Beannacht
As coisas teriam sido diferentes, se fosse o eu de meses atrás naquele momento?
Eu não me impeço de pensar nisso.
Meses atrás, o que eu tinha, o que eu era? Uma relação que estava quebrado com meus pais ao longo dos anos de tantas mentiras, nenhum amigo, e um medo absurdo de ter algum relacionamento com qualquer pessoa e acabar a perdendo. Eu era quebrado demais, cego demais a tudo. Eu havia deixado de acreditar.
Eu havia desistido.
Tudo o que passei havia sido difícil, um inferno. E ainda assim, tudo o que havia conseguido no processo...eu era uma pessoa completamente diferente. Mais calejado e cínico, mas também tão mais forte. Eu tinha algo a esperar no meu futuro. Eu queria fazer as coisas certas com minha família, eu tinha amigos que queria rever, e eu tinha Sasuke. E eu não ia desistir disso tudo sem uma luta, eu não estava mais sozinho.
Então, é, talvez meses atrás tudo aquilo seria diferente.
Naquele momento, eu não ia aceitar perder mais nada, renunciar a mais nada.
Eu tinha uma boa razão para lutar.
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KUSHINA HAVIA ACABADO DE ATENDER A MAIS UM FERIDO quando a maca entrou. Minato estava logo atrás, as vestes ensanguentadas. Tudo pareceu silenciar ao seu redor. Ergueu-se de onde estava, outra pessoa assumindo seu lugar enquanto caminhava, andando rapidamente em direção ao marido, atordoada, procurando ferimentos que poderiam ter causado todo aquele sangue.
E então ela viu quem estava na maca.
E dessa vez ela correu, desviando das pessoas no hospital lotado. Quando alcançou a maca, suas mãos de imediato foram ao filho. Havia sangue, mas nenhum ferimento visivelmente grave o bastante para ser o motivo.
— Ele parou de respirar, o fiz voltar no helicóptero, mas ele não acordou mais. — A voz de Minato estava trêmula como poucas vezes havia ouvido.
Não o olhou, não querendo perder a concentração, vital para a situação. Enquanto o examinava, o corpo convulsionou na maca de forma violenta, quase caindo. Minato a ajudou a segurá-lo durante a crise, segurando sua cabeça, colocando um pano entre os seus dentes, que logo estava ensopado de sangue. Quando ele parou, estava imóvel.
Imóvel demais.
Colocou a mão no peito dele. E então o estetoscópio. Nada. Nenhum som. Começou a fazer a manobra de ressuscitação cardíaca. Sem precisar dizer nada, Minato estava soprando ar em seus pulmões, enquanto fazia pressão contra o peito do filho dos dois, tentando fazer seu coração voltar a bater.
Não estava funcionando.
—Desfibrilador! — gritou para uma das enfermeiras que vieram em seu socorro. Minato empurrando a maca em direção a máquina portátil que a mulher trazia. O hospital lotado demais de feridos para o levaram para a sala de emergência. Não havia tempo para nada. Aplicou o gel condutor, sincronizou a máquina em 200 joules, ajustou as placas na caixa torácica do filho, e em uma oração desesperada, acionou.
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Havia tanta agonia. Uma dor como nunca sentira antes tomava seu corpo, lhe firmando e prendendo nele. Por isso ao sentir o alívio repentino arregalou os olhos azuis, procurando ao redor atordoado.
Primeiro viu preto. Tudo era escuro. Não havia em cima ou embaixo, apenas o nada. Seus lábios tremeram, não queria ficar ali.
— Daídi... — sussurrou, procurando. Seu daídi havia vindo o buscar, o levar para casa, mas estava sozinho. Estava sozinho. Tão sozinho.
— Está tudo bem, mate.
Nem tão sozinho. Olhou para trás alarmado ao sentir uma mão fria em seu ombro. Viu um sorriso largo em um rosto conhecido, e ao mesmo tempo não. O cabelo era um pouco mais escuro, os olhos mais esverdeados que azuis. Era ele, mas mais velho do que imaginou que chegaria nos últimos tempos.
— Aeron? — perguntou, confuso, mesmo sabendo que não, aquele não era Aeron. O homem sorriu mais largo, e podia notar que havia mais deles; sombras se formavam ao redor dele. Conseguia contar quatro delas, criando forma.
— Nam, mate. — O homem sorridente apertou seu ombro, o ajudando a se erguer de onde estava ajoelhado. — Tenho um senso de humor melhor do que o Sr. Deus do massacre. Steve, as ordens.
— Steve... — olhou confuso, não se impedindo um pequeno sorriso ao fitar o outro. Atrás dele uma das figuras acenou, também sorrindo.
Podia os ver bem agora, mais claramente. Olhando assim, podia ver que os rostos eram mais diferentes do que pensava, talvez por todos serem mais velhos do que ele. O mais perto da sua idade era um garoto visivelmente mais novo do que ele, mas mais alto e esguio, com uma cicatriz acima do olho. Ele lhe sorria de forma triste, como se não soubesse como sorrir direito. Era Isaak.
Reconhecia Rodolfo pelo olhar bondoso, os cabelos ainda mais escuros do que os de Steve, caindo por cima dos olhos muito azuis, sardas por todo seu rosto o faziam parecer bem mais jovem do que era. O sorriso de Ian era menor, os cabelos cacheados uma bagunça e uma barba que o fazia lembrar um viking. Ele era o mais alto (muito alto) e forte de todos e havia algo protetor nele, na forma como se firmava atrás dos demais, que lhe lembrava muito seu daídi.
Castiel era o mais difícil de olhar. Ele era o mais bonito de todos, uma beleza estonteante, a pele pálida e os olhos de um azul quase violeta que nunca havia visto na vida. Quando piscava, podia ver queimaduras surgindo e sumindo do rosto perfeito. Ele não sorria, mas havia algo no olhar dele, o fitando de forma firme, mas com certa suavidade que sabia que ele não estava com raiva. Não dele.
— Merde. — Ian xingou o fitando com os olhos um pouco arregalados. — Ele parece mais novo do que o Isaak. Deve ter uns doze anos.
Apesar da situação, Naruto enrugou o nariz, ofendido. Ele tinha quase vinte anos, muito obrigado.
— Ele é tão pequeno...por que ele é tão pequeno? Nenhum de nós é pequeno.
Sim, definitivamente se sentia ofendido.
— Pessoas crescem Isaak...Deem espaço, ele está confuso.
— É você que está em cima dele Steve! Oi, eu sou Rodolfo. Não precisa ter medo tudo bem? Awn, ele enruga o nariz que nem o Ian!
— Mas nele é adorável.
— Ei!
— Vocês... — murmurou atordoado. E então algo clicou em sua mente e arregalou os olhos, os lábios ainda mais trêmulos. — Eu morri?
Os outros se entreolharam, mas foi Steve que falou, a mão ainda em seu ombro.
— Nam, mate. – Ele sorriu mais largo, os outros ao redor fazendo o mesmo. Até Castiel deu um sorriso pequeno. — Você está dando aquela desgraçada da Morrígan a luta da existência dela.
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Tinha uma vaga ideia de que Fugaku estava do seu lado minutos atrás. Haviam encontrado Itachi, finalmente. Os detalhes, não conseguiu se ater. Apenas que o rapaz estava em estado grave.
Assim como seu filho.
Passou as mãos nos olhos, de olho na porta. Ninguém viera lhe pedir por relatórios, todos sabiam do perigo disso no momento. Seu filho havia entrado ali com sua mulher após ela conseguir fazer seu coração voltar a bater, e não havia saído. Há horas. Uma outra médica havia entrado para assumir devido ao conflito ético, mas Kushina não havia saído de lá.
Nunca fora uma pessoa especialmente religiosa, mas naquele momento ele rezou, para qualquer deus que pudesse o ouvir. Por seu filho.
Por seu Naruto.
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— Aeron?
— Sr. Deus do Massacre está tentando te manter vivo, mate.
— Aeron te ama muito, carinha. — Ian colocou a mão enorme em sua cabeça, o fazendo Naruto se sentir um pigmeu perto dele, mais do que nunca na vida. — Ele não vai deixá-la te levar também sem uma boa luta.
Tentou sorrir, mas sentiu uma dor aguda percorrer seu corpo. Sentiu uma mão fria enorme massageando suas costas enquanto tossia. Havia tanto sangue. Então não estava livre da dor ali? Mesmo inconsciente?
— Merde. Ele não tem muito tempo.
— Isso... — olhou o sangue em suas mãos, que sumia e voltava a surgir, assim como os ferimentos nos outros sentados ao seu redor. — Isso é um sonho?
— Talvez seja. — Rodolfo comentou. Empurrando Ian e colocando uma mão reconfortante em seu cabelo. Ele parecia o mais cuidadoso de todos os outros. Lembrava um pouco sua mãe. —Você está morrendo, seu corpo está lutando para o deixar vivo. Talvez sejamos apenas alucinações causadas pela falta de oxigênio em seu cérebro.
— Rodolfo é metido a médico. — Steve interrompeu, ignorando o outro que resmungou algo baixo em resposta. — Ou ficamos para trás por causa da maldição, só podemos nos libertar quando ela for quebrada e por sua ligação mais forte com Aeron você pode nos ver enquanto luta selvagemente por sua vida.
— Vocês dois. — A voz de Castiel era mais dura, mais firme. — Parem de tentar o confundir. Isso não importa. O que importa é que vai acabar logo.
— Isso soou meio mórbido, Cas. — Isaak sussurrou, a voz mais jovem e um pouco temerosa. — Mórbido demais.
— Depende dele. — Castiel continuou. — O deus pode tentar o salvar, mas tudo depende dele. Não podemos o obrigar a sofrer assim, se ele não quiser. No fim tudo isso vai acabar de uma forma ou de outra. Depois de tudo o que aconteceu, de tudo que sabe que o espera, e o que não sabe se o espera...
Sasuke e Itachi estariam vivos ainda? Será que os perdeu também?
—...Quer continuar lutando?
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Itachi havia sido encontrado na costa, próximo as pedras. Pelo estado na sua perna, e dos ossos quebrados pelo corpo, alguém o teria removido do mar, não sabiam quem. A perna não seria amputada, mas não teria mais muita função também.
Isso, se ele acordasse.
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Haviam o trazido em choque pela perda de sangue, feito a transfusão e removido o projétil. A bala havia passado limpa, perto de órgãos vitais, mas sem tocá-los.
Não havia ossos quebrados, a não ser algumas costelas que não pareciam ter cicatrizado de forma adequada, e algumas trincas em alguns ossos, de semanas ou meses.
Ainda assim, Sasuke parecia em um estado de dor tão intenso, que tinham que mantê-lo sedado, em coma induzido. Ninguém conseguia entender de onde surgia essa dor, e nenhum analgésico, nem mesmo morfina pareciam surtir o efeito desejado. Não sem uma causa específica.
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— Eu vou continuar lutando. — Depois de tudo, não era agora que ele ia se deixar derrubar. — Eu não vou desistir.
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Kushina nunca havia visto nada como aquilo. Nenhum dos médicos na verdade. Haviam procurado por substâncias tóxicas que podiam estar causando aquilo, mas nada havia sido encontrado. Havia ossos mal cicatrizados. Costelas que haviam sido fraturadas muitas vezes. Cortes por seu corpo, queimaduras, sinais de tortura.
Haviam torturado seu filho.
E o que o estava matando não era isso: Eram os danos internos, em todos os seus órgãos. No ritmo que seguia, ele logo estaria em diálise, os rins danificados demais. O dano no fígado já era extenso. Tinham que remover líquido da caixa torácica regularmente. Seu sangue não coagulava, as hemorragias eram cada vez mais difíceis de serem contidas. Três paradas cardíacas. Se continuasse assim, ele não duraria muito.
E o pior de tudo, ninguém conseguia encontrar a causa.
Seu menino estava em agonia. Estava em um ponto que deixa-lo inconsciente era a coisa mais misericordiosa a se fazer.
Tinha que encontrar a causa. Ou eles iriam perdê-lo.
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Saíra da UTI exausta. Não dormia há quase 36 horas. O hospital ainda estava um caos, muitos dos pacientes haviam sido transferidos para outros hospitais pela superlotação. Haviam perdido alguns. Repórteres eram contidos nas portas. Não sabia o que estava acontecendo lá fora, apenas o que lhe fora passado por Minato, que nunca lhe escondera muito.
O internato havia ido ao chão na madrugada de 12 de dezembro. Para o público comum, primeiramente havia sido passado como um incêndio acidental. Por sorte, era na época de recesso de Natal, a maioria dos alunos haviam partido dias antes. Ainda assim, pelo menos 12 alunos haviam sido feridos gravemente. Cindo deles não havia resistido. O número de corpos encontrados, no entanto, era bem maior. Muito maior. A maioria eram agentes sem nome, sem rosto, sem nenhum passado. Ninguém para reclamar da sua morte. Essas informações não eram passadas para imprensa.
Um dos corpos não reclamados era do seu irmão mais novo.
Segurou as lágrimas de forma dura. Não poderia fraquejar agora. Não fraquejara quando fora levada ao IML, saindo diretamente da sala que acabara de trazer o filho de volta de mais uma parada, para ver o corpo do irmão naquela mesa fria.
Haveria tempo para chorar depois. Haveria tempo, mas...Por que era tão difícil suportar agora?
Recostou-se na parede de um dos corredores, incrivelmente vazia. Removeu a touca branca e fechou os olhos, respirando fundo. Deslizou para o chão, sentando-se, olhos fixos na parede, até os sentir embaçar e os fechar com força.
Não podia fraquejar agora. Seu filho dependia disso, outros dependiam disso. Os dois filhos de Mikoto. Os outros cinco adolescentes ainda correndo risco. E os demais, tantos outros. Jovens. Praticamente crianças ainda. Sem família, sem ninguém para vir reclamá-los, que haviam trazido para aquele hospital, por seu um dos mais sigilosos.
—Kushina.
Abriu os olhos ao ouvir a voz acima de si, e os ergueu, encontrando os conhecidos olhos azuis de Minato. Ele ofereceu um copo descartável de café em silêncio, sem falar nada sobre seu rosto manchado de lágrimas. Sentou-se a seu lado no chão, a camisa sem o terno, a gravata frouxa. Olheiras no rosto. Provavelmente havia vindo direto da agência de novo, tentando conter o caos que havia se abatido.
Bebericaram o café em silêncio. Recostou a cabeça no ombro dele, procurando conforto, ao menos naquele momento.
—Como estão as coisas do seu lado? — perguntou tentando usar um tom leve, a voz trêmula demais para isso.
—Graças a Nagato, melhores.
O nome do irmão fez seus olhos voltarem a arder, mas a frase a intrigou, levantou os olhos para o marido que fitava a parede, a expressão longe e cansada.
— Ele me enviou tudo. Todos os arquivos. Sobre o jogo, sobre os planos. Nomes, Contas bancárias. Identidades de todos...todas as crianças que estavam sendo treinadas... — Ele se calou, e ela sabia que ele não podia falar nada além daquilo.
Assentiu.
—Nagato foi um herói, Kushina. Nada vai mudar isso. —falou firme, e quase sorriu. — Naruto...?
A voz dele foi frágil. Sabia o quanto ele estava tentando ser forte também. E ela o amava ainda mais por isso. Pensou em mentir para ele, mas sabia que não devia. Por isso apenas suspirou, os olhos cansados se fechando.
—Nosso filho...está morrendo, Minato. E eu ainda não tenho ideia da razão.
O sentiu ficar tenso. Mordeu o lábio, sentindo lágrimas se acumularem no canto dos olhos, como se falar aquilo em voz alta fosse finalmente admitir o que acontecia.
— É como se o corpo dele estivesse se autodestruindo. Como uma doença autoimune, mas...muito pior...Se nós não...se eu não...
—Shh, Kushina...ele vai ficar bem. Vamos...fazer alguma coisa. Ele vai ficar bem.
Antes que pudesse responder, um beep foi ouvido, anunciando outra emergência. Ergueu-se rapidamente com o auxílio do marido, limpando as lágrimas, o rosto endurecendo. Olhou o número do quarto, e se sentia um ser-humano ruim por ficar aliviada por não ser o de Naruto.
—Tenho que ir.
Antes de sair correndo, ele a puxou em um abraço forte. Protetor. Sentiu o corpo relaxar, se fortalecer. Ele beijou seu rosto, seus lábios, e então afundou o rosto em seu cabelo, a voz suspeitosamente trêmula, abafada.
—Vamos conseguir. Vamos trazê-lo de volta para casa.
Ali, nos braços de Minato, ela conseguia acreditar nisso.
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— Você levou Grá de mim, me tirou os outros. Não vou deixar que leve ele também.
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Quando chegou em casa depois de um dia dividido entre trabalho e hospital, os olhos vermelhos, pés doendo, e um dossiê grosso em mãos, na cabeça de Minato só ecoava uma maldita pergunta.
O que fazer agora?
Não soube como chegou lá, somente se viu dentro daquele quarto. Sabia que não deveria estar lá, claro, Minato estava em sua própria casa, uma mansão como tantas outras no distrito de alta classe de Seattle, mas aquele quarto havia se tornado um território terminantemente proibido para eles depois de terem levado Naruto para o internato. Uma tentativa de ambos de não se sentirem sozinhos, ou saudades mais do que já sentiam.
Minato percebeu que ainda havia ali uma quantidade surpreendentemente grande de resquícios do passado.
Naruto havia crescido. Estava com dezoito, quase dezenove anos. Não era mais a criança quebrada de antes, mas sim um adolescente forte que caminhava em passos largos, rápidos e difíceis em direção à vida adulta. Talvez fosse ignorância sua, e seu filho já era um adulto, um adulto que começara sua nova caminhada da maneira mais cruel e bruta possível. Novamente, pela segunda e só deus sabia quantas vezes, fora judiado, da maneira mais nojenta possível.
Havia visto os vídeos. Tobirama havia feito questão de deixar tudo naquele pen drive, os piores momentos de seu filho nos últimos meses. As sessões de tortura lhe faziam tremer com a simples ideia de que Tobirama já estava morto, e não podia trazê-lo de volta para matá-lo novamente. Uma morte empalada parecia ter sido rápida e misericordiosa para o que aquele monstro realmente merecia. A imagem, no entanto, que não saia da sua cabeça, a cena que se repetia sempre eu fechava os olhos era de seu filho, com as mãos perfuradas por uma adaga, sendo estuprado por aquele homem no chão. E ele pedia aos deuses que Obito ainda estivesse vivo de alguma forma para que pudesse puni-lo.
Não ligava que ele fosse parente de Mikoto Uchiha. Não sabia se Fugaku havia dito a esposa — ele havia visto todos os vídeos junto com a equipe de evidências — o que seu meio-irmão mais novo havia feito. Não ligava, só queria algumas horas com aquele maldito...não haviam encontrado o corpo dele, afinal.
Sua raiva maior, sua dor mais pungente não era causada por todos esses monstros que seu Naruto parecia atrair. Não. Seu ódio era de si mesmo. Um sentimento autodepreciativo, de saber que havia falhado terrivelmente e novamente. Havia mandado seu filho direto para uma armadilha.
Tudo não passava de um grande plano. Danzou vinha recrutando jovens prodígios há anos que passavam no colégio, e não apenas lá dentro. Crianças do sistema, orfanatos. Todos em que algum potencial era visto, eram recrutados, brutalmente treinados até se tornaram armas, agentes duplos para seus fins próprios. E seu filho era um dos alvos em potencial, desde a morte de Jiraya. O pai havia desconfiado do que acontecia, por acaso. Minato ainda não sabia de todos os detalhes, mas quando o assassinaram, e por acaso Naruto estava lá, algo havia sido visto nele que havia o assinado como uma arma em potencial...a mais desejada de todas. Que os fez se ver dos meios mais sórdidos para colocarem as mãos nele.
Não ia mentir, sabia exatamente o que havia sido. Fechar os olhos para o fato que seu filho possuía alguma habilidade não explicada não mudava o fato que ele a tinha. Desconfiava disso por anos, vira em primeira mão naquela cratera. Por sorte, todos os soldados ali eram fiéis a ele e não abririam a boca sobre o que havia visto após sua ordem, mas não sabia quantos mais sabiam disso. Os vídeos em que Naruto havia demonstrado algo dessas habilidades haviam sido vistos apenas por sua equipe, e Fugaku, ainda assim, havia chance de que alguém ainda viesse atrás de seu menino.
Ele nunca estaria totalmente seguro agora. Nunca estivera.
Não gostava nem de se lembrar desse fato, pois sentia que a qualquer momento poderia derrubar toda sua casa e matar qualquer um que aparecesse a sua frente. Mas ali, dentro daquele quarto, sentia um pouco de paz. O cheiro do perfume favorito de Naruto estava ali, impregnado naquelas paredes de tom extravagante. No canto, ao lado da cama, seu skate preto ainda estava encostado a parede, o closet continuava na mesma bagunça que o dono havia deixado. Seus CD's ainda misturados com os jogos. Tudo ali continuava do mesmo jeito, continuava limpo, pela faxineira que sempre limpava, mas havia pedido que não retirasse as coisas dos lugares. Era a única coisa que o fazia um pouco mais perseverante, o único lugar que o trazia a certeza ele voltaria.
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Estava novamente naquele lugar. A gaiola de raízes a mesma, e ainda assim havia algo de diferente na situação. A principal delas, é que a pessoa ali dentro parecia mais com o seu eu de agora. Exceto por as roupas estranhas, não havia asas negras ou olhos vermelhos. Ele estava ali, sentado de pernas cruzadas no centro, o olhando de forma curiosa, mas menos insana. E Sasuke não tinha certeza do que estava acontecendo.
—Você é alto. — A voz era idêntica a sua, apenas com um sotaque diferente. Piscou aturdido, olhando o outro, até se ater ao que foi dito. E realmente, mesmo sentado podia ver que Noland era mais baixo que ele, não tão baixo como Naruto, mas...quase sorriu pensando que seria impossível ser tão adoravelmente baixo quanto ele.
—Uchihas são altos.
O outro não respondeu nada a isso. O rosto dele era mais velho do que o seu, o ângulo da mandíbula mais pronunciado, o cabelo maior era amarrado atrás como o de Itachi, fios ao redor do rosto muito pálido. Os olhos eram puxados, mas não como os dele, como os de um asiático exatamente. Havia diferenças entre os dois, e agora podia ver mais claramente isso. Sem os olhos vermelhos e expressão maníaco, Noland parecia...inocente. Havia certa vulnerabilidade no olhar dele, insegurança.
Então algo lhe veio a memória e olhou para sua própria mão. Lembrou daquele momento crucial no carro, ao puxar Naruto. Sabia que por alguns segundos, não estava completamente ali. Estava ferido demais para ter forças para aquilo. Por isso não conseguira puxar Itachi.
—Você me ajudou a salvá-lo. — Não disfarçou a admiração e gratidão em sua voz. O outro não respondeu, os olhos no céu entre as grades, o rosto levemente corado pela atenção. E não precisava.
Sasuke sorriu levemente. Ele estava mudado. Ou talvez ele tenha sido assim antes de toda aquela desgraça.
Sentou-se de frente ao outro. Tinha a estranha noção que devia lembrar de algo, que algo estava acontecendo, mas também sabia que não podia fazer nada sobre isso. Noland o olhou novamente. E então os olhos vulneráveis pareciam estranhamente suaves.
— Você tem tudo o que eu sempre quis. O amor do seu irmão. A confiança da pessoa que você ama. A força para não desistir de nada disso facilmente, diferente de mim.
Não sabia o que responder a isso, e não achava que deveria.
—Tudo para curar o ódio que nos contaminou por tanto tempo...merecemos uma chance de fazer as coisas certas. – O outro murmurou, olhando novamente para o céu. — Através de você, vendo sua vida, aquilo que eu podia ter tido...eu consegui finalmente entender. E me livrar desse ódio em mim. Ele não ia me levar a nada além de mais dor.
Sasuke se sentia feliz por isso. Muito feliz.
— Ele tentou ir até você, sabe disso, não sabe? Aeron. Ele não te abandonou a própria sorte, ele teria ido com você.
— Agora eu sei. — O outro se ergueu de onde estava sentado, os olhos ainda fitando ao longe. — Um dia, naquela época... nós desistimos de tudo um pelo outro, mas as coisas não eram tão simples. — Ele deu um leve sorriso. — Ele...Aeron... estava tentando me alcançar, por meio dele, de vocês dois. Eu podia o sentir aqui, sempre.
Então, apesar de toda a conversa, Aeron não havia desistido de Noland, afinal? Ele estava aqui com ele, talvez por isso fosse tão fácil Naruto e ele conversarem por todo aquele tempo. Era um alívio. Mesmo que o rosto dele ainda fosse tão triste. Havia certa paz nele, finalmente.
— O que estamos fazendo aqui?
— Esperando. — Noland sorriu em sua direção, os olhos vulneráveis.
As grades sumiram diante de seus olhos, e ao piscar aturdido viu que não estava mais na floresta, mas sim no templo em sua mente. Os dois fitaram o poço, ouvindo os cânticos ao redor. Não havia mais a sensação de que havia perdido algo ali. Tudo parecia...certo. No lugar.
—Tudo vai acabar em breve.
....................
Mikoto entrou no quarto, apenas para encontrar alguém já com o filho. Há dias se dividia entre os dois quartos. Itachi estava em um estado bem pior o do irmão, por isso precisava ficar em outro lugar. Kushina havia visitado constantemente, o avaliando. Fugaku, assim como ela se dividia entre os quartos, e ainda o trabalho. Minato viera uma vez, lhe agradecer por seus filhos terem salvado o seu tantas vezes. Algo sobre vídeos que haviam sido deixados.
Pelo pouco que Fugaku lhe dissera, havia sido algo mútuo. Os três haviam feito o possível para manterem uns aos outros vivos.
—Shisui.
O sobrinho olhou para cima de onde conversava quietamente com o primo irresponsivo por cima de todos os sons de máquinas. Os olhos estavam cansados, avermelhados. Como os seus deviam estar.
—Olá tia.
Sorriu minimamente, puxando outra cadeira e se sentando ao seu lado. A mão dele segurava a do outro cheia de fios. Olhou o rosto do filho, a expressão serena, mesmo com o tubo em sua garganta. Pálido, os cabelos haviam sido cortados bem curtos para uma cirurgia de emergência que sofrera. E ele parecia tão diferente da última vez que o tinha visto, meses atrás.
—Ele vai ficar bem.
Seu devaneio foi cortado pela mão na sua, a mão livre de Shisui a confortando.
— Eles dois vão ficar, vai ver.
Preferiu ignorar o leve tremor ali, apertando a mão de volta.
—Eu sei.
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Ewen era sempre o mesmo. As roupas de sacerdote, os cabelos curtos, que anos atrás o induziram a deixar os seus crescer para que não fossem mais tão parecidos. Ewen, que vira pela primeira aos seis anos, durante seus sonhos. Sentado naquela mesma pedra, perto das mesmas ruinas. Segurando a mesma lança, a lança que fora de Aeron antes de tudo.
Os olhos encontraram os seus, solenes. Os olhos de Ewen eram um poço profundo de tristeza, dor, arrependimentos, em um rosto uns bons anos mais velhos que o seu, pela idade, ou pela vida que levara.
—Eu sei o que teme. — Olhou curioso. Sentia algo estranho, como se não estivesse exatamente ali. Sentiu um toque em sua mão e a olhou, mas não havia nada ali. Apenas a sensação de alguém a segurando. — Você não sou eu, Itachi. Sempre fez tudo diferente de mim.
Franziu o cenho. Sua mente estava nublada, lembrava de cair no mar revolto, escapando por pouco nas pedras, mas quebrando alguns ossos. Lembrava de estar se afogando, da água gelada o sufocando. Não conseguia nadar. Não conseguia respirar. Imaginou se Noland havia se sentido assim ao cair no mar. O total abandono, a perdição. A falta de fé. Sabia que iria morrer, mas então...alguém havia o segurado na superfície quando não tinha mais forças. Alguém tinha o levado para a praia, o salvo das ondas. Lembrava vagamente do rosto de Davlin...de Obito acima do seu, lhe falando algo antes de sumir.
Davlin havia o salvo. Obito havia o salvo.
Aquilo nunca havia ocorrido antes. Muito do que acontecera nunca havia ocorrido antes.
O homem sorriu de leve.
—Tudo vai acabar logo.
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Era a terceira vez que Minato via Naruto em uma cama de hospital. Diferente das outras vezes, ele não estava dormindo serenamente, ou catatônico. Não, dessa vez mesmo com a dose potente de analgésicos em seu sistema, o rosto dele estava retorcido em agonia.
Haviam o retornado de uma sessão de diálise momentos atrás. Ele havia sido removido do coma induzido, apenas para que seus gritos tomassem o corredor. Os medicamentos não estavam surtindo efeito, e temiam que se ele voltasse ao coma, não acordaria mais.
Sentou-se na cadeira pesadamente. Kushina havia desmaiado na cama da sala de plantão há alguns minutos, sem forças. Pegou a mão pequena, com os fios que o ligavam a máquinas. Estava gelada. O rosto pareceu aliviar o estresse com o contato, mas os olhos não abriram. Os remédios para dormir ao menos estavam funcionando, não sabia por quanto tempo. Seu coração apertou quando notou que ele chorava durante o sono.
Tocou no rosto frio, limpando as lágrimas. Sentia-se tão inútil. Não era normal, não era natural para um pai ter que ver tal sofrimento em um filho...ter que ver seu filho morrer e não poder fazer nada para impedir.
Afastou os cabelos úmidos de suor da testa de sua criança machucada e em agonia, tentando passar algum alívio com o contato. Ouviu um gemido baixo, as sobrancelhas franzidas. Apertou a mão menor com carinho.
—Daidi está aqui agora. Karin e sua avó vieram hoje te ver também. Estamos todos aqui agora, todos esperando por você.
Fechou os olhos com força ao ouvir um gemido agoniado. Uma parte sua, que odiava no momento, pensando se era justo o deixarem passar por isso, por todo esse sofrimento, essa agonia quando não tinham ideia se conseguiriam salvá-lo, mas... não conseguia pensar em o deixar ir. Era...inconcebível pensar nisso.
—Sei que sou egoísta. — Segurou um soluço a força, encostando a testa na do seu filho. — Eu sei que não estive lá por você, não acreditei em você. Eu mereço essa agonia, você não...Deus, você não. Mas não consigo desistir, Naruto. Não posso imaginar nossa vida sem você, então por favor...não desista. Não nos deixe também...
A mão apertou a sua de volta, a surpreendendo. Ao olhar para o rosto, no entanto, nada havia mudado.
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— Daídi...
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— Aeron, só está adiando o inevitável tentando o curar, prolongando seu sofrimento. Acha que pode esconder alguém da própria morte, Aeron?
— Você não vai levá-lo.
—Está destruindo sua existência por algumas horas a mais para ele.
— É o que basta. Ele não desistir, nem eu. Não acha que aprendi a minha lição? O deixe em paz!
— Finalmente aprendeu, mas isso não faz uma diferença agora. Não é sobre você mais.
— Essa sensação...
— Vai acabar logo.
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Havia sido difícil entrar, mas era subestimado. Esperou em guarda, até ver a chance quando finalmente o deixaram sozinho, o que nunca havia acontecido desde que entrara ali. O homem passou perto pelo corredor, mas a roupa que usava, não o deixava meios de reconhecê-lo. Por alguns segundos ainda, ele parou quando passava, os olhos na porta do quarto filho, como se ponderasse. Praguejou mentalmente, continuando sua caminhada para não levantar suspeitas.
Até que o homem seguiu. Havia o observado, sabia que não tinha muito tempo. Logo ele estaria de volta. Retornou para o corredor principal, fingindo que iria entrar em um dos quartos, olhando um dos prontuários. Era cedo pela manhã, internos circulavam, mas não naquele corredor. Estava com as roupas de um dos responsáveis por ele também, ninguém o pararia. Pecavam pela confiança absurda de que não ousariam invadir um hospital privado direcionado a agentes do governo. Desconheciam quem o havia treinado.
Quando ele sumiu na curva, finalmente viu sua chance.
Seus olhos negros correram pelo quarto de tamanho mediano, parando na cama, onde havia um volume ali. Se aproximou devagar, o ar ficando rarefeito, dificultando sua respiração, o coração acelerado, começando a tremer as mãos quanto teve o vislumbre dos cabelos loiros espalhados pelo travesseiro raso branco.
Havia várias máquinas ao redor dele, apitando, zunindo, chiando, de uma maneira que o deixava angustiado, soro, sangue... Tudo aquilo grudados em seu menino.
Se aproximou mais, rodeando a cama, sua mão direita passeando pelo lençol frio, até parar perto da mão bronzeada que estava estendida e completamente enfaixada.
Ele estava diferente de como se lembrava; pálido, mas com as maçãs do rosto coradas levemente e proeminentes, os lábios carnudos e de um tom azulado mórbido, as bochechas marcadas com as cicatrizes finas que pareciam brilhar brancas sobre a pele. Os olhos escondidos pelas pálpebras, mas adornados pelos cílios tão loiros quanto as sobrancelhas angulosas e os cabelos que pareciam maiores. Ele ressonava de forma agoniada, sem sossego, com uma cânula abaixo do nariz fino, que o auxiliava a respirar. Aqueles tubos que se encontravam em seus braços, e fios que saiam de pôr dentro de seu avental o faziam imaginar onde teriam os plugado. Além dos evidentes ferimentos que ele tinha, na altura de seu tórax evidenciavam uma faixa ou talvez um colete para suas costelas.
Tocou de leve as faixas que cobriam a única mão que tinha à vista, focado no rosto que estava franzido de agonia. E, Deus, ainda assim, ainda que naquele estado, ele ainda era seu anjo. Tão lindo e perfeito. Aproximou os lábios do ouvido daquela criatura frágil na cama. Não tinha muito tempo:
—Eu o salvei, como me pediu. Salvei Ewen, por você. Vim cobrar sua promessa. Você disse que iria a qualquer lugar comigo...então, só me resta um lugar para ir agora.
Removeu do bolso a adaga trabalhada, sentindo a frieza da lâmina, que nunca cegava apesar dos anos. Podia sentir o sangue dele ali, apesar de todos os anos que passaram desde aquele dia. Podia lembrar dos olhos dele quando se jogou naquela lâmina, da sensação do líquido quente em seus punhos...nos punhos de Davlin.
Quem era ele agora, afinal?
Apertou a adaga, com a mão livre tocou o lindo rosto, o primeiro rosto que lembrou em seus sonhos. Que se tornou então a pessoa mais importante de sua vida antes mesmo de conhecê-lo. Seu tudo. Tudo porque lutou. Tudo o que lhe deu esperanças durante o inferno que foi toda a sua infância. Ele sabia que tinha que sobreviver, por ele.
—Eu nunca quis te magoar. — Sussurrou, os dedos frios passando pelos vincos na testa suada. — Eu não te procurei todos esses anos para te machucar como eu machuquei. Mas nunca tive escolha, tive? Nosso destino é esse. Não tem saída. Nunca teve
Posicionou a adaga no coração, que batia de forma tão instável. Um único golpe, e tudo estaria acabado.
—Nunca poderemos ficar juntos nesse mundo. Vamos sempre acabar nos machucando...e já dói tanto...
Respirou rapidamente, sentindo as lágrimas nos cantos dos olhos. Ao mesmo tempo, sentiu sua mão no rosto dele úmida.
Ele estava chorando também.
" — Eu cuido de você a partir de agora. Quer vir comigo?
—Para onde?
—Qualquer lugar."
Afrouxou a pegada na adaga.
Não conseguia. Não podia.
—Por que não me amou? Por que as coisas tiveram que acabar dessa forma?
Seu corpo já estava trêmulo pelos soluços. Ouviu o apitar da máquina acelerar e abriu os olhos, que nem percebera que havia fechado, encontrando duas safiras o encarando. Sem qualquer medo ou surpreso. Como se o aguardasse desde sempre.
E não havia ódio ali. Ou nojo. Havia um entendimento, como vira naquele dia no penhasco. Como se ele o compreendesse totalmente. A mão enfaixada subiu devagar para seu rosto. Paralisou ao sentir o toque suave.
—Está tudo bem.
Aquelas simples palavras, na voz baixa e rouca, tiveram uma potência inimaginável.
Está tudo bem.
Não estava, nunca estaria, mas aquilo era um perdão. Um perdão que talvez não merecesse, mas que estava recebendo mesmo assim. Obito havia aceitado um papel em uma peça sem nem mesmo perceber por todo esse tempo, enquanto aquele garoto havia lutado contra o seu com tudo o que tinha. E Obito havia tentado o destruir, o destruído de muitas formas, mas ainda assim, ali estava ele.
Está tudo bem.
Fechou os olhos, segurando a mão pequena, chorando com mais força. Sentiu algo em seu coração aliviar. Curvou-se sobre a fonte de toda aquela paz que sentia, tão repentinamente. Sua testa na dele, os olhos firmes nos que o fitavam com uma gentileza que nunca sentira na vida, que não merecia.
—Me desculpe, menino. — Sussurrou em resposta. — Me desculpe... me desculpe...
O sentiu assentir levemente, os olhos entreabertos. Inocentes demais. Como ele fora um dia. Como seu menino fora, antes de tudo. Que conseguia perdoar tão facilmente, tão inteiramente...Fechou os olhos, e suspirou sentindo algo dentro de si se colar finalmente. Aquele vazio ser preenchido. Sabia o que devia fazer. Ele sabia agora o seu papel. E não iria se colocar nele mais.
Era seu último ato em favor de alguém que havia sofrido tanto lutando contra o destino de todos eles.
Beijou a testa com carinho, fitando os olhos agora confusos: —Tudo ficará bem agora.
Sorriu, tirando a adaga de perto do coração dele. Do coração do menino.
Apenas para enfiá-la no seu próprio coração.
..................
— Ele fez a escolha.
..................
Foi um pressentimento. E nos últimos dias, Minato aprendera mais que tudo a confiar em seus pressentimentos. Por isso ao sentir o aperto gelado em seu coração, correra de volta para o quarto do filho, derrubando o copo de café no corredor sem se importar. Quando vira Kushina andando rapidamente pelo corredor, o rosto estressado, ainda sonolento e confuso, sabia que estava certo. Os dois trocaram um olhar por segundos, os delas se arregalando, agora muito acordados. E correram.
Os corredores, diferente de dias atrás estavam quase vazios, controlado o primeiro caos de pacientes. As cortinas da janela de monitoramento estavam fechadas, diferentes do que havia deixado minutos antes. Kushina alcançou a porta antes de si, ainda no impulso da corrida, apertando o botão inúmeras vezes até ela se abrir.
Havia um homem perto da cama de seu filho, e mesmo com o jaleco branco, sabiam que não era nenhum do pessoal que estavam cuidado do caso de Naruto. Não teve tempo nenhum de reagir, no entanto, e o homem caia no chão pesadamente. Teve um segundo de confusão, Kushina correndo até o garoto na cama, que estava bem acordado agora, os olhos azuis assustados, muito abertos no corpo no chão.
Ao se aproximar, olhou para baixo e viu os olhos semiabertos e quase sem vida de Obito Uchiha. Sentiu um ódio abrupto no peito, confusão sobre o que havia ocorrido. Sangue tomava toda a fronte do corpo do homem no chão, o corpo se movia, e por um momento pensou que o homem queria fugir, a mão no cabo da lâmina no peito. Mas ao invés de removê-la, o homem a penetrou mais, suas costas arqueando até ele cair totalmente no chão.
E nesse momento Naruto gritou.
Ignorou por hora a cena estranha, correndo até sua mulher. As máquinas apitando, o corpo na cama se contorcendo. Kushina apertou o botão de emergência.
—Segure-o! — ordenou.
A mão pequena agarrou a sua com força, muita força. Os azuis estavam largos nos seus, com medo, confusos. Até se revirarem nas órbitas.
A máquina fez um barulho contínuo, o corpo caindo límpido em seus braços.
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Abriu os olhos e estava em uma planície, rodeada por uma floresta muito verde. Ao longe havia montanhas. Ao olhar para o céu, notou que o sol nunca fora daquele tamanho, e havia mais dois ao redor. Piscou aturdido, confuso, procurando Steve e os outros.
—É onde meu povo vive.
Virou o corpo, assustado com a voz, dando de cara com alguém muito parecido com seu daidi, se não fossem os olhos cinzas e as feições perfeitas demais. As roupas dele eram uma túnica dourada e nas costas ele carregava uma lança dourada. Duas raposas o ladeavam, os olhos inteligentes demais para serem animais comuns.
—Aeron! — gritou, se jogando sobre o outro que riu, o pegando com facilidade no ar. Quando ele o colocou no chão, continuou o abraçando pela cintura, sentindo uma estranha urgência de não o soltar, de não o deixar ir. — Os outros disseram que estava lutando contra Morrígan!
—Estávamos...conversando. Quem estava lutando contra ela era você, pequeno.
A voz dele falou em um tom misterioso e resmungou com isso.
— Naruto. — A mão grande tocou seu cabelo com carinho, e ergueu o olhar sem o largar. Ele o fitava de forma aberta e com tanto carinho. Os olhos cinzas claros agora, sem o cinismo ou raiva. — É hora de ir.
Agarrou a túnica com mais força, arregalando os olhos.
— O que...
Ele sorriu, os olhos mais tristes.
— Tudo finalmente gira em ordem, mo dhuine beag.
Naruto achou que no fim estava preparado para morrer, mas...havia lutado tanto.
O homem se afastou dele, apenas para segurar seu rosto entre suas mãos cuidadosamente. Lembrava de Aeron assim quando criança. Do conforto. Dos olhos preocupados nos seus, o assegurando que as coisas ficariam bem.
— Entendeu errado de novo, mo dhuine beag. Não virá comigo
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—Naruto! — gritou, se preparando para fazer a massagem cardíaca, mas sua Kushina já estava ali com as pás do desfibrilador prontas. Praticamente rasgou a parte superior da roupa hospitalar do filho enquanto ela colocava a máquina e acionava. O corpo arqueou e caiu. A máquina continuava com seu som contínuo.
O rosto dela estava duro. Mais pessoas entravam no quarto, tentando expulsá-lo em vão, enquanto olhava o corpo pequeno mais uma vez arquear na cama, sem sucesso. E uma terceira vez, a potência sendo aumentada. Conseguia captar a expressão de algumas pessoas, de piedade, de desistência.
—Dra Uzumaki, acabou.
—Não! — A máquina foi acionada mais uma vez
—Melhor anunciar a hora da morte. — Alguém murmurou tristemente. Minato se apoiou na parede, olhando a cena da esposa tentando salvar o próprio filho. Ninguém mais se movia além dela.
Correu de volta para a cama, empurrando os que tentavam tirá-lo do quarto. De frente a ela os dois se olharam, ambos chorando, quase em choque com a situação. A mão dela tremia.
—Estou mandando você voltar, agora Naruto Namikaze Uzumaki! — Ela gritou, colocando as pás pela última vez, a potência no máximo. O corpo arqueou por segundos, caindo.
Por um segundo tudo foi silêncio. Até que o som contínuo foi substituído pelo intercalar. Os olhos azuis se abriram na cama, a respiração em uma golfada por ar desesperada.
Naruto sempre obedecera muito mais Kushina, afinal.
...............................
—Você é minha alma, se você se for...
—Sou um eco apenas. Há tanto mais em você, Naruto. Você merece tanto mais do que eu te causei.
—Você não...
—Eu causei. — o homem o interrompeu, tristemente. —Nunca se engane sobre isso. Sou eu que estou matando você. Seu corpo não iria suportar todo esse poder por muito tempo sem se destruir. Agora ficará a salvo, e podemos todos ir para casa.
—Todos? — perguntou, esperançoso. — Então Davlin...
Aeron sorriu, os dedos passeando em seu rosto.
Davlin, Ewen, Noland. Steve, todos os outros... finalmente livres.
—Todos, cada um de nós. Você é tão especial, Naruto. Até mesmo almas corrompidas encontram redenção por você. Pode mudar o mundo, e não precisa de poder nenhum para isso, além do seu coração.
Olhou confuso. Aeron beijou sua testa com carinho, ainda segurando seu rosto.
— Por todo esse tempo, nunca ninguém, nenhum de nós havia entendido a lição que deveríamos. Que para findar um ciclo de ódio, precisaríamos de...amor. Amor de verdade.
—Amor...
—Perdão é uma forma de amor, Naruto. Como perdoou Ewen, Davlin, Noland, e eles conseguiram se perdoar, me perdoar. Os entendeu, como nunca consegui. Passamos tanto tempo nos matando, quando a resposta era nos entendermos.
—Eu...não sabia. — Corou levemente.
—Eu sei que não. E isso o torna mais especial. — O homem suspirou, olhando para o horizonte. Seguiu o olhar, e havia figuras na floresta, longe demais para distinguir o rosto, mas elas pareciam esperar. — Está na hora.
Assentiu, tristemente. O soltou hesitante, apenas para ser abraçado de novo, afundando o rosto no ombro de seu primeiro amigo. Primeiro protetor.
—Eu achei que sabia o que era o amor, com Noland. — Aeron sussurrou — Amor de verdade, como senti apenas pelo meu povo, por meu Grá, eu redescobri na primeira vez que falou comigo, Naruto. Dentro de ti, corre o sangue do meu povo. O sangue de meu filho, meu Grá. O sangue de Brin. E talvez por isso te amei mais do que qualquer um, por ser a melhor parte de mim. Que verga sem quebrar. Que ama intensamente, e sem medo. É meu pequeno guerreiro, e sempre vai ser.
—Aeron...
— Is breá liom tú.
— Is breá liom tú, Aeron.
....................
—Está na hora de ir.
Itachi ergueu os olhos. Ewen o fitava com um pequeno sorriso.
Seguiu a direção que o homem fitava e duas figuras vinham da linha da floresta na direção dos dois. Sasuke...seu coração acelerou.
No entanto, Sasuke não estava sozinho. Uma cópia mais velha sua estava a seu lado. Sasuke correu quando o viu, de uma forma que não via desde que eram crianças. Em segundos estava com os braços cheios do irmão mais novo. Sorriu entre lágrimas. Pela primeira vez em anos, sentia que tudo ficaria bem.
—Noland. — Ewen ergueu-se das pedras, enquanto a figura se aproximava. Olhou fascinado enquanto os dois se encaravam. Ewen parecia...vulnerável olhando o irmão mais novo. O outro homem o mediu. E então ofereceu a mão, um sorriso leve.
—Vamos para casa, Ewen.
.........................
Fugaku havia cochilado na cadeira. Acordou com a sensação de olhos o vigiando. Olhou ao redor, até parar no par tão parecido com os seus, o fitando sonolento, um pequeno sorriso no rosto.
—Tadaima. Tou-san. — A voz rouca murmurou, e Fugaku queria chorar. Tocou nos cabelos do filho mais novo na cama. Assentiu, sorrindo levemente.
—Okaeri, Sasuke.
.................
Shisui passou tanto tempo segurando a mão de Itachi, que pensou que sonhava quando sentiu o aperto de volta. Abriu os olhos que havia fechado por alguns minutos para meditar. Mikoto cochilava na cadeira ao lado.
Olhou para baixo, para a mão que apertava a sua. E então para o rosto do primo quando os olhos se abriam confusos. Não teve tempo de falar nada e ele começava a se engasgar com o tubo na garganta.
Mikoto acordou com o barulho.
—Itachi!
Apertou o botão de emergência, e em pouco tempo uma enfermeira estava lá, o ajudando a remover o tubo. Itachi vomitou, tossindo. Olhava com expectativa enquanto ela cuidava dele, Mikoto havia ido para o corredor e chamado um dos médicos.
Quando terminaram de examiná-lo, ele os olhou, os olhos ainda enevoados, confusos. Mikoto o olhou de forma preocupada.
—Itachi?
—Eu...— ele tossiu. Shisui lhe deu o canudo, o fazendo beber a água. — Obrigado.
O outro rapaz passou a mão no rosto, sentindo os curativos que cobriam os cortes que agora desenhavam suas bochechas. Os olhos fitando ao redor do quarto, e parando nos dois que o olhavam com expectativa, em Mikoto que finalmente conseguia se jogar no filho, o abraçando.
—Oka-san. — Ele olhou Mikoto com um sorriso. — Shisui.
E então seus olhos pareceram mais confusos. E alarmados.
—Sasuke...?
Antes que alguém pudesse dizer algo, mais uma enfermeira bateu na porta.
—Senhora Uchiha, seu filho mais novo acordou.
Shisui se sentou pesadamente na cadeira. Finalmente as coisas pareciam ir bem.
Mais do que na hora.
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Os corvos que cobriam o teto do hospital finalmente voaram longe.
O ciclo havia se quebrado.
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Um a um eles sumiram. Foi dito aquilo que foi preciso, o que precisava de perdão já havia sido perdoado. E nada mais importava além daquilo. O último olhar de Noland pareceu mais uma promessa, enquanto ele sumia suavemente como um raio de sol no cair da noite.
'Talvez um dia.'
Por hora, Eriu e Mac grénie o esperavam. O som da harpa de Angus Og era exatamente como lembrava. Tudo era diferente, e ao mesmo tempo tão igual para o filho que retorna depois de tanto tempo.
Aeron finalmente estava em casa.
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Beannacht: Adeus
Mo dhuine beag: Pequeno
Merde: Merda
Mate: Camarada, cara. Muito utilizado na Austrália
Arte do capítulo: CrazyClara
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