capítulo 2
2
Mas talvez aquela não tivesse sido a melhor das ideias, afinal.
Ou pelo menos foi a impressão que tive ao ver uma carroça cheia de garotos armados. Ok, "cheia" era um exagero; devia ter uns quatro meninos, fora "Levi" ao meu lado e o cocheiro.
O idoso condutor virou-se para trás e resmungou, a voz torta num tom mais alto que o normal:
— Entrem logo! Malditos zynfis, eu devia ter aceitado aquela porcaria de aposentadoria quando tive a chance. — E continuou reclamando enquanto eu e o garoto subíamos com dificuldade.
Mal nos acomodamos no chão de madeira junto aos demais e a carroça partiu, sacudindo todo mundo.
Eles me encaravam. Abracei minhas pernas e perguntei, tentando não fitar ninguém em particular:
— Quem são vocês?
— Meu nome é Levi.
— E eu sou o Thomas — disse o menino ao lado dele. Seus olhos estreitos ficavam ainda menores quando sorria daquele jeito. — Você tá tremendo. Quer meu casaco?
Concordei com a cabeça. Ele tirou a jaqueta cor de avelã e me entregou. Meio desajeitada, joguei-a nas costas, sobre o vestido ensopado, e soprei um hálito quente nas mãos, esfregando-as.
— Obrigada.
— Como é o seu nome? — Thomas perguntou.
Meu coração começou a bater mais forte. Eu devia me lembrar pelo menos disso, não é? Tudo bem que talvez eu tivesse sofrido um acidente e não conseguisse me lembrar do que tinha acontecido; mas eu devia me lembrar de quem era, ou no mínimo do meu nome.
Senti os olhos arderem.
— Ei, calma. Tá tudo bem. — Levi tocou no meu ombro. — Seu nome tá no colar.
Olhei para ele de sobrancelhas franzidas, hesitando por um instante. Mas, ao levar uma mão para o pescoço, senti que usava mesmo um colar. Levantei o pingente. O nome Alison, entalhado na madeira escura, fez meu corpo inteiro se arrepiar.
— Alison — testei a palavra na boca.
Eu soube. Simplesmente soube que aquele nome era o meu. Não como uma lembrança ou memória, apenas um forte sentimento de certeza.
— Nome bonito — Thomas disse.
Levantei a cabeça devagar. Como eles podiam agir tão naturalmente diante de uma garota que tinha acabado de acordar se afogando, sem memória alguma e com um estranho colar que por acaso indicava seu nome?! Aquilo estava começando a me cheirar mal.
— Quem? São? Vocês?
A resposta veio rastejando do fundo da carroça.
— Somos as Crianças Perdidas. — O ruivo segurava seu escudo colado ao corpo. — E você também é.
Mal conseguia respirar. Não, tinha alguma coisa errada. Não sabia exatamente o que era, mas cada fibra do meu corpo me dizia para correr.
Olhei para o lado. As sombras da floresta escura se estendiam para muito além do que as tochas da carroça podiam iluminar, o cheiro forte de madeira e sangue impregnando o ambiente. E havia os sons. Grunhidos selvagens, o canto dos grilos e o crack dos gravetos se quebrando sob as rodas da carroça.
— Alison. — Levi não sorria. — Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Apertei meu colar entre os dedos. Ele dizia aquilo com tanta frequência que a frase estava soando mais desesperadora do que reconfortante.
Porém, mesmo que eu quisesse fugir, era tarde demais para isso. De repente, não havia mais árvores ao nosso redor e um grande muro com torres apareceu. Tochas iluminavam os soldados de plantão lá em cima. Adultos, todos eles.
— Finley, eu já ia mandar uma tropa atrás de vocês.
— Encontramos uma menina de última hora, mas eu juro por Deus que da próxima vez vou embora sem resgatar ninguém.
— Você sempre diz isso. — O outro riu.
— Dessa vez, eu falo sério. Maldito trabalho!
Os cavalos adentraram omuro. E o portão se fechou.
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