Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo 29 - Danilo

Eu não tenho um pingo de paciência para esses eventos desnecessários de inauguração de obras. Isso, ao menos para mim, é coisa para os proprietários que pagaram pelo trabalho da empresa e que podem finalmente entrar na construção depois de acabada, não para a construtora, que nada mais fez do que entregar um trabalho para o qual foi paga para fazer. Entretanto, todas as vezes que a obra é grande, como é o caso desse viaduto que o Grupo ganhou em uma licitação acirradíssima, até mesmo vovô é obrigado a sair da sua zona de conforto para prestigiar a inauguração.

Não que sejamos obrigados a vir nessas inaugurações, é mais uma cordialidade que pode nos garantir bons negócios no futuro, a típica e corriqueira arte de puxar o saco alheio. Esse viaduto, por exemplo, envolve dinheiro público, governadores, prefeitos, gente que o Brasil e o mundo sabe que rouba do povo para poder bancar os próprios luxos. Infelizmente, essas mesmas pessoas são clientes em potencial, e ainda que vovô não goste muito da ideia de fechar contratos com esses caras, o capitalismo acaba falando mais alto no final do dia.

Meu único conforto é saber que a Eco Habitação não se envolve com esse tipo de coisa, somos um ramo bem restrito e específico da construção civil, então as dores de cabeça decorrentes do trato com esse tipo de situação envolvendo dinheiro público é exclusiva dos administradores das outras ramificações do Grupo Torres.

Quer dizer, essas dores de cabeça não são minhas ainda. Se eu quero chegar à presidência do Grupo, estar nesse tipo de evento e saber lidar com esse tipo de gente vai ser minha obrigação, e é exatamente por isso que estou aqui. Meu avô ficou bem feliz ao me ver, ele deu alguns tapinhas nas minhas costas e me apresentou para meio mundo com um sorriso orgulhoso no rosto. Ele sabe que detesto essas coisas e que acho uma perda de tempo, então deve ter deduzido que estou mais consciente com os assuntos da empresa, que é justamente a impressão que quero causar.

Aparentemente, mais tarde terá um coquetel privado em comemoração e minha presença é esperada, claro, como se eu não tivesse mais o que fazer. Checo meu relógio pela milésima vez desde que cheguei, levando uma cotovelada nas costelas. Olho feio para Tales, mas ele apenas sorri, fingindo que não tem nada acontecendo.

— Quero ir embora. — Eu resmungo, cruzando os braços em frente ao peito.

— Até aquele pessoal ali no fundo sabe que você quer ir embora por causa dessa sua cara emburrada, Danilo. — Tales responde, sorrindo falsamente quando algumas pessoas que estão próximas de onde estamos nos lançam alguns olhares atravessados.

— Deixei muita coisa para trás na Eco Habitação, Tales. Minha cabeça dói só de pensar na pilha de contratos que preciso revisar com Mateus.

— Faz no final de semana. Você não quer ser presidente? Então dá seus pulos e para de reclamar!

Calo minha boca. Continuar discutindo sobre meus problemas com Tales no meio dessa gente toda é perda de tempo, sem contar no quanto ele adora jogar na minha cara que eu só estou sobrecarregado desta forma por causa das minhas péssimas escolhas.

E com péssimas escolhas, me lembro de avisar Leila que hoje, mais uma vez, ela vai ter que voltar para casa de ônibus. Detesto que ela ande de ônibus nessa cidade perigosa altas horas da noite, mas ela se recusa a pegar um táxi por ser um transporte bem mais caro e eu ainda tenho um pouco de juízo na cabeça para me oferecer para pagar isso por ela. Se tudo correr bem, antes das 22h00 estarei em casa e quem sabe nós dois ainda possamos conversar qualquer coisa antes de dormir.

Gosto das nossas conversas na varanda até altas horas da madrugada ou comendo besteira na cozinha, contudo esses episódios raros estão ficando ainda mais escassos com meus horários apertados na Eco Habitação. Trabalhar na minha empresa e ainda comparecer a eventos e reuniões do Grupo Torres está me exaurindo até os ossos, mas é um mal necessário. Quanto mais eu me fizer presente, mais meu nome vai ser bem visto pelos sócios e acionistas quando a hora de assumir a presidência chegar. Não quero correr risco de encarar uma oposição considerável, quero acabar com isso o mais rápido possível, quem sabe até antes dos seis meses do meu contrato com Leila escoarem por completo.

Tiro o celular do bolso para digitar uma mensagem para Leila, entretanto acabo vendo algumas mensagens e ligações perdidas da empresa, o que me preocupa um pouco. Tenho um mau pressentimento com aquilo, parece problema, cheira problema, quase certeza de que é problema dos grandes para que eu resolva estando a não sei quantos quilômetros da Eco Habitação.

Peço licença e me afasto discretamente para retornar as ligações. Marcinha me atende no terceiro toque e sua voz aflita me arranca um arrepio na espinha.

— Não diga que um prédio que construímos caiu.

— Não caiu nenhum prédio, Dr., mas nossas ações vão despencar a qualquer momento.

— O que foi dessa vez?

O contrato das construções com a Dantas, aquele que está para vencer o prazo e ainda não ajustamos as cláusulas que eles solicitaram revisão, lembra? Recebi um e-mail deles dizendo que vão rescindir de vez se esse contrato não for finalizado hoje ainda!

— Ah, que maravilha! — Disparo, para não dizer um palavrão em voz alta. — Mateus não cuidou disso com o jurídico?

Eles estão terminando o arquivo. O problema é se o Sr. Dantas não quiser mais assinar.

Eu conheço Samuel Dantas desde a infância e se ele sonhar que atrasei um contrato com ele, que se julga de extrema importância, considerando a longa amizade com meu avô, eu estou ferrado, esse homem vai falar mal da minha empresa até nos confins do inferno. A única pessoa capaz de acalmar Seu Samuel é o filho, Fabrício, que por acaso também é meu amigo de infância, apesar de não nos vermos há algum tempo. Perdi as contas de quantas vezes livrei a cara de Fabrício de encrencas, quem sabe hoje não seja o dia dele me pagar alguns desses favores.

— Marcinha, peça Mateus para me entregar o contrato lá no coquetel de inauguração do viaduto. Vou dar um jeito de entrar em contato com Fabrício e pedir para que ele amanse o pai para a gente.

Eu não sei se o senhor sabe, mas hoje é o aniversário do Dr. Fabrício e vai ter uma festa imensa numa boate logo mais à noite.

— Ótimo! — Exclamo, e dessa vez não é ironia. — Bêbado adora fazer promessas difíceis de cumprir.

Levo um susto ao me aproximar da boate que Fabrício fechou para dar sua festa particular de aniversário. Isso aqui mais parece uma premiação de fim de ano, cheio de carros de luxo encostando na porta, por onde pessoas que provavelmente têm alguma fama estão passando e fazendo algumas poses para os fotógrafos acumulados do lado de fora.

Até onde sei, Fabrício não faz nada da vida além de gastar o dinheiro do pai e se meter em problemas com a polícia por dirigir embriagado. Ele é preguiçoso demais para ser uma pessoa influente na internet e passa o dia inteiro postando fotos malhando. Pelo jeito, mesmo sendo assim, ele conseguiu conquistar seguidores e se tornar uma espécie de subcelebridade na internet. De qualquer forma, já sinto de dentro do carro que vou me irritar com essa quantidade de câmeras apontando em minha direção.

Me esquivo como posso dos fotógrafos, colocando a pasta de documentos sobre o rosto para me esconder, mas é difícil não ser fotografado. Eu só vim aqui resolver um problema da empresa, contudo posso sair desse lugar com mais problemas ainda, inclusive com vovô, com quem não posso nem nos meus piores pesadelos considerar ter o mínimo dos desentendimentos.

Quando me identifico na porta, sou levado imediatamente para onde Fabrício está, já bebendo como o descontrolado que ele é. Sinceramente, esse cara não tem nenhum limite, nunca teve, e meu avô ainda tem coragem de dizer que eu que sou irresponsável.

— Grande Danilo! — Fabrício abre os braços e cambaleia em minha direção.

— Feliz aniversário, cara! — Eu o abraço de volta, prendendo o ar por causa do odor terrível de maconha e bebida que exalam dele.

— Você é um desgraçado, sabia? — Ele aponta para mim com o copo de bebida. — Fiquei sabendo que você se casou! Como você se casa assim? Nem fala nada para os velhos amigos?

— Foi coisa rápida, ninguém sabia.

— Eu só vou te perdoar, porque, pelo que eu ouvi, ninguém sabia mesmo. Só Tales, que eu achava que era a sua namorada até pouco tempo! — Fabrício ri da própria piadinha sem graça.

A barulheira dessa boate e o bafo de álcool de Fabrício estão atacando meus nervos. Estou fedendo a suor e cansado de correr de um lado para outro, pegar trânsito e puxar saco dos outros o meu dia inteiro. Eu só quero resolver essa porcaria e ir para casa desmaiar até o dia seguinte de preferência.

— Olha, estão aqui os documentos que te falei pelo celular. Fala com seu pai o que combinamos.

— Você pode entregar essa pasta para aquela mocinha ali — Fabrício aponta para uma garota vestindo terninho andando de um lado para o outro da boate. — Ela vai guardar para mim, porque não estou confiável hoje.

Solto uma risada alta para não ter que dizer que ele não é de confiança nunca. A sorte de Fabrício — e minha também — é que ele tem o rabo bem preso comigo, então é melhor que ele consiga enrolar o pai por mim amanhã depois que se curar da ressaca, porque já comuniquei à empresa que o contrato está sob a responsabilidade dele, que fez questão de conferir as cláusulas, já que, não sei como, ele se formou em Direito. Isso não é nada profissional ou inteligente da minha parte, mas situações desesperadas exigem medidas desesperadas. Por precaução, gravei nossa conversa do início ao fim, porque se esse filho da mãe não cumprir com o que me prometeu e afundar de vez meu contrato, eu o mato com as minhas próprias mãos e não estou brincando.

— Vou indo, então. Aproveite sua festa e não se esqueça do que me prometeu.

— Vai lá, recém-casado, sua esposa deve estar te esperando em casa!

Acabo rindo de novo. Fabrício não conhece Leila, ela provavelmente já deve ter se trancado no quarto a essa hora para continuar trabalhando e nem vai ver quando eu chegar. Pelo menos ela já deve estar em casa com Sansão e pensar nisso me deixa mais tranquilo.

Passo pelas pessoas se aglomerando na pista de dança em busca da menina de terninho que Fabrício pediu para que eu entregasse os papeis. Eu a encontro perto do bar, dando ordens a um garçom, enquanto fala com alguém no ponto eletrônico.

— Ei, tudo bem? — Eu a abordo. — Fabrício me pediu para te entregar essa pasta aqui.

— Ah, ele me avisou.... — Ela para de falar de repente, ouvindo alguma coisa no ponto. — Só um minuto, por favor. — E sai correndo pela boate, me deixando falando sozinho.

Olho sem entender nada para a garota desaparecendo entre os convidados da festa. Era para ela receber esses documentos e guardá-los com a própria vida, não para sair correndo assim que eu disse que iria entregá-los.

Antes que eu a perca de vista de vez, me coloco atrás dela, murmurando desculpas para as pessoas em quem eu esbarro. Alguém acaba derrubando bebida em mim e eu xingo todo meu repertório de palavrões mentalmente, porque esse é um dos meus ternos favoritos. Carmen nem está podendo ir à minha casa para lavar minhas roupas, como vou fazer para tirar essa mancha?

Estou quase alcançado a garota de terno, quando dou de cara com uma das últimas pessoas que eu esperava ver hoje.

— Danilo? — Simone franze a testa, me olhando de cima a baixo, a voz estridente estourando meus ouvidos por cima da música alta. — Há quanto tempo?

Solto o ar dos pulmões, nem acreditando no rolo que estou para me meter. Eu a bloqueei semanas atrás, sumi, não a respondi e quase considerei ligar para ela algumas vezes com a maior cara de pau do mundo. Se essa mulher for rancorosa, é meu fim e eu vou merecer que ela acabe com a minha raça.

— Há quanto tempo, né? Muito bom te ver, mas eu já estava de saída...

— Eu soube que você se casou. — Ela diz, me impedindo de sair de cena. — Deve ser por isso que desapareceu de repente. Olha, eu até achei que a gente tinha um lance especial, foi um choque quando me disseram que você estava casado.

— Foi um choque para todo mundo, até para mim, acredita?

— Espero que você esteja feliz com o casamento e sua esposa também, de verdade.

Fico surpreso ao ouvir aquilo vindo dela. Simone é uma boa pessoa, não merecia ter cruzado comigo durante sua vida.

— Obrigado. Mas agora é sério, preciso ir.

Simone ergue os braços na defensiva e sai do meu caminho. Dou dois passos, mas algo me faz dar meia volta. Detenho Simone por um instante, a segurando no lugar pelo cotovelo. Eu me inclino para falar mais perto do ouvido dela, já que a música alta não permite que tenhamos uma conversa decente, e sinto que o que estou para falar é meio importante para ser gritado de qualquer jeito.

— É só que se você puder, Simone, me desculpe algum dia por ter sido um babaca. — Digo à ela. Depois sigo meu caminho de uma vez por todas.

Meu dia poderia ter acabado naquela balada maldita, contudo eu recebo uma mensagem estranha de Leila na volta para casa. Imagino que ela ainda esteja na E. M. e que não tenha encontrado ônibus a essa hora, por isso resolvo ligar para saber se ela quer que eu a busque. Preciso insistir na ligação mais duas vezes antes dela atender.

— Leila, acabei de ver sua mensagem, você quer que eu...

Oi, Danilo! — Uma voz de homem soa do outro lado da linha, cortando minha torrente de palavras. — É o Heitor aqui, nos conhecemos um dia desses na E. M.

Aperto o volante com força, sentindo uma onda repentina de raiva só de pensar na cara de Heitor. O que diabos esse cara está fazendo com Leila a uma hora dessas e ainda atendendo o celular dela? Ah, não, espera, ela não faria isso... Ela não faria...

— Onde está minha esposa, Heitor? Eu liguei para ela e você atendeu, não estou entendendo...

Calma, eu só atendi porque ela está dormindo agora.

— DORMINDO?! — Exclamo tão alto que até o motorista do carro que está vindo atrás de mim deve ter ouvido.

Acho que Leila não te avisou porque você estava ocupado, mas ela passou um pouco mal hoje e eu a trouxe para um pronto atendimento.

Paro o carro bruscamente em um sinal, levando algumas buzinadas e tomando alguns xingamentos, os quais eu mal escuto. Minha cabeça se desliga assim que ouço as palavras de Heitor. Eu sabia que isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde, ela andava tão fraca e cansada, eu mesmo cheguei a vê-la quase desmaiando na minha frente, mas eu não fiz nada para evitar que ela chegasse naquela situação. E, droga, eu prometi para dona Célia!

— Passou mal? Como assim passou mal?

Acho que foi o cansaço combinado com alguma besteira que ela comeu.

— E como ela está? Está sentindo alguma dor? Alguma coisa?

Ela está bem. Está dormindo agora.

Não fico mais tranquilo escutando dele que Leila está bem. Apenas quando eu vê-la com meus próprios olhos irei decidir se ela está mesmo bem.

— Me manda a localização do pronto atendimento, Heitor, que chego num instante!

Ele desliga e me envia a localização alguns segundos depois do seu próprio número. Para a minha infelicidade, a UPA fica mais longe do que eu esperava, o que só me deixa mais aflito enquanto dirijo o mais rápido que consigo. Em algum canto da minha mente turbulenta, eu ainda quero saber por que é Heitor que está com Leila e não um dos amigos dela, mas agora esse questionamento não tem 0,1% de importância.

Nem olho para o relógio quando estaciono em frente a unidade de pronto atendimento. A sensação que tive vindo para cá era que eu estava viajando para Minas Gerais, porque eu não chegava nunca. Paro todo mundo que vejo vestindo roupas de enfermeiro para perguntar por Leila assim que entro no pronto atendimento até ver Heitor caminhando em minha direção.

— Cadê ela? Eu posso vê-la?

Ela aperta os lábios, como se estivesse se controlando para não rir. Imbecil! Não há nada aqui para ele estar achando graça.

— Vem, vou te levar até ela.

Eu o acompanho por um corredor extenso, tomando cuidado com os pacientes que ainda aguardam atendimento. Estive poucas vezes em unidades de atendimento da rede pública, minha família sempre teve dinheiro o bastante para pagar hospitais e médicos particulares, então sempre fico meio chocado quando preciso ir a uma unidade que atende pelo SUS. Parece um outro mundo, porque é tudo tão precário e ainda assim significa tanto para aqueles que não podem pagar.

Heitor para diante de uma porta e espia por uma janelinha estreita de vidro. Ele coloca uma mão na maçaneta, mas antes de abrir se vira para mim.

— Melhor tirar esse blazer. Dá para ver a mancha de bebida e, bem, acho que não é bom que você e Leila discutam por causa disso.

Olho para o meu blazer manchado e depois para Heitor, levando alguns segundos para compreender onde ele quer chegar. Se Leila e eu realmente tivéssemos um relacionamento, ela certamente ficaria chateada e pensaria mil coisas sobre mim só de olhar para essa mancha, mas não temos um relacionamento e eu acho provável que ela nem repare nisso.

— Eu não tenho nada para esconder dela.

Dito isso, eu mesmo abro a porta e entro. Há vários leitos de um lado e outro da sala estéril, contudo há poucas pessoas por aqui. Vejo Leila dormindo em uma das camas, com um vidro de soro quase acabando pingando devagar por uma mangueirinha presa a seu braço. Praticamente corro até ela, sem saber direito o que fazer.

Uma mistura estranha de emoções me invade com força e eu me sinto impotente demais diante de Leila deitada nessa cama. Sei que ela vai dizer que sou exagerado e que eu não preciso me preocupar, mas, caramba, eu me preocupo demais com essa mulher teimosa que gosta de fazer tudo sozinha e suportar o peso do mundo nas costas sem reclamar.

Seguro a mão esquerda dela com cuidado, a aliança brilhando à luz fraca da sala. Ela ainda não se livrou do anel de noivado e alguma parte de mim sempre fica muito feliz em vê-lo no dedo dela. Fora a palidez mórbida, Leila parece mesmo bem, apenas descansando depois de semanas e semanas sem dormir direito. É absurdo que ela teve que parar aqui para conseguir se desligar do trabalho.

— Nunca mais vou te deixar chegar nesse ponto, ouviu? — Eu digo baixinho, sabendo que ela não vai me ouvir nem dormindo e nem acordada.

Heitor se senta aos pés da cama, me olhando com a mesma cara de quem quer começar a rir de antes. Ele me irrita, profunda e incondicionalmente. Juro que se não estivéssemos aqui e se Leila não estivesse nessa situação, eu já teria ameaçado quebrar os dentes dele sem motivo nenhum.

— Eu vou te confessar uma coisa, Danilo. — Heitor diz, como quem não quer nada. — Quando vi vocês juntos pela primeira vez eu até achei que vocês não se gostavam, mas vendo você agora, parece que eu estava errado.

— É, você estava errado, sim.

Na verdade ele não estava errado. Ela não gosta de mim e nem eu dela, ao menos não do jeito que um marido e uma esposa se gostam, entretanto eu tenho certo carinho por Leila que me permite estar aqui de joelhos segurando a mão dela como se eu a amasse. Somos amigos, dividimos o mesmo teto, minha reação é perfeitamente normal.

— E o que você está fazendo aqui? Onde estão Madu e Jonas?

— Ah, eu estava na E. M. e a trouxe para cá assim que ela passou mal, então Madu e Jonas ficaram no escritório. Nesses momentos é melhor não tumultuar.

— Verdade! — Solto a mão de Leila e fico de pé. — Você pode ir agora.

Ele apenas dá de ombros.

— Vou esperar que ela tenha alta.

— Você sabe que não precisa fazer isso.

— Eu a trouxe para cá, não me custa nada ficar mais um pouco.

E não me custa nada dar um chute em você, penso em respondê-lo, mas me contenho ao ver uma mulher de jaleco se aproximando. Ela abre um sorriso para Heitor e então olha para mim, arqueando as sobrancelhas para a mancha no meu blazer.

— Ah, você deve ser o marido dela. — A médica aponta para Leila na cama.

Olho para Leila por cima do ombro, quase caindo de costas quando vejo que ela está desperta. Me pergunto o quanto da conversa ela ouviu e o quanto do seu cenho franzido é resultado do meu pequeno desentendimento com o "amiguinho" dela.

A médica se aproxima da cama e retira o soro do braço de Leila. Então verifica sua temperatura e a ajuda a se sentar.

— Leila, te passei um remédio para o caso você sentir enjoo de novo. — A doutora entrega para Leila uma receita médica com uma letra que eu não conseguiria entender nem se eu fosse especialista em hieróglifos. — Beba muita água e se alimente direito, principalmente dentro dos próximos cinco dias. Ah, faça alguns exames de rotina quando puder, para checar se está tudo bem mesmo com você, ok?

— Sim, pode deixar. Obrigada! — Leila sorri fracamente para a médica e começa a se mover para ficar de pé.

Me adianto para ajudá-la, no entanto ela me rejeita antes mesmo que eu consiga fazer alguma coisa. Heitor a entrega a mochila velha e os dois seguem lado a lado para fora da UPA, enquanto eu sou deixado para trás, questionando cada uma das minhas falas com o nerd folgado. Os dois se despedem com Leila agradecendo até a quinta geração de Heitor pelo enorme favor de tê-la acompanhado e eu não consigo me conformar com aquilo, porque se ela tivesse me ligado, eu estaria aqui num segundo para acompanhá-la e fosse o que Deus quisesse o contrato com a Dantas.

Me ocorre que, talvez — só talvez —, Leila esteja chateada por causa da bebida na minha roupa. É um pensamento ridículo, mas é o suficiente para martelar na minha cabeça durante nosso caminho para casa, em que Leila finge dormir para não ter que falar comigo. Ela continua absurdamente calada no elevador e ao entrarmos no apartamento. Nem Sansão consegue a atenção dela, o que me faz explodir no meio da sala.

— Leila, você não vai dizer nada?

— Dizer o quê? — Ela nem olha na minha cara ao responder de volta, continuando a andar até o quarto.

— Sei lá, você passou mal! Eu quero saber se você está bem agora, se precisa de algo, se eu posso fazer alguma coisa por você.

Aquilo a detém na porta. Ela se vira para mim e seus olhos se fixam na maldita mancha no meu blazer. Eu não acredito que vou admitir isso, mas todo mundo está tão implicado com essa porcaria, que me arrependo de não ter dado ouvidos à Heitor.

— Eu tive que ir a festa de um amigo para resolver um problema de um contrato e derrubaram bebida em mim. — Me explico rapidamente e espero que ela consiga ver que estou sendo sincero.

— Você não me deve satisfações, Danilo. Eu só quero que você tome cuidado para não me envolver em um escândalo.

— Mas eu não fiz nada de errado, eu juro para você. Foi só isso que aconteceu, eu tive um imprevisto e...

— Tudo bem, eu já disse que você não me deve satisfações.

Respiro fundo, frustrado. Estou quase me habituando com esse sentimento, porque desde que conheço Leila, sempre acabo assim quando temos uma discussão.

— Você poderia ter me ligado. — Eu digo por fim, antes dela me dar as costas por completo.

— Eu não sou sua responsabilidade, não tenho o direito de atrapalhar o seu trabalho.

— Isso não é atrapalhar, Leila, é sua saúde! É importante para mim, entende?

— Importante por que? — O tom de voz dela se eleva apenas o suficiente para que eu consiga identificar a irritação em suas palavras. — Porque você queria fazer o papel de bom marido para que todo mundo se convencesse de que somos um casal perfeito?

Fico estático, mudo. É isso que ela pensa de mim? Que sou tão cretino ao ponto de querer estar ao seu lado apenas pelas aparências?

— Leila... — Tento alcançá-la, mas ela entra de vez dentro do quarto.

— Boa noite. — É a última coisa que ela diz antes de fechar a porta na minha cara e dar por encerrada nossa conversa.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro