"Você conhece aquele lugar entre dormir e acordar, o lugar onde você ainda pode lembrar de sonhar? É onde eu sempre te amarei. É onde eu estarei esperando."

── J. M. Barrie, Peter Pan.

*

"Aposto que ele é casado." um dos novatos do NYPD falou, bebendo seu refrigerante. Burkhardt, como estava escrito na placa de metal do lado direito de seu uniforme.

"Não vi aliança." David enfiou três batatas fritas na boca. Ele conheceu Nick na Academia de Polícia.

"Nem todos usam, há o risco de perder. Lightwood sempre coloca a dela no final do dia." o mais velho entre eles deu de ombros.

"Prestando atenção nela, oficial Jones?" Killian sorriu maliciosamente para o namorado, não que alguém dentro do Distrito soubesse, exceto os que sabiam.

"Tanto quanto você na Branca de Neve, docinho." Era como eles se referiam a oficial de treinamento de Nolan, Mary Margaret, o que talvez não fosse muito profissional, mas nenhum deles estava perto de seus superiores, comendo no horário livre em um trailer de qualidade duvidosa e sentados em cadeiras desconfortáveis, mas nenhum deles estava de férias.

"Eu realmente não quero vomitar, caras." Nick falou e David o olhou de maneira revoltada.

"Você é pior com o Capitão Renard."

"Ele é meu marido." Burkhardt sorriu, como se isso fizesse algum mísero sentido.

"Não sei se reparou, mas Killian não é mulher."

"Vou te bater com meu bastão."

"Só se você sacar o seu antes que eu saque o meu, o que eu duvido."

"Ok, Velho Oeste, acalmem-se. Essa cidade não é pequena demais para os dois." Jones riu ao ouvir as reclamações. "Por que não voltamos ao início? Temos no máximo só mais dez minutos."

"Eu já disse o que acho. Pra mim, Cameron é 100% casado." Nick deu uma última mordida em seu hambúrguer.

"Divórcio não superado?" David mais perguntou que afirmou. "Ele parece do tipo que supera rápido."

"Mas mesmo que estivesse sofrendo, o cara é como uma porta de aço, nada parece afeta-lo diretamente." Killian comentou.

"Exceto incompetência." Nolan concluiu.

"Isso não afeta a todos?" Jones tinha um leve sorriso nos lábios.

"Talvez ele até seja pai." Burkhardt recebeu risadas como resposta.

Não era possível que Rafe "Eu não tenho nome do meio" Cameron tivesse filhos.

*

Rafe era um dos melhores oficiais do Departamento de Polícia de Nova York e todos, dentro e fora do Distrito, sabiam, exatamente como sabiam que ele era mil vezes pior com zero cafeína no corpo, não sorria facilmente (há menos que alguém estivesse se ferrando) e se importava com uma quantidade mínima de pessoas.

Ele era um mistério, durão, competente e determinado, além de pilotar uma viatura como se fosse um passeio no parque. Cameron era ferozmente respeitado, admirado e invejado pelos de farda, mas não somente eles, o que o deixava presunçosamente com o ego inflado.

Lendário, era como algumas pessoas o apelidaram. Talvez pelos dois tiros que havia levado, possivelmente pela facada na costela que o deixou com uma cicatriz de vinte centímetros, sobreviver há uma bomba embaixo do próprio carro também estava dentro das possibilidades. (tudo era história para outra hora)

Rafe era um sobrevivente, um sobrevivente que odiava injustiças, não perdia tempo com informações desnecessárias e era ótimo com crianças.

Essa última parte foi Nick quem descobriu, já que Rafe era seu oficial de treinamento. (ele foi o único que aceitou. Burkhardt era um nome popular, principalmente envolvendo a escala de comando)

Eles receberam uma chamada às quatro e quarenta e cinco da tarde, um dos vizinhos ligou para o 911 sobre ouvir gritos na casa vizinha.

Rafe mal tinha quebrado a porta ("Estamos escutando barulhos, novato" "Sim, senhor") antes que um homem na faixa dos cinquenta fosse para cima dele com uma faca.

Consciente de que Cameron não precisava de ajuda, Burkhardt vasculhou o lugar. Aparentemente, o sujeito sempre escolhia um dia da semana para espancar o filho, decerto para não levantar suspeitas.

Ele ouviu uma respiração trêmula ao entrar na cozinha, encontrando o menino em um armário na parte de baixo, exceto que ele se assustou e apertou desodorante em seus olhos, o fazendo recuar enquanto gemia de dor.

Rafe impediu o mais novo de passar pela porta, se ajoelhando na frente dele.

"Ei, você está seguro agora, ok? O homem mau nunca mais vai te machucar." o menino tinha o lábio inferior trêmulo e cortado. "Eu e o meu parceiro somos policiais, defendemos os mais indefesos."

"V-Você é um super herói?" ele sussurrou hesitantemente, embora mais calmo.

"Não conte isso pra ninguém." Rafe fez o gesto do silêncio. "Não podemos proteger a cidade com nossas identidades reveladas."

"Igual o Batman?" ele deu um pequeno sorriso, seus olhos brilhando.

"Burkhardt está mais pra Robin." Rafe olhou por cima do ombro dele, que fez o mesmo. Nick provavelmente queria lavar os olhos, mas tinha a cara enfiada na geladeira.

Cameron e o menino (John, eles descobriram mais tarde) riram, ainda com o homem inconsciente no chão da sala algemado a escada.

*

O ponto era que, Rafe era feliz, ele constantemente sorria para o celular e recusava flertes e convites para sair depois do trabalho como se fosse a peste da era vitoriana. Nas raras vezes que alguém o pegava em ligação havia um tom apaixonado em meio as ironias e presunções.

Obviamente comprometido.

Os polvos tinham três corações, a menor constelação se chamava Cruzeiro do Sul, também conhecida como Crux, e Rafe tinha uma esposa ou esposo ("Aquele homem é hétero como uma porta" David disse, Killian discordou e eles ficaram nessa até que estavam quase se beijando contra o balcão do bar, Nick, Renard e outros policiais somente algumas mesas de distância) esperando por ele em casa.

*

Era o dia livre de JJ do hospital. Afinal, os pediatras também deixavam os filhos na escola, aproveitavam a praia e comiam sorvete enquanto jogavam vídeo game, não necessariamente nessa ordem.

Eles inclusive cochilavam e acordavam com o celular tocando contra a bochecha.

JJ sorriu ao avistar a foto de contato do marido com as crianças. Ele era o terror dos encalhados.

"O que quer?" bocejou, ouvindo a breve risada de Rafe, o que não aqueceu seu coração, não mesmo.

"Casamentos já acabaram por menos, amor."

"Desculpe, cereja do meu bolo, lua do meu sol, lubrificante do meu..."

"Ok, JJ, já entendi."

"Está tudo bem?" JJ estremeceu. Rafe não estava machucado, estava? O hospital ligaria, eles eram o contato de emergência um do outro. "Você está bem?"

O amor da vida dele já tinha enfrentado a morte várias vezes, mas isso não o tornava imortal ou indestrutível.

Por causa disso, eles tinham o hábito de ligar ou deixar mensagens durante o trabalho. Um terapeuta provavelmente não acharia saudável o quão codependentes eles eram, exceto que nenhum deles poderia ligar menos.

"Sim, eu estou, baby." a próxima respiração de JJ foi repleta de alívio. "Mas é que já passou do horário de almoço e eu ainda não comi, entendeu?" sua voz tinha uma sugestão de sorriso travesso que JJ queria morder.

"Entendi, você quer me ver, mas também me usar como Delivery."

"Eu sempre quero ver você, querido." o mais novo sorriu para as paredes do quarto.

O que as pessoas comuns, em casamentos comuns, faziam quando não eram obcecadas e codependentes uma pela outra?

"Carente?" JJ estava, como um membro fantasma latejando por atenção.

"Quero você perto o tempo todo, é uma maldição." a voz de Rafe saiu baixa e JJ queria beijá-lo até perder o ar. "Tailandesa, neném, com anéis de cebola extra." ele odiava anéis de cebola, seu marido não.

JJ balançou a cabeça para tirar os pensamentos sujos e abriu o aplicativo de comida que eles normalmente usavam.

"Como foi o dia de faxina?" Rafe perguntou com uma risada.

"Dia de faxina?" ele franziu a testa.

"Você arrumou a casa como eu pedi não foi?"

"Baby, acho que a ligação vai cair."

*

Rafe estava terminando a papelada de alguns detentos na sala de descanso quando Izzy o chamou.

"Maridão chegou." ela falou com um sorriso. "Acho melhor se apressar, ele está com os novatos." Rafe revirou os olhos antes de sair da mesa.

Ele encontrou seu marido em uma cadeira com rodinhas, rindo e rodando como um homem despreocupado com a vida. Alguns policiais estavam ao redor dele, o que Rafe entendia, era JJ afinal.

"E aí eu virei pro cara e disse: Chupa minha bunda, babaca." os outros riram.

É, Rafe conhecia essa história.

"Depois... Amor!" os olhos de JJ pousaram nele e foi como ser atingido pelo sol, quente, agradável e brilhante. Ele se levantou em um movimento rápido e quase foi pro chão se não fosse Rafe o segurando. "Meu herói." sua voz saiu zombeteiramente sincera.

"Você não podia não chamar atenção não é?" Rafe bufou e JJ sorriu, a imagem perfeita da inocência.

"É meu estilo."

"Vamos." JJ alcançou as sacolas de comida que tinha deixado em cima de uma mesa aleatória. Sargento Anderson, Rafe reconheceu antes de olhar para os novatos, eles pareciam um pouco pálidos.

"Tem certeza de que é o mesmo merdinha que vocês falaram?" a pequena multidão sumiu antes que JJ terminasse a frase, deixando somente Burkhardt, Jones e Nolan.

Rafe os encarou enquanto o trio tentava bravamente evitar contato visual.

"Estamos ferrados." ele ouviu Burkhardt falar à medida que se afastava com JJ.

"Nunca confie em loiros." Killian resmungou.

"Eu sou loiro." David respondeu.

"Exatamente, companheiro."

"Isso está melhor do que da última vez." seu marido disse ao seu lado, referindo-se à última vez que ele foi oficial de treinamento.

"Eu sei." Rafe sorriu. Ele amava seu trabalho.

*

Foi somente duas semanas depois que os novatos descobriram sobre a grande questão. (sim ou não para a paternidade Cameron?)

Tudo isso porque Rafe pediu para sair mais cedo.

"Aconteceu alguma coisa, senhor?" Nick questionou preocupado enquanto o outro terminava de colocar o relógio, de volta com as roupas de civil. "É o JJ? Ele está bem?" Ele e o marido de Rafe tinham ficado próximos desde o encontro no meio do Departamento, saindo para assistir futebol, treinar e jogar vídeo game.

Seus maridos não tinham ficado exatamente satisfeitos, mas nenhum deles queria dormir no sofá, então ficaram calados.

"JJ está bem, eu é que não vou ficar se não estiver na escola em vinte minutos." O primeiro pensamento de Burkhardt foi que era impossível ficar menos de vinte minutos no trânsito da cidade, o segundo ele verbalizou em voz alta.

"O que vai fazer na escola?"

"Peça de teatro, não é sempre que seus filhos fazem Peter Pan." Ele ajeitou a gola da jaqueta com um sorriso orgulhoso.

"F-Filhos... No plural?!" Ele tinha pensado em apenas um, mas pelo menos tinha vencido a aposta.

"Olha, você sabe contar os substantivos." Rafe o deu um tapinha nas costas antes de sair, deixando Nick sozinho no vestiário por longos minutos até que a moça da limpeza entrasse.

Maldita hora que David foi no dentista e Killian precisou ser testemunha em um tribunal.

Nick
Vocês me devem 15 dólares.

David
Anderson, Cameron ou Thornton?

Killian
Na verdade, Anderson não está dormindo com aquele advogado. Ela está de casamento marcado com ele.

David
Puta merda.

David
Explica porque ela parecia querer jogar a chave fora da cela daquela mulher de salto que não tirava os olhos dele.

Nick
Ponto pra ela e 10 dólares para o pirata.

Nick
Ah.

Nick
Rafe foi assistir a peça
de teatro dos filhos.

David
O quê?!

David
Mas que porra!

Killian
Isso faz tanto sentido.
E nenhum ao mesmo tempo.

David
Estou tendo um infarto em uma sala de espera!!!! Como aquele homem é gay e pai?!

Nick
Achei que ele era bi.

David
Essa é a maldita parte que você está focando?!

Burkhardt riu, deixando o caos do grupo para ir procurar Carrera, afinal, havia sido designado para ela. (ele meio que sentiu falta de Rafe gritando com ele)

*

Notas da autora: Como eu imagino que foi a conversa do trio parada dura + um surfista no pedaço.

David: Pois não, posso ajudar?
JJ: Quero falar com o Rafe, ele tá aí?
Killian: O diabo está em todo canto.
Nick: Vamos ser demitidos.

Ok, precisamos falar sobre juntar Grimm, Once Upon a Time e Outer Banks ou estamos todos surtando calmamente? Porque eu nunca pensei neles juntos, mas agora acho que tenho uma nova obsessão.

Por favor, quem pegou os easter eggs comenta.