamos para casa. Grá mo Chroí.
Um pequeno sorriso. Os olhos azuis transbordaram, e alarmado notou de imediato que não eram lágrimas.
Era sangue.
Seu coração gelou.
—Tragam uma maca!
O gemido alto de dor pareceu ecoar dentro de si. O corpo pequeno do seu filho começou a convulsionar em seus braços, os olhos arregalados reviraram nas órbitas, ele se debateu, sangue saindo de sua boca, nariz, dos seus olhos.
Quando o tirou da cratera, ele não respirava.
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Solas na gréine — raio de sol, sunshine
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