capítulo 3
3
Por um momento, quando os portões se fecharam atrás da gente, imaginei que me prenderiam ali. Mas bastou a carroça andar um pouco e eu percebi que aquele lugar não era ruim, muito menos uma prisão.
— Onde estamos?
— Fênix —Thomas respondeu. — Nossa vila.
A rua por onde seguíamos tinha casas dos dois lados, feitas de madeira e tijolo, a maioria pintada de cores alegres. Havia jarros com plantas ao lado de algumas portas, além de carrinhos de mão e brinquedos espalhados pelos jardins. Postes do estilo colonial iluminavam as calçadas, e o cheiro bom de comida caseira fez meu estômago roncar.
O som tenebroso da floresta não dava para ser ouvido dali. Em vez disso, era o barulho de conversas e risadas que emanava das casinhas. Nem parecia que estávamos cercados por algo tão sombrio.
Olhei para Levi.
— O que vai acontecer comigo? — sussurrei.
— Não se preo...
— Não, não diga isso! Eu não me lembro de nada, nem sabia qual era o meu nome até você falar do colar. Não sei o que aconteceu, não sei quem são vocês e não sei que lugar é esse. E isso é muito, muito assustador. — Ele abriu a boca, mas continuei: — E não me diga que seu nome é Levi e essa é a Fênix.
Respirei fundo, bufando logo em seguida. Sentia as bochechas queimando.
— Ah, digam logo a verdade pra ela.
O garoto loiro estava sentado praticamente de frente para mim, apoiando um cotovelo na lateral da carroça. Com a mão livre, segurava a pequena espada.
— Cala a boca, você sabe que a gente não pode! — disse Thomas.
— Que verdade? Por que não?!
— Alison, olha pra mim. — Levi girou meu ombro para si. — Amanhã você vai pra escola e lá eles vão te explicar tudo. A gente não pode te contar nada porque é proibido.
— Como assim?
— Mas eu prometo, juro de dedinho, que vai ficar tudo bem. Promete que vai esperar até amanhã? Lá na escola eles me ajudaram e vão te ajudar também.
— Você? — perguntei. Ele assentiu. Eu fiz uma careta. — Por acaso você também já esqueceu tudo, que nem eu?
— Não posso falar, mas amanhã você vai entender. Confia em mim?
Por alguns segundos, eu só o encarei. Algo dentro de mim, lááá no fundo, me dizia que não se devia confiar em estranhos. Mesmo assim, acabei anuindo de leve. Não tinha outra opção.
— É mentira — o loiro disse. — Na escola eles vão abrir a sua cabeça pra estudar seu célebro.
— Cala a boca, Dylan! — Thomas o chutou. Ele não parou de rir.
— É "cérebro" que fala, seu burro — Levi o corrigiu.
A carroça parou de sacolejar e o cocheiro olhou para trás.
— Tá bom, tá bom, já chega! Esqueceram que estão de castigo? Vocês me ajudarem não era pra ser algo divertido. — E apontou o dedo para mim. — Chegamos, é aqui que você desce. Vamos lá, alguém a ajude.
Levi saltou primeiro e ofereceu a mão. Só depois de descer, eu me lembrei de um pequeno detalhe.
— Oh, sua jaqueta.
Comecei a tirá-la, mas Thomas balançou a cabeça.
— Pode ficar. Eu tenho outra.
Sorri, voltando a ajeitar o tecido nas costas. E eu teria ficado ainda mais agradecida se soubesse, naquela época, que Thomas me dera sua jaqueta favorita.
A casa onde eu ficaria era um pouco maior do que as demais e, no jardim da frente, tinha uma plaquinha de madeira escrito DORMITÓRIO FEMININO. Paramos na frente da porta.
— A escola só abre de dia, então você vai passar a noite aqui. — Levi começou a explicar. — Tem vários beliches no quarto, pode escolher o que quiser. E nas cômodas você vai achar algumas roupas pra se trocar, mas todas têm praticamente o mesmo tamanho.
— E se nenhuma me servir?
— Daí você usa uma roupa que não te serve, ué.
Acho que aquela foi a primeira vez que ri; uma emoção gostosa que veio borbulhando lá do fundo da barriga e se derramou no rosto. Levi também riu, só não sei se da minha risada ou do próprio comentário.
— Ok, faz sentido.
— A água do banheiro é aquecida por uma caixa de ferro, mas não precisa se preocupar em colocar carvão porque eles já deixam isso pronto.
— Eles?
— As pessoas que trabalham aqui, tipo ele. — Levi apontou com a cabeça para o cocheiro. — Ah, e tem comida nos armários da cozinha. Pode ficar à vontade. Amanhã de manhã, você precisa acordar quando ouvir o sino da vila. O senhor Wood vai passar aqui pra te buscar. — Ele se inclinou para frente, sussurrando: — Não se atrase. Ele é muito pontual e um pouquinho chato de manhã.
Arregalei os olhos. Ele queria dizer que o velhinho era ainda pior de manhã? "Deus meu."
— Vamos lá, garoto! — gritou o senhor Wood, como se soubesse que estávamos falando dele. — Eu não tenho a noite toda.
— Bom... É isso. Tchau, Alison. — Levi girou os calcanhares e atravessou o jardim correndo.
— Tchau, Levi.
Só deu tempo de ele saltar para dentro da carroça antes de os cavalos partirem, descendo a rua iluminada. Thomas acenou, eu acenei de volta.
Assim que abri a porta, fui envolvida por uma onda de calor e pelo cheiro delicioso de comida. Algumas velas lutavam contra a escuridão, formando ilhas de luz no meio das sombras. Os móveis velhos eram conservados, e o tapete, muito macio. Em cima do grande sofá, as almofadas coloridas de tricô davam um toque casual ao ambiente.
Eu tinha acabado de atravessar a sala e parado na porta à direita, na qual me apoiava para espiar o quarto, quando ouvi uma voz atrás de mim:
— Olá.
Gritei, virando-me depressa. A menina também gritou, quase derrubando a xícara que fumegava em suas mãos.
— Deus meu, que susto! — Coloquei uma mão no coração, rindo de nervoso. — Desculpa, não sabia que tinha mais alguém aqui.
Ela também ria, os grandes olhos azuis sendo comprimidos pelas bochechas.
— Tudo bem — disse ela, passando a mão na testa —, desculpa ter te assustado.
Notei o colar em seu pescoço, com o pingente de madeira, exatamente como o meu. Senti os braços se arrepiarem.
— Qual o seu nome? — perguntei.
O sorriso desapareceu. Ela abaixou a cabeça, tocando no colar.
— Hã... Claire. E o seu?
— Alison. O que aconteceu com você?
— Eu me afoguei num lago. E você?
Meu coração começou a bater mais forte, o sentimento de "tem algo errado" voltando a apertar meu peito.
— Eu não me lembro de nada. Só sei que acordei me afogando na lagoa.
— Ei, eu também não me lembro de nada. Falaram que amanhã vou pra escola e que lá eles vão me ajudar, mas... — Ela baixou os olhos para a xícara, fazendo o cabelo castanho-claro cair em cima da mesa. — Eu acho que tô com medo.
De repente, uma ideia.
— Sabe de uma coisa?
— O quê?
— Vamos nos unir. — Fui me sentar na cadeira ao seu lado. — Eu também vou pra escola amanhã. A gente pode prometer que não vai se separar, então se alguém tentar abrir nossa cabeça pra estudar nossos cérebros a gente luta junto e sai correndo! — A risada dela veio misturada com um soluço. — Que tal?
— Ótimo.
Meu estômago roncou, mais alto dessa vez.
— Ainda tem comida no fogão. Vou servir pra você. — Ela foi pegar uma tigela de cerâmica.
— Tá bem, obrigada.
Avaliei o conteúdo da vasilha na minha frente: tudo parecia gostoso, exceto pelos feijões. De alguma forma, eu sabia que não ia gostar deles.
Comi a sopa com avidez, mas separando os grãos compridinhos num canto da tigela. Sentir o sabor da comida na boca e depois ficar de estômago cheio foi uma sensação maravilhosa.
— O que achou?
Claire me analisava com os olhos.
— Deliciosa — respondi, ainda terminando de mastigar.
— Por que separou os grãos?
— Não gosto deles.
Ela sorriu.
— Eu separei as folhinhas verdes.
— Sério? Eu gostei delas, são meio azedinhas.
— Nossa! Quando coloquei na boca, quase cuspi no prato.
Terminei de comer e limpei a boca no guardanapo de pano.
— Vem, vou te mostrar onde fica o banheiro. — Claire se levantou.
Acho que ela estava adorando bancar a dona da casa — ou talvez só tivesse gostado da companhia, porque, fosse lá o que estivesse acontecendo com a gente, era um pouco reconfortante saber que não estávamos sozinhas.
O banheiro era pequeno, mas funcional, e eu tomei banho aproveitando cada segundo da água quente caindo em chuvisco pelo corpo. Na hora de trocar de roupa, descobri que as peças de baixo e a meia me serviam perfeitamente; só a camisola ficou um pouco mais larga.
Então Claire e eu brincamos de explorar o dormitório, tentando encontrar pistas do que tinha acontecido conosco ou de quem eram aquelas pessoas. Mas não demoramos muito nisso, porque estávamos cansadas e o dormitório não tinha absolutamente nada que servisse como pista.
Assim, nós nos deitamospara dormir — eu na cama de baixo do beliche, e ela, na de cima. Logo Claire jáestava dando pequenos ronquinhos, enquanto eu continuava observando o fogo davela mais próxima, dançando todo alegre, sem preocupações. Diferente de mim.
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