Levante-se e lute!
Quando o barulho do celular tocou fiz menção de xingar Joseph pelos nomes mais sujos que já foram proferidos na face da terra, mas, então, a lembrança de que dia era me fez rever meu temperamento. Antes mesmo de atender chequei a hora para ter certeza que não dormira demais e respirei aliviado ao ver que eram apenas 7h30 da manhã. Foram apenas 4 horas de sono e minha cabeça latejava pedindo para que descansa-se mais um pouco.
- Espero não ter acordado você. - Ele desatou em falar assim que apertei o botão verde do meu celular. - Preciso que você esteja no fórum às 10. Sabe como é, né?
Passei a mão no meu rosto tentando acordar-me.
- Está bem. - Minha voz saiu mais rouca do que gostaria.
- Tome um cafezinho e venha. Você vai ter um dia longo. - Pude ouvir sua risada de escárnio no outro lado da linha. - Hoje você será livre, meu amigo.
...
Arrumei-me como um verdadeiro empresário engravatado e antes das 9h30 já descia para ir em direção ao fórum, porém Trevor chamou meu nome e me parou no momento que saía do elevado.
- Uma mulher veio hoje cedo e me deu essa carta para entregar ao senhor. - Explicou. - Achei estranho. Hoje na época da tecnologia os jovens ainda mandam cartas uns aos outros? Bem, aqui está.
E entregou o envelope sem destinatário ou remetente escrito para mim. Agradeci tão surpreso quanto ele e fui em direção ao estacionamento. Depois de entrar em meu carro, abri a carta sem pensar duas vezes curioso demais para ler cautelosamente, entretanto, mudei de pensamento logo quando vi o nome digitado em fonte georgia e em itálico.
Liv Everful.
Alguém estava brincando comigo. Liv estava morta e uma pessoa sem coração zombava dos meus sentimentos. Ponderei em rasgar aquela carta antes de lê-la, mas achei que deveria mostrar ao Joey antes. Era melhor ter uma dupla para xingar aquele indivíduo impertinente. Ainda curioso e nem um pouco feliz com aquele gesto, li o resto me detendo em cada palavras sem acreditar no que estava escrito.
"Liv Everful.
Benjamim, se você está lendo isso significa que não sobrevivi a cirurgia e meu médico entregou a Alyna para simultaneamente chegar em suas mãos.
Esse é o meu segundo ano lutando contra um câncer raro nos meus ovários, mas não vou me deter muito a isso. Estive perto da morte assim como estou agora diversas vezes e acho que estou pronta para ir - exceto por uma coisa: tenho que dizer exatamente o que sinto por você.
Sei que agora não é nenhuma novidade, porém desejo explicar tudo que passei desde que percebi que te amava mais do que deveria.
Eu amo você, Bem. E falo que amo com toda a certeza. Digo isso porque me apaixonei por você quando ainda éramos adolescentes e conforme o tempo passava, em vez do sentimento diminuir, ele evoluiu.
E o pior que eu desejava dizer-lhe quando estava em New York na primeira vez que nos encontramos. Juro a você que quando eu o vi entrar naquele restaurante em Clinton quase caio pra trás de tão sexy que você era. Naquele dia que você em que você me falou sobre Jéssica foi um balde de água fria em mim. E, então, decidi seguir em frente.
Mas, sabe Ben, você não quis sair do meu coração mesmo quando eu tentava convencer a mim mesma que amava Jace. Confesso (me sentindo totalmente estúpida por ter brincado com os sentimentos de alguém) que fingia que ele era você às vezes.
Depois que estava no final do curso de direito aceitei que nunca o teria e o convite do seu casamento era mais que um alerta para mim. Fiz questão de passar o dia do seu casamento na maior depressão comendo chocolate diet com coca-cola. Tentei sair com outros caras, mas era você a atormentar meus melhores sonhos. Tracei um plano para mim: eu iria viver minha vida solitária e quando chegasse numa idade boa eu faria inseminação artificial. Tudo isso porque desistir de encontrar alguém superior a você.
Você é tão gentil e atencioso. Jéssica foi uma tola por ter perdido você. No casamento de Alyna eu estava voltando de Chicago porque aquela, para mim, era a "idade boa" e os exames haviam acabados de serem feitos, mas o encontro que nós tivemos mudaram meus planos. Voltei a Chicago a fim de cancelar a inseminação e disposta a ir a NY atrás de você, mas o médico queria falar da minha saúde mais do que imaginava. Eu não podia ser mãe. Por quê? Eu estava com câncer e tinha apenas 5 meses de vida. Meu chão parecia ter se aberto em um buraco sem fundo.
Fiz quimioterapia e lutei com todas as minhas forças contra o câncer. Mesmo as dores sendo insuportáveis, mesmo que sentisse as tonturas frequentes, as fraquezas nas minhas pernas, meus cabelos raspados, uma realidade que tive que conviver. Mesmo com tudo isso eu guerreei. Eu dobrei minha expectativa de vida. Eu sei, eu sei, eu sou demais.
Mas não consegui vencer o câncer. Ainda.
Essa manhã senti dores horríveis e pensei que não teria forças para escrever essa última carta, mas estou grata em saber que pude ter essa oportunidade.
Eu desejo que você seja muito feliz e encontre alguém me te ame do jeito que você merece. Desejo que você tenha mais filhos (soube sobre a sua filha, ela tem seus olhos?) e que envelheça ao lado de uma ótima família. Prometa para mim que todas as vezes que a vida lhe derrubar, você vai se levantar e lutar. Sei que provavelmente você está passando por momentos difíceis, mas não se preocupe.
Tudo vai melhorar.
Eu acredito no céu e acho que vou para lá, mas se caso o inferno for meu destino, você poderia se comportar mal para que eu tenha a oportunidade de te abraçar, depois dessa longa jornada de arrastões que chamamos de vida?
Amo você."
Merda. Eu estava chorando. Não era uma brincadeira de mal gosto. Olívia havia escrito aquilo para mim antes até mesmo de revê-la. Encostei a cabeça no volante ao perceber que não conseguiria lembrar de Liv sem pensar no quão maravilhosa era e como o mundo perdeu uma preciosidade.
Ela me amava. Mesmo sabendo disso antes, algo em mim se renovou e aqueceu meu corpo com uma força que me impulsionou para continuar depois de ler a carta. Entendi melhor o que Liv tinha passado nos últimos anos e me sinto um pouco conformado por saber que aquele pesadelo de doença chegou ao fim.
Enxuguei meu rosto certo do que tenho que fazer. Liguei o carro e dirigi até o fórum onde aconteceria a audiência pronto para começar o que Liv desejou para mim: ser feliz.
...
Depois de muito engarrafamento e músicas aleatórias na rádio, eu cheguei. Joseph Stamper conferia a hora no relógio e Alyna estava concentrada ao seu lado lendo algo em sua pasta com as pernas cruzadas. Joey veio até mim e me preparei para fazer piada de seu cabelo repleto de gel, mas a chegada de Jéssica, seu advogado e um homem marombado, que deduzi ser Mark, me desconcentrou.
- Bom dia. - Joey me desejou, mas fitando minha cara virou-se para trás e os viu.
- Vou falar com ela. - Disse já andando em sua direção. Joseph, porém, segurou meu braço me impedindo de continuar.
- Deixe o que tem que falar pra depois. - Ele alertou. - É mais seguro.
Suspirei. Ele estava certo.
- Que horas são? - Perguntei depois que ele soltou meu braço.
- Hora de entrarmos em ação. - Ele sorriu e Alyna levantou o olhar para mim.
- Bom dia, Benjamim. - Ela me desejou se levantando de sua cadeira. - Espero que você esteja pronto para ser pai solteiro.
E sorriu.
Joey foi andando na frente e Alyna se preparou para acompanhá-lo, mas eu a cutuquei antes de irmos atrás de seu marido.
- Obrigado. - Sussurrei para ela.
Alyna me entende e dá um sorriso que me faz entender o motivo de Stamper ter a escolhido para ser sua esposa.
Entramos na sala onde iria ocorrer a audiência e estranhei ao perceber que o tal do Mark não acompanhou a gente. Sentamos na longa mesa de vidro onde a juíza sentava no canto, enquanto eu e meus advogados se localizavam no lado esquerdo e Jéssica estava no lado direito com seu advogado. Ele parecia não ter menos do quê 50 anos de tão velho que era. Um calafrio desceu em minha espinha: os advogados mais velhos são os piores.
A juíza abriu o caso e se pôs a perguntar perguntas básicas como o motivo pela qual nós estávamos nos separando. Como Joseph já tinha feito um acordo com o advogado de Jéssica, chamado de Afonso Gilbert, o processo do divórcio não demorou muito; no entanto, quando se falou da pensão e a guarda de Gabriela, as coisas ficaram tensas.
Como o esperado, o advogado de Jéssica apelou pelo meu hábito de beber e as várias horas que passo no estúdio e um blá blá blá incessante.
Eu não era um alcoólatra, apenas enchia cara, no máximo, duas vezes por mês quando estava saturado com aquela vida de merda que vivia. E nunca, em hipótese alguma, estive bêbado na frente da minha filha ou deixei as garrafas de bebida expostas como um quadro para que ela visse.
Vi em Alyna um olhar astuto que apenas advogados natos tem; ela só queria uma acusação maior como violência doméstica e um processo alegando calúnia e difamação rolaria antes que o caso tivesse sua sentença, todavia, Afonso Gilbert foi inteligente o bastante e apenas salientou que os filhos crescem melhores com as mães.
Quando a mulher de Joseph começou a citar uma frase poética de autor desconhecido, eu olhei para Joey temeroso. Ao contrário de mim, ele estava tranquilo e quase babava de orgulho de sua esposa. Logo, Alyna mostrou as suas cartas na manga. Alegou as apresentações de balé que Jéssica não ia, o fato de Gabriela passar a maior parte do tempo com a babá e um comentário que uma das babás fizera dizendo que minha filha sentia falta de afeto vindo de sua mãe.
Não sabia se aquela última frase era verdade, mas não duvidava. Era bem capaz de vez ou outra Olívia ter comentado com sua amiga.
Diante daqueles argumentos, a juíza decidiu marcar outra audiência para conversar com Gabriela, porém, antes de encerrar o caso, uma surpresa: minha filha estava com Mark aguardando no salão principal.
__________
Nota da autora (23/10/2015): Adiantando a atualização porque o ENEM está vindo e tenho um monte de coisa para fazer esse final de semana! Espero que tenham gostado, adoraria saber a opinião de vocês!
Na próxima semana teremos o capítulo + o epílogo.
Até mais!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro