Capítulo 96
A Toca era uma sinfonia de cor e música, dando a breve impressão de que o mundo real era uma miragem e ali sim podia-se ser feliz.
No centro das atenções, Fleur Delacour rodopiava suavemente nos braços de Bill Weasley. O contraste entre ambos era visível, as cicatrizes no rosto do ruivo ofuscadas pela beleza estonteante da loira.
Como duas peças de um puzzle, eles encaixavam na perfeição.
Olhar para Fleur doía. Ao ver a francesa, tudo o que Ashley recordava era o maldito Torneio que acabara por tirar a vida de Cedric Diggory, o seu irmão mais velho. A culpa não fora essencialmente do Torneio e sim de Voldemort mas se Ced não se tivesse inscrito, poderia ser ele a fazer rodopiar a sua esposa, poderia ser ele a olhar em volta no dia do seu casamento e a sorrir.
Infelizmente, isso nunca iria acontecer.
Ley olhou em volta, observando os convidados. Os Weasley encontravam-se ali em peso, o laranja dos seus cabelos sendo a cor predominante. Do outro lado da cadeira onde estava sentada, Hermione acenou-lhe, o corpo emoldurado num bonito vestido vermelho que lhe realçava os olhos amendoados e o cabelo alisado. Ao seu lado, Ron observava fascinado os recém-casados, a beleza de Fleur deixando-o encantado, como sempre. Por fim, havia o rapaz ruivo franzino entre os dois, o qual Ashley sabia ser Harry Potter disfarçado de Barry Weasley, um primo fictício de Ron.
Quando a dança terminou, Ashley afastou-se da multidão em direção à mesa da comida, degustando tranquilamente a comida de Molly Weasley. Fora a própria que a convidara para o casamento, só pelo facto de ser amiga do Trio de Ouro e de Laurel, de quem Molly parecia gostar muito. Ley, que amava casamentos e histórias com um final feliz, não recusara: colocara um bonito vestido azul-bebé que fora comprar com Hermione, deixara os caracóis soltos e naturais e enfiará os pés nuns sapatos de veludo que Meredith lhe oferecera há vários meses atrás, os quais se revelaram bastante confortáveis.
E não muito altos, tal como ela gostava.
Uma figura alta bateu-lhe nas costas, o embate fazendo com que o bolinho que tinha na mão caísse ao chão. O homem soltou de imediato um pedido de desculpa suave e Ashley virou-se para o encarar, com um sorriso agradavel no rosto:
- Não tem problema, senhor.
Os olhos azuis do feiticeiro à sua frente arregalaram-se. Vestido de amarelo torrado e com uns longos cabelos quase brancos, o homem era estranhamente familiar, a sua boca abrindo-se numa expressão de choque:
- Sarah...?
Ashley pestanejou, surpreendida. O homem abanou a cabeça, aproximando-se para a observar mais de perto.
- Sarah Hufflepuff?
- Não, senhor. O meu nome é Ashley... - fez uma pausa, engolindo em seco - Ashley Hufflepuff. Sou a filha de Sarah.
O homem assentiu, virando-lhe as costas. Ley ergueu as sobrancelhas, chocada com o descaramento daquele homem. Primeiro ia ter com ela, dizia o nome da sua mãe e depois ia-se embora como se nada fosse?
- Senhor! - chamou, tocando-lhe no braço - Desculpe mas... Conheceu a minha mãe?
O senhor à sua frente soltou uma risada, visivelmente divertido.
- Acho que não havia ninguém que não conhecesse, querida. Era uma mulher de garra e estava sempre em sarilhos quando andava em Hogwarts. Penso que não havia ninguém que não conhecesse a língua afiada de Sarah Hufflepuff.
- A sério? - Ashley sorriu, como sempre fazia ao pensar na mãe - Não parece nada como eu.
- Não creio que alguém conseguisse parecer. Era uma mulher única.
- Desculpe mas quem é o senhor?
O homem muito loiro estendeu a mão, a qual Ashley apertou delicadamente.
- Chamo-me Xenophilius Lovegood, Miss Hufflepuff. É um prazer conhecê-la!
- Lovegood? - os olhos âmbar de Ley arregalaram-se - Claro! O senhor é o pai da Luna!
- Exatamente. A minha querida Luna está ali. - apontou Mr. Lovegood.
Ashley seguiu o dedo do mais velho, acenando entusiasticamente para a loira mais nova, que lhe sorriu vagamente. Os Lovegood estavam ambos vestidos de amarelo, uma cor agradável e que Ley amava.
Confortável, sorriu ao pai de Luna, que já se distraíra com alguma coisa que vira no toldo acima das suas cabeças.
- Mr. Lovegood... - chamou Ashley, em vão - Mr. Lovegood!
Xenophilius deu um pulo, assustando-se com o empurrão que a Hufflepuff lhe deu.
- Sim?
- O senhor foi colega da minha mãe na escola?
Mr. Lovegood pestanejou. Segundos depois, sorriu.
- Claro! A Sarah era uma grande amiga da mãe da Luna, pobrezinha. Claro que não era a mesma amizade que existia entre a Sarah e a Cora... Mas ainda assim, eram amigas e eu conhecia-a porque era colega de Casa da Cora Ravenclaw.
Cora. Cora Ravenclaw.
A melhor amiga de Sarah.
Ashley assentiu, acenando brevemente a Xenophilius e afastando-se. A verdade é que daria tudo para ter conhecido a mãe, para saber mais sobre ela. A mulher de língua afiada, a pocionista perfeita.
- O que é aquilo?! - questionou alguém perto dela.
Um leopardo prateado adentrou no local, atraindo a atenção de todos.
- O Ministério caiu. Rufus Scrimgeur está morto. Fujam. - disse a voz de Kingsley Shakelbolt através da boca do leopardo.
Por instantes, nada aconteceu.
A seguir, o caos instalou-se.
- Harry. - murmurou Ley.
A Hufflepuff desatou a correr, os sapatos a afundarem-se na relva. A multidão despersava, uns Aparatando, outros procurando as suas famílias para o fazer. Figuras encapuzadas surgiram por todo o lado, as explosões dos feitiços provocando sons ensurdecedores aos seus ouvidos.
- Hermione! - chamou Ashley, correndo na direção da Granger - Onde está o Harry?!
- Não sei! - Hermione agarrou-lhe no braço, os olhos perscrutando preocupadamente a multidão - Ron! Harry!
- Ashley!
A voz de Remus chamou-a à atenção. Os olhos arregalaram-se ao vê-lo correr na direção, seguido de perto por um Devorador da Morte.
- Stupefy! - gritou ela, apontando a varinha.
O feitiço acertou o inimigo no peito, atirando-o ao cheio. Remus sequer olhou para trás, puxando-a contra si para lançar um feitiço atrás dela. O lobisomem obrigou-a a baixar-se contra a mesa mais próxima; Ashley puxou Hermione consigo, que começou de imediato a rastejar pelo chão para procurar Harry e Ron.
- Vai com ela. - ordenou Lupin, puxando-a para um abraço - Procura o Harry e vai com eles.
- Mas Remus, vocês...
- Eu distraio-os. Vai.
Ashley assentiu. Os dois colocaram-se de pé, de costas voltadas, as varinhas em riste.
- Vai!
A mais nova desatou a correr, atirando feitiços a torto e a direito. Os cabelos ruivos de Ron captaram-lhe imediatamente à atenção, bem como a figura de Harry, cuja Poção Pollisuco se esvaíra. Os dois ajoelharam-se e Hermione juntou-se-lhes, os três juntado as mãos.
Ao último segundo, a mão de Ashley pousou na de Harry, Aparatando com eles.
**
Londres saudou-os com a agitação do costume.
- Remus... - murmurou Ashley, atordoada.
- Onde estamos? - perguntou Harry, confuso.
- Na Tottenham Court Road. - respondeu Hermione, ofegante - Andem, continuem a andar, temos de descobrir um sítio onde possam mudar de roupa.
Os três seguiram-na. Os rapazes falavam com Hermione mas Ashley permanecia calada, os olhos perscrutando as ruas, alerta. Da sua pequena mala de missangas, Hermione entregou roupas normais para os rapazes se trocarem, bem como o Manto de Invisibilidade de Harry.
- Como raio é que tu... - começou Ley, impressionada.
- Feitiço de Extensão Indetectável. - respondeu Hermione, atarefada - Não é fácil, mas acho que me saí bem...
A dinâmica dos três era incrível, percebeu Ashley. A Granger era claramente quem punha os rapazes na linha, enquanto Harry ditava o passo a seguir e Ron seria sempre o seu braço direito, disposto a atravessar-se à frente dele caso houvesse um ataque. O estômago de Ley embrulhou-se, pensando nas suas próprias amigas, no seu próprio grupo.
Agora todo separado.
- Vá lá, acho que devíamos continuar. - lembrou Hermione, estendendo um casaco de ganga a Ley - Põe por cima do teu vestido, é mais visível do que o meu.
Ashley assentiu, seguindo-a. Por onde passavam, havia Muggles a conversar e a rir, muitos deles apontando para o estranho grupo que percorria as suas ruas. Um bêbedo meteu-se com Hermione, que soltou um som de repulsa, olhando em volta à procura de um lugar para se sentarem e poderem pensar.
- Olha, isto serve!
Um pequeno café de aspecto desmazelado saudou-os com o silêncio. Era um espaço aberto toda a noite e vazio, o sítio perfeito para se estar quando não se tem para onde ir. Ley torceu o nariz ao olhar para os tampos das mesas, cobertos por uma leve camada de gordura. Ainda assim, sentaram-se, suspirando de alívio ao verem-se menos expostos e com menos frio.
- Sabem, não estamos muito longe do Caldeirão Escoante, fica já ali, em Charing Cross... - começou Ron, sendo imediatamente interrompido por Hermione.
- Ron, não pode ser!
- Não é para nos hospedarmos lá! - protestou o ruivo - É só para descobrirmos o que se anda a passar!
- Nós sabemos o que se anda a passar! Voldemort apoderou-se do Ministério, que mais precisamos nós de saber?
- Pronto, deixa lá, foi só uma ideia!
A Hufflepuff observou o ruivo com suavidade. Ron estava preocupado com a sua família e queria o mais depressa possível saber se estavam todos bem; era perceptível o quanto abandonar a festa do casamento tinha sido difícil para ele. Deixara os irmãos e os pais para trás, mergulhados num conflito que poderia muito bem resultar na morte de um deles. Ashley entendia-o, ela própria preocupada com Remus e Tonks. Com compaixão, estendeu a mão sobre a mesa, ignorando a sujidade e colocando-a em cima da mão de Ron, que corou.
- Eles estão bem, Ron, tenho a certeza.
Dois operários entraram no café, sentando-se na mesa do lado. Enquanto o Trio de Ouro discutia as melhores opções do que fazer a seguir, Ley observava a dupla, com o sobrolho franzido.
Dentro de si, um mau pressentimento instalou-se.
Ron e Hermione tagarelavam entre si, enquanto Harry, coberto pelo Manto de Invisibilidade, fazia o mesmo movimento que Ashley e a dupla da mesa ao lado.
Os quatro ergueram-se, empunhando a varinha.
- Stupefy! - gritou Ashley ao mesmo tempo que Harry.
O feitiço atingiu um deles em cheio na cara, deixando-o inconsciente. O outro ergueu a varinha na direção dela, que se desviou rapidamente.
- Ron! - exclamou, vendo o feitiço atingir o ruivo.
- Expulso! - berrou o Devorador da Morte, fazendo a mesa perto de Harry explodir.
- Petrificus Totalis! - guinchou Hermione, escondida na mesa atrás, atingindo o alvo e deixando-o estendido no chão.
- Diffindo - disse Ley, apontando a varinha para Ron, cujo corpo estava coberto por cordas da cabeça aos pés.
- Obrigado. - resmungou Ron, pondo-se de pé.
- Eu devia tê-lo reconhecido, ele esteve lá na noite em que Dumbledore morreu. - disse Harry, apontando para o Devorador moreno.
A mente de Ashley voou imediatamente para aquela noite. O sangue, a dor, os olhos vazios de Meredith, o desespero de Laurel...
Piscou com força, apoiando o corpo fraco na mesa mais próxima.
- ... Quero lá saber os nomes deles! Como é que eles nos descobriram? - questionou Hermione - O que é que havemos de fazer agora?
- Tranca a porta. - disse Harry, assumindo as rédeas da situação - Ron, apaga as luzes. Ley, vê se a empregada está bem. - apontou para a mulher estirada no chão, que fora atingida por um feitiço de Atordoar.
Ley assentiu, debruçando-se para pressionar os dedos na carótida da empregada. Suspirou de alívio ao sentir a respiração suave mas bem presente da mulher.
- Ela está bem. - anunciou, fitando os olhos verdes do Grinffindor.
- O que é que vamos fazer com eles? - sussurrou Ron, na escuridão - Matá-los? Se pudessem, seria o que eles nos teriam feito a nós...
- Como nós não somos como eles, isso está fora de questão. - afirmou Ashley, com firmeza.
- Só precisamos de lhes apagar a memória. - decidiu Harry - É melhor assim, porque vai despistá-los. Se os matassemos ficariam com a certeza de que tínhamos estado aqui.
- É só por isso que não os matamos? - questionou Ley, surpreendida.
Harry não respondeu. Ron, sentindo a tensão entre os dois Herdeiros, proferiu com alívio:
- Quem manda és tu mas eu nunca lancei um Encantamento de Memória.
- Nem eu tão pouco. - acrescentou Hermione - Mas sei como se faz.
A visão turva de Ley chamou-a à atenção. Enquanto eles tratavam dos Devoradores da Morte e de arrumar o café para não deixar rasto, Ashley sentiu a ligação dentro de si puxá-la pela primeira vez em meses.
Laurel.
A morena fechou os olhos, sentindo-se exausta de repente. As sensações que não lhe pertenciam atordoaram-na, levando-a a escorregar até ao chão.
Dor.
Choque.
Ashley conseguia sentir a energia de Laurel a ser moldada e usada por Voldemort, como se o feiticeiro lhe sugasse lentamente a vida. No seu peito, o calor do medalhão de Ravenclaw queimava-a como se fosse Ashley e não Laurel a tê-lo ao peito. A jóia brilhava com o tom de esmeralda tóxico que Laurel mais odiava, a ligação dentro de si sendo usada para fazer algo abominável que Ley não conseguia perceber.
Era melhor não descobrir.
- Estás bem? - questionou Harry, pousando-lhe a mão no ombro.
Ashley regressou à realidade rapidamente graças ao contacto da pele do Grinffindor na sua. Os olhos âmbar fitaram-no com apreensão enquanto ele a ajudava a erguer-se, o corpo amortecido pela magia que despendera.
Ao fim ao cabo, qualquer ligação tem um preço e entre elas era a sua energia que estava em jogo.
- ... Precisamos de encontrar um esconderijo seguro. - sugeriu Ron, alheio ao que acontecia com Ashley - Para termos tempo de decidir o que fazer daqui em diante.
- Grimmauld Place.
Harry trocou um olhar com Ashley, que sorriu, grata. A casa onde Laurel vivera seria o sítio ideal para recuperar forças e procurar estabelecer a ligação de novo para a encontrar, embora Harry não soubesse nada disso.
- Não sejas disparatado, Harry, o Snape consegue lá entrar!
- O pai do Ron disse que lançaram feitiços contra ele. - disse Harry.
- Mesmo que não funcionem... - começou Ashley, endireitando-se - É só o professor Snape. É apenas um Devorador da Morte e nós acabamos de dar conta de dois.
- Não temos outra opção. - afirmou Harry, sem margem para dúvidas.
Os Herdeiros fitaram Hermione, procurando a sua autorização. Esta limitou-se a estender-lhes a mão.
Juntos, Desaparataram na escuridão, em direção ao nº12 de Grimmauld Place.
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