Quando Julia saiu do quarto na manhã seguinte, Jungkook já tinha ido embora. Havia apenas um bilhete e o cheiro suave do perfume dele no ar quando ela chegou a cozinha.

"Não se preocupe demais. A empresa cuida da gente. Love u, JK"

Como ela não se preocuparia se sua melhor amiga era alvo de um jornalista fofoqueiro? Colocando um alvo no prédio modesto onde as duas moravam. Em algum momento isso chegaria a ela e seu relacionamento com Jungkook também. E então "empresa cuidaria deles"? Era esse o maior medo. O jeito como a empresa "cuidaria" disso. Julia colocou o bilhete novamente no balcão e reparou que já havia café pronto.

— Lola? — arrastou os pés até o quarto da brasileira e o encontrou limpo e organizado, como se ela já tivesse saído há muito tempo. Também tinha um bilhete sobre a cama, como se Lola tivesse previsto que Julia entraria ali.

"Vou resolver isso de uma vez por todas, não se preocupe."

Julia se sentou na cama da amiga, mais desesperada do que antes. Como assim ela ia resolver isso? Como?! Quanto mais ela pensava, mais ansiosa ficava. Envolver a empresa nunca era bom negócio. Será que era isso que Lola iria fazer? E se isso a afastasse mais ainda da chance de se recuperar como estilista? E se isso a obrigasse a voltar para o Brasil? O que seria de Julia e Jungkook sem Lola? E Taehyung?!

***

A rua continuava movimentada como sempre. Os funcionários continuavam entrando e saindo do prédio como sempre fizeram. Alguns seguravam seus cafés gelados e corriam para cumprirem suas tarefas. Outros passavam por ela com os olhos fixos nos celulares, atarefados como nunca. Quase ninguém reparou na estrangeira parada em frente a um dos conglomerados de entretenimento de maior ascensão da Coreia.

Lola ficou parada ali, olhando toda aquela movimentação anestesiada. Há poucos meses ela fazia parte daqueles funcionários atarefados entrando e saindo da Hybe. Era muito estranho estar ali e não precisar desse compromisso mais. Quase um alívio, para falar a verdade. A brasileira acompanhou a grandeza do prédio com os olhos, inclinando o pescoço conforme os olhos subiam andar por andar. Era impossível não lembrar das coisas que viveu ali.

— Lola-unnie*?

A voz fez com que Lola abaixasse a cabeça e desse de cara com Eunji e sua nova responsabilidade, SinB. Esta lhe sorria, como se fossem, de alguma forma, íntimas. Lola percebeu, no entanto, que o sorriso não lhe chegava aos olhos e que a mera presença da Idol intimidava Eunji, responsável por ela.

— Eunji-ssi. — cumprimentou com um sorriso. Olhou para SinB e inclinou a cabeça levemente, apenas por educação mesmo que tivesse sido ela quem a chamara. — Consegue me fazer entrar? — perguntou apontando o prédio com a cabeça.

— Moleza! — quem respondeu foi SinB, forçando Lola olhar para ela mais do que uma vez.

— Eun-Bi-ssi. — usou o nome real da idol para mostrar que sabia sobre sua existência e sobre o que isso significava para a vida das duas.

— O que quer fazer lá dentro? — dessa vez foi Eunji quem falou, como se lembrasse finalmente como juntar as sílabas e dizer algo.

— Descobrir mais sobre o assunto que me contou por telefone... — Lola olhava para EunBi com a mesma atenção que a idol a encarava. Estudando a outra como as rivais que a Hybe tinha feito delas. — Consegue me colocar para dentro?

— Eu-eu... não sei, unnie. Se quiser consigo uma reunião sua com o-

— Vem comigo, Lola-ssi.

A confiança de EunBi era admirável. Talvez ela não saiba que Lola e Taehyung eram um casal antes da empresa colocá-la como par dele de propósito, não? Era uma possibilidade que Lola não havia levado em consideração, mas agora vendo a confiança da moça... Ajeitou a alça da bolsa até que ela ficasse para trás e sorriu genuinamente para EunBi pela primeira vez.

— Qual o plano?

— Você entra como sempre entrou... — deu com os ombros, ignorando uma Eunji embasbacada e uma Lola confusa. — Ninguém vai reparar na gente...

— Mas eu... — Lola apontou para si mesma. Usava calças jeans do tipo wide leg e uma blusa preta justa ao corpo. O cabelo ia solto, parecendo uma juba de leão de tão armado que estava.

— Ninguém vai reparar, unnie! Agora temos trainees de outros países...

Lola deu uma risada sarcástica. Mesmo com trainees estrangeiros, ela já estava mais próxima dos trinta do que dos vinte anos.

— Confie em mim. — EunBi continuou. Estava tão confiante que até mesmo Eunji começou a sorrir encorajada. Sem esperar por uma resposta das outras duas, a idol segurou a mão de Lola e a puxou em direção à entrada principal do prédio.

Alguns pescoços viraram em direção àquele grupo improvável, mas elas continuaram assim mesmo, fingindo normalidade. Lola desejou que tivesse encontrado Julia ou Jungkook, mas tinha saído bem antes deles, era impossível. Eunji foi primeiro, passando seu crachá na catraca como sempre fazia várias vezes todos os dias. Parou próxima ao elevador, observando EunBi e Lola e tentando decifrar como elas fariam aquilo funcionar. Lola pensava a mesma coisa.

— Confie em mim, unnie.

Antes que Lola pudesse responder, a idol passou as mãos por sua cintura e a abraçou com força, colando o corpo no dela, como se fossem íntimas. Foi tudo muito rápido e assim que se deu conta, estavam as duas do lado de dentro da catraca da empresa. Eunbi sorria orgulhosa de si mesma pela ideia.

— Eu disse que era moleza. Vamos! — ela parecia mais empolgada do que o normal. Segurou novamente a mão de Lola e a puxou em direção ao elevador mais próximo, ignorando completamente uma Eunji em completo estado de choque.

Lola por sua vez, não sabia como reagir. O plano era mais simples do que ela havia pensado e talvez por isso tivesse funcionado tão bem. O aperto que tinha no peito de estar na Hybe depois de ser demitida começou a afrouxar, quase como se tivesse voltado aos tempos antigos. Não conseguiu evitar sorrir de volta para a idol e sua assistente enquanto esperavam o elevador. Talvez devesse ir por um caminho simples assim para resolver o assunto sobre o paparazzi-stalker. Talvez a própria Eunbi a ajudasse com isso? Quem sabe, tudo tinha dado certo até ali, não tinha? Voltou a si ao ouvir o som do elevador abrindo a porta. E então o tempo parou.

— Noona*?!

Taehyung estava com o cabelo parcialmente molhado. Usava uma calça de moletom cinza maior do que o necessário combinando com uma camiseta branca igualmente grande demais para ele. Nos pés, os sapatos Gucci com a parte de trás aberta que ela odiava. Estava saindo da academia no quinto andar, ela tinha certeza.

Lola sentiu o coração parar de bater naquele breve segundo em que se encararam enquanto a porta do elevador abria. O tempo sempre parecia mais devagar quando ela encontrava Taehyung assim, sem aviso. Sentiu a mão de Eunbi largando a sua, mas não ouviu nada do que ela disse. Viu apenas a moça se afastando e se agarrando ao braço de Taehyung com uma intimidade maior do que um relacionamento fingido entre idols. Era... íntimo. Demais.

Taehyung acompanhou o olhar de Lola, mas não conseguiu desviar do aperto de Eunbi a tempo.

— Oppa**! Olha quem veio nos visitar? Olha a nossa sorte! Vamos poder pedir diretamente a ela!

— "Oppa" — Lola repetiu baixinho. Passou a mão no rosto rápido e recobrou o controle de si mesma e do tempo. — Taehyung-ssi. — cumprimentou inclinando o corpo levemente e saindo do caminho para que ele deixasse o elevador.

Taehyung não saiu do lugar, ainda com Eunbi pendurada em seu braço, tentando a todo custo entrelaçar seus dedos aos dele. Fechou os punhos, mas não se moveu.

— O que veio fazer aqui?

— Resolver uns assuntos... Não vai descer? — Lola deu um passo para trás, esperando ele sair do elevador. As portas deram sinal de que iam fechar, mas SinB jogou Eunji entre as portas para impedir. A assistente gemeu baixinho quando se viu presa por alguns segundos ali até as portas voltarem a abrir.

— A Lola-unnie veio descobrir por quê tem um fotógrafo paparazzi a perseguindo por Seul.

— Papar... Você está bem?! — a surpresa de Taehyung parecia autêntica, mas algo não se encaixava naquela conversa. Lola encarou a moça pendurada em seu braço mais uma vez, com atenção, quase como se um alarme começasse a soar bem longe em sua mente.

— Vamos, unnie! Eu sei como te ajudar. Mas tem que me prometer ajudar de volta depois. — o ar era jovial, mas cada vez que SinB abria a boca, Lola ouvia apenas um sibilar venenoso. Sentiu um arrepio na espinha nada relacionado ao ar-condicionado.

— Eu vou junto! — Taehyung finalmente desfez o aperto da moça em seu braço e saiu do elevador, empurrando Eunji para dentro e deixando a porta fechar. — Vamos no próximo elevador.

***

Eles realmente entraram no elevador ao lado assim que as portas se abriram, mas ao invés de apertar o botão para o andar onde encontrariam as outras duas, Taehyung usou um cartão preto sem nenhum adorno para apertar um botão para o subsolo. Lola conhecia bem aquele andar, era dedicado ao Bangtan e só eles e sua equipe tinham acesso por meio daquele cartão.

— O que...

— Você já deve ter percebido, mas não vai adiantar nada você "tentar" resolver esse assunto com a ajuda da SinB. — Taehyung olhava apenas para o visor dos andares, segurando a mão da estilista como se ainda estivessem juntos.

Lola puxou a mão para si, mas ele não a soltou, apenas apertou com mais força. Todos os segundos que passassem juntos eram importantes, independente do motivo. Agora ele sabia.

— O que você quer? Me solte por favor? — a estilista tentou parecer calma e racional, mas não conseguia evitar a voz tremendo levemente. Sentia as pernas gradualmente derretendo conforme seu coração se acostumava com o toque da mão de Taehyung contra a sua. Fechou os olhos e tentou se forçar a pensar no que ele tinha dito sobre não adiantar. Não foi rápida o suficiente, no entanto, logo as portas do elevador voltaram a abrir, dando espaço para um andar amplo, bem iluminado e com fotos dos meninos em quase todas as paredes.

Ela conhecia bem aquelas salas com denominações específicas para cada movimento que o BTS fizesse como grupo. Era naquele andar que as apresentações secretas eram boladas, as coreografias ensaiadas e onde os meninos relaxavam quando passavam a noite trabalhando. Era ali que ela e Taehyung se escondiam para ficarem juntos sem que ninguém além dos outros membros soubesse. A mente da brasileira ficou nublada pelas memórias involuntárias que vieram conforme passava pelas portas. Lembrou-se dos beijos, das promessas, das carícias apressadas no camarim... Finalmente conseguiu soltar sua mão da de Taehyung.

— Por que me trouxe aqui se não vai me ajudar?

— Lola, eu te trouxe para que pudesse pensar. Como começou essa perseguição do fotógrafo? Como ficou sabendo?

Lola não queria prestar tanta atenção em Taehyung, não queria ter reparado que agora era "Lola" e não "Noona". Não conseguia evitar de querer enfiar os dedos nos cabelos parcialmente molhados dele e encaixar o rosto em sua clavícula apenas para respirar o cheiro de banho que ela conseguia sentir de onde estava. Queria ver e admirar a pele dele de perto, de preferencia sem aquela camiseta, mas ficou parada no mesmo lugar, em frente ao elevador fechado, lembrando a si mesma que agora ele era seu ex e que em algum ponto do prédio sua namorada atual os esperava.

— Eunji-ssi me ligou avisando do paparazzi. — respondeu depois de algum tempo se recompondo. — Eu estava num café quando ela me ligou. — fechou os olhos fingindo tentar lembrar, apenas para não encará-lo demais. — Tinha um cara lá que não parecia se encaixar e assim que saí ele veio atrás. Foi como descobri. Precisei me enfiar em becos e vielas e...

— E como a Eunji-ssi descobriu sobre ele, você sabe? — ele não a deixou terminar. Tinham pouco tempo.

— Ela disse que ouviu isso dos caras que seguem a SinB e as meninas... — Lola abriu os olhos assim que as peças começaram a se encaixar. Lembrou-se da idol dizendo a Taehyung, minutos antes, que estavam ali para descobrir porque tinha um paparazzi a seguindo, mas não se lembrou de ter dito isso quando encontrou com ela e Eunji do lado de fora da empresa. Levantou os olhos para ele e percebeu que tinham chegado à mesma conclusão quase no mesmo instante, fazendo com que a razão finalmente falasse mais alto que seu coração.

— AQUELA VACA!!!!! — não se importou em traduzir para o coreano.

— Entendeu agora? — Taehyung não parecia se importar com a frase em português no meio da conversa. Não precisava necessariamente entender que era um palavrão.

— Mas por que você decidiu me ajudar. — Lola apontou o dedo para ele. — Afinal de contas, ela é sua namorada agora... até te chamou de "oppa" na frente de todo mundo... — imitou a voz da moça ao dizer a palavra.

— Sério mesmo que é isso que te preocupa agora?

— Eu...

Não queria brigar, mas não podia evitar sentir o amargo do ciúme se juntando à raiva que começava a sentir da moça. Antes tinha um sentimento neutro por ela, por ter sido jogada naquela história pela empresa sem seu consentimento. Mas agora começava a acreditar que SinB na verdade estava amando aquilo tudo. O celular começou a tocar naquele instante, mostrando o número de Eunji.

— O que você vai fazer? — Taehyung perguntou ao ver quem era. O cheiro de sabonete anunciou sua proximidade, mas Lola continuou com os olhos fixos no celular.

— Vou fazer o que vim fazer. — levantou os olhos. — Vou resolver isso.

Sem dizer mais nada, Lola virou as costas para Taehyung e atendeu ao telefone enquanto entrava no elevador.

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Tradução: 

Oppa (오빠) = Mulheres falam para homens mais velhos.

Noona (누나) = Homens falam para mulheres mais velhas.

Unnie (언니) = Mulheres falam para mulheres mais velhas.

Nota da autora: já vou pedindo perdão para os fãs da SinB por ter colocado ela como vilã nessa história, mas se pensarmos bem, todos nós ja fomos vilões na história de alguém.

Isso é ficção, lembrem-se disso.

Espero que gostem.