A casa continuava exatamente do mesmo jeito que ela se lembrava do dia em que esteve ali. O portão fechado e os muros altos na rua estreita escondiam uma casa luxuosa e grande que Lola apenas havia visto igual em filmes e dramas.

— Unnie!

A brasileira se virou a tempo de ver Nari gritando de dentro do carro, o braço magro e pálido estendido num aceno exagerado.

— Quando tiver resolvido tudo, me procure! Eu a levo de volta a Seul, se quiser! — gritou.

O sorriso que ela lhe lançava era desconcertante de tão bonito. Parecia até que já se conheciam há anos, tamanha a simpatia e familiaridade que Nari deixava transparecer até nos gestos mais simples. Lola ficou assistindo o carro ir embora finalmente, confusa com o que sentia pela moça. Com certeza não podia dizer que eram amigas — haviam literalmente acabado de se conhecer — e, definitivamente, não tinha dado abertura para ser chamada de "unnie". Mesmo assim não conseguia não gostar de Kang Nari. Algo nela fazia com que a brasileira apenas confiasse, fora o fato de que seria eternamente grata pela carona de Seul até Daegu, independente de se conhecerem ou não.

Voltou a encarar o portão escuro por um longo tempo e depois se virou para a câmera de segurança posicionada em direção à rua. Estranhou ela não estar apontada diretamente para o portão menor, por onde as visitas entravam. Tocou a campainha e esperou.

Sabia que não seria respondida, mesmo assim tocou a campainha outra vez, olhando a câmera de soslaio, esperando ela se virar em sua direção.

Sem sucesso.

Lola, então, andou devagar até onde a câmera apontava e fez um sinal com os braços, como se chamasse um amigo ao longe. Cada vez que acenava os braços, olhava em direção ao portãozinho, esperando alguém abri-lo para atendê-la. Ficou nessa dança esquisita por pelo menos quinze minutos, até que finalmente deixou os braços caírem ao lado do corpo, cansada.

Com passos firmes, voltou até o portãozinho e tocou a campainha outra vez, deixando o dedo chegar até o fim do botão de propósito.

Não houve nenhuma resposta.

— Será que eu entendi errado? — perguntou-se confusa. Olhou para a câmera e teve uma ligeira impressão de que agora ela estava apontada em direção ao portãozinho onde estava. Andou lentamente até a câmera e reparou na luz vermelha indicando que estava gravando. — ABRA O PORTÃO! EU SEI QUE ESTÁ AÍ!! — gritou.

A única resposta que teve foi um leve movimento na lente, como se estivesse ajustando o foco da câmera. Ao invés de lhe desencorajar, isso serviu apenas para deixar a morena irritada.

— Ah, é assim? — perguntou. — Tá bom! — completou em português.

Passou a mão no painel e ele se iluminou imediatamente, revelando o teclado de números com uma luz azul vítrea.

— Quais são as datas que podemos tentar... — murmurou. Olhou de novo para a câmera e como se tivesse sido desafiada, jogou a bolsa no chão e digitou sua primeira hipótese. — Debut? — digitou no modo coreano, colocando o ano antes do mês e do dia.

O portão continuou trancado.

— Ok. Não ia ser tão óbvio. Essa senha poderia ser adivinhada por qualquer army. — estava falando sozinha. — Aniversário da mãe dele...? — sussurrou digitando os números.

Nada.

— Aniversário do Jimin. — tentou de novo e de novo a tranca permaneceu do mesmo jeito.

Virou-se para a câmera, apertando os olhos e franzindo os lábios. Fingiu que arregaçava as mangas e voltou sua atenção para o aparelho. Pensou no que conhecia de Taehyung, incluindo antes e depois de começarem a ter um relacionamento.

— Ele não...? Será? — digitou o dia em que estiveram ali pela primeira vez, quando ele a pediu em casamento. Parou para olhar a própria mão, agora com os anéis simples e sem valor nenhum, esperando que fosse funcionar. O dia tinha sido, afinal de contas, marcante para os dois. Mas a tranca continuou fechada. Cruzou os braços e ficou encarando o aparelho até os números voltarem a desaparecer e ficar em modo de espera.

— Talvez eu não o conheça tão bem assim... — sussurrou frustrada. E então uma ideia absurda passou por sua mente, fazendo com que se movesse finalmente e tentasse de novo. Ao mesmo tempo que a tranca fazia o som do sucesso, o portão foi aberto por dentro.

— É o dia que nos vimos pela primeira vez! — falou. — Quando você foi fazer a entrevis... — Taehyung não teve nem tempo de expressar sua irritação por vê-la tentar tantas vezes e errar em todas elas. Lola jogou os braços ao redor de seu pescoço e o abraçou apertado.

— Graças a Deus! — sussurrou. — Você está bem! E inteiro! Graças a Deus! — havia lágrimas nos olhos dela, mas isso não a impediu de o beijar.

*  *  *

Julia checava o celular a cada dois minutos, preocupada com o desaparecimento de Taehyung e com a ida de Lola em sua procura. Olhou para a sala onde estava e a única pessoa preocupada, além dela, era Eun Ji, que agora era manager do GFriend e, portanto, cuidava dos interesses da suposta namorada de Taehyung.

— Alguma notícia? — ela perguntou assim que percebeu que Julia a encarava.

A maquiadora apenas acenou com a cabeça, em negativa, checando o celular novamente. Sabia que Lola avisaria assim que — e se — o encontrasse, mesmo assim não podia evitar desbloquear a tela em intervalos de poucos segundos. A risada de Jimin e Jungkook a fez parar o ritual e prestar atenção nos meninos.

Como a empresa havia crescido muito nos últimos meses, agora estavam alocados num prédio novo, maior e mais amplo, com salas de todos os tipos. Aquela era uma dessas novas opções. Não era uma sala de descanso, porque havia computadores a disposição para quem quisesse usar, tampouco era uma sala de trabalho, já que só os artistas tinham acesso a ela. Julia a definiria como uma sala para as lives e os momentos de privacidade dos meninos, como agora. Exceto que ela imaginava que haveria mais preocupação e menos risada num momento tão delicado.

Jungkook e Jimin riam sentados no sofá em formato de L na parede oposta à mesa onde ela estava encostada. No sofá à frente, com uma mesinha de vidro separando eles, estavam Yoongi, Namjoon e Hobi, cada um absorto nos próprios problemas, enquanto Jin usava um dos computadores para algo que ela não sabia dizer. Todos relaxados demais para um grupo com um membro desaparecido. Apenas por desencargo de consciência, voltou a conferir o celular antes de prestar atenção na dinâmica do grupo. Ainda nada.

— Eun Ji-ssi? As meninas não tem nada na agenda de hoje? — perguntou tentando não se irritar com a descontração dos meninos. Uma suspeita começava a se formar em sua mente, mas antes de questionar qualquer coisa tinha que tirar a manager de cena sem que ela percebesse.

— O que? Ah, a agenda... — a moça parecia mais distraída do que nunca.

— Você está bem? Mal teve tempo de se adaptar à nova posição e já foi colocada com outro grupo... — Julia sorriu cúmplice. Gostava de Eun Ji e do trabalho que vinha fazendo com os "pequenos", como chamava os meninos do TxT. Ainda não entendia direito por que havia sido realocada, já que fazia seu trabalho com muita dedicação.

— Começos sempre são complicados... — Eun Ji sorriu triste, mas não se prolongou no assunto. — Alguma notícia? — perguntou reparando que a maquiadora havia colocado o celular de lado.

— Nada ainda. Talvez ele não queira falar nem mesmo com Lola... — Julia voltou a pegar o celular e desbloquear a tela. A única coisa diferente era o horário.

— Acha que eles voltariam, caso se encontrassem? — Eun Ji perguntou baixinho. Sentiu o rosto arder, mas não desviou o olhar. Se havia alguém com quem conseguia conversar sem amarras dentro da empresa, esse alguém era Julia. Lola também tinha sido assim, mas agora haviam se afastado por conta do destino. Morria de medo de perder sua amizade agora que tinha que cuidar do novo namoro de Taehyung.

— Sinceramente? — a maquiadora desviou o olhar e voltou a observar os meninos, parando em Jungkook e revivendo todos os momentos que tiveram juntos desde que começaram a namorar. — Não sei... Acho que a situação deles é muito mais complicada do que eu posso entender. Se fosse só entre os dois, talvez sim. Lola-ssi ama muito o Tae — respondeu finalmente.

O silêncio se instalou entre as duas de novo, forçando Julia a voltar ao ritual de conferir o celular a cada trinta segundos.

— Acha que vão acreditar? — Eun Ji interrompeu o silêncio de forma inesperada, encarando Julia como se sua vida dependesse da resposta a essa pergunta.

— Como assim?

— Acha que as pessoas vão acreditar no relacionamento de Taehyung-ssi com Eun Bi-ssi?

— Você acredita? — Julia perguntou. Sabia que ninguém que conheceu Lola jamais acreditaria nesse namoro planejado pela empresa, mas talvez fosse isso que tivesse feito a manager desistir do TxT com tanta facilidade.

A moça enrubesceu em vez de responder, abaixando a cabeça e se escondendo por trás do véu de seu cabelo.

— Primeiro precisamos encontrar Taehyung — Julia respondeu por ela. — Depois pensamos nesse namoro e na agenda deles juntos.

— Vou checar as meninas. Por favor, me avise se tiver alguma notícia — pediu com um sorriso tímido. Ainda estava mais vermelha do que o normal, mas Julia não a segurou. Era exatamente isso que queria. Esperou a moça sair e voltou sua atenção para a dinâmica dos meninos.

Estavam todos exatamente do mesmo jeito, conversando, usando os celulares e dando risada das próprias piadas. Cruzou os braços e ficou em silêncio assistindo Jungkook e Jimin numa conversa animada que ela não tentou entender. O que ela queria entender é por que nenhum deles parecia tão preocupado quanto ela. Yoongi foi o primeiro a reparar que ela estava observando todos eles. Continuou fingindo que mexia no celular, mas ela viu claramente quando ele bateu o pé no de Namjoon no que deveria ser um alerta discreto. O líder do grupo precisou de apenas um olhar de relance para perceber que havia algo errado, então sinalizou a Hobi e assim em diante até Jungkook finalmente encarar Julia e perceber que ela o observava com atenção.

Não foi preciso mais nada para que a sala ficasse em silêncio de repente. A maquiadora se afastou da mesa e se aproximou de onde eles estavam, sentando propositalmente no braço do sofá ao lado de Yoongi. Espiou a tela do celular dele, esperando ver, pelo menos, a janela de conversa dele e Taehyung no aplicativo de mensagens. Mas ele estava com a tela em um site de pesquisa aleatório. O rapper virou o celular rapidamente e limpou a garganta.

— Alguém quer um café? Vou buscar um para mim... — fez menção de se levantar, mas Julia apoiou a mão no ombro dele, forçando-o a se sentar de novo.

— Noona — Jungkook parou ao seu lado, tentando desviar sua atenção, mas isso tirou qualquer dúvida que ela pudesse ter.

— Vocês sabem de alguma coisa. — não era uma pergunta. Todos eles, com exceção, talvez, de Jimin, pareceram encolher no mesmo lugar.

— Eu posso explicar... — Jungkook recomeçou.

— Por favor — ela finalmente o encarou. Foi como se ele visse um fantasma. Sabia que estava mais encrencado do que os outros.

— Foi um plano do Taehyung, Noona. — Jimin interrompeu a briga silenciosa do casal e se colocou entre os dois.

— Que plano?

— Fugir para que Lola-ssi fosse atrás dele. — A simplicidade e naturalidade com que Jimin respondeu a desarmou.

— E vocês só me contam isso agora?!

— Você ia acabar contando para ela se soubesse... Ou para alguém da empresa... — Yoongi respondeu. Eun Ji escolheu esse momento para entrar.

— Alguma novidade?

Julia sentiu o rosto arder imediatamente. Não queria mentir para a moça, mas não tinha outra escolha. Se Eun Ji soubesse que Taehyung tinha sumido de propósito, a notícia chegaria aos managers do BTS em questão de segundos e todos eles estariam em apuros.

— Nada ainda... — respondeu. Os sorrisinhos de satisfação nos rostos de Jungkook e Jimin fizeram seu sangue ferver novamente. — Acho que preciso de um café... me acompanha, Eun Ji-ssi?

— Claro!

Julia entrelaçou o braço no da moça e a virou em direção à saída. Olhou para os meninos a tempo de ver todos os seis trocando olhares de satisfação.

— Ainda não terminamos essa conversa.— sibilou fazendo um sinal com os dedos, de que estava de olho neles. — Vou ficar online caso saibam de alguma coisa — completou um pouco mais alto, enfatizando a frase para que a outra moça não desconfiasse. Lola ficaria furiosa, tinha certeza disso. 

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NOTA DA AUTORA: antes tarde do que nunca. O próximo capítulo também está pronto, mas vou deixar para postar na sexta que vem. 

Espero que gostem. 

Boa leitura <3