Robyn Moore

Senhora Tina me levou até o meu quarto e deixou a porta. Nós nos sentamos na cama, eu fiquei observando a mulher dos cabelos grisalhos mexer na sua bolsa a procura de algo e ela encontra.

— Pode abaixar a manga da sua blusa? — pede e franzo minha testa.

O que tem errado? Senhora Tina realmente costuma cuidar de algumas feridas que eu sequer presto atenção, mas eu não sinto dor no ombro ou dos braços.

Abaixo minha manga e me surpreendo quando vejo um vermelho na minha pele. É dos mosquitos de verão e talvez tenha sido ontem na festa de Liam, essas picadas costumam me dar reação alérgica e eu costumo perceber isso imediatamente. Afinal, eu sinto dor e já cheguei a sentir febre. Entretanto, não aconteceu isso agora, mas pode ser porque ainda estou entusiasmada com o fato de estar perto do meu irmão ou que verei minha mãe amanhã.

— Está doendo querida? — Ela passa o dedo em volta e eu sinto um pouco de dor.

— Apenas quando toca. — digo, a mais velha concorda e começa a passar a pomada para ajudar na vermelhidão. — Não tinha reparado nisso.

— São muitas coisas na cabeça, uh. — abro um pouco minha boca. Não digo nada porque Senhoras Tina volta a falar. — Kimberly é muito mais esperta do que imagina e você tem que conquistar Harry de vez.

Suspiro.

Não quero brigas. Essa é a verdade, não quero uma disputa, não quero sair em tapas. Eu não sou desse tipo, não quero perder meu tempo com desrespeito e alimentando o que pode ser ruim depois. Além disso, não a vejo mesmo como uma ameaça.

— Senhora Tina. — A mais velha sorri um pouco para mim e direciona seu olhar ao espelho. Quando eu olho para o espelho eu vejo a porta do meu quarto aberta e Kimberly com sua irmã. Estamos sendo ouvidas e a mais velha sabe. Eu entro no seu jogo então.

Que maldita intrometida!

— Não me conteste criança. Sabe que é verdade. — A mais velha guarda a pomada na bolsa. — E alimentar bem um homem continua sendo a melhor forma de conquistá-lo.

Sinto que já ouvi essa história antes, mas onde?

— Sugere que eu cozinhe para o Harry? — pergunto e levanto minhas sobrancelhas.

Eu apenas cozinhava na minha casa e isso era em algumas ocasiões especiais, como a comemoração da entrada das estações ou o final de um ano. Aniversários... Quando eu cheguei na Casa Anjo Vermelho cozinhei bolos com Natalie, mas à medida que o tempo passou isso se perdeu.

— Não é para cozinhar qualquer coisa. Cozinhe para ele a sua sobremesa favorita. Vou lhe entregar a receita. — diz e me entrega um papel. É uma receita de torta de maçã, mas alguns dos ingredientes daqui são absurdos. Não é assim que se faz.

— Sim, Tina. Ele vai amar isso, mas será que vai me amar? — pergunto e atuo com um tom de insegurança. Kimberly deve acreditar que e eu estou insegura e a vejo como uma ameaça.

Comporto-me como uma mulher insegura e a Senhora Tina segura a minha mão. A mais velha atua uma consolação.

— Com certeza irá. — pisca para mim. — Agora deixe-me ir. Hoje é a noite de celebrar Rai. Noite de usar pérolas. — sorri e se inclina para pegar minha caixinha de joias, ela tira um colar de pérolas que Harry me deu. Em seguida, a mais velha coloca em meu pescoço. — Noite de Rai, não se esqueça.

Assim, a Senhora Tina sai do quarto fechando a porta e me deixando sozinha. Passo meus dedos pelo colar de pérola e acabo me lembrando da história de Rai e Araceli.

Mamãe me contava essa história, mas também a ouvia na beira do rio junto das outras crianças e às vezes Senhora Tina cita algumas parte dos ensinamentos desses Deuses para mim. Rai é a Deusa da água e da chuva, enquanto Araceli é o Deus dos céus.

Quando Rai se tornou adolescente, tornou-se mais poderosa. Porém, uma Deusa inexperiente que provocava fortes chuvas, ela se encontrava perdida na sua imensidão e provocava medos nas pessoas que pensavam que ela fosse ruim por provocar chuvas fortes e longas. Ou apenas não provocar chuva alguma.

Uma Deusa forte que não sabia controlar os poderes como gostaria.

Araceli, por outro lado, amava ser adorado pelos humanos e fazia tudo que eles pediam. Sol por tempo suficiente para as plantações darem certo, noite por tempo suficiente para descansarmos. Estrelas para sonharmos, nuvens para brincarmos. Porém, quando Rai se descontrolou havia apenas chuva e Araceli não conseguia resolver isso.

O Deus decidiu enfrentar Rai, pensando que ela fosse o mau, algo a ser evitado e exterminando e eles brigaram quando se conheceram. Pois, enquanto o Deus queria sol, a Deusa queria chuva. Foi uma briga intensa que gerou secas e enchentes. Então, um dia, em uma dessas brigas eles criaram o arco-íris e o Deus que sempre tinha tudo, o amor e a adoração dos homens, os melhores presentes e o respeito dos outros Deuses, notou algo enquanto reparava na beleza do arco-íris. Araceli criou algo tão lindo com outro alguém, algo que ele imaginou impossível, ele então sentiu que precisava de algo para além de adoração e do poder.

Araceli desistiu de brigar e procurou conhecer Rai para criar mais, eles conversaram, ele se apaixonou.

Portanto, conquistar Rai tornou-se seu objetivo. No começo, o Deus decidiu ensinar a Deusa como controlar seus poderes, a como fazer da chuva algo próspero e a como semear ao invés de destruir. Ajudou Rai a segurar raios com as próprias mãos e a rugir trovões, bem, a rugir trovões ela aprendeu devido à briga que eles tinham. O ponto é Rai e Araceli se conectaram, se apaixonaram e se uniram.

Miyo, a Deusa da Beleza e Prosperidade, era uma das amantes de Araceli e se enfureceu com essa união. Pois, sempre pensou que estivesse predestinada a se unir com o Deus dos Céus. Ela sempre tentava roubar o lugar de Rai, tentava criar chuvas como ela, mas não conseguia controlar as águas então criava secas.

A Deusa da beleza até tentava segurar raios e rugir trovões, mas não conseguia nada disso.

Rai notando que Miyo estava querendo roubar seu lugar tramou um plano para que Araceli jamais se aproximasse da Deusa de novo. Um dia, desceu na sua forma humana e Miyo a seguiu, quis ver seus passos e Rai fez a Deusa pensar que quando Araceli descia na sua forma humana gostava de sopa de olhos de cabra.

A Deusa da beleza e prosperidade acreditou naquilo e convidou o Deus dos céus para um passeio. Rai voltará a sua forma original naquele dia e os observou tudo.

No momento que Miyo entregou a sopa para Araceli, o Deus dos céus a baniu de subir até seu reino pois ficou enojado com a forma que a Deusa da beleza e prosperidade cuidava das suas criações, afinal, os animais e a colheita eram responsabilidade da mesma. Miyo havia se perdido em um amor que nunca teria e se esqueceu de quem é. Foi essa a lição que Rai a deu.

Rai e Araceli são o casal do céu e ninguém ousa os separar, são Deuses sábios e poderosos que quando unidos geram o equilíbrio, quem notou isso no início não tem a intenção de interromper na união, porém, quem quis separá-los foi banido da grandeza que havia no reino dos céus que ambos criaram.

Agora, a Senhora Tina me entregou uma receita errada. Ela quer recriar uma história contada para as crianças? O quanto ela pode ser útil agora? Não faço ideia, apenas deixo a receita em cima da minha cama e abro um pouco a porta.

Eu tomei banho e quando saio do banheiro, o papel já não estava mais ali. Senhora Tina estava certa de algo e espero que esteja certa de tudo.
Depois de tomar meu banho, desço e encontro Niall conversando com a Jeniffer. Finalmente vou conseguir contar as novidades para meu amigo e eu faço isso enquanto jogamos dama.

Kimberly e a irmã ficavam hora ou outra passando na sala como quem não queria nada, mas elas queriam ouvir a conversa então eu tive que ser cuidadosa em tudo que dizia ao meu amigo. Isso é horrível, nem mesmo na Casa Anjo Vermelho havia pessoas tão intrometidas assim, se eram, ao menos eram discretas.

No fim da tarde Harry chegou, o moreno parecia cansado e eu estava disposta a deixá-lo descansar. Contudo, quando ele percebeu que Kimberly estava ocupada com sua irmã, ele me chamou e eu fui até ele.
Agora, nós estamos dentro da estufa que fica um pouco depois do jardim de flores e da fonte da casa. É onde Senhora Tina produz suas plantas medicinais e anos atrás Harry e eu adaptamos esse lugar para nós também.

Como colocar uma rede entre os vasos de alecrim, observando o teto de vidro e o céu azul com algumas nuvens. É uma forma boa de relaxar e nos estamos deitados observando não apenas o céu, mas as plantas que crescem aqui enquanto sentimos o cheiro de algumas flores.

— Eu gosto do fato desse ser nosso lugar secreto. — Harry sussurra e fica fazendo carinho no meu braço.

— Não contaria tanto com isso, Kimberly passou o dia me seguindo.  Parecia que estava pronta para descobri meus segredos e ainda levou a irmã junto. — digo e o moreno respira fundo.

— Ela vai ir embora.

— E eu espero que logo. — viro meu rosto e fico olhando para o moreno. Ele passa o dedo na ponta do meu nariz e eu sorrio. — Amanhã vou sair com Aaron, vou conversar com minha mãe pelo comunicador holográfico. — aviso e um sorriso só forma nos lábios de Harry.

— Tenha algo para te mostrar. — Ele coloca a mão nos bolsos. Não demora muito e noto que são fotografias e o moreno entrega para mim. — O detetive que contratei para encontrar sua família, estava há meses sem dar notícias. Cheguei a pensar que ele tivesse morto. Porém, ele apenas teve dificuldades por causa da revolta. O ponto é, ele voltou e disse a mesma coisa que o seu irmão. Essa são as fotos da sua mãe semanas atrás.

Eu olho imediatamente aquelas fotos e um sorriso se forma em meu rosto quando eu vejo a mulher que conheço bem. Ao menos a conheço por tempo suficiente para saber quem é a minha mãe. Os olhos como os meus, o pano na cabeça, ela está mais velha, mas ainda sim, está linda. Com a pele negra lisa e o cabelo crespo começando a se tornar mais branco do que escuro. Ela com certeza é Megan Moore, a minha mãe.

Olho para o moreno ao meu lado e ele está me encarando com atenção.

— Davis...

— Aaron, o nome de verdade dele é Aaron. — corrigo e um sorrisinho de forma nos lábios de Harry.

— Aaron estava certo em dizer que vocês duas se parecem. Pelas fotografias eu posso ver isso perfeitamente. — Ele toca meu rosto e eu sorrio. Beijo a mão no moreno.

— De alguma forma você cumpriu aquela promessa de encontrar meus pais.

Me lembro dessa promessa, na verdade, lembro-me de cada promessa que Harry Styles fez para mim, eu apenas tento não ser estúpida ao ponto de criar expectativas de que todas essas promessas serão realizadas.

— Sempre irei cumprir minhas promessas, ao menos as feitas para você. — murmura e estava pronta para respondê-lo quando escuto os passos e a voz de Kimberly e sua irmã.

Imediatamente eu tampo a boca de Harry e o moreno a minha. Esse é o nosso lugar secreto e é importante que se mantenha assim.

— Um dos seguranças disse que viram eles vindo para cá. — Kimberly fala e Harry me puxa para ficar mais para baixo da janela. Eu puxo a coberta e coloco em cima dos nossos corpos.

— Não estão aqui, aposto que saíram. — Celie fala. — Mas não importa, aquela meretriz irá embora assim que você tiver o primeiro filho.

Fico olhando para Harry e ele fica me olhando. Era quase como se ele quisesse dizer algo para mim apenas me olhando, mas continuo com a minha mão na sua boca, mantendo o silêncio e ele faz o mesmo.

Entretanto, as mulheres conversam mais um pouco. Elas ainda mantém firme a hipótese de que quando Kimberly engravidar eu irei embora, porque o moreno a minha frente não irá mais querer saber de mim. De uma forma estranha, eu acabo concordando com isso, tento reprmir essas inseguranças, mas parece difícil agora.

Por outro lado, eu sei bem sobre como o mundo funciona, não é tão simples como parece e nem sempre o amor é capaz de vencer tudo. Nem sempre seremos rodeados pelos 'sim' das coisas boa e saber lidar com um não é algo que temos que aprender.

Porém, é difícil repetir padrões de algo que nos machuca, pois é algo que queremos evitar que se repita. Pessoas que amamos também podem criar feridas fundas difícil de cicatrizar. Dessa forma, ao amar alguém significa que riscos são tomados a todo instante. É arriscar ou ficar preso a uma inércia de acontecimentos que não surgem efeitos e nos fazem viver uma vida medíocre. As vezes nem sempre, pessoas podem viver bem sozinhas, mas não é o meu caso. Eu amo Harry Styles e ele vale o risco.

— Elas já se foram. — Harry sussurra e olho para ele confusa. Quem se foi?

Ah! Kimberly e Celie. Um sorriso se forma nos lábios do moreno e ele acaricia minha bochecha.

— Vai me contar em que mundo estava agora? — Ele pergunta curioso.

— Por que Kimberly parece certa de que logo estará esperando um filho seu? — pergunto e ele suspira. O rapaz tira a coberta de cima dos nossos corpos e eu mordo meus lábios. Começo a me sentir ansiosa pela demora na sua resposta.

— Desculpa. — diz simplesmente e eu apenas sei que ele realmente está transado com ele. Contudo, eu já esperava por isso.

— Tudo bem, quem sou eu para julgar isso? — sorrio sem grande humor.
— Robyn...

— Ela é a sua esposa. São casados e eu não sou uma criança, esperava por isso. Só que, uau. — olho para minhas mãos. — Se ela engravidar isso vai mudar tantas coisas.

— Ela não vai ficar grávida. — Harry garante e eu estou pronta para contestar ele. O moreno, entretanto, continua a falar. — Eu estou tomando um remédio para ficar infértil, se ela engravidar não será meu. — explica e eu abro a boca chocada.

— Harry, você é louco. — digo e ele sorri um pouco. Ele toca os dedos na minha barriga e eu tremo um pouco.

— Só imagino uma criança com você, Robyn e isso com Kimberly durará tempo suficiente para nada além dela estressada. — diz com certeza e eu sorrio um pouco. No fundo eu acredito nisso, mas ainda sinto medo de algo possa dar errado.

— Certo. — murmuro e ele cola nossas testas. Eu o beijo, é um selinho rápido, mas Harry torna a me puxar para perto me beijando com mais intensidade.

Nossos corpos ficam mais colados e o moreno coloca a mão por de baixo do meu cropped apertando meu seio.

— Crianças na frente das minhas plantas não! — Senhora Tina diz brava. Eu me assusto e Harry também. Viro-me olhando para a mais velha que está séria.

— Harry, Patrick está te procurando.

— Estou indo. — Harry se levanta da rede um pouco emburrado e me olha.

— Terminamos isso depois. — pisca para mim.

O moreno sai da estufa e eu fico olhando para a Senhora Tina.

— E você menina, quer me ajudar com algumas mudas?

— Quero sim.

Continua...

Notas: Rai, Araceli e Miyo são personagens de uma religião existente em Egan. Me inspirei em algumas histórias da religião de matriz africana (Candomblé e Umbanda) para cria-los.

De toda forma, espero que tenham gostado do capítulo.

Não deixem de comentar o que acharam e votar.

Vejo vocês logo. Anna. Xx