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Capítulo 84

Assim que sentiu os seus pés assentarem de novo no chão, Meredith soltou o homem com quem Aparatara, afastando-se dele com repulsa.

Anthony Dolohov sequer a olhou, seguindo em frente com passos decididos.

Meredith abraçou-se a si própria, não de frio, mas de nervosismo. Tal como instruída, ali estava ela, a passar o seu primeiro dia de férias na zona mais movimentada de Londres: o Big Ben. Na praça em frente ao grande relógio, os Muggles acumulavam-se em multidões para admirarem um dos monumentos mais conhecidos da Inglaterra, alheios ao perigo que os aguardava.

A feiticeira estremeceu, esperando que a pouca informação que tinha do que iria acontecer fosse o suficiente para a Ordem de Fénix intervir a tempo.

O Devorador da Morte parou em frente ao relógio, o sorriso cruel despontando no seu rosto. Os olhos dele fixaram-se em Meredith, que engoliu em seco, sabendo o que tinha de fazer.

Com um gesto das suas mãos delicadas, os Dementors aproximaram-se, vindos dos céus.

A multidão imobilizou-se, aterrorizada. Os Muggles podiam não ver as criaturas mas sentiam-nas melhor que ninguém, a sensação de medo e infelicidade correndo-lhe pelo corpo como veneno. Desejavam correr, desejavam fugir, desejavam sobreviver.

Enquanto os Dementors deslizavam suavemente entre eles, tudo o que conseguiam fazer era gritar, abraçando-se uns aos outros e chorando.

Dolohov soltou uma gargalhada, atirando um feitiço em direção ao Big Ben. A explosão fez os Muggles acordarem e correrem esbaforidos numa tentativa de fuga, soltando gritos assustados e sentindo a vida fugir-lhes quando um Dementor se aproximava demasiado.

Meredith cerrou os punhos, mantendo o controlo das criaturas. Apenas Voldemort e Laurel, ligados pela Magia Negra, tinham o controlo absoluto das criaturas sem necessitarem do Encantamento que Meredith usava. Ainda assim, era a ela que obedeciam com mais facilidade, reconhecendo nela a frieza e Escuridão de Azkaban.

No final das contas, Meredith Lovelace era a criança nascida entre eles.

O espetáculo de terror continuou por mais algum tempo e a expressão de Meredith permaneceu inalterada enquanto os Muggles sofriam. Dolohov divertia-se a destruir o Big Ben, enquanto Meredith tentava discretamente que os destroços não atingissem ninguém, agradecendo mentalmente a Snape por ter insistido em lhes ensinar feitiços não-verbais nas semanas anteriores.

A Marca Negra surgiu no céu à medida que Dolohov ria histericamente, a varinha apontada para o céu. Meredith olhou em volta, a máscara dos Devoradores da Morte e as suas vestes negras engolindo-a, a esperança de que a Ordem aparecesse desvanecendo-se lentamente. Onde eles estavam? Não era suposto virem quando eram informados de algum ataque?

- Vamos embora. - rosnou o Devorador da Morte mais velho, apertando-lhe o braço com brusquidão.

Meredith assentiu, aguardando de olhos fechados o solavanco habitual que Aparatar provocava. Quando notou a demora, abriu os olhos, a expressão passando de neutra a horrorizada em segundos.

Dolohov soltou uma gargalhada enquanto apontava a varinha a uma criança, que chorava desesperada. A menina perdera-se da mãe no meio do caos e caíra no chão ao ver aquele homem cruel apontar-lhe um pau de forma perigosa.

- O que estás a fazer? - questionou Meredith, colocando-se à frente da menina Muggle sem pensar duas vezes.

- A divertir-me. Sai da frente e desfruta, Lovelace.

Meredith prensou os lábios. Todos os Devoradores da Morte duvidavam da sua lealdade ao Senhor das Trevas pois sabiam da sua amizade com Laurel Ravenclaw, a jovem que roubara o poder do mesmo quando ainda era apenas um bebé, a protetora de Harry Potter. O olhar de aviso de Dolohov permaneceu sobre si, aguardando que ela fizesse a sua escolha.

Lentamente, desviou-se, fechando os olhos e bloqueando o som dos gritos da criança torturada.

**

Poucos dias depois, cheirava a Natal. As luzes iluminavam as janelas de todas as casas, as lareiras aqueciam as salas e as decorações enchiam Londres de cor, contrastando e muito com a situação estranha que se vivia. Pontes caíam, o Big Ben explodia e tudo causado por forças que os Muggles sequer conheciam.

Como é costume do ser humano, quando não se sabe o que é, ignora-se.

O nº12 de Grimmauld Place não era exceção. Ashley amava o Natal e passara os dias anteriores a decorar a casa para torná-la o mais acolhedora possível. Mais uma vez os Diggory tinham-na convidado para passar o Natal com eles mas Ley recusara; ela tinha uma família ali, com Remus e Laurel. Eles tinham uma relação pai-filha peculiar, cuidando um do outro como se não houvesse distinção entre eles. Remus era um excelente pai e tinha um coração gigante, suficiente para cuidar de Ashley e abraçá-la como abraçava a filha, algo que fizera com alguma frequência nos dias que antecederam o Natal.

Outro Natal sem Cedric e Ley nunca sentira tanto a falta do irmão. Juntando ao facto de Meredith estar com os Devoradores da Morte em plena época natalícia, as coisas não estavam a correr lá muito bem para a pequena Diggory.

Sentados ao redor da mesa mais bem decorada de sempre, o silêncio entre eles era confortável e estranho ao mesmo tempo. Os três tinham sido convidados a passar o Natal na Toca e Remus até lá estivera, mas Laurel não falava com Harry Potter desde a discussão entre eles e Ashley não queria estar com muitas pessoas ao mesmo tempo, não fossem perguntar-lhe sobre o paradeiro de Meredith, algo que desconhecia. Por isso ali estavam, a comerem em silêncio, com música de Natal a tocar ao fundo.

Laurel trocou um olhar com Ashley, apontando com a cabeça em direção a Lupin, que fitava o prato com uma expressão estranha no rosto. Parecia alheado e muito longe dali, as bochechas ligeiramente rosadas deixando Laurel ainda mais intrigada.

Ley, que não conhecia o seu antigo professor assim tão bem, encolheu os ombros.

- Pai, estás bem? - perguntou a Ravenclaw, com uma ruga de preocupação a surgir-lhe na testa.

Remus deixou o garfo que tinha na mão cair com o susto. Olhou para cima, encarando a filha e o rosto suavizou-se.

- Desculpem, estava apenas a pensar...

- Aconteceu alguma coisa relacionada com o Quem-Nós-Sabemos? - perguntou Ley de imediato, sentindo o pânico atingi-la ao imaginar Meredith em pânico.

- Não! Ashley, calma, não é nada disso...

- Então? Foi por causa da visita da Tonks? - questionou a Hufflepuff, franzindo o sobrolho.

Laurel ergueu uma sobrancelha, surpreendida.

- A Tonks veio cá de novo?

- Sim, ela esteve aí à tarde quando tu estavas... - Ley fez uma pausa, esboçando um sorriso - No quarto do teu pai.

A Ravenclaw baixou os olhos, recusando-se a encarar Remus. Aquele fora o seu presente de Natal: ganhar coragem para entrar no quarto de Regulus Black. Fora uma visita curta, onde Laurel pode ver a vassoura do pai, que fora um grande Seeker, uma fotografia da mãe e pouco mais. Regulus era um mistério e o seu quarto não lhe dava muito mais informações do que as que já tinha. Ainda assim, trouxera uma camisola negra antiga dele, que guardara no seu quarto e esperava um dia usar.

Pela primeira vez, tinha algo que pertencera ao seu pai e só isso já a confortava.

- O que a Tonks queria? - perguntou Laurel, avaliando pelo canto do olho o rosto de Remus.

Lupin era excelente a esconder emoções... Exceto da filha. Por isso, limitou-se a abanar a cabeça, recusando-se a responder. Ashley, que já vira o lobisomem com a Auror algumas vezes, soltou uma risadinha.

- Gostas dela? - perguntou Laurel, de chofre.

- Laurel! - exclamou Remus, ruborizado - De onde raio tiraste essa ideia?

- Se achas que eu não vou aprovar por ser tua filha e vir a ter ciúmes...

- Eu não gosto da Nimphadora e mesmo que gostasse... - Lupin suspirou, passando a mão no rosto cansado e coberto de cicatrizes - É muito mais nova do que eu e ninguém deve viver a vida ao lado de um... De um...

- Nem te atrevas. - avisou Laurel, cerrando os punhos.

Monstro. Remus Lupin diria monstro.

- Eu vivi contigo e vivi muito bem. - prosseguiu a Ravenclaw, respirando fundo e acalmando-se - És a melhor pessoa que conheço, pai. Se alguém merece ser amado és tu.

A mais nova continuou a comer como se nada fosse mas Remus permaneceu estático, observando a filha.

A sua menina.

A filha de Cora.

Remus estivera por tanto tempo apaixonado pela Ravenclaw que nunca sequer se dera a oportunidade de amar outra pessoa. Primeiro, fora a esperança de que Cora o visse como mais do que o seu melhor amigo e confidente; depois, pelo amor insano que sentia por ela; por fim, pelo coração partido que ficara a bater no seu peito quando ela morrera e lhe entregara a filha.

A filha de Cora com Regulus.

Então viera Nimphadora. A metamorfaga. A Auror inteligente e divertida que o desconstruía, que lhe destruía as barreiras com a sua boa disposição e sorriso simpático. Tonks recordava-o dos tempos em que quebrava as regras com James, Sirius e Peter, os tempos em que a sua doença era tratada com amizade e brincadeira. Laurel nunca conseguira tornar-se uma Animagu devido à sua magia instável e Remus nunca lho exigira; era ela quem cuidava das suas feridas depois, quem o amava antes, durante e no final de cada Transformação.

Lupin suspirou. Gostar de Tonks estava fora de questão, não importava a opinião de Laurel, embora não conseguisse deixar de sorrir. A sua filha aprovava a Auror. Isso já era qualquer coisa.

- Senhora! - gritou Kreacher, no piso inferior - Senhora!

- Kreacher?

O elfo doméstico Aparatou à porta da sala de estar com um estrondo maior do que deveria ter acontecido. Ashley pôs-se imediatamente de pé, o rosto iluminando-se ao ver quem estava com o elfo mas não teve tempo sequer de se mexer ou de abrir a boca.

Meredith Lovelace caminhava a passos furtivos em direção a Remus, apontando-lhe a varinha ao nariz assim que se colocou à sua frente.

- ONDE ESTAVAM?! O QUE RAIO PENSAM QUE ESTÃO A FAZER?!

- Meredith, o que se passa?! Não devias estar aqui! - exclamou Laurel, colocando-se ao lado do pai de forma protectora - Baixa a varinha antes que aconteça alguma coisa...

- Põe-te fora disto, Laurel. - rosnou a morena, fora de si - Eu avisei a Ordem do ataque ao Big Ben, Lupin e ninguém apareceu. Porque não vieram?

- Meredith, têm havido ataques em todo o país nos últimos dias e nós somos poucos...

- E eu tenho-vos avisado de vários e nunca aparecem! Nunca! Eu avisei-vos deste ataque, eu avisei e ninguém foi! Porquê?! E agora estás aqui, a desfrutar do Natal?! Uma criança foi torturada à minha frente por causa da vossa incompetência!

- E tu deixaste? - perguntou Ashley, com suavidade.

Meredith olhou-a como se nem a reconhecesse. Ley deu um passo atrás, sentindo o veneno em cada palavra da Lovelace, que se virara para ela, a varinha ainda em riste.

- Achas que eu posso impedi-los? Ou são eles ou sou eu e as pessoas que amo, Ashley. Achas que eu tive escolha?! - soltou uma risada debochada, os cabelos negros caindo de forma rebelde pelas suas costas, as madeixas rosa-choque contrastando com as suas vestes esmeralda - De que serve estar a fazer jogo duplo se não estou a ajudar ninguém?! - virou-se para Laurel, cuja expressão não se alterara em nenhum momento - Qual era o teu objetivo, Laurel?! Quer dizer, eu estou lá a fazer o teu trabalho sujo, a minha namorada vai muitas vezes para o campo de batalha enquanto tu ficas aqui sem fazer nada...

- Não estás a ser justa, Meredith. - protestou Ley - A Laurel não pode correr esse risco e tu sabes disso. Se Voldemort a apanha e a força a entregar-lhe a magia...

- Isso é uma desculpa! Uma desculpa! Não passas de uma cobarde, Laurel Ravenclaw. - rosnou Meredith, cerrando os punhos- E a Ordem é uma cambada de incompetentes! Vocês não estão a ajudar ninguém!

- Estamos a fazer o que podemos... - tentou Lupin, sendo imediatamente cortado por Meredith.

- E tu ainda te atreves a defendê-la?! - questionou à namorada, que recuou mais um passo, afastando-se dela - Como podes ser tão cega?!

- Meredith, chega. Estás a assustá-la. - disse Laurel, aproximando-se de Ashley - Ley, estás a ouvir-me?

Não estava. Ashley não estava a ouvir ninguém.

A sua mente vagueara, prendendo-se a uma memória distante e sombria.

- Pareces ela. - murmurou, olhando para Meredith.

A Lovelace olhou-se no pequeno espelho pendurado na parede. Empalideceu, sabendo exatamente de quem Ashley falava e quem via ao olhar para ela.

Os olhos raivosos.

A boca numa expressão de escárnio.

Os cabelos negros tempestuosos.

Susteve a respiração, encarando a namorada, que tremia.

Amanda Lovelace.

A mulher que quebrara a mente de Ley.

- Ley... - chamou, a raiva dissipando-se ao ver a expressão vazia da outra.

- Fica longe de mim... - sussurrou a Hufflepuff, correndo dali para fora o mais rápido que pode.

Laurel lançou um olhar frio a Meredith, que se encolheu. Os olhos safira trepassaram-na, acusadores, prendendo-se por fim na Marca Negra, exposta pela manga subida do seu vestido.

- Feliz Natal, Meredith. - disse a ruiva, com escárnio.

E virou-lhe as costas, abandonando o aposento.

Por instantes, Meredith permaneceu imóvel, sem saber o que fazer. A voz de Remus fez-se ouvir, cansada e genuinamente desapontada com ela:

- Estamos todos a fazer o que podemos, Meredith. Foste tu que quiseste estar do outro lado, ninguém te obrigou, tal como ninguém te obrigou a Obliviares o teu pai e afastá-lo daqui.

Meredith arregalou os olhos, surpreendida.

- C-Como...

- Matthew foi meu amigo em Hogwarts, Meredith. Quando lhe escrevi depois da nossa conversa em Setembro, ele mostrou-se muito surpreendido quando lhe disse que a filha estava bem. - Remus fez uma pausa, avaliando-a - Ele não fazia ideia que tinha uma filha. Era mesmo necessário, Meredith?

- Voldemort não brinca em serviço, Remus. - disse a Lovelace, sem remorsos - Se eu falhasse, era o meu pai que pagava o preço. Eu só não me afasto de Ashley porque a Laurel existe. Elas estão ligadas de uma maneira impossível de quebrar e sei que nunca vou conseguir afastá-la do que está por vir, nem mesmo com o mais poderoso Obliviate. A ligação entre os Herdeiros é do mais poderoso que há. - fez uma pausa, sentindo as lágrimas subirem-lhe aos olhos - A única forma que tenho de a proteger é ser a melhor Devoradora da Morte que Voldemort tem e é exatamente isso que pretendo.

Tentou engolir as lágrimas, em vão. Antes que pudesse afastar-se, os braços gentis de Remus envolveram-na, dando-lhe o local seguro para chorar o que tinha para chorar.

A maldade.

A tortura.

O som dos gritos da criança.

Meredith soluçou contra o peito de Remus, que a apertou com mais força. Suspirou, erguendo os olhos para o alto.

O que ele não daria para proteger aquelas três jovens.

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