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Prólogo

Nora

— Ai Jesus... isso não vai dar certo…— eu mordiscava a ponta da unha do indicador, enquanto estudava o varão à minha frente. O porte físico do tipo “moro na academia”, o terno bem alinhado estilo “oi, tudo bem? eu sou rico.” E os óculos escuros Armani, conversavam na mesma linha. As obreiras da entrada da igreja já estavam de olhos em cima do meu chefe, não com indecência, mas olhares admirados, enquanto cochichavam umas com as outras — as irmãs nem terão comunhão no culto desse jeito.

— Falou comigo? — perguntou com um sorriso aberto que exibia as covinhas em ambas as bochechas.

— Pelo amor de Deus, varão, não faz isso! — Meneei a cabeça em negativa.

— Isso o quê? — sorriu confuso.

— Isso! — lancei a palma da mão para cima, em sua direção. Mesmo por baixo das lentes escuras, consegui ver sua expressão de confusão e eu revirei os olhos, sem acreditar que eu havia arrastado o meu chefe mulherengo, até o culto da tarde da assembléia de Deus. Eu queria lhe dar uma lição por achar que eu poderia ser uma de suas conquistas, mas agora começava a me arrepender ao perceber como ele destoava de todos ao redor, com sua aparência de milionário Italiano. 

— Não vamos entrar? — inquiriu, passando os dedos pelos cabelos castanhos bem alinhados. 

— Espere! — estendi as palmas das mãos em sua direção — eu posso? — apontei para seu cabelo. Ele deu de ombros sem entender. Me estiquei, levando uma mão aos seus cabelos, bagunçando-os com os dedos. 

— O que está fazendo!? — protestou.

— Estou tentando te deixar mais... comum — argumentei — agora tire os óculos, não vai precisar deles dentro da igreja. — Ele obedeceu e eu dei dois passos para trás, cruzando os braços, a fim de analisá-lo.

— Piorou... — dei um sorriso nervoso, ao constatar que os cabelos bagunçados e os olhos azuis, agora expostos sem os óculos, o haviam deixado ainda mais... bonito? 

Não... o meu vizinho é bonito, o irmão da bateria é bonito, o meu cachorro é bonito. Giancarlo Martinelli era o próprio diabo vestido com um terno sob medida, enviado direto do inferno para me fazer desviar.

— Tá repreendido! — pronunciei em resposta ao pensamento perturbador.

— O quê?!

— Ah... — não é nada, balancei uma mão — vamos entrar. 

༻✦༺

— A paz do Senhor Jesus, varão! — cumprimentou-o o porteiro da igreja, enquanto erguia a mão para que Gian a apertasse. Ele devolveu o cumprimento hesitante.

— Obrigado...? — emitiu, fazendo-me cutucá-lo no braço, enquanto eu lhe soprava um 'amém'. — ah... amém!

— Amém varão! — exclamou o senhor sorridente, ainda sem soltar-lhe — você é obreiro, meu jovem?

— Ah... eu... — franziu o cenho, lançando-me um olhar confuso.

— Não senhor, ele é visitante! — respondi em seu lugar.

— Ah... seja bem vindo então!

Entramos na igreja e eu caminhei até o altar, para deixar as fotos de minha mãe e minha irmã para que recebessem oração. Virei-me, fitando meu chefe com as mãos nos bolsos, olhando tudo em volta com uma sobrancelha arqueada. Aproximei-me dele, cruzando os braços, recebendo um olhar acolhedor em seguida. "Mas como pode ser tão cínico" pensei, meneando a cabeça de um lado a outro.

— Algum problema? — indagou.

— Não vai deixar nada no altar? — questionei. Ele franziu o cenho enquanto ponderava os pensamentos. 

— Oh, sim — emitiu, retirando a carteira do bolso do paletó, abrindo-a em seguida e retirando um maço de notas — eu só tenho em dólar, ainda não troquei meu dinheiro. 

— Que isso,varão! Guarda isso aí! — exasperei-me, segurando as costas de suas mãos, enquanto olhava em redor — ainda não é a hora da oferta! — lancei-lhe um olhar atordoado, enquanto ele içava as sobrancelhas — E mesmo assim, você não vai ofertar em dólar!

— Okay! — disse, guardando as notas — o que quer que eu deixe no altar, então?

— Esqueça!

༻✦༺

O fogo começou a cair naquele lugar e eu não podia controlar o agir do Espírito Santo. Por um momento, fechei os olhos e esqueci que Giancarlo Martinelli estava bem ao meu lado. Eu precisava de um milagre de cura para a minha mãe, então me derramei por completo no culto daquela tarde. Ao som da guitarra, violão e bateria, no ritmo pentecostal da Assembleia de Deus, a missionária dizia: "Satanás não está entendendo minha filha, porque você tá no vento e ta marchando, tá no vento e ta dando glória!" comecei a soluçar, num choro contrito, pois era exatamente o que eu estava passando. 

O pastor mandou a gente fechar o corredor e eu dei as mãos, inconscientemente a Gian, sem nem mesmo abrir os olhos. Ao som dos louvores, a missionária disse 'a ordem é para marchar' e eu obedeci. Marchei. Dei glória. Cantei. Mas algo estava errado. A unção não estava passando. Abri os olhos e fitei: Giancarlo Martinelli que parecia ter visto um fantasma na sua frente. Os olhos arregalados, o rosto pálido e a boca travada. "Ah, só podia ser… Esse iceberg humano, não está entrando na marcha" pensei, meneando a cabeça de um lado a outro. Num instante, lembrei-me de que jurei que o faria pagar, pelo simples fato de ter pensado que eu poderia fazer parte de sua listinha de amantes. Se aproximou de mim, tão sutil quanto a serpente do Éden e eu não sei por que cargas d'água, insiste na ideia de tentar me conquistar. Mesmo eu deixando claro, que não namoro. Comigo é no cortejo, à moda antiga. Ele aceitou. Vacilante, com cara de leite azedo. Mas aceitou. "O que esse cara quer comigo, afinal?" Apertei-a mão dele, a qual constatei já estar suada e dei dois puxões, para chamar sua atenção. 

— Varão… — chamei, mas ele parecia não ouvir — Varão! — insisti, recebendo seu olhar em resposta, junto de um sorriso forçado, que não aconteceu.

— Está falando comigo? — abaixou em direção ao meu rosto, a fim de me ouvir.

— Sim. Entra no manto. 

— Entra no quê? — replicou, estarrecido. Inclinei-me em direção ao seu ouvido.

— É pra marchar, não está ouvindo? — ele bufou, num sorriso atordoado.

— Esquece, não vou fazer isso.

— Se não marchar, não tem cortejo! — Redargui, erguendo uma sobrancelha desafiadora em sua direção. As feições dele foram de surpresa a ultraje, seguidas de raiva. Até que me fez presenciar a cena do século. 

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