Capítulo 23 - Danilo
Acho que desde o nascimento de Ana Clara eu não via vovô tão feliz como hoje, exibindo a família bonita dele para todo mundo e abraçando pessoas que ele vê quase todo dia como se não as visse há uns cinco anos. Sou quase grato a família de Leila por ter causado tanta confusão e insistido numa cerimônia, porque do contrário eu estaria perdendo essa chance perfeita de causar a impressão certa no meu avô.
Acertei ao convidar os acionistas que vovô mais preza, porque agora ele tem para quem dizer que o neto mais novo se casou e que está tranquilo em deixar a presidência da empresa. Assim, acabei matando dois coelhos com um tiro só: convencendo meu avô e os acionistas de que sou a pessoa certa para liderar o Grupo Torres pelos próximos anos.
Estouro mais um espumante, sacudindo-o para espalhar espuma para todos os lados, só tomando cuidado para não respingar na lente da câmera pendendo do meu pescoço. Olhando de longe eu devo parecer o homem casado mais feliz do mundo e eu estou realmente muito feliz, só que não por ter me casado. Se alguém me contasse há uns dois meses que eu ia acabar casado com uma mulher como Leila, eu iria rir da pessoa, mas aqui estou eu e logo ali está ela.
Falando nela, Leila está mais estranha do que de costume hoje. Andressa até me disse mais cedo que ela tomou alguns calmantes e que estava prestes a ter uma crise de choro a cada dez minutos antes da cerimônia começar, e eu a achei mesmo uma pilha de nervos quando ela apareceu vestida de noiva, mas agora aquela Leila com ar de perturbada desapareceu no ar e no lugar dela uma Leila muito bem humorada surgiu.
Para mim é esquisito vê-la gargalhando com os amigos, abraçando os pais e comendo bolo de casamento descalça, tão à vontade quanto se frequentasse essa casa e conhecesse todas as pessoas aqui há uma vida inteira, entretanto é assim que ela está. A Leila que conheço estaria sentada num canto, fugindo das pessoas e contando mentalmente os minutos para ir embora, mas talvez eu ainda não conheça a Leila de verdade e por isso estou a achando esquisita demais.
Se eu sou um homem casado e feliz, Leila é uma esposa radiante. O rosto dela está brilhando e nem é pela maquiagem, os cabelos cacheados caindo pesadamente sobre seus ombros, a pele contrastando com o vestido branquíssimo. Ela está... perfeita! Não há outra palavra para descrevê-la além desta, admito. Acho que no fundo daquela engenheira teimosa e reservada há uma atriz muito talentosa, capaz de convencer até a própria mãe de que tudo isso é de verdade.
Aceno para Tales, indicando que quero falar com ele. Tales esteve o tempo todo rondando meu avô e os acionistas para ouvir o que tanto eles conversam e me contar depois, mas estou ficando impaciente para saber se meu plano está tendo o impacto que desejo. Meu amigo para pelo caminho e cumprimenta a família de Leila antes de vir até mim, rindo de alguma coisa que ouviu na mesa deles.
— O que foi?
— Leila quer que eu chame Andressa, porque ela vai jogar o buquê daqui a pouco. — Tales solta mais uma risada. — Como se Andressa quisesse pegar algum buquê de casamento.
— Ela ajudou a organizar esse casamento inteiro, levou Leila para experimentar o vestido e estava mais animada que a própria noiva, então talvez seja o caso de você pensar se ela não está mesmo interessada em se casar também.
— Já moramos praticamente juntos, que diferença faz casar ou não? — Ele pega o espumante da minha mão e se serve.
— Você tem que perguntar isso para ela.
Tales reflete a respeito, parando com a taça a caminho da boca. Também não acho que faça diferença casar no caso deles, seria apenas um gasto de dinheiro desnecessário, mas Andressa estava tão empolgada com essas coisas que fiquei pensando se ela não estava considerando levar Tales ao altar. Ela é uma mulher moderna, independente e ocupada, não aparenta fazer o tipo dela essas formalidades, só que eu aprendi há algum tempo que para saber se uma mulher quer ou não alguma coisa, a melhor saída é perguntar diretamente ao invés de tentar deduzir, então se eu fosse Tales eu já teria perguntado isso de uma vez.
— O que vovô está falando com os velhos da empresa? — Resolvo mudar de assunto, enquanto dou uma olhada nas fotos que tirei durante o dia pela tela da câmera.
— Ah, você vai gostar de saber disso! — Tales se aproxima, olhando para os lados para conferir se ninguém pode nos ouvir. — Ele está bastante orgulhoso do netinho, dizendo que achava que nem estaria vivo para te ver casado e no comando de uma das empresas do Grupo.
— E o que mais? — Abro um sorriso convencido, posicionando a câmera para fotografar uma das minhas sobrinhas correndo de um lado para o outro pelo jardim.
— Eu o ouvi comentar alguma coisa sobre o Grupo estar indo bem depois da Eco Habitação e que você tem um olho bom para os negócios.
Me sinto no topo do mundo ao ouvir aquilo. Agora falta pouco demais para que eu atinja meus objetivos. Convidar os velhos amigos do meu avô realmente só me trouxe benefícios, já que eles estão vendo com os próprios olhos que não sou o irresponsável que os sites de fofoca adoram falar.
— Viu só? Eu te disse, Tales! Eu te falei que daria tudo certo.
— É, talvez. — Ele hesita, não muito animado. — O processo de substituição do presidente dura cerca de seis meses e você vai ter que segurar a barra sem fazer nada estúpido durante esse tempo, você sabe disso.
— Eu vou ser cuidadoso, não vou me meter em escândalos e ainda vou bajular um por um dos acionistas. — Dou uma olhada na foto que acabei de tirar da minha sobrinha.
— Não é bem disso que eu estou falando, Danilo.
— E do que você está falando, então? — Digo e dou uma olhada no jardim, tentando capturar mais imagens interessantes pelas lentes da câmera.
Tales desvia a atenção de mim ao ouvirmos vó Iêda anunciar que Leila vai jogar o buquê. As mulheres disparam pela grama, rindo e competindo entre si pelos lírios brancos. Até minhas sobrinhas estão no meio daquilo, mesmo Valéria gritando sem parar para que elas não atrapalhem a brincadeira. Andressa está mais atrás, rindo de toda a confusão.
O irmão de Leila a ajuda a subir numa cadeira no meio do jardim para jogar o bendito buquê para trás e eu não perco tempo para capturar toda aquela cena se desenrolando. Leila continua sorrindo o tempo todo, ameaçando lançar o buquê sem soltá-lo de verdade. Incrivelmente, minha mãe está participando daquilo também e acena para mim com uma expressão estranhamente alegre no rosto. Não sei se Leila a conquistou de algum jeito, mas já fico mais tranquilo vendo aquela mínima interação. Ao menos isso é um indicativo de que dona Roberta não vai se enfiar lá em casa e fazer da minha vida de casado um inferno, como faz com Marcos e Valéria.
Leila finalmente fica de costas, com o irmão por perto o tempo todo para que ela não corra o risco de cair e se machucar. As pessoas fazem uma contagem regressiva a partir do dez e Leila lança o buquê sobre os ombros quando alcançam o um. Os lírios voam direto para as mãos de Madu, que os sacode e os joga de volta para Leila, gritando que não quer saber de se casar tão cedo.
A cena é tão cômica, que quando menos percebo, estou rindo tanto quanto Leila. Ela mal se aguenta de pé sobre a cadeira, gargalhando enquanto Madu reclama sem parar. A amizade das duas parece ser forte, mas não sei se Leila sobreviverá aos xingamentos de Madu se continuar rindo e a provocando daquele jeito.
— É disso que eu estou falando, está vendo? — Tales retorna ao assunto, indicando Leila com o queixo.
— O que tem ela? — Pergunto de volta, ainda rindo. Tiro mais uma foto dela, sorrindo abertamente sobre a cadeira.
— Eu fiz uns cálculos e acho que tem uma probabilidade grande de você começar a gostar dela de verdade, o que seria uma estupidez enorme da sua parte.
A graça do momento todo desaparece num piscar de olhos. Baixo minha câmera e encaro Tales. Não basta dizer uma besteira daquele tamanho, ele ainda está falando sério. Como ele pode estar tão sério falando aquilo, principalmente sendo a única pessoa que sabe do contrato?
— Estupidez é você pensar uma coisa dessas!
— Não é, e você deveria estar bem ciente disso. Vocês vão morar seis meses debaixo do mesmo teto e, convenhamos, Leila é uma mulher bonita, inteligente pra caramba e ela sabe ser bem convincente quando quer. — Tales olha para Leila de novo, que agora já está de volta ao chão tentando enfiar o buquê nas mãos de Madu. — Ela vai te colocar louco se você não tomar cuidado.
— É mais fácil que o contrário aconteça. — Rebato em tom de deboche, mas Tales continua sério.
— É verdade, eu esqueci de acrescentar que ela também não está nem aí para você. Qual a parte do "ela vai te colocar louco se você não tomar cuidado" que você não entendeu?
— Então pronto, se ela não tá nem aí para mim é mais um motivo para que eu não faça nenhuma estupidez, né?
— Não sei, Danilo, me diz se você acredita mesmo nisso!
Eu prefiro nem respondê-lo, não porque não acredito no que estou dizendo, mas porque vejo Leila vindo até nós. Não quero que ela ouça o que estamos conversando e nem quero continuar discutindo com Tales sobre algo que não nos levará a nada. Hoje eu não posso demonstrar o mínimo de irritação, então é melhor encerrar aquilo.
— Eu só disse isso, porque não faz nem um mês e você já está olhando para ela desse jeito. Fico me questionando como vai ser daqui um tempo, com a convivência, com você acordando e indo dormir todo dia olhando para...
— Cala a boca! — Eu o corto, nem um pouco a fim de ouvir aquelas asneiras.
Me adianto para encontrar Leila, deixando Tales para trás. Ele sabe ser chato em níveis extremos quando cisma com alguma coisa e isso me incomoda mais do que eu gostaria, porque é difícil ignorá-lo. Sou mais próximo dele do que meu próprio irmão, por isso não ouvi-lo é difícil, principalmente quando é algo que não quero ouvir.
— Você está ocupado? — Leila pergunta antes mesmo de nos aproximarmos direito.
— Tales não está mais falando coisa com coisa por causa da bebida, então não, não estou ocupado.
Ela espia por cima do meu ombro e acena para Tales, que só ergue a taça de espumante de volta. Cara de pau, nem parece que estava me azucrinando a cabeça um segundo atrás.
— Meus pais querem se despedir de você antes de irem embora. Tia Célia já ficou tempo demais e ela não pode ficar tanto tempo de pé ou sentada.
— Por que?
Leila franze a testa de leve e posso apostar que ela está tentando se lembrar se comentou comigo algo sobre a tia, não encontrando nada, porque ela simplesmente não fala um "a" sobre a própria vida para mim, exceto sob o efeito de álcool.
— Tia Célia tem uns problemas na coluna, por isso não pode ficar mais.
— Quer que eu peça alguém para levá-los? Sua casa é meio longe e...
— Não, não precisa. — Leila me interrompe mais do que depressa. — Já chamei táxis para todo mundo, está tudo certo.
— E não adianta insistir, né?
Por algum motivo, Leila fica surpresa com minha resposta. Ela me olha de um jeito estranho, quase preocupado, o que não é muito típico dela.
— Você está bem, Danilo? Parece meio irritado. Eu fiz algo errado?
— Não! — Respondo rápido demais, o que aparentemente só deixa Leila mais cismada. — É Tales, ele disse umas coisas que me deixou irritado, mas não é nada demais.
— Ah, eu pensei que tinha feito algo errado, como ter subido na cadeira para jogar o buquê. Achei que poderia ter sido um pouco demais, não sei. — Leila encolhe os ombros, envergonhada. Coitada, as coisas que ela está fazendo hoje não são mesmo típicas dela.
— Você está indo muito bem, melhor do que eu imaginei até.
Ela abre um sorriso, fechando um pouco os olhos, escondidos pelos cílios postiços. Leila me surpreendeu muito hoje, está fazendo coisas que eu não pensaria nunca, nem em um milhão de anos, que ela faria. Minha família gosta de pessoas falantes e animadas, e hoje Leila é essa pessoa, então está tudo mais do que certo.
— Eles estão bem ali. — Leila olha por cima do ombro, para onde a família dela está conversando com Marcos, Valéria e meus avós. — Vamos? — Ela estende a mão para mim.
Tento não achar mais aquele gesto estranho, mas é impossível. As coisas com Leila estão fluindo de uma maneira tão natural hoje, que estou ficando inquieto sem saber onde começa e onde termina a atuação dela. Talvez eu só esteja pensando nisso agora por causa do que Tales disse e eu espero de verdade que seja isso mesmo.
Entrelaço meus dedos aos dela, ainda com uma sensação estranha. Eu não achei que fosse ficar tão incomodado com esse tipo de coisa, mas admito que não é muito confortável tocar, abraçar e até mesmo beijar alguém por quem não sinto o mínimo de atração. O beijo que trocamos na hora do maldito "sim" me deixou atordoado por tempo suficiente para eu ter certeza que Tales está completamente errado com essa ideia de que eu cometerei algum erro.
— Aí estão eles! — Meu avô diz assim que nos vê. — Eu estava agora dizendo que na minha época as pessoas largavam o que fosse para aproveitar a lua de mel. Esses jovens de hoje, viciados em trabalho, não ligam para as tradições, mesmo quando a tradição é boa.
Meu avô consegue arrancar risadas até de mim, que estou com o humor azedando lentamente, mas a mãe de Leila não acha nenhuma graça no comentário. Ela apenas dá de ombros, olhando para nossas mãos dadas e depois diretamente para mim.
— Tudo que eles fariam numa lua de mel, provavelmente já fizeram, então não deve importar muito para eles. — Dona Luciana exala o tom de reprovação que não sai dela desde que nos conhecemos.
Pensei que eu a tinha conquistado depois de ter feito esse casamento mais tradicional, ainda que em cima da hora, mas acho que estou longe de cair nas graças dela ou de Cleiton. Pelo menos nisso Leila e eu estamos empatados, porque minha mãe e meu irmão também são contra meu casamento e continuarão contra até o dia do divórcio. Não importa, não estou fazendo isso por eles de qualquer forma.
Abro meu sorriso mais brilhante e me dirijo aos meus sogros, procurando acabar com o clima que começa a pesar:
— Leila disse que vocês estão de saída. Sinto muito que não possam ficar mais, a casa do meu avô e minha casa estarão sempre de portas abertas.
— Sua casa, sim... — A mãe de Leila estala a língua em desdém. Meu Deus, essa mulher pega as coisas no ar!
Puxo Leila para mais perto de mim e passo meu braço por sua cintura.
— Nossa casa, minha e de Leila. Passei muito tempo da vida sozinho, às vezes acabo me expressando mal.
— A casa é do Sansão também, aquele seu cachorrinho. — Minha mãe me corrige, surgindo só Deus sabe de onde. — Danilo tem um cachorro por quem ele tem mais amor do que por qualquer um da nossa família. Leila vai ter que disputar o lugar dela na cama todos os dias com o cachorro, escutem o que eu estou dizendo.
— Sansão tem a própria cama.
— Mas ele prefere a sua ou seu sofá. Acreditam que Danilo teve que se desfazer de um sofá novinho por causa do cachorro?
— Mãe! — Eu tento impedi-la, mas é tarde demais, ela já tem a atenção da mãe de Leila.
— Parece que ele gosta mais do cachorro do que de gente. — Dona Luciana comenta, me dedicando um olhar afiado.
Estou para dizer que sim, gosto do meu cachorro mais do que gosto de muita gente, quando Leila diz:
— Os táxis já estão chegando, é melhor vocês irem andando.
Para o meu alívio, eles se lembram que já estavam de saída. Minha mãe também só surge para piorar coisas que já são naturalmente ruins. Mais alguns instantes de conversa entre essas duas mulheres e meu casamento com Leila seria arruinado, considerando que ambas têm plena certeza que nós dois sentimos qualquer coisa que não seja amor um pelo outro.
Seu Maciel se aproxima alguns passos para se despedir de mim, estampando um sorriso satisfeito, ao contrário do restante dos familiares de Leila. Pelo que notei, ele e meu avô se deram bem e, ao que tudo indica, Marcos também gostou bastante de conversar com o homem. Ele é agradável e só fala quando é necessário, quem não gosta de pessoas assim?
— Precisamos ir, mas espero que vocês possam nos visitar antes de irmos embora para Campo Verde. Já fiz o convite para a sua família, todo mundo é muito bem-vindo à nossa casa em Campo Verde também. — Ele estende os braços e me puxa para um abraço. — Não preciso dizer nada, sei que você vai cuidar bem da minha menina. — Seu Maciel completa quando me solta.
Apesar de gostar do pai de Leila e de ser recíproco, sempre fico apreensivo quando nos falamos. O amor dele pela filha é algo que escorre dos olhos, ela é a menininha dele, o orgulho da família toda, só de imaginar que daqui seis meses esse casamento chegará ao fim e ele irá me olhar decepcionado por ter "deixado" Leila...
Não, melhor nem pensar nisso! Não me casei para agradar ninguém além do meu avô, não tenho motivos para ficar me perguntando o que a família de Leila vai pensar quando o fim dessa palhaçada toda chegar.
— Assim que Leila e eu tivermos uma folga do trabalho, iremos pegar o carro e ir à Campo Verde visitá-los, Seu Maciel, pode esperar pela gente!
Leila me cutuca discretamente nas costelas, disfarçando a reprimenda ao me abraçar de lado. Não criar expectativas nas pessoas e não me aproximar delas mais do que o necessário, as duas regras implícitas do nosso contrato, das quais fiquei sabendo quando resolvi ser amigável com Madu e Jonas.
O restante da família de Leila se despede de nós e vai aos poucos se encaminhando para a saída da casa dos meus avós. Eles se recusam a serem acompanhados por Leila, alegando que ela precisa ficar comigo hoje. Não muito tempo depois, Madu e Jonas também vão embora, restando apenas minha família na casa, que provavelmente não vão embora hoje.
Leila tirou o vestido de noiva e está conversando com Andressa agora, soltando risadas abafadas volta e meia. Se minha mãe fez minha cama falando do Sansão, nem quero imaginar o que Andressa, logo Andressa, está falando de mim para Leila. Percebo que aquele é o momento exato para irmos para casa também, antes que Andressa consiga dificultar as coisas para o meu lado também.
— Hoje é você quem vai dirigindo, Dessa. — Chamo a atenção dela para Tales, que está sentado desajeitadamente numa das mesas espalhadas pelo jardim com um litro de espumante nas mãos.
— Ele nunca bebe, mas quando bebe... — Andressa balança a cabeça, irritada. — A culpa é sua, você sabe, né?
— Eu que entornei bebida na boca dele por acaso?
— Não, mas o ensinou a beber na época da faculdade. — Ela se vira para Leila, séria. — Tudo o que não presta que Tales sabe, quem ensinou foi Danilo, por isso te disse para desistir desse casamento enquanto era tempo!
Reviro os olhos, cansado daquele discurso. Leila apenas deixa escapar uma risadinha, olhando para mim por cima dos óculos. Ela passou o dia todo sem eles, tinha quase me acostumado com o rosto dela sem aquela armação horrorosa.
Abro os braços para ela, provocando-a a me abraçar na frente das pessoas. O sorriso dela instantaneamente some e vejo que a Leila que conheço está enfim voltando.
— Hora de ir para a nossa casa, esposa!
❤
Me sinto diante de uma inspeção da vigilância sanitária com Leila reparando em cada cantinho do apartamento. Ela anda pela sala, observando em silêncio a prateleira de vidro com os prêmios que ganhei à frente da Eco Habitação, que inclusive coloquei ali para serem exibidos ao máximo. Depois, ela passa os olhos lentamente pelas fotografias nos porta-retratos de todos os tamanhos nas prateleiras ao lado, não tecendo um mísero comentário a respeito de nada, nem mesmo sobre as fotos dos meus avós ou da minha mãe.
Sansão a está seguindo para todos os lados, cheirando seus rastros como se para descobrir por onde essa mulher desconhecida passou antes de chegar à nossa casa. Achei que ele iria correr dela ou rosnar o tempo todo, mas bastou que Leila dissesse o nome dele para que meu cachorro traidor se esquecesse do quanto é hostil com pessoas desconhecidas. É o efeito Leila, eu já deveria estar acostumado com ela conquistando todo mundo por onde passa.
Ela sai da sala e caminha até a cozinha, passando a mão sobre a bancada de mármore pelo caminho, seguindo de lá para a área de serviço, onde Sansão finalmente parece desistir de segui-la para se aninhar em sua caminha. Leila se abaixa diante dele, fazendo carinho em sua barriguinha gorda. Pronto, perdi meu cachorro de vez!
— Achei que ele iria me estranhar mais. — Leila diz por fim, deixando Sansão lamber sua mão.
— Eu também achei, mas ele está agindo como se te conhecesse a vida toda.
— E você não está com ciúmes, está?
— Quem? Eu? Não é porque ele correu para você e não para mim assim que abri a porta que estou com ciúmes!
— Olha para você, com essa idade e ciúmes do cachorro! — Ela gargalha, ficando de pé.
— Para com isso, Leila!
Mas ela não para, ela continua gargalhando sem parar e Sansão parece fazer o mesmo, abanando seu rabinho em formato de donut para mim. Ao que tudo indica, ou a Leila leve e descontraída do casamento ainda não se dissipou totalmente no ar, ou então caí em um complô desses dois para me deixar maluco.
— Você gostou da casa? — Pergunto numa tentativa de fazer Leila parar de rir da minha cara.
— É linda! — Ela olha através da porta de vidro que separa a área de serviço da cozinha. — É elegante e ao mesmo tempo aconchegante. As cores, os móveis, tudo encaixa direitinho, além de ser surpreendentemente limpa.
— Carmen vai adorar saber que você gostou da arrumação dela.
— Ah, sua babá! — Leila diz, se lembrando que comentei com ela certa vez sobre Carmen. — Por que ainda fico surpresa por você ter uma babá?
Dou de ombros. Não me importo muito com a denominação que dão para Carmen. Para mim, ela é uma segunda mãe e cuida de mim como se realmente fosse minha mãe, então tanto faz pensarem que ainda sou uma criançona de 30 anos com uma babá.
— É uma pena que ela não tenha podido ir ao casamento hoje por conta dos preparativos para a cirurgia do neto dela, seria uma boa oportunidade para que vocês se conhecessem.
— Eu vou ficar aqui por seis meses, oportunidades não vão faltar.
Concordo, desviando o olhar para o sol se pondo entre os prédios no horizonte. Serão apenas seis meses, nem parece tanto tempo assim, e conviver com Leila não deve ser tão difícil quanto Tales fez parecer. Temos objetivos muito bem definidos e um contrato muito claro, o que pode dar errado num acordo entre dois adultos?
Me volto para Leila pensando em sugerir que ela tome um banho enquanto peço algo para comermos no jantar, já que minha geladeira vive às moscas, mas fico sem reação por um instante.
Ela ergueu o queixo, sorrindo de olhos fechados com os últimos raios de sol iluminando seu rosto. Leila respira fundo, aproveitando a brisa quente do final da tarde, como se cada segundo daquilo fosse sagrado. E, como se eu estivesse entrando em algum tipo de transe, não consigo tirar os olhos dela, muito menos me atrevo a estragar aquele momento. Há algo de muito singular em sua expressão, algo que me faz ter vontade de correr até o quarto e pegar minha câmera fotográfica para capturar cada suspiro que escapa dos lábios dela.
Quando o sol se põe de vez, deixando nós dois na penumbra, Leila pisca algumas vezes antes de se virar para mim. Agradeço a Deus por estar meio escuro aqui, porque do contrário ela perceberia que eu a estava encarando por tempo demais.
— Você disse que o banheiro fica por ali? — Leila aponta para dentro da casa.
Limpo a garganta para respondê-la, pois as palavras parecem ter afundado por metros dentro de mim.
— Isso, fica por ali. Pode usar a vontade, eu tenho meu próprio banheiro, então não se preocupe comigo.
— Obrigada!
Leila sorri e se afasta. Me recosto no beiral da área de serviço, puxando o ar com força. Não entendo, eu verdadeiramente não entendo o que aconteceu um segundo atrás. O sol, a imagem, Leila... Tudo isso entrou na minha cabeça de um jeito que eu tive mesmo coragem de me questionar a respeito das besteiras que Tales disse mais cedo?
Não, nem pensar que eu fiz isso. Eu não posso fazer isso. Eu não...
— Danilo?
Me sobressalto ao ouvir a voz de Leila às minhas costas.
— O que foi? Não achou o banheiro?
— Achei, sim. Eu só ia te pedir um pouco de shampoo, porque esqueci de trazer o meu.
Ah, shampoo...
— Eu vou pegar o shampoo para você.
— Desculpa incomodar, de verdade. Foi tudo tão rápido, que acabei esquecendo.
— Tudo bem, não se preocupe com isso.
Passo por Leila, forçando minha cabeça a funcionar direito. O apartamento, Sansão, minha vida que não gira em torno de uma fraqueza momentânea ao perceber que, sim, Leila é uma mulher bonita que vai morar debaixo do mesmo teto que eu pelos próximos meses, entram em foco e eu percebo que há coisas muito importantes em jogo para que eu perca tempo pensando bobagens.
Não é hora para pensar bobagens. Não é hora para pensar em nada além da presidência da empresa.
❤
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro