Capítulo Vinte e Dois
Audrey
Deitada sobre a grama fria do jardim da imponente casa dos Durmarch, sinto uma leveza peculiar que não sei ao certo de onde vem. Talvez seja culpa da garrafa de vodka pela metade ao meu lado, um conforto amargo que aquece minha garganta, ou talvez da exaustão emocional que me assola após as cenas perturbadoras da noite anterior. Meus dedos formigam, e, estranhamente, gosto da sensação. Eles percorrem a grama úmida, arrancando os pequenos tufos com uma ferocidade quase inconsciente. Estou presa em um pequeno inferno de alto luxo, cercada por carros blindados, tecidos refinados e empregados que se movem em silêncio. E o mais aterrador é perceber que estou começando a gostar desse inferno dourado. Seria ingratidão odiá-lo? Afinal, eles me dão mais do que jamais sonhei merecer.
Mas a sombra do passado paira sobre mim, uma ameaça constante de que tudo isso é apenas uma miragem, pronta para se dissipar e me lançar de volta à minha antiga vida. Vejo-me de volta àquela casa miserável, coberta de vômito, a mente entorpecida pelas substâncias que Jasper me forçava a ingerir, o corpo marcado por abusos que não consentia. Ainda assim, os Durmarch não são santos, tampouco inocentes. São lobos em pele de cordeiro, assassinos envoltos em ternos absurdamente caros. Lembro-me das palavras da minha avó: "Todos somos criaturas do inferno, pecadores por natureza." E talvez ela estivesse certa. Eu, fruto de um pecado amargo, nasci sem alma, um ser oco e apodrecido.
Viro a garrafa nos lábios, buscando no fundo a última gota que já não existe. Aquele vazio gélido na garrafa é o reflexo do que sou: vazia, oca. Fragmentos desconexos da noite anterior retornam à minha mente. Sinto o gosto amargo do absinto e o peso das decisões que tomei. Lembro-me de ter dançado para ele. Sim, ele. Queria sua atenção. Não era suficiente que James me amasse; eu ansiava pelo olhar penetrante de Alexey. Isso me enoja. Sou um fruto podre. E o que mais me atormenta é o quanto gostei daquela atenção, daquele olhar que me despia sem a menor cerimônia. Amo James, não deveria querer o irmão mais velho. Isso é cruel, doentio até.
Alexey não desviou o olhar. Ele não demonstrou desinteresse, tampouco um incômodo evidente. E agora o medo me corrói. Se James descobrir... se souber que me permiti desejar outro homem, mesmo que por um instante, meu pequeno inferno de luxo desmoronará. A imagem de um homem torturado invade minha mente. Será que Alexey é capaz de fazer o mesmo comigo? Mas não, ele não permitiria que James me machucasse novamente... ou permitiria? Sinto o estômago revirar. Estou perdida entre dois homens tão parecidos, mas ao mesmo tempo tão opostos. Amo James, mas algo em Alexey me atrai de uma maneira perversa. E a ideia de gostar de ambos me repugna. Não quero confirmar as palavras da minha avó. Não quero ser um fruto do pecado. Não posso ser podre.
A chuva começa a cair, suas gotas delicadas transformam o ar em algo mais frio e denso. Estou vestida apenas com uma camisola de seda, fina e curta, um traje tão impróprio para o jardim quanto para o tempo que se fecha. Não há nada ao meu redor para me aquecer, mas não me importo. Permito que a chuva me encharque, e o cheiro da grama molhada me transporta de volta à infância. Por um momento, sou novamente a menina de cinco anos, correndo sob a chuva com o riso solto, enquanto meu pai tenta, em vão, me alcançar.
Não percebo quando sou retirada da grama. Um par de braços fortes me envolve, erguendo-me com facilidade. O cheiro inconfundível de seu perfume denuncia quem é, antes mesmo que eu veja seu rosto. O mundo vira de cabeça para baixo enquanto ele me carrega. O tecido macio de seu terno roça minha pele, e suas mãos firmes pousam apenas em minha cintura e pernas, respeitando um limite tênue que não compreendo. Dou risada, um som meio bêbado, meio desesperado, e, sem pensar, dou leves tapas em sua bunda.
- Eu te odeio, eu te odeio, Alexey... - minha voz sai trêmula, mas não de raiva, e sim de algo que eu não ouso nomear.
Horas antes
Sento ao lado de Aaron e o mesmo me entrega uma taça de vinho, estamos na sala principal, os empregados foram dispensados e as meninas já estou dormindo há muito tempo, Alexey recebe a visita de alguns homens, três deles acompanhados por três loiras, que por mais que não fosse gêmeas eu diria que são idênticas, clones. Eu não estou totalmente confortável, o quarto homem olha para mim como, se em algum momento eu fosse levantar de onde estou e sentar no colo dele, Alexey percebe os olhares do amigo em mim e fecha a cara, estou terminando minha segunda taça de vinho quando Aaron me entrega um pedaço de chocolate, ele diz que é o seu favorito, mas não levo a serio, Aaron sempre diz isso de qualquer doce. O chocolate é de fato divino, e peço outro pedaço e ele me entrega, falando que vou ficar viciada. Dou uma pequena e baixa risada
Termino o segundo pedaço de chocolate enquanto Aaron começa a falar sobre a última viagem que fez a Paris. Ele descreve com detalhes exagerados as luzes da cidade, os cafés abarrotados e como a chuva fina parecia poesia líquida caindo sobre os telhados. Ouço com metade da atenção, minha mente flutuando para Alexey e seus convidados. Os risos abafados das loiras ecoam pela sala, e embora seus tons sejam agradáveis, há algo de artificial naquelas vozes. O quarto homem continua a me encarar, seus olhos escuros fixos como se eu fosse algum tipo de prêmio.
Desvio o olhar, tentando ignorar o desconforto crescente, mas sinto a tensão no ar. Alexey não disse uma palavra, mas sua postura rígida e a mandíbula travada falam por si.
Aaron, sempre o mais despreocupado, pega minha taça vazia e se levanta, murmurando que vai buscar mais vinho. Quando ele sai, o homem que me observa caminha em minha direção, seus olhos fixos em mim como presas de um predador.
- Qual é o seu nome? - pergunta, a voz baixa e arrastada.
Antes que eu possa responder ou encontrar uma desculpa para ignorá-lo, Alexey fala, sua voz cortante como uma lâmina.
- Ela não está aqui para conversar.
O homem ri, um som curto e desagradável. Ele se recosta na cadeira com um sorriso irônico, mas o olhar predatório não desaparece.
- Relaxe, Alex. Só estou sendo educado.
- Guarde sua educação para outra pessoa. - Alexey se levanta, o movimento tão rápido que a sala parece congelar por um momento. Ele é mais alto e mais intimidador do que o homem sentado, e o olhar que lança ao "amigo" é frio como o inverno russo.
As loiras cessam seus risinhos, e o clima muda abruptamente. Aaron retorna nesse momento, a taça de vinho esquecida em sua mão enquanto observa a cena com um olhar incerto.
- Tudo bem aqui? - pergunta ele, hesitante, claramente percebendo a tensão.
- Estão indo embora - Alexey diz com firmeza, ignorando o olhar confuso de Aaron. Ele se vira para mim, a ordem clara nos olhos, levante-se.
Obedeço, ainda segurando o pedaço de chocolate esquecido entre os dedos. Alexey não me toca, mas a proximidade de sua figura é um escudo que me faz sentir estranhamente protegida.
Enquanto caminhamos para fora da sala, ouço o homem murmurar algo em russo, uma provocação abafada que faz Alexey parar por um breve segundo. Ele não se vira, mas a rigidez de seus ombros indica o quanto está lutando contra seu temperamento explosivo.
Quando finalmente saímos, o ar do corredor é mais fresco, mais fácil de respirar. Alexey se detém, passa uma mão pelos cabelos e me encara.
- Não volte a ficar sozinha na sala com eles. - ele diz, a voz grave carregada de algo entre preocupação e frustração.
- Eu não estava sozinha. - respondo, tentando aliviar a tensão. - Aaron estava lá.
Ele solta um suspiro curto, mas não responde. Apenas continua caminhando pelo corredor, me obrigando a segui-lo.
Alexey segue pelo corredor com passos firmes, enquanto eu caminho logo atrás, ainda segurando o pedaço de chocolate, colocou na boca e aproveito momentânea o sabor divino dele. O silêncio entre nós é pesado, mas antes que ele possa virar a próxima esquina, os passos leves e apressados de Aaron ecoam pelo chão de mármore.
- Alex! - Aaron chama, parando apenas alguns passos atrás de nós. Ele parece despreocupado, mas há algo em seus olhos que o denuncia, uma ponta de curiosidad. - Vai me dizer o que foi aquilo?
Alexey se vira lentamente, os olhos estreitados em um misto de autoridade e impaciência. Ele observa Aaron por um momento antes de falar, a voz baixa, mas cheia de uma determinação que não deixa espaço para discussões.
- Quero que mantenha a Audrey longe do primeiro andar enquanto eles estiverem aqui.
Aaron arqueia uma sobrancelha, claramente surpreso com a ordem, mas não demora a esboçar um sorriso debochado.
- Isso tudo porque o Sergei olhou para ela? Vamos lá, Alexey, você sabe que ele é um imbecil, mas não faria nada... pelo menos, não sem permissão.
As palavras de Aaron são quase uma provocação, mas Alexey não reage. Seus olhos permanecem fixos em Aaron, duros como pedra.
- Não vou repetir. Certifique-se de que ela não esteja no mesmo andar que eles. Entendido? - Aaron balança a cabeça lentamente, o sorriso desvanecendo enquanto percebe a seriedade de Alexey.
- Entendido. - ele levanta as mãos em rendição, dando um passo para trás. - Mas não acho que ela goste muito de ser tratada como um segredo bem guardado.
Alexey ignora o comentário, voltando-se para mim por um breve instante.
- Vá para o quarto. - ele diz isso sem muita emoção, mas a ordem é clara. - antes que eu possa responder, Alexey volta a caminhar, deixando Aaron e eu sozinhos no corredor. Aaron suspira, enfiando as mãos nos bolsos e me lançando um olhar que mistura pena e leveza.
- Bem. Ele está mais irritado do que de costume, e olha que isso não é pouca coisa.
- Não preciso de protetor algum. - respondo, tentando soar firme, mas minha voz não carrega tanta convicção quanto eu gostaria.
Aaron apenas dá de ombros, um sorriso leve retornando ao rosto, como se tudo isso fosse apenas mais uma peça no teatro peculiar dos Durmarch.
- Seja como for, sugiro que você fique longe daqueles caras. Não por causa do Alexey, mas porque eu mesmo não confio neles.
Ele me dá um aceno quase casual e desaparece pelo corredor oposto, me deixando sozinha com a mente repleta de pensamentos conflitantes e o gosto amargo de um perigo que, até então, eu não sabia que existia. Obedeço ao comando de Alexey e começo a caminhar em direção ao meu quarto. Minha mente gira, confusa, alternando entre a tensão da sala e as palavras frias que Alexey jogou como ordens. Quando chego ao cruzamento do corredor, ao invés de virar à direita para o meu quarto, sigo pela esquerda, desviando o caminho.
A casa Durmarch é um labirinto de corredores impecáveis, decorados com quadros caros e móveis luxuosos, mas meus pés sabem exatamente para onde me levar. O som dos meus passos é abafado pelo carpete macio, e minha respiração está levemente acelerada, embora eu não tenha certeza do motivo.
Chego à porta discreta que leva à adega. Está trancada, como sempre, mas a chave... bem, eu descobri onde Aaron a guarda há semanas. Tiro do vaso ornamental próximo à porta, onde ele a esconde com uma confiança patética, e a giro na fechadura, a porta se abre com um rangido baixo, revelando o interior frio e levemente úmido. As prateleiras estão repletas de garrafas, algumas mais caras do que provavelmente o meu peso em ouro. Mas não estou interessada em vinhos ou conhaques envelhecidos. Meus olhos encontram imediatamente a prateleira ao fundo, onde uma fileira de garrafas de vodka brilhantes reflete a luz tênue do local.
Escolho uma garrafa que já conheço bem, uma marca russa tão forte que queima na garganta como fogo líquido. Seguro a garrafa fria nas mãos e fico ali por um momento, ouvindo o silêncio pesado da adega. Não sei exatamente por que estou aqui, talvez porque precise de algo para entorpecer meus pensamentos. Talvez porque seja a única forma de enfrentar as perguntas que vêm girando na minha cabeça.
Seguro a garrafa contra o peito e saio da adega, fechando e trancando a porta com cuidado. Coloco a chave de volta no lugar antes de voltar pelo corredor, o vidro gelado contra minha pele servindo como um estranho tipo de conforto.
Em vez de seguir para o meu quarto, faço outro desvio. Não quero enfrentar a solidão silenciosa e esmagadora do espaço. Vou para o jardim dos fundos, onde a grama ainda está molhada pela chuva recente e o cheiro de terra úmida é forte no ar. Sento-me na grama, a garrafa de vodka aberta ao meu lado. Dou o primeiro gole, o líquido queimando minha garganta e aquecendo meu estômago, a sensação é reconfortante, mesmo que momentânea.
O céu está nublado, e o mundo parece pesado, mas ali, sentada na grama fria, sinto um estranho alívio. Talvez porque, por um instante, não preciso pensar em Alexey, em Aaron, nos convidados sombrios ou no olhar predatório que me seguiu na sala. Por enquanto, há apenas eu, a garrafa e o vazio silencioso ao meu redor. E isso, de alguma forma, parece suficiente.
O calor começa a se espalhar pelo meu corpo, lento, como se cada gole de vodka que desce pela minha garganta incendiasse algo dentro de mim. O frio da noite, que antes me fazia arrepiar, agora parece um detalhe distante. Sinto meu rosto quente, as bochechas provavelmente coradas, enquanto a sensação de leveza aumenta.
Minha respiração sai pesada, e puxo as mangas do vestido, tentando aliviar o desconforto. O tecido é sufocante, uma prisão que agora me incomoda profundamente. Com movimentos descuidados, desabotoo a parte da frente e deixo o vestido cair pelos meus ombros, revelando a camisola fina de seda que uso por baixo. A seda desliza suavemente contra minha pele, fria no início, mas logo cedendo ao calor do meu corpo.
Jogo o vestido na grama sem me importar. A sensação de liberdade é intoxicante, quase tanto quanto a vodka. Dou mais um gole direto da garrafa e fico de pé, cambaleando um pouco. O mundo ao meu redor parece desfocado, as bordas do jardim se dissolvendo na escuridão da noite.
Minhas pernas me guiam sozinhas, sem rumo, mas com uma determinação que eu não compreendo. O que estou fazendo? Para onde estou indo? Não sei, mas a resposta não parece importar.
Antes que perceba, estou dentro da casa novamente. O frio do mármore sob meus pés descalços envia pequenos choques de realidade pelo meu corpo, mas a vodka neutraliza qualquer racionalidade que ainda me resta. Meus passos ecoam no corredor vazio, cada som mais alto do que o anterior, como se o silêncio estivesse zombando de mim.
O corredor parece mais longo do que nunca, mas finalmente chego ao destino que, de alguma forma, meu subconsciente escolheu: o escritório de Alexey.
A porta pesada está entreaberta, uma luz fraca escapando por uma fresta. Hesito por um segundo, a mão pairando sobre a maçaneta. Meu coração está acelerado, mas não sei se é pela vodka ou pela ideia de invadir o espaço dele.
- Que inferno. - murmuro para mim mesma antes de empurrar a porta, entrando sem cerimônia.
O escritório é frio, organizado demais, cada objeto meticulosamente posicionado. Livros antigos forram as estantes, e o aroma de madeira encerada e charuto invade meus sentidos. Fecho a porta atrás de mim e dou alguns passos trôpegos até a mesa de Alexey, deixando a garrafa de vodka com um baque no tampo de madeira polida.
- Então, é aqui que o Batman se esconde... - minha voz sai mais alta do que eu esperava, ecoando pelo cômodo vazio.
Meus dedos deslizam pelo tampo da mesa, traçando os contornos de um documento que ele provavelmente deixou para trás, uma risada baixa escapa dos meus lábios, sem motivo aparente. Estou desinibida, e, pela primeira vez em muito tempo, sinto como se pudesse respirar.
O silêncio pesado do escritório é perturbador, quase esmagador. A luz fraca dos abajures lança sombras longas pelas paredes, criando um cenário que parece feito para segredos. Seguro a garrafa de vodka com mais firmeza e dou mais um gole longo, o líquido queimando enquanto desce. Minhas pernas começam a se mover sem que eu perceba, como se o álcool estivesse controlando meu corpo. Um ritmo invisível ecoa na minha mente, algo suave e hipnotizante, talvez o som da minha própria respiração misturada com o bater descompassado do meu coração.
Giro ao redor da mesa, meus pés descalços deslizando no chão frio de mármore. A seda da camisola flutua ao meu redor como se tivesse vida própria. Levanto a garrafa no ar, como se fosse uma espécie de troféu, e dou outro gole, rindo de algo que nem mesmo sei o que é.
- Alexey Durmarch, senhor do controle absoluto... - murmuro entre risadas, girando mais uma vez e quase perdendo o equilíbrio. Seguro na cadeira dele para me estabilizar, os dedos se agarrando ao couro macio. - Será que até aqui você controla tudo? Será que até a vodka me obedece por sua causa?
Deixo a cadeira girar sozinha enquanto me afasto, esticando os braços como uma criança que acabou de descobrir a liberdade. Meus movimentos são desajeitados, mas há algo incrivelmente libertador nisso. Danço ao redor do escritório, meus pés marcando passos improvisados no chão, enquanto imagino que uma música toca alto, cheia de batidas intensas e melodia sedutora.
- Ele odiaria isso... - digo, rindo, ao me aproximar das estantes. Meus dedos tocam as lombadas dos livros, e faço questão de empurrar alguns levemente para fora do lugar. Uma pequena vingança. - Tudo tão perfeito, tão... arrumado.
Levanto a garrafa para um brinde imaginário e, então, dou uma pirueta mal feita, me sentindo uma bailarina desajeitada. A camisola gruda levemente na pele aquecida, o tecido fino amplificando a sensação de cada movimento.
De repente, tropeço em um pequeno tapete próximo à mesa e caio de joelhos, ainda rindo. A garrafa quase escapa das minhas mãos, mas consigo segurá-la antes que ela bata no chão. Sentada ali, no centro do escritório, começo a rir mais alto, como se o absurdo de tudo isso fosse a piada mais engraçada do mundo.
- Se você me visse agora, Alexey... Aposto que daria aquele olhar frio, cheio de julgamento. - levo a garrafa aos lábios mais uma vez, mas o gosto agora parece diferente, mais pesado. Olho ao redor, ainda sentada, observando o caos discreto que criei. A cadeira girando sozinha, os livros desalinhados, minha própria sombra dançando nas paredes...
- Talvez eu seja mesmo o caos. - com esse pensamento, deixo meu corpo cair de costas no chão, olhando para o teto enquanto a vodka começa a fazer tudo girar ainda mais rápido.
Deitada no chão frio do escritório, meus olhos vagam pelo teto, tentando acompanhar as sombras que a luz fraca projeta. É quando noto algo que antes havia passado despercebido: um pequeno ponto brilhante em um canto do teto, um piscar quase imperceptível.
Uma câmera.
Meus olhos fixam no dispositivo por um momento, e um sorriso torto se espalha pelo meu rosto. A ideia de Alexey sentado em algum lugar, talvez em um cômodo próximo, assistindo a tudo isso, me faz rir. É claro que ele teria câmeras no escritório. O homem vive para controlar tudo. Ainda rindo, me levanto com dificuldade, o equilíbrio vacilante por conta da vodka. Seguro a garrafa com uma mão enquanto a outra se apoia na mesa. Dou dois passos para trás, olhando diretamente para a câmera.
- Está assistindo, Alexey? - falo, a voz arrastada pelo álcool, mas ainda cheia de provocação. - Espero que esteja confortável aí... Porque o show vai começar.
Com um movimento exagerado, ergo a garrafa de vodka como se estivesse brindando com ele. Então, levo o líquido aos lábios, engolindo um gole grande que quase me faz engasgar, mas me mantenho firme. Começo a balançar o corpo ao ritmo imaginário da música em minha cabeça, meus braços se movem de forma fluida, os dedos traçando linhas invisíveis no ar, dou um giro, a seda da camisola girando junto comigo, colando-se brevemente à minha pele antes de flutuar novamente.
- Gostando do que vê? - pergunto, rindo, enquanto deslizo a mão livre pelo meu pescoço até o ombro, um gesto teatral que sei que é ridiculamente dramático. - Aposto que odeia não poder parar isso agora.
Meu corpo continua se movendo, cada passo mais ousado, mais deliberado. O calor do álcool e a adrenalina da ideia de estar sendo observada me impulsionam. Giro novamente, quase tropeçando, mas recupero o equilíbrio e lanço um olhar desafiador para a câmera.
- Acha que pode me controlar, Alexey Eu sou livre. Pelo menos agora...
Dou risada e jogo a cabeça para trás, deixando a camisola deslizar levemente no movimento. Me aproximo mais da mesa, subindo nela com esforço e sentando na borda, as pernas balançando enquanto olho diretamente para a câmera.
- Você não está aí, mas sinto que está me vendo. - murmuro, os olhos semicerrados e um sorriso travesso nos lábios. - E se estiver... Bem, espero que esteja gostando do espetáculo.
Com isso, dou mais um gole na vodka e deixo a garrafa de lado, inclinando-me para trás, os braços abertos, como se estivesse oferecendo toda a cena ao olhar dele.
A dança continua, meu corpo guiado pelo calor da vodka e pela adrenalina de saber que talvez Alexey esteja vendo tudo através daquela pequena câmera. Dou outro giro desajeitado, rindo de mim mesma quando quase tropeço nos próprios pés.
- Vamos, Alexey, onde está sua diversão? Você deve estar adorando isso... ou odiando. - murmuro para a câmera, minha voz arrastada.
Subo na mesa novamente, os pés descalços deslizando pela superfície lisa enquanto me equilibro precariamente. A camisola de seda cola-se à minha pele por causa do calor da dança, um detalhe que mal percebo. Inclino-me para frente, olhando para a câmera com um sorriso desafiador.
- Mas não pode controlar isso, Alexey. Não agora...
Levanto os braços acima da cabeça, girando mais uma vez na mesa. O movimento me faz perder o equilíbrio por um segundo, e um pequeno grito escapa dos meus lábios antes de me estabilizar de novo. Rio, uma risada solta, quase infantil, e começo a dançar de novo, os cabelos bagunçados caindo ao redor do meu rosto.
É então que sinto uma presença.
No começo, penso que estou imaginando coisas, talvez um efeito da bebida ou da minha própria mente pregando peças. Mas o ar no escritório parece diferente, mais pesado, carregado com algo que não estava lá antes.
Viro-me lentamente, ainda sem sair da mesa, e ali está ele.
Alexey Durmarch.
Ele está parado na porta, a expressão fechada, os olhos escuros fixos em mim com uma intensidade que me faz congelar por um instante. O contraste entre a calma fria dele e o meu estado desleixado é quase cômico. Minha respiração para por um segundo. Meu coração dispara, mas não sei se é por medo, vergonha ou... algo mais, a garrafa de vodka ainda está na minha mão, pendendo perigosamente para o lado.
- Ah... Alexey. - digo, tentando soar casual, mas minha voz sai mais trêmula do que eu gostaria. - Decidiu vir assistir ao show ao vivo, em vez de pela câmera?
Ele não responde imediatamente, mas seus olhos percorrem cada detalhe da cena: meu corpo, a garrafa na minha mão, a forma como estou descalça e sobre a mesa dele. Cada segundo de silêncio pesa como uma eternidade.
O silêncio no escritório se torna ensurdecedor, pesado como o próprio olhar de Alexey. Ele avança lentamente, fechando a porta atrás de si com um clique suave, sem nunca desviar os olhos de mim. A tensão que emana dele é palpável, uma mistura de exasperação e algo mais difícil de decifrar.
- Você sempre soube como chamar atenção, Audrey." - ele finalmente fala, a voz baixa e controlada, como uma lâmina afiada. - Mas isso... - ele gesticula vagamente para mim, para a garrafa de vodka, para a mesa.
Engulo em seco, tentando manter a postura, mas a forma como ele se aproxima, devagar, calculado, me faz sentir vulnerável de uma forma que não estou acostumada. A vodka em meu sistema me dá coragem o suficiente para não desviar o olhar.
- Talvez eu só esteja aproveitando minha liberdade enquanto ainda tenho. - respondo, tentando soar despreocupada, mas minha voz treme ligeiramente no final.
Ele para a poucos passos de mim, alto e imponente, os braços cruzados, o olhar descendo para a garrafa na minha mão.
- Liberdade? - ele ergue uma sobrancelha, um meio sorriso cínico surgindo em seus lábios. - Interessante como você confunde liberdade com autodestruição.
- É interessante como você confunde cuidado com controle. - retruco, inclinando-me para ele, sentindo o calor do desafio subir à minha cabeça. Por um segundo, ele não diz nada, mas o sorriso cínico desaparece, substituído por uma expressão séria e carregada. Ele dá mais um passo à frente, tão próximo agora que posso sentir o calor do corpo dele, o cheiro inconfundível de seu perfume misturado à chuva que deve tê-lo molhado em algum momento.
- Desça. - palavra é uma ordem, seca, firme.
Eu rio, uma risada curta e provocadora, inclinando a cabeça.
- Por quê? Está incomodado, Alexey? Ou está se divertindo mais do que gostaria de admitir?"
Por um instante, algo escuro passa pelos olhos dele, e eu sei que ultrapassei um limite. Antes que eu possa reagir, ele se move. Com uma mão firme e segura, ele pega a garrafa da minha mão, colocando-a de lado, enquanto a outra envolve meu pulso.
- Chega, Audrey. - ele murmura, a voz tão baixa que é quase um sussurro, mas carrega uma autoridade que corta como um açoite. - Você está bêbada e brincando com fogo. Não sou alguém com quem você queira testar limites. - meu coração martela no peito, e eu deveria me sentir intimidada, mas não consigo evitar um sorriso desafiador, mesmo com a proximidade sufocante dele.
- Talvez eu goste de brincar com fogo. - respondo, minha voz igualmente baixa, as palavras quase uma provocação intencional. Ele me observa por um longo momento, os olhos fixos nos meus, como se estivesse tentando decidir o que fazer comigo. Então, sem aviso, ele me puxa gentilmente, mas com firmeza, para fora da mesa, segurando-me pelos ombros para me manter em pé.
- Eu não vou jogar esse jogo com você, Audrey. - ele diz, o tom severo, mas há algo mais ali, algo quase... preocupado. - Agora, você vai para o seu quarto. E amanhã, quando estiver sóbria, talvez você entenda o quão estúpido foi isso.
Sua proximidade, o calor das mãos dele em meus ombros, faz minha cabeça girar ainda mais, mas antes que eu possa responder, ele me solta e dá um passo para trás, o olhar ainda fixo em mim, como se estivesse esperando para ver se vou obedecer ou não.
O calor no meu corpo aumenta ainda mais, o álcool turvando meus pensamentos e impulsionando minhas ações de forma insana. Há algo em Alexey, em sua presença ameaçadora, que provoca uma reação incontrolável em mim, as palavras dele, as ordens, tudo isso me irrita de uma maneira que não posso explicar, como se ele estivesse tentando me colocar em uma jaula invisível, e eu não fosse capaz de suportar mais.
Com um movimento repentino, empurro-o com força, sentindo a satisfação de vê-lo dar um passo para trás, quase como se fosse algo impensado, mas, ao mesmo tempo, quase necessário. Ele tropeça, e no instante seguinte, sua figura sólida e imponente se encontra afundando em uma poltrona macia, o olhar chocado e as sobrancelhas franzidas. Há algo em seu rosto, uma surpresa que logo se transforma em uma expressão severa, mas, antes que ele possa reagir, eu já estou em movimento.
Não me preocupo com a moral, com as consequências ou com o que devo ou não fazer. Tudo ao meu redor desaparece. As palavras de Alexey se tornam ecos distantes, enquanto o som da minha respiração e da música que só eu posso ouvir preenche o espaço. Subo lentamente, com a confiança que a bebida me dá, e, sem hesitar, começo a dançar para ele.
Meu corpo, solto e desinibido, se move com uma fluidez que eu mesma não reconheço, cada gesto, cada rotação da cintura, é uma provocação, uma maneira de desestabilizá-lo. Ele permanece em silêncio, observando-me, seus olhos fixos em cada movimento meu, mas eu vejo o leve endurecimento de seus músculos, a tensão crescente. Ele não está mais apenas assistindo, ele está prestando atenção.
De vez em quando, ele move a cabeça levemente, como se tentasse se controlar, mas eu sei que ele não consegue desviar os olhos. Meus pés deslizam sobre o chão de madeira, os movimentos suaves, quase hipnóticos, enquanto a camisola de seda, agora completamente grudada à minha pele, se move com cada rotação, deixando-me ainda mais exposta, mais vulnerável a ele.
De repente, dou um giro e, ao voltar a encará-lo, vejo o brilho perigoso nos seus olhos, algo entre frustração e desejo não resolvido. Sorrio, meu rosto iluminado pela provocação.
- Será que você é capaz de me fazer parar? Porque eu não sei até onde eu posso ir... - ele se move então, ainda sentado, mas com a mandíbula tensa, os olhos como lâminas. Não sei se ele vai me parar ou me deixar continuar, mas a eletricidade entre nós cresce a cada segundo. Eu me aproximo dele, os passos lentos e firmes, os olhos fixos nos seus, e, quando estou quase ao seu alcance, jogo a cabeça para trás, rindo suavemente, desafiando-o silenciosamente a fazer algo.
- Acho que você me subestimou, Alexey. Eu não sou o que você pensa. - o silêncio que se segue é carregado de tensão, e a única coisa que sei é que, apesar de toda a loucura da situação, não posso parar agora. Algo em mim não vai permitir.
A atmosfera entre nós parece ter se tornado densa, pesada, como se o ar estivesse prestes a romper, eu me aproximo ainda mais, o olhar de Alexey fixo em mim, com algo que parece ser uma mistura de frustração e desejo contido, mas eu não hesito, meus passos são lentos e provocadores, e, ao chegar à sua frente, as palavras já não são mais necessárias.
Eu me abaixei um pouco, como se fosse me curvar para um beijo, os olhos dele fixos nos meus, e a energia entre nós agora é elétrica, pulsante, sinto o calor da sua respiração, o toque da sua pele que parece me desafiar a ir ainda mais longe, como se ele estivesse à beira de fazer algo que pode mudar tudo. Meu corpo está tão perto do dele agora, o calor da sua presença consumindo-me, e a única coisa que posso pensar é no impulso de testar os limites, de ver até onde ele me deixa ir.
Com uma confiança que só o álcool pode proporcionar, levanto a perna e, num movimento rápido e ousado, sento-me no colo dele, os olhos desafiadores e provocadores. O espaço entre nós é praticamente inexistente, e nossos rostos estão tão próximos que posso sentir o calor do seu corpo transbordando, e, por um breve segundo, tudo parece ficar em câmera lenta. O mundo à nossa volta desaparece.
A sensação é quase insuportável, uma mistura de algo inebriante e perigoso, e é nesse momento que uma centelha dentro de mim se acende - uma necessidade de escapar, de romper com esse círculo vicioso que está prestes a me consumir por completo.
De repente, sinto uma onda de pânico me tomar, a pressão se tornando insuportável. Antes que ele tenha chance de reagir ou de tomar o controle, me levanto abruptamente, os músculos tensos, e dou um passo para trás.
Sem olhar para ele, sem esperar por sua reação, viro as costas e corro. Cada passo é apressado, descompassado, minhas pernas tropeçando, mas a necessidade de distância é maior do que qualquer outra coisa, o ar frio da noite me atinge com força, mas a sensação é libertadora, como se estivesse fugindo não só dele, mas de mim mesma.
Aos poucos, a pressão do ambiente e as tensões se dissipam à medida que corro pelo jardim. O som dos meus pés batendo na grama molhada se mistura com o som da minha respiração ofegante, e, embora meu coração ainda bata forte, não há mais nada além da liberdade momentânea que me consume. Eu corro, sem pensar em mais nada, até chegar ao canto do jardim onde a grama é mais alta, e me deixo cair no chão, arfando, com o corpo tremendo, finalmente livre, ou pelo menos, tentando acreditar que estou.
O silêncio ao meu redor parece engolir tudo, mas dentro de mim, a agitação permanece, pulsando como uma chama incontrolável.
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