Capítulo 45 - Danilo
De todos os lugares em que eu poderia passar a noite, acabei escolhendo o mais inesperado para mim: a casa da minha mãe.
Ainda não sei por qual motivo dirigi até aqui, mas o fato é que acabei pensando na minha mãe assim que liguei o carro e descartei qualquer ideia de ir parar na casa de Tales ou em um hotel. Sequer liguei antes para avisar que eu estava a caminho, apenas peguei a estrada e terminei aqui.
Não venho à casa da minha mãe há bastante tempo. É a casa da minha infância, a casa em que meu pai passou seus últimos dias, e mesmo depois de tanto tempo ainda é difícil para mim voltar aqui. Por um momento, me pergunto se é isso mesmo que quero fazer, se é realmente com minha mãe que quero falar sobre o que está acontecendo, mas quando toco o interfone e ela aparece na porta sorrindo como se estivesse me esperando, boa parte das minhas dúvidas se dissipam.
Minha mãe não diz nada a princípio, ela apenas indica o caminho para que eu entre, me acompanhando de perto em seguida. Desmorono sobre o sofá e ela se senta do meu lado ainda em silêncio, apesar da preocupação nítida em seu rosto. Não sei como contar sobre o problema que eu mesmo causei com as minhas mentiras, não sei como admitir que eu inventei um casamento falso que se tornou verdadeiro e que agora pode estar prestes a acabar, muito menos sei se posso esperar que minha mãe me entenda. Eu não sei, não sei mesmo o que fazer, estou completamente no escuro e perdido.
Minha mãe deixa o espaço entre nós um pouco maior e faz sinal para que eu deite a cabeça em seu colo. Me vejo com oito anos de idade de novo, ela ainda é jovem e nenhum de nós conheceu a dor que iria nos separar por tanto tempo. Eu sei que poderia apenas ignorar aquele gesto como já fiz no passado, mas eu vim até aqui em busca do consolo que só a minha mãe pode me dar, por isso não hesito e me deito em seu colo.
Seus dedos são leves, é quase como se uma brisa fresca estivesse soprando no meu rosto e bagunçando meus cabelos. Me lembro de quantas vezes já adormeci enquanto ela me fazia cafuné e hoje não seria diferente se eu não estivesse com a cabeça tão cheia. Minha mãe sabe que algo está me perturbando, por isso acaricia meu cabelo com delicadeza em vez de iniciar uma conversa que não estou pronto para ter por hora.
Quero do fundo do meu coração fechar os olhos e dormir, só que fazer isso me leva de volta para Leila. Vejo com o máximo de detalhes o rosto dela, as lágrimas pesadas molhando suas bochechas, escuto perfeitamente sua voz dizendo que se arrependeu de ter deixado as coisas entre nós dois acontecerem. Minha vontade é voltar à minha sala na Eco Habitação naquela tarde de fevereiro e dizer a verdade, ainda que isso implicasse em nunca viver o que vivi com Leila, porque ao menos desse jeito eu teria certeza que teríamos a mínima chance de começar qualquer coisa sem nenhuma mentira que colocasse nosso relacionamento à prova.
Acontece que eu não posso voltar no tempo e nem mudar nada. Eu tive todas as oportunidades possíveis para esclarecer tudo e fui covarde. Tive tanto medo de perder Leila que o destino encarregou-se de falar por mim e nada no mundo poderia ser pior. Só de lembrar da expressão decepcionada no rosto dela, das roupas jogadas no chão do quarto, das palavras... É culpa minha. É tudo culpa minha!
Engulo em seco, no entanto o nó na minha garganta não diminui, pelo contrário. Nunca senti nada tão ruim em toda minha vida. Dói mais do que qualquer dor física que já experimentei e a cada batida do meu coração dói mais e mais e mais.
— Você já comeu? — Minha mãe arrisca perguntar depois de algum tempo.
— Não estou com fome.
Ela não parece gostar da minha resposta, pois para de mexer no meu cabelo imediatamente. Me viro um pouco no sofá para conseguir ver o seu rosto, confirmando minhas suspeitas, já que a ruga entre suas sobrancelhas, igual a minha por sinal, não a deixa mentir.
— Você quer me dizer o que acabou com a sua fome?
— Se eu disser, talvez a senhora não me ceda mais o seu colo.
Minha mãe balança a cabeça de leve, abrindo um sorriso acolhedor.
— Eu não deixaria de ser sua mãe nem que você cometesse um crime, Danilo, quanto mais se você me contasse o que te deixou tão atormentado.
Se eu pudesse escolher, ninguém jamais ficaria sabendo do que eu fiz, mas eu não posso esconder isso a vida inteira e acho que aprendi alguma coisa hoje com toda a situação com Leila para perder mais uma chance de ser honesto com as pessoas que são importantes para mim. De qualquer forma, algum dia minha mãe e a minha família saberão de tudo que eu fiz e prefiro que eles saibam por mim, já que eu não pude fazer isso por Leila.
Me sento no sofá e encaro minha mãe, sério:
— Mãe, meu casamento é uma farsa.
❤
Minha mãe não me julga, o que é um alívio. Todavia, não há como negar o quanto ela está decepcionada comigo. Eu sei que bem lá no fundo ela esperava que eu tivesse armado situações em cima de situações para convencer meu avô sobre a minha repentina mudança de comportamento e que envolvi Leila nisso, mas nem ela poderia imaginar o quão baixo eu desci.
— Você precisa falar com seu avô sobre isso. Nem que ele passe duas horas te xingando, você ainda precisa contar a verdade.
— Eu sei.
— E Marcos também, Danilo. Você vem sendo injusto com ele há bastante tempo, seu irmão tem o direito de saber sobre isso por você.
— Eu sei, mãe... — Concordo, cabisbaixo.
Ela não me interrompeu enquanto eu falava e nem mesmo agora parece estar brava comigo ou algo do tipo, mas ainda assim estou profundamente envergonhado por tudo e me sinto incapaz de encará-la de frente. Foram muitos anos que perdi evitando minha mãe para estar aqui, diante dela, me abrindo sobre algo tão sujo sobre mim.
— E sobre Leila... — Minha mãe começa, cautelosa. — Vocês dois começaram errado e tudo que começa errado em algum momento deixa de dar certo.
— Eu sei. — Minha voz treme só de admitir aquilo.
Minha mãe levanta meu queixo para que eu a olhe nos olhos. Ela fica visivelmente desolada ao ver que estou prestes a chorar como uma criança em seu colo, mas aquilo não a desencoraja de dizer o que precisa ser dito, portanto me preparo para escutá-la com o coração aberto.
— Espero que você entenda os motivos dela para se afastar, caso ela decida por isso. O que você fez foi grave, filho, e ela pode não conseguir te perdoar.
— Mas, mãe...
— Mas — ela me interrompe com cuidado —, isso não quer dizer que você precisa ficar de mãos atadas vendo seu casamento se despedaçar. Faça o que estiver ao seu alcance, lute com o que você puder pelo amor de vocês. O que vocês construíram é lindo, o quanto Leila te fez bem nos últimos meses só deixa claro o quanto vocês são importantes um na vida do outro, e é uma pena que as coisas acabem assim.
— Ela parece tão arrependida de ter se envolvido comigo, se a senhora tivesse ouvido... — Aperto os olhos para afastar as imagens da discussão que tive com Leila horas atrás.
— É normal que na hora da raiva as pessoas digam coisas ruins. Amanhã, com muita calma, vocês vão sentar para conversar e vai ficar tudo bem. Vocês ainda têm tempo para recomeçar.
— Recomeçar?
— Sim. Recomeçar. — Minha mãe sorri e segura uma das minhas mãos nas suas. — Sempre há tempo para tentar de novo, errar de novo e então tentar mais uma vez. Enquanto estivermos vivos, estaremos sujeitos a falhas e a recomeços.
As palavras da minha mãe me dão um pouco de luz no final do túnel. Desde que Leila soube de tudo, minha única preocupação é que ela não queira continuar a ter nada comigo, mas talvez seja essa a oportunidade que faltava para começarmos tudo do zero.
Beijo as costas das mãos da minha mãe e a puxo para um abraço. Estar aqui com ela e ouvir isso era realmente tudo que eu precisava. Inconscientemente, meu coração sempre soube onde eu deveria estar.
— Obrigado.
Minha mãe se desvencilha de mim, e, ainda sorrindo, pergunta:
— Obrigado pelo quê?
— Por, apesar de tudo que eu fiz, ainda ser minha mãe e ainda estar aqui.
— Ah, filho... — Os olhos dela brilham com algumas lágrimas. — Você não sabe por quanto tempo eu esperei por isso.
— Eu devia tê-la procurado antes.
— Não. Você me procurou hora certa.
Ela tem razão. Antes eu não conseguia ver o que vejo agora, nem entender as coisas como entendo agora. No fim, hoje é um recomeço para nós dois também.
❤
Minhas poucas esperanças caem por terra assim que entro em casa pela manhã. Pelo silêncio nos cômodos e pela forma como Sansão e Dalila vêm me encontrar, sei que Leila não está aqui. Tento manter a calma a princípio e pensar na possibilidade dela só ter ido trabalhar ou visitar a tia, mas eu sei que não é isso.
Muitas das roupas e das coisas dela sumiram do nosso quarto, e eu encontro a aliança e um bilhete na mesinha de centro na sala. É um bilhete curto e objetivo, como tudo que ela costuma fazer, no entanto as palavras escritas no pequeno pedaço de papel me despedaçam por completo.
"Volto depois para pegar o restante das minhas coisas. Acredito que deveríamos acabar por aqui, já que ambos quebramos uma cláusula importante. Portanto, quero o divórcio."
Não consigo acreditar de imediato no que leio, prolongando a tortura relendo o bilhete diversas vezes até ter certeza que meu cérebro não está me enganando. É a letra irregular de Leila, torta e mais trêmula que o normal. Não sei como ela estava se sentindo ao escrever isso, mas quero acreditar que ela está tão mal quanto eu, porque não é possível que eu esteja sentindo isso sozinho, não é possível que ela tenha tomado essa decisão tão drástica sozinha, não é possível que simplesmente vamos acabar assim!
Tateio meus bolsos atrás do meu celular. O número de Leila surge automaticamente quando abro o teclado, afinal até meu aparelho sabe que é a voz dela que eu sempre procuro ouvir primeiro. Para minha infelicidade, o celular dela deve estar sem bateria ou ela o desligou, porque não importa quantas vezes eu inicie uma chamada, sempre ouço a mesma mensagem gravada da operadora de telefonia.
Penso em ligar para Bruna, mas conhecendo Leila como conheço, ela não deve querer que a família saiba do que aconteceu entre nós, por isso ligo para Madu primeiro, que também não me atende e nem sequer abre as minhas mensagens. O desespero começa a tomar conta de mim e a sensação só piora quando consigo falar com Jonas, que me afirma não fazer ideia de onde Leila está.
Tento o celular de Bruna como último recurso e ela me diz que Leila não apareceu por lá também. Concluo que, ou todos estão mentindo para mim, ou Leila sumiu do mapa e não quer que eu a encontre de jeito nenhum. É típico dela fazer isso, arrumar as coisas e sair da vida de alguém sem olhar para trás feito uma fugitiva.
Eu sei que minha mãe disse que eu deveria aceitar a decisão de Leila de se afastar se essa fosse a escolha dela, mas não consigo acreditar que tudo que vivemos está escapando dos meus dedos sem que eu tenha a chance de fazer qualquer coisa para impedir. Ainda há muito que eu quero que Leila saiba, sei que ela igualmente tem muito para me dizer, há muita coisa entre nós dois para acabar assim, com um bilhete e uma aliança deixada para trás.
Ligo mais algumas vezes para Madu, torcendo para que pelo menos ela seja honesta comigo e me diga o que sabe. Estou quase desistindo quando ela finalmente me atende.
— Ela está bem, está aqui comigo e isso é tudo que você tem que saber.
Um pouco do peso de não saber onde Leila estava até segundos atrás se alivia em meu peito, mas não é o suficiente. Preciso vê-la, tocá-la, saber como ela passou a noite, ouvir sua voz. Eu preciso dela, preciso de nós dois de novo como éramos antes, me recuso ao fim que ela quer que tenhamos.
— Madu, por favor, me deixe falar com ela um instante. — Minha voz oscila conforme o nó na minha garganta se aperta. — Madu, por favor...
Eu a ouço suspirar do outro lado da linha, seguido do som de alguma tecla sendo pressionada.
— Fala logo antes que eu me arrependa.
Uma enxurrada de frases sem sentido e palavras perdidas invadem minha mente. Nada que eu diga será o suficiente para expressar o que eu estou sentindo. Quero que ela volte para casa, quero passar por cima disso e começar de novo, mas Leila está em algum lugar dessa cidade longe de mim e das minhas desculpas.
Não sei se há realmente algo que eu possa fazer ou dizer para mudar nossa situação. Talvez só o tempo seja capaz de consertar o que eu quebrei, então pelo menos por hoje vou me conformar com a distância que ela impôs entre nós.
Por isso, de tudo que eu poderia dizer, acabo escolhendo o mais óbvio:
— Leila... — Respiro fundo, tentando inutilmente estabilizar minha voz. — Leila, onde você estiver, eu só quero que você saiba que apesar de tudo, eu amo você. Eu amo muito você.
Sei que eu não deveria esperar por nenhuma resposta, mas espero mesmo assim ouvir a voz dela. Em vez disso, a ligação é subitamente encerrada e eu sou deixado no completo silêncio de uma casa vazia.
❤
Já faz meia hora que Tales está plantado na minha sala me mandando levantar da cadeira e ir resolver minha situação com Leila. Acompanho com os olhos os movimentos dele pelo cômodo, mas não estou realmente ouvindo o que ele está dizendo. Para ser sincero, eu mal escuto as pessoas à minha volta desde que tudo aconteceu. Dois dias depois e eu continuo sem enxergar ou ouvir ninguém, é quase como se eu estivesse em um transe.
Ele meio que está certo sobre algumas coisas. Dois dias é muita coisa para ficar esperando sentado. São 48 horas, tempo suficiente para uma pessoa pensar, então quem sabe eu devesse mesmo me levantar dessa cadeira e ir atrás de Leila, já que ela não atende minhas ligações, nem responde minhas mensagens.
Entretanto, eu sei que não é assim que ela é. Eu a conheço, sei que forçar uma situação só pioraria tudo. Eu preciso esperar e torcer para que quando ela me procure, esteja disposta a me ouvir e tentar de novo, porque do contrário...
Não, não quero nem pensar na possibilidade dela não ter mudado de ideia quanto aquele bilhete. Eu preciso acreditar que de alguma forma nós iremos nos acertar e é só essa pequenina chance que tem me mantido mentalmente são nos últimos dias.
— E você já falou com seu avô?
A pergunta de Tales chama minha atenção.
— Um problema de cada vez, por favor.
— E por falar em problema... — Tales indica meu celular jogado sobre a mesa.
Praticamente salto da cadeira quando me dou conta do nome na tela. É Leila. Leila. Leila! Meu coração dispara tanto no peito, que sinto a respiração falhar. Minhas mãos tremem desesperadamente quando abro a mensagem, que preciso ler e reler para ter certeza de que não é minha mente me enganando.
— Ela quer me ver. Ela quer me ver, Tales!
— Até que enfim! Sinceramente, não dava mais para aguentar você nesse drama todo.
Sorrio em resposta para Tales, que parece satisfeito por ver algum sinal de ânimo no meu rosto. Eu não devo estar nem de longe na minha melhor fase, minha barba não sabe o que é espuma e lâmina há dois dias e eu não tenho dormido o suficiente para qualquer ser humano adulto, mas acho que hoje eu tenho a chance de mudar isso.
— Ela quer saber se eu posso encontrá-la na E. M. agora.
— Responda que você pode. Não importa o que você tem que fazer aqui na empresa, você pode ir encontrá-la.
— Sim, eu posso ir! — Digito nervosamente no teclado.
Eu sei que tenho coisas importantes para fazer no trabalho e sei também que não vou conseguir ler nenhum parágrafo dos documentos que preciso analisar antes de resolver minha situação com Leila, por isso nem considero ficar na empresa até o fim do expediente. O trabalho pode esperar, qualquer coisa pode esperar; Leila, no entanto, não.
Pego as chaves do carro junto com a minha carteira e num piscar de olhos estou na porta da sala. Antes de sair, porém, me viro para Tales e digo:
— Inventa que eu estou com dor de barriga ou qualquer coisa do tipo se os acionistas continuarem me procurando para tirar satisfação.
Ele ri alto, mas acaba concordando.
— Boa sorte!
— Obrigado, vou precisar.
E vou mesmo. Enfrentar um enxame de acionistas raivosos que querem minha cabeça não é nada perto do que vai ser minha conversa com Leila. Eu não faço ideia do que está se passando pela cabeça dela e eu só posso esperar, na melhor das hipóteses, que ela queira deixar toda essa confusão para trás.
Simulo inúmeros diálogos pelo caminho, enumerando o que quero dizer e as dezenas de possibilidades do que posso ouvir. Sinto que a sorte está do meu lado hoje, até mesmo o trânsito está leve uma hora dessas e eu consigo chegar mais rápido do que eu imaginava. Subo os degraus da E. M. de dois em dois, tão ansioso para ver Leila depois de tanto tempo, que se eu pudesse atravessaria as paredes ou sairia voando.
Não vejo sinal de Madu ou de Jonas quando finalmente chego ao escritório. Aqui é sempre tão barulhento e animado, que me sobe um arrepio não ouvir as vozes de nenhum deles brigando por qualquer besteira ou rindo de besteiras maiores ainda.
Antes que eu pense em começar a vasculhar os cômodos atrás de Leila, eu a vejo aparecer por uma porta. A primeira impressão que tenho é que ela também não tem dormido. Eu já a vi cansada e abatida antes, e ela está assim agora, prestes a desmoronar de exaustão. Em outra realidade, agora seria um momento perfeito para que pudéssemos nos abraçar, mas controlo cada um dos meus impulsos de atravessar a sala e tomá-la em meus braços. Da última vez em que estivemos frente a frente, ela me afastou com tanta fúria, que não me parece uma boa ideia tomar qualquer atitude por puro impulso.
— Que bom que você chegou. Achei que você iria demorar mais. — Ela indica uma das cadeiras em volta da mesa redonda entulhada de papéis. Há algo em sua voz que me incomoda, uma espécie de formalidade que ela usava comigo quando não nos conhecíamos direito.
— Como você está? Se não fosse por Madu, eu estaria até agora sem saber por onde você andou todo esse tempo. — A angústia de ver Leila naquele estado me faz dizer as coisas sem nem pensar muito.
— Eu estou bem. — Ela me garante, sentando-se numa das cadeiras. — E você, está tudo bem?
A frieza dela me atinge com a força de um soco no estômago. Eu esperava muitas coisas vindo aqui, mas não poderia prever que Leila fosse me tratar como um desconhecido.
— Não, né, Leila! Inclusive não estou entendendo por que você está agindo assim, como se fôssemos um casal de estranhos.
— Você sabe bem a razão.
Sou levado de volta para a nossa discussão, no exato momento em que ela diz não poder amar quem não conhece. Meu coração aperta no peito, a dor que eu venho sentindo todo esses dias aumentando em proporções tão grandes que meus olhos marejam.
— Leila, eu sinto muito mesmo por tudo, principalmente por ter te decepcionado assim, mas eu não posso mudar o que aconteceu. O que eu posso fazer é garantir que você nunca mais vai passar por nada disso. — Me aproximo dela com passos hesitantes. — Eu aprendi muito durante todo esse tempo, eu mudei muito também. Eu não sou o homem que você conheceu naquela festa, nem naquela feira, nem naquela sala da Eco Habitação. Eu sou... — Tento alcançá-la, mas ela se levanta subitamente e me dá as costas.
Minhas palavras perdem o sentido, pois ela não está disposta a me ouvir, muito menos a acreditar em mim. Esfrego os olhos para abrandar a ardência causada pelas lágrimas. Se Leila pudesse estar sob minha pele por um minuto que fosse, eu tenho certeza que ela iria enxergar as coisas de outra forma. No entanto, eu sei que isso é impossível e eu não posso fazer mais do que já estou fazendo para convencê-la do contrário.
— Você quer mesmo acabar com tudo entre a gente assim, como se o que vivemos não passasse de um monte de palavras escritas em algumas folhas de papel?
— Eu não queria que fosse assim, tá bom?! — Ela se vira para mim, as lágrimas caindo livremente pelo seu rosto. — Eu só não consigo, Danilo. Eu não consigo... — A voz dela falha. — Eu não posso olhar para você e fingir que não sei o que você fez.
Cruzo a distância entre nós dois num segundo. Não hesito nem mesmo quando ela se encolhe com a minha aproximação repentina. Não agora. Não assim.
— Leila... — Seguro o rosto dela em minhas mãos e a faço olhar para mim. — Leila, por favor, vamos apenas tentar de novo, sim? Vamos fazer do jeito certo, sem mentiras, sem nada a esconder de ninguém. Por favor, não jogue fora o que a gente construiu.
Ela me olha entre as lágrimas. Há tanta tristeza no olhar dela, tanta dor, e sou eu o culpado de todo aquele mal. Tentei tanto protegê-la, prometi tantas vezes que eu jamais a faria sofrer, mas tudo o que eu fiz foi quebrá-la em tantos pedaços, que é quase impossível imaginá-la voltando a sorrir. Não é justo fazê-la passar por tudo isso apenas porque eu não quero perdê-la. Eu deveria ter pensado nisso antes e tentado evitar tudo isso quando tive a chance. Agora, tudo que eu fizer só vai magoar ainda mais a nós dois.
Mesmo relutante, recolho minhas mãos e me afasto alguns passos. É hora de reconhecer que eu não faço mais bem para ela e deixá-la ir. Não há mais nada que eu possa fazer além de aceitar e respeitar as escolhas dela. Eu já a machuquei o suficiente para toda uma vida e amar alguém não deveria doer assim.
— Eu vou pedir para que Tales providencie toda a papelada do divórcio. — Digo rapidamente antes que a coragem deixe meu corpo. — E a E. M., se você não quiser, não precisa mais tratar nada diretamente comigo. Vou pedir alguém para resolver isso também, não se preocupe.
Leila abre a boca para dizer alguma coisa, mas eu a impeço, temendo não conseguir terminar o que comecei.
— A casa continua sendo sua, fique à vontade para entrar lá e pegar o que precisar. Só não leve Dalila, porque Sansão vai ficar deprimido.
Olho ao redor, podendo sentir em meus ossos que a hora da despedida está próxima. Não tenho mais nada para falar e nem mais nada o que fazer aqui. Na parede, o quadro com os dizeres "é aqui que os sonhos começam" parece zombar do meu coração despedaçado, afinal é aqui que meus sonhos acabaram de ser enterrados.
— Então, acho que vou indo. — Me permito olhar para ela uma última vez. — Até algum dia.
O silêncio dela é a minha deixa para dar meia volta e me retirar. Não me afasto depressa, na verdade eu arrasto meus pés pelo piso, na esperança ridícula de que ela me peça para ficar.
— Danilo... — Leila diz meu nome. Meu coração erra uma batida.
Me viro para ela, pedindo a Deus que Leila tenha mudado de ideia. Contudo, quando ela volta a falar, algo bem diferente do que espero sai de sua boca:
— Obrigada por tudo.
Obrigada...
Eu não precisava da gratidão dela, não quando eu estou tão acabado que me ajoelharia aos seus pés se isso fosse fazê-la me perdoar. Aquilo dói ainda mais fundo, pesa uma tonelada na minha alma. Depois de tantas confissões de amor, depois de tudo que nós juramos um ao outro, Leila é apenas grata, como se eu tivesse esse tempo todo lhe fazendo um grande favor.
Me sinto tão miserável, que sequer tenho coragem para responder. Contudo, ainda me forço a abrir um pequeno sorriso, porque ela merece isso ao invés de me ver chorar.
Então, me dirijo para a porta de novo, com os sentidos me guiando para longe. Enquanto desapareço pelas escadas, me pego desejando que o tempo seja capaz de curar as feridas dela e que o mesmo aconteça comigo. Se possível, desejo também nunca mais amar ninguém durante o resto da minha existência.
❤
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