An Cluiche
Meu pai sempre repetia aquela história.
Um dia ele teve que dar uma palestra em uma universidade e a babá havia desmarcado de última hora. Meus avôs estavam fora da cidade e haviam levado Tio Naa e minha mãe estava de plantão. Não havia ninguém para cuidar do filho de quatro anos, por isso daídi me levou junto.
Durante toda a palestra eu havia ganhado olhares e apertões nas bochechas de alunos e agentes, mas bastou alguns segundos e eu havia sumido da cadeira. Quando não me viu, meu pai havia pirado, parado a palestra e todos começaram e me procurar pelo prédio.
Ele dizia que quando finalmente me encontrou eu estava sentado na mesa de palestrante, com uma turma inteira de estudantes me ouvindo atentos, inclusive o professor da sala. As perninhas balançando no ar, enquanto contava fatos históricos sobre conflitos e guerras, com detalhes surpreendentes e uma articulação mais surpreendente ainda.
Ele cancelou as buscas e entrou na sala, ouvindo a narrativa até eu o perceber e correr até ele, que me pegou nos braços. Todos ao redor o felicitando por seu pequeno ser um gênio, perguntando com quantos anos eu havia visitado a Irlanda, para saber e lembrar de tantos detalhes.
Eu nunca havia visitado a Irlanda.
.......
SASUKE NÃO HAVIA APARECIDO EM NENHUMA AULA. Nem no refeitório no café da manhã, nem no almoço. Isso estava deixando Naruto ansioso e preocupado. Teria Obito descoberto tudo e dado um fim a Sasuke? Não, acreditava que não. Torcia para que não.
Não seja paranoico, se fosse o caso já teria ouvido a notícia. Ralhou consigo mesmo, olhando as unhas ruídas com um muxoxo. Naruto sentia falta de ter algum momento de tranquilidade em sua vida.
Tinha aula de luta naquele horário e estava bastante atrasado, ainda teria de trocar de roupa. O vestiário era grande, dividido em cinco corredores com armários verdes e um banco grande no meio de cada uma. As paredes brancas e com pôsteres de lutadores famosos. Em um canto havia um bebedouro, na parede do sul a porta que dava aos chuveiros.
Seu armário ficava na terceira fileira e somente era aberto com a chave. Desabotoou a camisa do uniforme a tirando, fazendo o mesmo com a camiseta abaixo dela, as jogando sem cuidado no armário. Pausou, lembrando de Gaara o olhando torto quando aparecia com o uniforme amassado e suspirou, pendurando a camisa com mais cuidado.
Removeu os sapatos e as calças rapidamente, vestindo os shorts laranja, a única peça que podia escolher a cor naquele lugar chato. Calçou os protetores de tornozelo e pegou as faixas de proteção do armário, as desenrolando e começando o processo quase calmante de enfaixar os punhos.
Seus olhos azuis não estavam focando na tarefa, que podia fazer até de olhos fechados depois de tantos anos. Sem sua vontade, a lembrança de anos atrás, de seu avô o ensinando a fazer isso lhe veio à mente. Da mão grande e calosa pegando a sua pequena, passando a faixa entre seus dedos, lhe mostrando a pressão certa de colocar. A voz grave e paciente, gentil enquanto o guiava nos movimentos, no ângulo de seu braço, no giro de seu calcanhar ao dar um chute sem cair. O ensinando a se proteger, para que ninguém o machucasse de novo.
Não ajudou em muita coisa no fim das contas.
Fechou os olhos com força, engolindo a bile que subiu por sua garganta. Colocou as mãos na boca e se encolheu no banco. Se empertigou um tempo depois, quando ouviu o som da porta sendo aberta e o barulho de alguém destrancando um dos armários mais na frente.
Ninguém pode me ver assim.
Após algum tempo respirou fundo, jogando a cabeça para trás, se sentindo exausto. Tinhas tantas coisas para pensar que achava que sua cabeça explodiria a qualquer momento. Não queria e nem se sentia bem para lutar, mas não tinha escolha, não podia trazer ainda mais atenção para si, e com certeza escapar das aulas causaria isso.
Ir para as aulas com tudo o que acontecia parecia mundano.
– O que diabos é minha vida. – Sussurrou para si mesmo calmamente, esticando o braço para pegar a camiseta azul marinho que estava dobrada na prateleira de cima.
A puxou, e algo caiu. O barulho do metal no chão o alertou e erguendo uma sobrancelha se agachou, procurando o que caiu. Aos seus pés, viu um envelope branco. O pegou, olhando desconfiado para o carimbo de cera vermelha que lacrava o envelope. Era o emblema do colégio. Segurou a respiração.
Isso não é um bom sinal.
Se abaixou mais, procurando o que teria feito aquele barulho, vendo algo dourado por baixo do banco. O agarrou firmemente, sentindo o formato arredondado de uma moeda. Seu coração acelerou quando olhou mais de perto.
Era pesada, do tamanho de uma rolha e claramente de ouro maciço. Dos dois lados, era margeada por ramos de folhas muito bem-feitas. De um lado, o desenho de um homem, um gladiador, com suas roupas antigas e segurando uma espada e um escudo. Abaixo da imagem esculpida perfeitamente, a bela escritura o fez estreitar os olhos: "Gladiador"
Girou a moeda entre os dedos bronzeados. Do outro lado o grande "7" ocupava todo o espaço. Sentiu o coração acelerar, soando alto nos próprios ouvidos. Suas mãos começaram a tremer, pois sabia muito bem o significado daquela moeda.
Não... Por quê?
Era o maldito jogo, o jogo que se perdesse seria expulso, o jogo que era temido por todos. O jogo que só havia um vencedor.
E a última coisa que precisava em sua vida com tudo que estava acontecendo.
Engoliu em seco. Ele tinha um terrível pressentimento sobre essa situação, que ia além da certeza que já estava com seu prato cheio no momento. Naruto raramente errava em seus pressentimentos, mesmo quando preferia ignorá-los. Como da última, em que os ignorou e entrou naquela maldita cabana.
De alguma forma ele sabia, que daqui para frente as coisas piorariam.
É como se a morte estivesse te esperando. Se assustou ao ouvir a voz em sua mente, aquela voz que lhe atormentara em todos os momentos que esteve em perigo. Estava começando a criar um tipo de antipatia por ela e seus maus agouros.
Sentiu uma sensação de indignação ao pensar nisso e franziu o cenho, confuso.
Engoliu em seco ao notar o quanto apertava a moeda em sua mão. Fazendo o nó de seus dedos ficarem brancos e doerem abaixo da faixa. Soltou a moeda a colocando sobre o banco e logo se sentando novamente.
Está tudo bem. Tudo bem. Nada de sensação de morte aqui.
Estava convencendo a si mesmo que não precisava daquele reboliço, deveria ter calma, não se precipitar. Então deslocou sua atenção para a carta, sentindo novamente a hesitação ao abri-la. O estômago gelando.
Porra! Desde quando eu me tornei um medroso?!
Indignou-se. Desde que chegara a aquele maldito colégio estava agindo como um medroso, perdendo seu espírito antigo de encrenqueiro. Onde estava toda sua áurea assassina que tanto se orgulhava?
No inferno junto com o desgraçado do Obito quando eu colocar minhas mãos nele!
Rasgou a lateral do envelope com brutalidade, arrancando de dentro a carta e a desdobrando. O papel era delicado, de seda, a escrita cursiva era bela e parecia feita a mão com tinta dourada. No primeiro contado consigo o papel já amassou.
Começou a ler, contendo um tremor, apertando ainda mais o papel. Engolindo a raiva e o medo que sentia.
"Naruto Uzumaki.
Você foi um felizardo escolhido para participar dos Jogos anuais. O amuleto de ouro que recebeu é a confirmação de sua convocação.
A Reunião de Ordem será esta segunda-feira às 21:00 horas. Daremos início aos Jogos Anuais e comemorativos de 70 anos da Boarding School Middleford Mir.
Esperamos ansiosamente seu comparecimento.
P.S: Sua participação é obrigatória, assim como a utilização da máscara, a qual receberá um dia antes da reunião ditada abaixo, junto ao endereço do local.
A Direção."
Era a gota d'água.
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Sasuke sentia um incomodo estranho, desagradável, desde que recebera aquela moeda pela manhã. Era o que sempre quisera, de certo modo. Era a prova de que era um dos melhores, e que seria o melhor — e não duvidava disso —, e assim, a maneira de esfregar na cara de seu pai que não era inferior a Itachi, o filho perfeito, o prodígio, e a pessoa de que sempre viu as costas.
Ele amava o irmão, de um jeito meio torto, mas desde criança odiara crescer a sua sombra, e ainda sempre tivera um instinto natural de rivalidade que muitas vezes superava do natural na relação de irmãos. Era como se Itachi sempre estivesse tentando roubar algo importante de si, por mais que já tivesse tudo. Ele sempre parecia saber de algo que ele ignorava.
E piorava o fato de irmão sempre agir tão abnegado consigo. Talvez fosse a culpa pelo pai lhe dar toda atenção e negligenciar o caçula, mas aquilo irritava Sasuke em demasia. Porque por mais que Itachi tentasse ser um bom irmão, ele acabava sendo uma parede enorme para Sasuke transpor.
E aquela era a chance de Sasuke provar que era tão bom quanto Itachi.
Passara o dia com a moeda no bolso, a tocando, sentindo seu peso. Do lado havia o símbolo sete, e no outro a alcunha de general junto ao desenho gravado. General lhe incumbia o termo de estrategista, mestre em manobras. Nenhuma surpresa, uma vez que parecia ser o termo para quase todos os Uchihas pelo o que soubera, exceto Obito, que havia ganhado como Gladiador.
Ele estava excitado, pronto. Mas algo o incomodava. Algo que lhe fez passar o dia aéreo, no quarto, faltando muitas aulas. Havia um instinto em si que negativava aquele acontecimento, e não sabia explicar o porquê.
Ao fim do dia resolveu sair do torpor e ir para a aula de luta. A única aula que tinha certeza de que veria o seu marrentinho.
Esse pensamento foi a coisa mais gay que já tive.
Pensou com a testa franzida, mas logo um sorriso brincou em seu rosto, só com o pensamento de ver aquela criatura baixinha e invocada. Era algo absurdo em como a simples lembrança de Naruto mudava tanto o seu humor. Era um vício, já admitia. E ficar um dia todo sem vê-lo era seu limite. Desafiava agora aquele Dobe a se meter a esquecê-lo depois do que aconteceu no quarto, a se fingir de desentendido.
E pelo modo como ele reagiu...
Deu outro sorriso.
Que logo morreu a se lembrar de o porquê ter ido dormir tão irritado. Itachi, lá vinha outra vez Itachi. Tocando naquilo que não tinha direito. Mas daquela vez Itachi não ia ganhar. Aquilo ia além do que aquele jogo de colégio, ele ia conquistar Naruto e Itachi que não se metesse, que dessa vez ele passaria por cima dele sem piedade alguma.
Era a primeira vez, em toda a sua vida, que Sasuke gostava de alguém. Por anos ele pensou que não seria possível. Ele tentou por algum tempo se relacionar com outras pessoas, tentar um senso de normalidade, testar se faltava alguma coisa, porque não deveria ser normal se sentir assim. E agora que já estava aceitando que deveria ser algo seu, surgia Naruto. E seus hormônios, depois de toda sua vida dormindo, davam as caras. Sasuke meio que ficava grato, porque se era assim que os outros se sentiam todo o tempo era uma vida difícil. Pelo menos era só com Naruto que se sentia assim.
Sou Narutossexual.
Bufou, rolando os olhos. Era sua sorte a única pessoa por quem se atraia ser tão problemática.
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Naruto chegou atrasado na aula. Ele vinha dos vestiários vinte minutos depois do início das lutas e Sasuke avistara com desgosto que algumas garotas que assistiam da arquibancada aos treinos estavam inquietas e cochichando entre si pela demora do loirinho.
Ele se sentia incomodado e em conflito: Por um lado, a atenção do irlandês lhe tirava o peso daquele bando de loucas que não saiam de seu pé. Por outro, elas estavam de olho em Naruto. E aquela atenção demais que ele sempre parecia chamar era um problema. Desde que ele chegara naquele colégio se tornara o alvo de olhares e fofocas, como nunca havia acontecido antes desde que ele e Itachi entraram ali.
E para piorar, aquele estúpido era inocente demais, parecia nem reparar que aqueles olhares que ele julgava ser antipatia na maioria eram um tanto maliciosos demais. Naruto era como uma criancinha que não sabia onde pisava, e aquilo era irritante.
Aquela forma de ele atrair todo mundo era estranha. Era curioso, mas ele lhe lembrava muito sobre o que sua mãe Mikoto falava das raposas. Não apenas por aquelas marcas, as pequenas cicatrizes que havia notado da última vez, que reparava agora que lhe lembravam bigodes, mas o jeito todo dele. O jeito meio desconfiado e arisco, a agilidade que parecia um tanto instintiva. E mais, lembrava o que sua mãe falava, em como as raposas eram sedutoras. No Japão, de onde ela viera, havia a lenda dos youkais raposas, Kitsunes. Eram histórias favoritas de Sasuke e Itachi.
Aquilo era até irônico. Pois ali, vindo dos vestiários com um ar irritado vinha uma raposa pequena e arisca. Sasuke teria rido se outros pensamentos não lhe houvessem tomado. Desde o que acontecera na noite anterior, ver Naruto só com os shorts laranjas de treino e aquela camiseta azul não era muito seguro para sua sanidade.
Ainda mais quando ele falava com o professor, que interrompera a luta do Lee e do Sabaku para falar com ele, decidindo se o deixava ou não participar da aula pelo atraso. Claro que Hatake cedeu, ninguém conseguia não ceder com Naruto.
Depois do que pareceu uma pequena discussão, Naruto arrancou a camisa e entrou no tatame. O olhar dos dois se encontrou e a expressão irritada do loiro suavizou de leve e ele corou sorrindo de lado. Sasuke se sentia hipnotizado por instantes. O cabelo loiro caia pela testa, em cima dos olhos azuis brilhantes, e o corpo de Naruto, bronzeado, era tão... Desviaram o olhar e Naruto se sentou na roda dos lutadores, do lado do Shimura que lhe falou algo que o fez o olhar irritado retornar ao rosto pequeno, a tentativa de uma carranca surgindo em sua cara, mas que mais parecia um bico.
Sasuke tentou não sorrir, mas pelo olhar surpreso e desconfiado do aluno ao seu lado havia falhado.
— Bom, vamos continuar. Lee, Gaara. Foram muito bem. Mas sua esquerda não está boa, Lee.
— Desculpe, Senhor! — Respondeu o aluno de sobrancelhas grandes e que usava um short verde colado demais. Era mais hiperativo que Naruto ainda, o que era algo grande.
— Naruto, sua vez, Senhor atrasadinho.
— Desculpe, Professor Kakashi. — Ele se levantou coçando a cabeça, o rosto corado. — Não vai se repetir.
— Espero que não. — O homem falou tentando ser severo, mas sem conseguir, e mais uma vez Sasuke pensou que todos caiam no encanto daquele idiota. — Vamos lá.
— Sim!
— Inuzuka, você será o adversário.
Não acredito, Sasuke fechou a cara.
Kiba Inuzuka era um grande imbecil. Isso nunca fora da sua conta, o garoto era só mais um metido a valentão tentando se auto afirmar. O problema, era que ele era um dos casos que o estúpido do loiro não reparava que não tentava chamar sua atenção só para irritá-lo.
O Inuzuka não perdia a oportunidade de provocar Naruto no meio das lutas, todo o tempo. Levara uma surra dele logo nos primeiros dias no tatame, e aquilo parecera atiçar aquele imbecil para cima do garoto irlandês. Devia ser algum tipo de tara, Sasuke pensava.
Naruto era lento e não reparara ainda que aquilo não era apenas rivalidade. Que Kiba buscava contato em demasia durante as lutas, que o provocava para aquilo, e aquele maldito esquentado caia sempre.
Inuzuka abrira um sorriso branco e alguns garotos riram atrás dele. Sabaku, que se sentava, parou no meio do caminho encontrando Naruto que ia para o centro do tatame e lhe falou algo que Sasuke não conseguiu ouvir. Viu Naruto assentir franzindo a testa deixando as sobrancelhas loiras juntinhas por alguns instantes enquanto olhava ao redor. Sasuke seguiu o seu olhar para então sentir uma onda de ódio se apoderar de si, tendo que fechar os punhos.
Na arquibancada, assistindo a luta estava Obito, em seu terno e gravada sentado de forma relaxada, conversando com as alunas, e, vendo-se que as meninas riam, fazendo piadas. O olhar dele seguia o loirinho. Viu um sorriso desdenhoso no diretor ao encontrar seu olhar e respondeu com frieza, voltando o olhar para Naruto que ainda olhava para arquibancada. Ele estava pálido, os punhos fechados com as mãos ao longo do corpo, e a expressão no rosto dele era uma raiva que Sasuke nunca vira, nem mesmo quando eles brigaram.
Logo perdeu as expressões dele, pois ele se virou de costas para si e de frente para o outro aluno que ainda sorria. Sasuke viu apenas as costas bronzeadas, e a grande tatuagem que a cobria entre as escápulas. Eram símbolos estranhos, uma língua que não conhecia, mas pareciam frases que se iniciavam perto de sua nuca, na base, e então desciam por sua coluna, e ao fim das escápulas se alargavam novamente tomando toda as suas costas, findando acima do cóccix. De longe, elas pareciam formar o desenho de uma ampulheta construída de frases estranhas.
Após o cumprimento obrigatório entre os adversários, ele se posicionou, seu pé direito indo para trás, lhe dando aderência, e o esquerdo levemente para frente. O corpo ereto, enquanto posicionava as duas mãos frente ao troco, em punhos. O olhar ferino fixado em Kiba, que também tomava sua posição.
— ... Lutem!
Desviou os olhos para a luta, vendo os movimentos rápidos do loiro que atacava. Ele era pequeno em comparação a Kiba: Naruto tinha por volta de 1,65, no máximo, o que o fazia muito menor que a maioria dos alunos ali dentro. Ainda assim, ele parecia ganhar de todos os lutadores, justamente usando sua altura que seria uma desvantagem. Seus movimentos eram selvagens, mas ao mesmo tempo fluidos. Ele parecera incorporar muitos estilos de luta e fazer uma própria sua, que o tornava o melhor lutador que já vira. Além de pensar rápido durante os combates, ter sempre saídas criativas e que surpreendiam os adversários.
Kiba desviava das investidas, já que era sua única opção. Naruto girou suavemente sobre o pé esquerdo, tomando impulso e acertando um chute na lateral do corpo dele. Kiba perdeu um pouco do equilíbrio, sendo obrigado a dar dois passos para trás, mas nem teve tempo para pensar, pois Naruto já estava sobre si, com o punho direito pronto para lhe acertar a face.
Por algum milagre ele conseguiu desviar para a esquerda, antes que fosse alvejado pelo soco potente do outro garoto e pulou para o lado, tentando tomar distância. Naruto arfou levemente, endireitando a postura, sua expressão mudando para concentrada. As mãos ainda em punhos, ele partiu em direção ao adversário com uma ferocidade que deixou até mesmo Sasuke surpreso.
Kiba arregalou os olhos quando o viu indo em sua direção, e resolveu, que simplesmente era hora de atacar. Quando o viu armando um soco, conseguiu ser mais rápido lhe lançando um combo rápido de socos e chutes, que Naruto segurava. Ora com as mãos, ora com o antebraço.
— Está irritadinho, loirinho? – Sasuke ouviu a voz desdenhosa e franziu o cenho.
Naruto empurrou Kiba, tentando lhe passar uma rasteira. Os dois se afastaram de onde estava, mas pareciam continuar falando. Ou Kiba ainda estava falando enquanto Naruto atacava.
O Inuzuka não tinha nenhuma chance. Além do que Naruto parecia ainda mais raivoso do que o normal, o atacando com violência. Daquela distância, ele não conseguia mais ouvir o que eles falavam, mas ele via que Kiba falara algo que fez o olhar de raiva do loirinho aumentar. Ele ouviu a resposta, no entanto, que devia estar muito alta para que ouvisse dali.
— Não me provoque, Inuzuka. Hoje não é um bom dia para isso.
O tom era assustador, até mesmo Sasuke estranhara. Naruto geralmente sabia ser intimidador, mas aquela voz cheia de veneno era estranha para ele.
Sasuke virou o olho para cima e encontrou o olhar de Obito vidrado na luta, com um sorriso bobo. Sentiu um arrepio na sua espinha, incomodo. Ouviu o som alto de algo se chocando contra o tatame. Quando voltou a focar em Naruto, Kiba devia ter falado mais alguma coisa e o outro havia o imobilizado. Ele estava de cara para o chão e Naruto de pé, o joelho apoiado e suas costas e sobre o braço esquerdo pouco acima da cintura, o prensando no chão, o braço de Kiba torcido par atrás. O dedo indicador estava pressionado no centro da palma da mão do outro, virando seu pulso. Ao mesmo tempo que empurrava o braço cada vez mais para trás, Kiba sendo obrigado a erguer o ombro, gemendo e ofegando.
— Uzumaki, pare, acabou! — O professor falou, sem sucesso. Sasuke ouviu um grito estrangulado do outro aluno. — Pare! Vai quebrar o braço dele!
A voz do professor saiu autoritária, os outros alunos cochichavam e algumas meninas se levantaram. Todos confusos e assustados.
— NARUTO!
Ele não ia soltá-lo. Ouviu outro grito do Inuzuka e Kakashi tentou apartá-los, mas antes de conseguisse, uma voz calma e conhecida falou de perto do tatame, quase fazendo Sasuke pular de susto.
— Naruto, leag as!
Sasuke virou o rosto de onde já se levantava para interferir na luta, fazendo com que alguns alunos o olhassem surpresos, uma vez que ele não se metia em nada. Logo a surpresa foi direcionada para Itachi, parado ali onde ninguém antes havia percebido sua presença.
E ainda maior foi a surpresa ao ver Naruto soltar o braço do outro aluno que estava vermelho e se afastar, ainda tremendo de raiva, mas com um olhar confuso que ia de Kiba gemendo, para Itachi que o olhava com uma expressão séria.
Kakashi foi até Kiba no chão.
— Você deslocou o ombro dele. — Ele nunca havia visto o professor tão furioso. Kiba gritou quando, sem aviso prévio, Hatake moveu o ombro dele de volta para o lugar. Kiba continuou gritando e o homem revirou os olhos de forma exasperada.
— Kiba, não é para tanto. Vá a enfermaria, Lee, o leve.
Ao terminar de falar o homem lançou um olhar decepcionado para Naruto que se encolheu.
— Professor... Me desculpe.
— Eu sei que ele provocou Naruto, mas isso é o tipo de coisa que não se admite. Quando eu digo que acabou, acabou. Vá para o vestiário, você vai para a detenção e está dispensado da minha aula até eu dizer o contrário.
Sasuke não conseguiu ver a expressão e Naruto, coberto pelo cabelo, só o viu assentir e pular do tatame, passando direto por Itachi sem olhá-lo. Ia atrás dele, mas a voz do professor o parou no ato.
— Sua vez, Uchiha. O Uzumaki está dispensado, você não.
Risinhos tomaram o lugar antes tenso. Só quem não riu foi Sabaku que olhava de forma preocupada para onde Naruto sumira e Sasuke que alternava o olhar entre Naruto que seguia a passos apressados, e o lugar onde seu irmão estivera antes, nem notando que a arquibancada também ficara vazia da presença do outro Uchiha.
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Naruto chutou o armário, ainda tremendo. Os lábios presos entre os dentes
— Maldito!
Colocou as mãos nos cabelos loiros. Ele sentira tanta raiva no tatame, que quase quebrara o braço de alguém. Ele ia fazer isso, ele queria de verdade. Sempre brigara, mas sempre tivera motivos. Certo que o Inuzuka era um imbecil, mas o que o incomodava, o que o fazia se odiar naquele momento, era que aquela raiva toda não era para ele, ele descontara no outro aluno todo o ódio de Obito, e aquilo era inadmissível, odiável.
— O que eu ia fazer? — Perguntou, se sentando no banco e colocando a cabeça entre as pernas.
Aquilo tudo estava mexendo com sua cabeça demais, estava o transformando em um monstro. A espécie de pessoa que sempre abominou. Não queria aquilo.
Gritou e esmurrou o armário com força o bastante para amassá-lo.
— Está destruindo minha propriedade.
A voz odiosa o fez se virar rápido, se erguendo de supetão e encontrando o olhar malicioso de Obito. Aquele olhar que o fazia sempre gelar e querer fugir como um moleque medroso. Apenas o banco longo do vestiário os separava, mas Naruto imaginou que fosse um grande muro para tentar se manter firme ali. Deu alguns passos para trás até encostar-se ao armário e o enfrentou com o olhar azul raivoso, juntando todo o seu espírito de rebeldia possível.
Obito olhava fascinado aquela figura baixinha na sua frente. Naruto o olhava com uma determinação cega que beirava a insanidade, aquilo era muito curioso. Sabia que ele estava com medo, sentia isso, mas ele o enfrentava com um olhar que poderia ser intimidador até. E a julgar pelo pequeno espetáculo no tatame, não era só o olhar de Naruto que era intimidador e que se necessitava ter cuidado.
Parece que tentar arrancar seu olho com uma caneta não havia sido algo do momento, ele realmente era perigoso.
A imagem que tinha na sua cabeça sobre ele era diferente: Um olhar puro, um sorriso sempre doce e acolhedor. Fora a primeira imagem que tivera em sua mente quando não tinha nem 3 anos direito. Ele não sabia quem ele era, mas ele sempre estava lá, na sua cabeça, de várias formas, de várias idades, mas sempre era ele. No começo, achava que era um anjo. Quando entrara na adolescência, continuava a sonhar com ele todas as noites, e a imagem dele perdera a inocência e passou a ser objeto de seu desejo.
Nenhuma mulher era o bastante, nem mesmo homens, ninguém era ele, e aquilo era enlouquecedor. Até que encontrara um amigo que lhe explicara sobre ligações de outras vidas, e ele viu ali que talvez fosse aquele seu caso, ou então realmente ficara louco com todas aquelas visões, com tudo o que vivia ao lado dele todas às vezes. Com a vida que havia levado, não era algo impossível, mas algo dentro de si gritava que não, que ele o encontraria. Se guiando por seus instintos, fez tudo o que fez na vida, querendo apenas se guardar para o momento que o encontraria.
E, por Deus, que nenhuma imagem mental sua lhe preparara para ele, de fato. Não condizia em nada. Nada. Era como se tudo o que sonhara fosse apenas um esboço do que Naruto, aquele era o nome daquela vez, se apresentara. E ali era a obra completa. A coisa mais perfeita que já vira, seu sonho. Seu. Ele ser perigoso só provava isso, como foram feitos um para o outro dessa vez.
E depois que tudo aquilo acabasse, toda essa confusão, ele o levaria consigo e poderiam ficar juntos, para sempre.
O que lhe lembrava do assunto que o levava ali. Naruto, a imagem de Naruto a sua frente, com aquele ar de desafio, sempre o desviava, fazia sua mente nublar, e tudo o que queria era jogá-lo contra armário ou arrastá-lo até aqueles chuveiros e fazer tudo o que quisesse com ele.
— O que quer? — A voz saiu seca, mas Obito notara ali, algo de temor que o fazia se sentir triste, e ao mesmo tempo divertido. Era bonitinho como Naruto tentava fingir que não estava afetado por sua presença.
— Ora raposinha, apenas conversar. Mas primeiro, parabéns pelo combate.
Viu a expressão do pequeno desabar um pouco e os grandes olhos azuis ficaram tristes por baixo dos cabelos úmidos de suor.
— Aquilo... Não era... — Ele balbuciou desviando o olhar e apertando os pulsos.
— Foi muito bom. Você luta bem, minha raposinha.
— Não me chame assim! — Ele encontrou seu olhar novamente, com raiva. Quase rosnando. — Não te dou esse direito!
Obito fechou a cara e se aproximou de forma perigosa.
— Eu tenho permissão para tudo, ou se esqueceu de nosso pequeno acordo?
Naruto o olhou hesitante, medindo a aproximação, e então negou devagar.
— Ótimo. Agora você vem comigo, precisamos conversar.
— Naruto! Você está...
Os dois se viraram para a porta por onde um ruivo entrava ofegante. Obito desfez a expressão sombria e sorriu do seu jeito tipicamente idiota, se afastando enquanto Naruto continuava colado ao armário.
— ...bem? — O outro garoto terminou paralisado, olhando de um para outro confuso.
— Ele está sim. Foi uma boa luta, Uzumaki, espero que aceite meu convite para o campeonato.
Naruto demorou um pouco, atordoado, mas assentiu perante um olhar de Obito, frio: — Vou pensar.
— Claro, Claro. Nos vemos. — E saiu pelos bancos para a saída, com um aceno para os outros dois.
Os adolescentes ficaram o vendo sumir, e só então Naruto conseguiu respirar normalmente e se sentou no banco de costas para Gaara, a mão na testa, os olhos fechados.
— Ei... — Gaara falou preocupado, se sentando ao seu lado. — O que foi isso?
—Nada, Gaara. — A voz saiu um pouco falha e pigarreou. — Ele apenas me convidou para o maldito campeonato, não ouviu?
O outro suspirou.
— Como se eu fosse cair nisso. — falou calmo.
— Olha, escuta... — Naruto começou pronto para tentar enrolá-lo.
— Pare, não precisa me falar. Eu só estou preocupado, Naruto, por que fez aquilo com Kiba?
— Ele me provocou! — Falou, levantando a cabeça e encarando os olhos verdes preocupados, sem aquela expressão fria que Naruto já se acostumara. E mais uma vez lembrou de Minato e se encolheu.
— Sabe que não foi só por isso. Ele sempre te provoca, e você nunca o machucou tanto. Você não é assim.
Naruto riu de forma autodepreciativa, desviando os olhos.
— Você não me conhece.
—Você não é assim. — Gaara repetiu. — Seja o que for, o que estiver acontecendo, me conte quando estiver pronto, eu realmente quero ajudar, Naruto. Eu gosto de você.
Gaara hesitou por alguns segundos e Naruto o olhou de lado, curioso com a pausa. Temia um pouco o que vinha depois disso. Os olhos verdes estavam no chão, a expressão também confusa, então resoluta.
— Eu nunca tive uma família normal. — Gaara se sentou ao seu lado, olhando para os armários, o tom de voz calmo. — Meus irmãos nunca gostaram muito de mim, minha mãe morreu e meu pai sempre me culpou por isso. Eu nunca tive ninguém por mim e nunca achei que precisasse. Mas eu sinto necessidade de proteger você, como se você fosse um irmão mais novo, como eu queria que meu irmão tivesse feito comigo.
Naruto sentiu seu coração acelerar e seus olhos embaçaram um pouco. Piscou rapidamente, um sorriso involuntário se formando em seu rosto. Pela primeira vez no dia se sentiu menos sozinho.
— Eu sou mais velho que você, Gaara. — Pontuou, empurrando Gaara com o ombro de leve, seus pés balançando no piso de forma mais animada.
— Não parece. — Respondeu com um sorriso de canto e Naruto fez um muxoxo engraçado.
— Lá vem com piadas de baixinho.
— Não citei sua altura, você que falou.
— Gaara!
Gaara riu baixo do rosto zangado do outro e bagunçou seus cabelos.
Perto de um dos armários, Itachi os vigiava com um sorriso sereno no rosto.
Não importava a época, o nome, a idade, ou a aparência, ele sempre conquistava as pessoas facilmente. Assim como acontecera com ele e seu irmão no momento que o viram na porta daquele templo, centenas de anos atrás, ao ver aquele sorriso iluminado.
Ele sempre teria todos que quisesse e não quisesse presos em seu charme. E isso sempre fora sua benção e sua maldição.
Foi isso que o os levara a onde estavam agora.
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Naruto escapou de Itachi ao sair do quarto, não querendo ver seu tutor depois do que havia acontecido mais cedo. Quando chegou ao refeitório, foi bem audível o silêncio repentino. Os olhares intensos todos voltados para si. Naruto revirou os olhos, já cansado de todo aquele teatro idiota daqueles alunos que o olhavam como se fosse o Exterminador do Futuro.
Bando de covardes.
Foi até a bancada, pegando uma bandeja a deslizando pela estrutura de metal que a rodeava, pegando uma maçã e uma lata de refrigerante. Agarrou a bandeja e desviou de alguns alunos, já tendo uma mesa em vista para sentar-se.
Havia ficado na tal detenção pelas últimas aulas, detenção essa que se resumia em ficar em silêncio por três horas numa sala de aula vazia com um velhinho lendo uma revista pornô. Havia sido horrível, um tédio, mas pelos menos pode dormir boa parte do tempo. Sentiu um frio na espinha poucos segundos antes que uma mão agarrasse seu ombro firmemente.
Uma mão fria.
Se virou rapidamente, os cabelos loiros sendo jogados sobre seus olhos, mas ainda sim sendo bem visível as feições perfeitas de Sasuke. O coração acelerou e Naruto engoliu em seco perante aquele olhar questionador. Nenhum dos dois se pronunciou por alguns segundos.
— Naruto... Pode se sentar comigo? — Sua voz estava dois tons mais baixo, e por mais estranho que fosse, Sasuke não foi ríspido.
Deve ser um milagre.
Por um momento ficou sem reação, piscou, e por fim assentiu. Sasuke se virou e caminhou na frente indicando a direção. Naruto o seguiu, sentindo todos os olhares em si. O Uchiha desviou de algumas mesas até uma que ficava mais no canto, perto das amplas janelas que davam visão do jardim externo. Uma bandeja jazia ali, com uma refeição completa e reforçada sobre ela. Naruto olhou a fartura estranhando-a, Sasuke nunca se mostrou ser do tipo que comia muito. Mesmo assim, viu-o se sentar de frente a bandeja, e relutante se juntou a ele se sentando a sua frente depositando sua bandeja também ali.
Viu Sasuke repousar os cotovelos na beirada da mesa e cruzar os dedos a frente do rosto. Os olhos negros avaliadores fincados nos seus, logo desviando devagar o olhar para sua bandeja praticamente vazia e novamente voltando o olhar para seus olhos. Naruto começou a se incomodar com a atenção exagerada que recebia e resolveu dizer algo.
— Então Sasuke, o que você quer? – Sua voz estava incerta enquanto o outro continuava calado o observando. Pegou a maçã envergonhado a girando entre os dedos, a olhando. E depois de devagar rapidamente concluiu que aquilo era ridículo. – Ora Sotalach! Vai se foder!
Se exasperou, já se levantando jogando a maçã na bandeja e a agarrando, se virando para sair daquela situação estranha.
— Só se for foder você, Dobe. – Naruto parou arregalando os olhos e tomando o tom carmesim nas bochechas, se virando rapidamente para fitar aquele maldito.
— O que disse?
Seu tom ultrajado e irritado fez Sasuke sorrir debochado. Nem adiantava tentar disfarçar, ele sabia ter o envergonhado.
— O que ouviu. Agora se senta aí porque me deve explicações. – Naruto abriu a boca soltar uma torrente de insanidades, mas foi calado antes que começasse. – Nem vem com essa de querer fugir de mim de novo, Dobe. Lembra do jeito que ficou todo derretido ontem? A hora de fugir já era.
E novamente a cor já bem retratada na face pálida se destacou. Naruto novamente se sentou, engolindo todo seu orgulho, mordeu o lábio inferior e desviou o olhar. Sasuke para piorar ainda mais seu dia o fazia lembrar daquela coisa vergonhosa que estavam fazendo no quarto no dia anterior. E ainda por cima ficava o olhando com aquela cara deslavada.
Esse cara tá se achando muito.
—Eu não te devo nada.
Suspirou, abaixando a cabeça, sua vermelhidão abrandando. As duas safiras fixadas no tampo de madeira da mesa.
Sasuke o fitou os cílios louros e longos tapando parte de seus olhos claros, e irritado com toda essa situação, ignorando a última fala, foi logo ao ponto.
—Naruto, o que foi aquilo mais cedo? Você me assustou agindo daquela maneira. – Abaixou pouco o rosto, procurando os olhos azuis. – Nem parecia ser você mesmo, irreconhecível.
— Sasuke... Eu só perdi o controle com ele. O Kiba sempre me irrita e eu já tava meio de saco cheio. – Sua voz saiu suplicante, um pedido mudo para que as perguntas parassem. Não sendo atendido, ele não se dando por vencido pela aquela resposta.
— Sei que não foi só isso. Eu vi. Vi quando você olhou o... Obito na arquibancada. Você antes até tinha sorrido para mim e depois, ficou completamente descontrolado. – Naruto abaixou ainda mais a cabeça, engolindo em seco. Pelo jeito Sasuke não perdia nada, ele havia o visto, ele havia visto e notado tudo.
Isso é ruim. Não. É péssimo!
De repente lembrou que nem todo mundo era paciente como Gaara.
— Não é o que você está pensando. Eu só fiquei um pouco desconcertado pelo diretor estar ali, sabe, eu quero ingressar na NSDA como meu pai. E uma recomendação vinda dele seria ótimo. – Ele odiava mentir. Odiava mentiras. E odiava ainda mais ser um mentiroso, mas era o que sabia fazer de melhor.
Isso tudo culpa daquele filho da puta. E mesmo odiando tanto isso assim, sabia que se não o fizesse, Sasuke ficaria ainda mais em risco. Ele ficaria desconfiando do diretor e posteriormente o confrontaria, fato. E Naruto tinha de impedir isso a qualquer custo.
— É importante para meu pai que eu me saia bem aqui.
Terminou sua explicação rapidamente, engolindo em seco.
— Hn.
Sasuke continuava com a mesma expressão desacreditada, o olhando por cima das mãos cruzadas. Ergueu o rosto, os olhos azuis céu se prendendo nos dele intensamente.
Seu estômago gelou, lembrando de ambos naquela cama, ele estava quase... O tocando de forma mais íntima. Se não fosse Itachi... Desviou os olhos.
— Vou fingir que acredito. – Havia decidido não o forçar mais, estava óbvio que Naruto não lhe diria nada a mais que aquilo. Então resolveu mudar de assunto, já que, por mais que quisesse saber sobre aquilo, não gostava aquela tristeza nos olhos azuis. – Você não vai comer?
Naruto ergueu os olhos, e riu. Simplesmente riu. Sasuke descruzou as mãos erguendo uma sobrancelha negra em dúvida, afinal, aquele Dobe começou a rir do nada.
— Que foi, seu idiota? – perguntou. E o riso do Dobe aumentou.
Mesmo que quisesse se fazer de irritado, ele havia gostado daquilo, ver Naruto rir tão naturalmente. Era cativante, era um alívio. O som era lindo, suave e rouco, tão contagiante que fazia Sasuke querer rir junto a ele.
Mesmo assim, não deixava de ser algo triste. Tinha dor ali, medo, raiva, seus olhos transpareciam tudo, e Sasuke enxergava bem o que ele tentava ocultar. As olheiras escuras abaixo dos olhos eram uma prova, tal como a palidez.
Chegava a ser doloroso para Sasuke.
— Tú amaideach... Você não p-pegou tudo isso para mim não né?
Naruto conteve o riso, colocando a mão direita sobre os lábios.
— E se for, Dobe?
Sasuke, de fato, havia. Era da sua natureza querer alimentar as pessoas, e Naruto claramente precisava ser alimentado.
— Se for, foi desperdício. – Pigarreou para que sua voz rouca voltasse ao normal, suspirou alto antes de terminar. Aquela áurea travessa o rodeando. – Pois nem morto como tudo isso. Eu nem estou com fome, Sotalach.
— Pois vai comer. – Naruto se assustou quando sua bandeja foi arrancada de sua frente e a outra tomou seu lugar. E mais rápido ainda foi quando Sasuke pulou sobre a mesa se sentando ao seu lado no banco longo. – Nem que seja a força.
O coração de Naruto acelerou. Sasuke havia se sentado tão perto que suas pernas se encostavam lateralmente. Ele se aproximou, seu ombro esquerdo tocando o seu direito, para pegar algo na bandeja. Mas Naruto estava atônito demais para notar o que era. Tamanha proximidade em público.
Isso era muito, muito, muito ruim.
Eu tenho que fazer algo, Obito vai...
Se afastou instintivamente, sendo arrancado de seus devaneios fora de hora, quando algo morno tocou seus lábios, olhando rapidamente para o pedaço de pizza que Sasuke segurava perto de sua boca. Viu-o sorrir.
— Ei Dobe, tá em que mundo hein? Come logo, não é todo dia que estou de bom humor o bastante para dar de comer na boca a um marmanjo. – disse, seu tom azedo voltando e o sorriso debochado aumentando.
— Ah! Vai pra puta que pariu, Sotalach! – Tentou o afastar, mas foi segurado pelas costas, o braço esquerdo do mais novo rodeando sua cintura. — O QUE? Sasuke você tá maluco estamos no meio do refeitório me solta!
— Que se foda todos esses coitados. Agora diga: Aaa.
.......
Hilário.
Era a única coisa que resumia a cena que Itachi observava de braços cruzados, encostado a batente da entrada do refeitório. Uma distância segura para que ambos não o vissem, mas nem tão longe, para que desse para ver a interação cômica dos dois. Nunca imaginou ver seu irmãozinho rabugento dando comida na boca de alguém. Nunca, nem em seus mais obscuros pensamentos.
Não conteve uma risadinha ao ver Naruto comer a força o pedaço de pizza, sempre tentado se soltar do agarre de Sasuke, se mexendo de um lado a outro.
Nem parecia o mesmo Naruto de expressão carregada de mais cedo. Realmente eles faziam bem um ao outro.
Porém, toda aquela cena em meio aos alunos era um problema. Aquilo não passaria despercebido e chegaria a atenção de Obito. Aqueles dois chamavam atenção descomunal, e juntos, aquela atenção era triplicada, justamente por serem tão diferentes e ainda assim ficarem próximos.
Por hora, não faria nada. Na verdade, não poderia fazer nada, como sempre, deveria deixar o rio correr. Iria cumprir com suas obrigações, e quando tudo estivesse pronto, aí sim, faria algo de útil em todos esses anos.
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Naruto saia do banheiro, vestido com a calça de moletom frouxa e com a toalha esfregando os cabelos úmidos, por isso não o viu.
Apenas sentiu quando foi jogado na cama com força o suficiente para ela sair um pouco do lugar. Seus reflexos ultimamente não estavam bons devido à falta de sono, e ainda mais depois da luta com Kiba mais cedo, que lhe estava tirando a concentração totalmente.
O grito de susto foi abafado pela mão na sua boca, enquanto outra palma gelada segurava seus pulsos no instante em que tentou se livrar com um soco. Seja quem fosse, havia o imobilizado totalmente, o que era algo muito difícil de fazer.
— Silêncio.
A voz o fez se arrepiar e arregalou os olhos azuis na escuridão. Era Obito. Era a mão dele esmagando sua boca, e a outra apertando seus pulsos acima da sua cabeça, os prendendo contra o colchão. Sentia o peso dele sentado em suas coxas, o impedindo de mover suas pernas. A situação jogou um alerta e tentou se mexer com raiva e medo, mas foi em vão.
— Se não ficar quietinho, o seu colega de quarto vai acordar. E se isso acontecer vou ter que dar um fim nele. Você sabe que eu posso fazer isso.
Isso o fez congelar, os olhos azuis ainda mais abertos, presos nos negros na penumbra pela escassa luz que vinha pela porta do banheiro. O coração acelerado.
Sai.
— Vai cooperar?
Assentiu rapidamente e sentiu a mão largar a sua boca. Respirava pesadamente. Obito parecia divertido, usando a mão livre agora para segurar seu outro pulso, os prendendo ao lado de sua cabeça. Naruto apenas se deixava ser movimentado, sentindo seu sangue ferver de raiva por se ver tão submisso, além de seus instintos gritarem para que corresse.
— Não me olhe assim, só vim conversar. — A voz do outro era leve e divertida. — Eu sei que está entre os jogadores. Ora, não faça essa cara, sou o diretor lembra? E antes que pergunte, não, não fui eu quem escolheu os nomes. Ao menos não todos. O seu não. — Ele deixou que algo de pesar passasse em seus olhos e suspirou. Naruto continuava calado, sem saber o que falar, lutando com o impulso de fugir. Não podia ferir Sai também nisso. — Por isso, vim alertar você que perder não é uma opção. — Ele o fitou sério.
— Do que você...
— Silêncio, quietinho, eu disse. Vou lhe contar algumas coisas. Sabe aqueles corpos que encontrou na cabana? É o que acontece com quem perde. — Naruto arregalou os olhos, sua respiração presa em sua garganta. — Nada de expulsão, minha raposinha. Não temos espaço para perdedores que sabem demais, e são perigosos. Por isso, um alerta, não perca.
Obito soltou um dos pulsos, e passeou os dedos na pele do rosto do garoto, sentindo a maciez e o calor, com pequenos choques em seus dedos tamanha era a vontade daquele gesto. Ele estava mais pálido, com olheiras, mas ainda assim, lindo.
— E eu sei que vai tentar perder então eu...
— Por que eu tentaria perder?
A pergunta saiu em um sussurro, ainda parecendo atordoado.
— Um dos motivos, é porque você vai ter que fazer certas coisas que vai se recusar. Você sempre foi gentil demais, minha raposinha, sempre preocupado demais com os outros. Você é puro e inocente demais. Mas dessa vez terá que mudar, meu amor. Porque se perder... — Ele abaixou a cabeça e encostou a boca na orelha do mais novo, sussurrando de forma melodiosa. — Eu vou matar toda a sua família, acordo ou não. Vou matá-los, devagar e cruelmente, e fazer você assistir.
O corpo abaixo do seu tensionou mais ainda. Obito parou e o fitou, o rosto a centímetros do outro, sentindo a respiração acelerada dele. Por um momento sentiu o coração apertar ao ver que o os olhos azuis haviam marejado, talvez de medo, talvez de raiva.
— Por quê? — A voz dele estava trêmula e baixa. — Só me diga.
— Eu não posso perder você. — Obito falou com o rosto contorcido de dor. — Eu não posso, não quero e não aguentaria. E não tenho poder para impedir, caso você perca. Entenda Naruto, estou preso nisso também. Há pessoas maiores, eles querem você nesse jogo. Eles esperam que você morra, e você tem talento, o que faria o jogo mais divertido. Eu não vou deixar isso acontecer. Mas sei que precisa de um incentivo. E lhe dou esse. Você erra, sua família, Sasuke, e aquele seu amiguinho, Gaara, eu acho. Todos eles morrem.
Naruto deixou que as lágrimas vazassem, sua mente em frangalhos, sentindo todo o peso daquelas palavras lhe invadirem.
Fechou os olhos com força e sentiu o hálito em seu rosto, logo algo gelado e úmido passando por suas bochechas. Abriu os olhos, assustado, e se deparou com a cena de Obito lambendo seu rosto, suas lágrimas, a boca fria descendo para seu pescoço, beijando e mordendo. Sentiu seu estômago se retorcer, tentou se mover e seus pulsos foram presos outra vez.
– Parado. — A voz ordenou em seu ouvido. — Não chore.
Naruto congelou no lugar. Mas não porque ele mandara. Outra voz retumbou em sua mente, uma lembrança que tentara tanto reprimir ressurgindo com toda a força.
"– Quieto, meu ninfetinho."
Nãonãonão.
Não queria lembrar, não podia lembrar.
Ouviu um choro baixo na sua mente. Podia sentir a dor em seu rosto, a faca deslizando por suas bochechas, o marcando para sempre. A respiração pesada em seu pescoço, e então a dor absurda quando...
Não! Não! Pare!
— Pare. — Ecoou a voz em desespero, o tom saindo em um murmúrio sem ar.
E para sua surpresa, o outro parou e o fitou de modo surpreso ao sentir o corpo trêmulo abaixo do seu, a voz pequena aterrorizada em seu ouvido.
— Tudo bem, eu sei esperar. Só não chore mais. —Naruto estava em pânico, tremendo. A face muito pálida e as lágrimas caiam em abundância agora, sem poder parar. — Respire, Naruto. Respire.
A mão de Obito tocou no coração do garoto, tentando ignorar o calor da pele dele. Ele parecia estar prestes a entrar em um ataque de pânico, e se odiou por alguns instantes. Naruto era frágil, apesar de não querer aparentar. Talvez estivesse o forçando muito ultimamente, mas não havia jeito. Ele era teimoso demais, e a personalidade daquela fez era muito forte. Tinha que ser domado.
— Eu não vou fazer nada. Se não se acalmar vai desmaiar.
A voz soou calmante, ou tentou. Sentiu desespero ao pensar que ele mesmo poderia causar a morte de Naruto.
Se afastou dele rapidamente, ficando de pé e saindo de cima do corpo pequeno, lhe dando espaço para respirar. No mesmo instante o garoto se encolheu, as mãos agarrando os próprios cabelos com força. Estendeu a mão para tentar o impedir de se machucar, mas o viu se encolher mais ainda e parou.
A respiração dele começou a diminuir de velocidade enquanto o observava.
O corpo miúdo estava afundado no colchão com as cores da escola, encolhido como uma bola. Longe da imagem rebelde e desafiadora que já estava acostumado, ele parecia... pequeno. Frágil. Era a primeira que o via assim e se sentiu perturbado.
Ainda mais ao sentir que aquela necessidade que sentia segundos atrás não havia sumido. Seus olhos subindo para os músculos tensos das costas dele, da pele cor de mel apesar da recente palidez.
Respirou fundo, desviando o olhar. Se não saísse dali agora, de perto de Naruto, do cheiro dele, do calor dele, iria esquecer tudo e perder o controle de novo.
— Agora que está mais calmo, vou indo. — Falou com a voz rouca. — E lembre-se bem do que falei.
Naruto ergueu a cabeça ao sentir que o homem havia saído de perto dele e o viu ir em direção à porta. Antes de sair, novamente ouviu aquela risada brincalhona do outro.
—Ah, e seu amigo estava dopado. Ele não iria acordar, de qualquer forma.
A porta bateu e Naruto olhou para Sai, dormindo tranquilamente. E depois para suas mãos trêmulas ao se desenrolar da pequena bola protetora que havia formado. As colocou na boca, tentando se acalmar, abafar os soluços e controlar a náusea que sentia.
A sensação das mãos de Obito e as mãos em sua lembrança lhe davam vontade de querer arrancar sua pele fora. Correu para o banheiro e vomitou no vaso por algum tempo, entre golfadas por ar e soluços.
Se arrastou até o chuveiro e o ligou, deixando a água lavar sua pele, ainda vestido com a calça fina. Escorregou até o chão de azulejo e se deixou castigar pela água, abraçado aos joelhos em conforto, se balançando para frente e para trás.
— Pare de chorar. — Ordenou a si mesmo.
Um soluço forte tomou seu peito e fechou os olhos com força.
Queria seu daidi e sua mam ali.
— Pare de chorar agora!
Chorar não adiantava, nunca havia adiantado. Agarrou os cabelos molhados e gritou entre os joelhos.
– Pare de chorar! Tú coimil! Tú eagla orm!
Ficou assim no chuveiro até se acalmar e se sentir limpo. Enxugou-se quase arrancando a pele no processo.
Deitou encolhido na cama, os olhos vermelhos e inchados.
– Sasuke. — Chamou baixo, sem perceber, caindo em um sono exausto.
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"Sasuke...Sasuke..."
Sasuke acordou atordoado no meio da noite, a respiração acelerada. Foi um sonho estranho. Era como se tivesse ouvido a voz do Naruto. Sentiu uma angústia no peito, e se segurou para não ir ao quarto dele e ver como ele estava.
Se virou na cama, voltando a fechar os olhos
A imagem de Naruto se prendeu em sua mente. Definhando, como o via fazendo, e sentia seu coração se quebrar. Mesmo que tenha conseguido arrancar alguma reação dele no refeitório, aquele olhar triste dele, aquela reação descontrolada pela manhã. Ele não estava bem, nada bem. Mal comia, dormia nas aulas. Não desmaiara mais, mas parecia fraco. Era como se aquele terreno o estivesse sugando.
— Ah, Naruto.
Suspirou antes de fechar os olhos para voltar a dormir.
Um som triste embalou seus sonhos, como um choro incessante e tão triste que sentia que poderia chorar também.
Ao acordar pela manhã, com um grito preso em sua garganta, Sasuke não lembraria do que havia sonhado.
.....
An Cluiche – O jogo
Leag as! – Pare com isso!
Tú coimil! – Seu covarde!
Tú eagla orm! – Seu medroso!
Daidi – papai
Mam – mamãe
Tú amaideach – Seu idiota
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