“Passava por altos e baixos,

Mas tinha um vazio na alma

Se você ler o que escreveram ao meu respeito,

Espero que ignore

Eu vivia um outro tipo de vida

Antes de ter a minha garotinha”

BEATRICE, ALGUÉM ESPECIAL

HADES ERA UM DEUS, IMORTAL E JÁ HAVIA  conhecido tantos humanos que se fosse sincero, nem lembrava se mais da maioria deles. Mortais eram tão frágeis e quebravam facilmente, desapareciam como poeira ao vento.

Ao longo dos séculos, haviam alguns mortais que chamavam sua atenção.

Em toda a sua eternidade, Hades só havia conhecido o amor verdadeiro com sua esposa, Perséfone. A deusa era mulher única, uma inocência doce no olhar ao mesmo tempo que tinha um temperamento perigoso, ela parou de ter medo de dizer o que pensava e agir como queria quando ele fez sua rainha.

Então, ele conheceu Maria di Ângelo.

Era apenas uma volta na Itália, Hades não tinha grandes planos, ele saiu de uma reunião com Hermes quando a viu, andando distraidamente pelas ruas enquanto cantava uma música, baixinho, tímida.

Aquela mortal roubou seu coração mais rápido do que ele havia imaginado ser possível, quando percebeu, faria qualquer coisa por ela sem pensar duas vezes. Maria despertava a melhor parte dele, o fazia querer ser alguém melhor, o tirando daquele amargor que o submundo o causava.

Daquele amor, surgiu três crianças.

Primeiro, havia sido as gêmeas, Beatrice e Bianca. Enquanto suas aparências eram idênticas, os mesmos cabelos escuros e olhos de um profundo preto que apenas o inferno havia visto, suas personalidades eram opostas. Bianca era um raio de sol, doce e raramente brigava por algo, nunca dizia sua opinião em voz alta, o mesmo não podia ser dito de Beatrice.

Beatrice tinha um fogo dentro de si, sua personalidade era forte, ela lutaria até o último segundo pelo o que queria, um tanto manipuladora e extremamente inteligente. Ela não se dava muito bem com pessoas e preferia ficar quietinha com seus livros, tinha problemas para demonstrar o que sentia dentro de si, mas a garota sempre havia um sorriso iluminado quando o via e corria na sua direção sem pensar duas vezes.

Então, alguns anos depois, veio Nico.

O caçula lembrava um pouco Bianca, inteligente, mas preferia ficar com seu joguinho de Mitomogia ao invés de ter que lidar com pessoas, era tímido e quieto. Idolatrava as irmãs mais velhas que, por sua vez, fariam qualquer coisa por ele.

Diziam que os pais amavam seus filhos incondicionalmente e que não tinham favoritos, mas se Hades fosse sincero, ele tinha sim um favorito.

Havia algo em Beatrice.

O deus faria absolutamente qualquer coisa por aquela garotinha, ele quebraria todas as regras do Olimpo em um piscar de olhos, brigaria com todos os deuses por ela.

Ela aquecia seu coração, havia lhe apresentado um amor que ele achava que nunca seria capaz de sentir. 

— Papai?

Hades se virou e sorriu para a garota, já era madrugada quando ele chegou na casa da família e achou que todos estavam dormindo, mas como sempre, a garotinha parecia sentir sua presença.

Todos achavam impossível diferenciar as gêmeas, mas Hades sempre soube, no momento em que as segurou no colo.

— Você deveria estar dormindo.

Beatrice franziu a testa.

— Você também — retrucou.

Ele não conseguiu evitar o sorriso e apenas abriu os braços, os olhos dela brilharam e finalmente a garota correu para os seus braços, em um abraço apertado. 

A garotinha apoiou a cabeça em seu ombro e Hades a colocou sentada em seu colo, no sofá. Por longos minutos, ele apenas a segurou ali, aproveitando a sensação, sabia que a vida dos semideuses nunca fora longa, principalmente de seus filhos, mas rezava a todo momento para que Beatrice pudesse conhecer a felicidade um dia.

— O que te acordou?

— Pesadelo.

O deus concordou lentamente, das três crianças, Beatrice parecia a mais poderosa, o que lhe preocupava.

— O que acha de darmos um passeio?

Beatrice o apertou mais, como se tivesse medo que ele simplesmente desaparecesse.

— Só nós dois?

— Sim, só nós dois — murmurou — mas não mencione para seus irmãos, eles podem ficar chateados.

— Tá bom, papai.

Hades levantou e atravessou uma sombra, a viagem até o mundo inferior fora rápida e ao chegar, Beatrice olhou tudo ao redor, curiosa.

Não era a primeira vez que ele a levava até lá, mas a garota sempre olhava tudo como se fosse a primeira vez. Ele a colocou no chão e pegou sua mão, o submundo não era um lugar bonito, mas Beatrice parecia achar o lugar mais legal do mundo.

Ela arregalou os olhos ao ver algo.

— CÉRBERO!

Enquanto ele observava a garotinha correr na direção do enorme cão de três cabeças, Hades suspirou.

“Sua filha vai ser grandiosa, meu Lorde”, as Parcas haviam dito, “mas para chegar lá, ela vai conhecer uma profunda dor, que vai servir para a deixar mais forte”.

Hades faria tudo para evitar que sua filha conhecesse a dor.

“Emily, quando eu te ouvir chorar,

Vou cantar para você dormir

[...]

Você me torna um homem melhor

Que eu jamais seria, jamais seria, jamais seria

É por sua causa, Emily”

HADES NUNCA HAVIA SE SENTIDO TÃO desesperado em toda a sua imortalidade como naquele momento.

O pacto entre os Três Grandes estava feito, mas o problema era que Zeus não iria permitir que as gêmeas e Nico sobrevivessem se descobrisse sobre eles, ele tinha que ser rápido, pegaria Maria e os três e os esconderia tão bem que seu irmão nunca seria capaz de os achar.

Infelizmente, Maria sempre foi uma mulher decidida demais.

— Maria, me escute! Eu quero proteger vocês e…

— Papai? Mamãe? Vocês estão brigando?

Hades arregalou os olhos e se virou, notando Beatrice parada na porta, com a testa franzida enquanto os observava. 

Ele suspirou, Beatrice estava se tornando uma bela mulher, já estava com quase catorze anos e infelizmente ganhava olhares por onde passava. Naquele dia, ela usava um vestido escuro que Maria havia feito e o cabelo escuro estava solto, ondulado, em seu pulso, havia a pulseira que ele havia lhe dado em seu último aniversário.

— Querida, me faça um favor. Pegue seus irmãos e vá lá para cima, coloque suas coisas em malas e desça, entendeu?

Uma expressão preocupada surgiu no rosto dela.

— Papai, o que aconteceu?

— Nós estamos indo embora.

Maria bufou, passando as mãos pelo rosto.

— Você enlouqueceu — murmurou — não estamos deixando a nossa casa, Hades.

Beatrice parecia dividida, mas ao olhar para o pai, decidiu obedecer e saiu gritando, chamando pelos irmãos, nervosa.

— Hades, você não vai tirar os meus filhos de mim.

Ele se virou para a mulher.

— Eu estou fazendo o que é melhor para todos — retrucou — Se meu irmão descobrir sobre vocês, ele não vai parar enquanto não arrancar a vida de todos vocês. Ouça, há uma profecia e têm grandes chances de ser sobre Beatrice.

Os olhos dela se arregalaram.

— O que quer dizer?

— Há uma profecia sobre um filho dos três grandes, uma criança poderosa demais que ao chegar aos dezesseis, vai decidir o futuro do Olimpo — sussurrou — Meu irmão não quer correr riscos, ele fez com que nós três fizéssemos um pacto de não ter mais filhos com mortais, mas quando ele descobrir sobre as gêmeas…

Maria deu um passado para trás, abalada.

— Hades…

— Faça as malas, agora.

Ele observou a mulher sair da cozinha, lentamente seguiu, mas ao invés de ir para o seu quarto, foi para o quarto que as três crianças dividiam.

Havia duas malas abertas em cima da cama, as gêmeas trabalhavam rapidamente para colocar as coisas lá dentro enquanto Nico olhava confuso para tudo aquilo. 

— Pai? O que está acontecendo?

Hades forçou um sorriso.

— Vamos fazer uma viagem em família.

Nenhum dos três pareceu acreditar naquilo, mas ele simplesmente começou a ajudar a arrumar as coisas e logo terminaram. 

— Tudo pronto?

Os três concordaram e ele pegou as malas, os levando para o primeiro andar, mas na metade do caminho, Beatrice arregalou os olhos.

— Eu esqueci algo! Já volto, papai.

Hades concordou e foi para a sala com os dois mais novos, iria apenas esperar Beatrice e Maria, então iriam partir para um lugar seguro onde poderia os esconder de seu irmão.

Infelizmente, foi tarde demais.

O deus só teve tempo de proteger as duas crianças que estavam consigo. Pela primeira vez em séculos, seu coração pareceu parar.

Bianca e Nico estavam desacordados, mas vivos, a casa ao redor deles estava destruída. 

— BEATRICE!

Ele vasculhou desesperadamente os escombros da casa, pareceu demorar uma eternidade até encontrar o corpo da garota, em meio há alguns escombros. Ela estava mais pálida do que o normal e havia tanto sangue ao redor dela, o deus estava desesperado.

— Não! Não… — sussurrou, trazendo o corpo para o seu colo — Beatrice…

— Oh, o meu marido sempre tão furioso…

Hades congelou.

— Juno.

A deusa suspirou dramaticamente enquanto aparecia na sua frente.

— Hades — comentou — Que desastre que ocorreu aqui, não é mesmo?

Os olhos do deus lacrimejavam, mas isso não impediu a raiva de surgir dentro de si naquele momento.

Hades, que nem sabia que era capaz de chorar.

— O que você quer?

Juno o encarou.

— As Parcas são velhas engraçadas, não é mesmo? Digamos que eu tenho algum interesse na garota — murmurou, lentamente — Façamos um acordo. Eu ajudo a salvar a sua preciosa garotinha.

Hades a encarou, os olhos estreitos.

— A que custo?

— Bom, ela ficaria sob a minha tutela, óbvio. Beatrice se tornaria a minha protegida, você sabe, não tenho filhos semideuses, então preciso de um herói.

Ele olhou para a garota em seus braços, o batimento cardíaco dela era quase inexistente.

Seu coração apertou.

O deus notou então algo, Beatrice parecia segurar firme algo em sua mão, ele lentamente abriu, revelando uma daquelas estátuas do jogo que Nico era completamente apaixonado, ela havia voltado para buscar um personagem do jogo que seu irmão havia esquecido, em sua mão, estava o deus Hermes.

“Querida Emily,

Eu idealizei você muito antes da sua vinda

Escolhi o seu nome e escrevi em um papel

Queria uma razão na vida e a vida deu minha Emily 

[...]

Eu tenho que alguém ou alguma coisa

Possa fazer mal a você” 

JAMES ARTHUR - EMILY