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Saudosa Maloca

Doutores e doutoras que tão lendo esta minha história, não espero que acreditem ou dêem trela pras recordações dum velho. As coisas que vou contar pr'ocês num passam de prosas emprestadas dum home que comigo molhou as palavras em uma padoca da capital, e mesmo que eu dele num lembre nem a graça, o tenho e terei pra sempre por Compadre.

Compadre era home valente, nunca andou desarmado. Num carregava na cinta nem sequer facão; sua arma era o enxerte da lábia dum bom malandro e o coração dum poeta da terra da garoa. Quando Compadre usava suas armas e "declarava guerra", era uma loucura que só vendo, até os inimigos viravam irmãos e as mais lindas mulheres mostravam seus gingados feito bombas que arrebentam inté aqueles corações erguidos em pedra bruta. Oh, tempos que num voltam mais!

Naquela padoca compadre me contou de sua mocidade no Bexiga. Não esse Bexiga que ocês conhecem, com prédios grandes e gente que num mais "malemoleja". Nós proseou sobre um Bexiga de "palacetes assombrados" e uma gente que desconhecia essa tar de depressão. Dinhero nunca tiveram de sobejo, mas alegria... Se desse pra vender, venderiam com o nome de "samba". Oh, saudades de compadre!

É, doutores e doutoras, Compadre me contou naquela padoca de paredes marrons, entre um martelinho e outro, que aos poucos o sopro do destino o carregou pra longe da família. Não que ele num quisesse as asas da liberdade. Já fui moço também e bati minhas asas, mas sempre que o vento começava a bagunçar minhas penas eu dava meia volta e avoava pro ninho quentinho da casa de minha gente. Compadre nunca pôde voltar pro ninho dele. Talvez tivesse se perdido inteiro nesse grande mundão que Deus fez pra nós ou só num tivesse mesmo um pra onde avoar. Ele me contou que só perdeu o rumo do ninho, mas numa prosa dessas nem sempre a gente conta só verdades. Ah, compadre, pássaro de asas rijas e bico grande, por onde tanto ocêavoando hoje?

Aos 23 anos de sua vida Compadre já tava largado nesse mundão. Por muitas noites a grama das praças foi o colchão dele; e o cobertor foi o véu fino da garoa que beijava a antiga São Paulo duma época em que ainda se podia respirar e olhar nos olhos uns dos outros. Nessa vida canina Compadre conheceu gente boa, gente má; conheceu a fome e descobriu como é ser um "malandro" onde "malandro" não é aquele "malandro" da malemolência.

Mesmo chutado feito o cão do diabo, Compadre continuou rijo em sua honra! Home de valor. E foi nesse valor que conheceu Matogrosso e Joca, homes que, igual Compadre, nunca deixavam de sonhar.

Tiros, punhaladas e veneno matam, matam porque tiram a chance da gente de sonhar com o amanhã. Mas Matogrosso e Joca era imortais. Quando ajuntavam latinhas de aluminho martelavam catar uma tonelada, vender essa tonelada, ficar ricos e pagarem um grande churrasco pra comunidade que os acolhera; quando ajuntavam papelão pra usar de cobertor sonhavam com o momento em que encontrariam entre as grossas folhas marrons o bilhete premiado de alguma loteria; quando se apresentavam a mexer massa na construção de algum desses edifícios artos que parecem tocar o céu cinzento de nossa cidade, davam graças a Deus e festejam a bonança que se seguia, mas home sem casa num dura. Por melhor que seja seu coração, os ricos os cospem e chamam de "mendigos ladrões". Matogrosso e Joca eram sonhadores, e foram os sonhos que os uniu ao meu Compadre.

Compadre me contou que era uma noite escura e faminta quando conheceu aqueles jovens de valor. Sua barriga roncava e os pés descalços ardiam. Choraria se tivesse lágrimas, mas por dentro já era uma múmia desidratada.

Andou feito um zumbi por entre aqueles prédios recém-erguidos. O céu da meia noite sem estrelas se encobriu em pesadas nuvens sóbrias e inquietas. Aquele vulto esfomeado que se arrastava pelas calçadas só devia parecer humano quando entrava nos anéis de luz formados pelos grandes postes que a prefeitura ali colocara.

Compadre, valente, se arrastou. Seus olhos de jabuticaba madura já turvos estavam quando o céu começou a chorar. Gota a gota, os trapos dele começaram a encharcar e a besta da fome a cravar seus dentes no estômago vazio daquele rapaz magricela. A cabeça rodou. Aquela tontura... Só de pensar, este velho já quase bota pra fora o jantar de ontem.

Na calçada as águas divinas começaram a se empossar... Água e mais água... Os pés descalços de Compadre já se enrugavam. Oh, tristeza que sinto de recordar a prosa com Compadre.

Ele me contou que num aguentou. As pernas ficaram moles e os joelhos foram abaixo, como se um gigante abatido agora agitasse o mar com sua queda. Compadre abriu os braços, zoiou aquele céu negro e sem vida e então sucumbiu à fome. Caiu com o peito e a cara na água. Compadre que sempre adorou nadar contra marés violentas, inclusive as da vida, chegou muito perto de morrer afogado com a cara mergulhada numa poça de água suja de terra, bitucas de cigarro e urina de bêbados.

Homes e mulheres morrem todos os dias. Se é rico muitos choram e poucos sentem; se é famoso uma semana de luto se declara e logo esquece; se é pobre o mundo esquece da gente e só choram aqueles que realmente amam. Morrer é natural, ainda mais para um velho como eu. E às vezes acredito que para o rapaz que Compadre já foi, morrer naquela poça suja teria sido um alívio.

Eu e compadre, naquela padoca de taubas não ripadas, chegamos a dividir uma porção de linguiça frita e a aplaudir alguns jovens e suas caixinhas de fósforos. Por pouco Compadre num deixou a prosa pela metade. Sabe, doutores, quando perguntaram se alguém ali queria cantá, Compadre ergueu a mão e bateu no peito. Cheguei a duvidar daquele rapaz falastrão, mas quando ele abriu a boca, dos meus olhos rolaram lágrimas e eu me perguntei: como pode existir alguém como ele?

Hoje sei a resposta.

O sofrimento molda os home.

Quando Compadre abriu os olhos tava debaixo de uma ponte imunda, deitado do lado de pessoas boas que se aquentavam no entorno de um tambor ardente. Como os apóstolos, eram doze no total.

O "apóstolo" mais distante, um moço corpulento e de barba negra batendo no peito, se aproximou do grupo que rodeava as labaredas cor de laranja. Trazia nos braços uma caixa de papelão com meia dúzia de marmitas frias e no rosto o sorriso de um sonhador.

Matogrosso se desculpou, disse meu Compadre, mas o sorriso num sumiu de seu rosto. Ele disse que infelizmente o português dono do restaurante do bairro só lhe deu seis marmitas e falou que não poderia oferecer mais que aquilo.

Houve então alvoroço naquele grupo. Muitos praguejaram a mesquinhez do português, mas um rapaz de corpo franzino, pele negra e olhos cor de esmeralda tratou de calá-los:

"Português num era obrigado a dar nada pra gente, mas deu. Outro num daria. E se ele ficar dando tudo, vai acabar como a gente. Que Deus abençoe o português que nunca falte nada na mesa dele e que ele continue ajudando quem tem fome. Graças a ele já num passaremos a noite com fome. Nós temos seis marmitas para treze homes. Jesus alimentou uma multidão com bem menos. Se depois de comer a gente ainda tiver fome, podemos pedir mais a Jesus e ele nos dará".

Treze... Trezes homes. Aquelas palavras de Joca devem ter chamado muita a atenção de meu Compadre que já se devia tá acostumado com chutes.

Compadre, de tão surpreso, disse que num precisavam se preocupar com ele.

"Onde comem doze comem treze", Joca disse.

"É assim cas coisas funcionam aqui", Matogrosso falou. "Eu trouxe a comida para forrar nossos buchos, Pedrão tem a pinga pra aquecer nossos espíritos, Joca juntou a lenha pro fogo que espanta da gente o frio. Sei que ocê também terá algo a oferecer".

E Matogrosso estava certo: aquele pinto entanguido tinha mesmo algo a oferecer.

O grupo manteve-se forte. Passaram dias, semanas, meses duros, mas sempre com sorrisos e apertos de mão.

No verão daquele mesmo ano Matogrosso contou pra todos que tinha ficado sabendo dum terreno sem dono no Bexiga. Contou pra todos que na região muita gente já tava alevantano seus barracos. Que precisavam ir rápido e ainda conseguiriam um pedacinho de terra onde erguer seus sonhos de felicidade.

Eles num pensaram duas vezes. Pegaram suas trouxas e se foram rumo ao famoso bairro do Bexiga. Lá encontraram o terreno onde poderiam construir o futuro. Era uma quadra inteira, toda suja, com garrafas quebradas, mato alto, cobras debaixo de entulhos. Quem via aquele desdenhado canto jamais pensaria em erguer ali uma casa. Mas aquela terra abandonada era a oportunidade praquelas pessoas.

Levaram quase um mês limpando e ajuntando madeira pra começar a construir. E mais seis meses pra cercar e erguer as doze malocas que formavam o novo cortiço do bairro. Enfim parecia que a sorte havia sorrido pra eles. Agora aquelas doze pessoas tinham suas casas (modestas, sim, mas ricas em felicidade).

Ter um teto para chamar de lar trouxe outras coisas boas praquela gente. Coisas boas chamam coisas boas. Não que este velho acredite nisso, mas é assim: se você é pobre, todos te cospem, mas quando começam a suspeitar que você tá endinheirado, todos já começam a se achegar a você e a ter chamar de Compadre.

Ter uma casa ajudou aqueles doze apóstolos da rua a conseguirem empregos, os empregos ajudaram a conseguir casamento, o casamento trouxe herdeiros do pouco que os moradores ajuntavam.

Naqueles oito anos o cortiço foi só alegria. Nunca enricou aquela gente, mas também nunca faltou o pão ou motivos pra erguerem as vozes e cantaram.

Mas viver é como voar com asas de cera: voar baixo num tem graça, mas assim você num cai; voar alto é a melhor coisa do mundo, mas as chances de cair são enormes. E quando você cai... Meu Deus, quando você cai seu corpo se torna uma arma que fere todos que tão lá embaixo.

Quando as primeiras cartas da Justiça Pública começaram a chegar os treze num eram mais treze, eram trinta.

A Justiça falava que o dono daquelas terras tinha entrado com uma tar de "reintegração de posse". Aconteceu grande revolta entre aquela gente. Falaram de ir atrás de advogado, e foram, mas num tinham dinheiro; falaram de se armar e se a polícia chegasse, passar fogo em todo mundo, e se armaram; falaram em vender tudo a algum desinformado, mas muitos outros terrenos da região já tavam sendo tomados e o dono tava erguendo edifícios gigantes, e essa fama num ajudava. Ninguém queria investir dinhero em terra enrolada.

Desde a primeira carta se passaram três anos até a grande manhã de sexta-feira. Naquela manhã, logo que o sol raiou, o povo foi pego de surpresa pelo ronco dos tratores e a sirene das viaturas.

Eles estavam ali para cumprir a ordem de algum juiz sem coração.

Dentro do cortiço teve muito alvoroço. Homens, mulheres, crianças. Todo mundo tava desesperado tentando juntar o máximo de coisas que conseguissem.

"VOCÊS TEM MEIA HORA E DAREI ORDEM PROS TRATORES DERRUBAREM TUDO", gritou um velho barrigudo do lado de fora, que num precisou de apresentação pra que todos soubessem que se tratava do dono daquelas terras.

Matogrosso surgiu no pátio do cortiço berrando algo. Segurava dum lado a mão da filha de cinco anos e do outro a mão da mulher com quem jurara passar todos os dias de sua vida. dele".

"VAMOS DEIXAR ELES FAZEREM ISSO GENTE? AQUI É NOSSA CASA!".

"E oque a gente vai fazer?", Pedrão questionou. "Ele tá cá polícia e a lei do lado dele".

Matogrosso largou a mão da filha e da esposa e bateu no peito.

"Somos homes".

"VOCÊS TEM SÓ CINCO MINUTOS", o velho gritou. "E NÃO QUERO CHORO, VOCÊS ARRUMAM OUTRO LUGAR PRA ESCONDEREM A BUNDA DA CHUVA".

Antes que Matogrosso percebesse, todos do cortiço já o estavam olhando.

"Somos homes! Não vamos deixar que tirem a casa de nossas famílias. Temos espingardas em nossos barracos. Vamos passar fogo neles. Se a gente morrê, morremos; se a gente tiver de ir preso, a gente vai, mas vamos de cabeça erguida!".

Compadre se aproximou de Matogrosso e colocou a mão no ombro dele. Compadre, mesmo nunca tendo manuseado uma espingarda, jamais andou desarmado.

"Deixa disso, Matogrosso. Lembra de quando a gente se conheceu? A gente deu um jeito. Os homes tão cá razão: a gente arruma outro lugar".

"E vamos deixar barato, sair sem lutá?".

"Fosse antes poderíamos lutá, mas agora (...)", Compadre apontou para todas as crianças que acompanhavam aqueles adultos amedrontados. "(...) mas agora para cada home que morrer são duas crianças que passarão fome. Elas num precisam de barraco onde dormir, mas de uma família que delas cuide".

Matogrosso quis gritar, mas encima Compadre bradou, "A gente arruma outro lugar". Todos estavam aflitos, não sabiam para onde todas aquelas crianças levar, mas quando Joca abriu a boca a esperança voltou a reinar:

"Deus não dá frio maior que o cobertor".

"E onde a gente dorme hoje", Matogrosso perguntou de cabeça baixa, abraçado à companheira de seus bons dias.

Joca sorriu abrindo os braços.

"Hoje a gente ajunta palha nos jardins, mas em nome de Deus, lugar onde dormir pra gente num há de faltar".

De peito doído saíram à rua pra assistir a demolição.

As maquinas eram grandes monstros mecânicos. Cada movimento daquelas pás derrubava um barraco. Cada telha quebrada era o destruir de uma memória de lutas e cada tauba que caia era como uma facada no coração. Houve lágrimas e choro desconsolado. Manhã e tarde de horror onde um povo aprendeu que para a justiça mais vale o patrimônio de um milionário do que o lar de uma criança.

Quando enfim a demolição acabou, todos se ajuntaram nas ruínas pra salvar alguma madeira que ainda prestasse.

Pouca coisa foi salva. Não sei se Compadre chorou, mas tenho certeza que daqueles escombros meu companheiro de tragos se ergueu como uma fênix que renasce das cinzas de sua própria morte.

Sábio foi aquele que escreveu "os mais belos cânticos e poesias foram escritos em tribulação". E foi na tribulação que meu compadre escreveu e muitos cantam assim:

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