Capítulo 76
Laurel fechou os olhos. Os dedos dos pés remexeram-se suavemente, na expectativa. Inspirou profundamente, os punhos cerrados, a cabeça erguida.
A Magia Negra dentro de si fervilhava, ansiosa.
Devagar, relaxou os punhos, os dedos esticados em direção ao chão e os olhos abertos.
Os seus pés flutuavam, com fumo negro em seu redor, levitando.
Aquela era uma habilidade que se revelara após a morte de Sirius. Apesar de ser característico de Voldemort, Laurel não podia deixar de ver que voar poderia vir a ser útil e, portanto, praticara todos os dias durante as férias de Verão até finalmente conseguir controlar minimamente.
Usar a magia Negra de Voldemort dava-lhe prazer mas nunca diria isso em voz alta.
Ao entrar na sala, Kreacher soltou um grito, deixando a chávena que tinha na mão cair ao chão com estrondo.
- Kreacher! - Laurel desceu imediatamente, os pés pousando no soalho velho da casa dos Black - Estás bem?
O velho elfo fungou, à beira das lágrimas. Desde que soubera ter traído a filha de Regulus Black, vivia a lamentar-se pelo nº12 de Grimmauld Place. O susto de ver Laurel usar aquele feitiço estava espelhado na sua expressão, os olhos fitando-a, amedontrados.
- Senhora ser gentil... Senhora não poder parecer o Senhor das Trevas... - murmurou ele, apanhando os cacos do chão - Senhora não poder ser igual a ele...
- Desculpa, Kreacher. - pediu, ajoelhando-se para o ajudar.
- Senhora não pedir desculpa, Kreacher ser um elfo muito mau... Senhor Regulus ficar muito desapontado com Kreacher se soubesse o que Kreacher fez.
Laurel abanou a cabeça, fitando a criatura com pena. Kreacher fora, de alguma forma, responsavel pela morte de Sirius, pois fora ele que transmitira informações pertinentes a Narcisa Malfoy. A mulher, que Laurel estimara por breves instantes, transmitira por sua vez a Voldemort. Tudo fora um esquema para apanhar Harry e Sirius tinha sido quem sofrera as consequências.
- Eu não te culpo, Kreacher. - disse Laurel, com gentileza - Usaram-te para os seus propósitos. Sirius devia ter-te tido mais em conta...
O som da porta da rua a abrir interrompeu Laurel, que se pôs alerta. Todos os dias esperava que algum Devorador da Morte achasse o Quartel-General da Ordem de Fénix e entrasse por ali adentro, pronto para atacar.
Remus subiu as escadas, cansado. Uma figura colorida e de cabelos no ar surgiu ao seu lado, o sorriso surgindo no seu rosto ao ver a melhor amiga no cimo das escadas.
- Oi Lau. - saudou Ashley, correndo para abraçá-la.
Laurel retribuiu o abraço com alegria. Com os Weasley de volta à Toca e os membros da Ordem em missão, Laurel passava vários dias sozinha, tendo sido proibida por Remus de sair de casa ou ajudar nas missões.
Ashley, órfã de pai e mãe, podia fazer parte da Ordem se quisesse, apesar de Mrs. Weasley ter discordado vivamente daquela decisão (algo que pusera a doce Ashley quase a chorar de emoção por ter uma mãe como Molly a preocupar-se consigo).
- O que fazes aqui? - perguntou a ruiva, afastando-se dela.
- Meredith está em missão para os Devoradores da Morte e Remus escreveu-me a dizer que precisavas de companhia. - encolheu os ombros, mostrando a sua bagagem - Sei que falta apenas uma semana para regressarmos a Hogwarts mas...
- É o suficiente! Anda, estou no quarto de Sirius e Remus no dos hóspedes...
A voz esmoreceu ao passar pelo quarto de Regulus Black, o qual ainda não tinha tido coragem de entrar, apesar da curiosidade.
R.A.B.
As iniciais do seu pai.
Era estranho; Regulus era um mistério para ela, um puzzle composto por peças muito diferentes. Para Cora, o Black mais novo era o homem mais corajoso que conhecera. Para Sirius, o lambe-botas da família, o menino perfeito dos Black. Para Kreacher, o mestre mais gentil que já servira.
Para Remus, o homem que recebera o coração da mulher que amava.
- Está tudo bem? - perguntou Ley, fitando-a com o sobrolho franzido.
Laurel assentiu, notando que ficara parada a encarar a porta do quarto de Regulus durante demasiado tempo. Com um suspiro pesado, prosseguiu caminho, guiando Ashley até ao antigo quarto de Sirius.
- Podes pôr aí as tuas coisas...
- Meredith, não devias estar aqui... - disse Remus lá em baixo, para surpresa de ambas - Se alguém te seguiu...
- Remus, eu preciso falar com a Laurel... É urgente...
- Mer? - sussurrou Ley, correndo pelas escadas abaixo.
Meredith Lovelace parecia ter saído diretamente de um pesadelo. A expressão lívida e o rosto mais pálido do que o normal tiravam-lhe a sua beleza característica, os cabelos negros presos sem graça num rabo de cavalo desajeitado. Os olhos negros buscaram o rosto de Ashley quase que de imediato mas pouco ou nada o encararam, demasiado tempestuosos e envergonhados para isso. Laurel foi onde Meredith se focou, como se a Ravenclaw fosse a única que alguma vez compreenderia o que a Lovelace estava a viver.
- Tenho más notícias. - anunciou, adentrando o corredor.
- QUEM ESTÁ AÍ?! - berrou Walburga Black, o quadro hediondo da mãe de Sirius escondido pelo pano mais negro que havia na casa - TRAIDORES DE SANGUE NA MUI HONROSA CASA DOS BLACK?!
- Cale-se, avó. - resmungou Laurel, fazendo sinal aos restantes - Vamos até à sala. De certeza que não foste seguida?
- Absoluta.
Ashley deixou-se ficar para trás, confusa. Tinham passados poucos dias desde que Meredith fora ao encontro dos Devoradores da Morte e Ley ficara preocupada com a namorada todos eles. A Lovelace, muito pelo contrário, sequer parecia ter notado a presença da Diggory na sala, algo que a incomodava. Remus, notando a hesitação da jovem, virou-se para a encarar, com alguma compaixão no rosto coberto de cicatrizes.
- Não é fácil fazer o jogo que a Meredith está a fazer, Ashley. Ser um Devorador da Morte requer mais do que apenas uma tatuagem no antebraço. Não quero nem imaginar o que Meredith teve de fazer nestes últimos dias.
Vergonha. Era isso que Remus estava a salientar. Meredith não a olhava por vergonha.
- O que aconteceu? - ouviu Laurel perguntar na sala de estar, deixando-a curiosa o suficiente para adentrar o aposento junto de Remus.
- Laurel... Não sei como te vou dizer isto...
Laurel prensou os lábios, analisando com minúcia o rosto da amiga. Uma breve noção do que Meredith lhe queria dizer assolou-lhe a mente, trespassando-lhe o coração como facas afiadas.
- Draco. - foi tudo o que disse, pousando as mãos na mesa para não cambalear.
A Lovelace assentiu.
- Draco foi iniciado.
- Ele é demasiado novo... - começou Remus, calando-se ao ver a expressão incrédula de Meredith.
- E eu sou o quê?
- Uma exceção...
- Draco está a pagar pelo erro do pai. - explicou Meredith, fitando Laurel - Lucious Malfoy falhou na sua missão; Draco tem de compensar isso se quiser manter a família segura. Não sei qual é a missão, Voldemort não mencionou isso à frente do grupo todo e Draco, por incrível que pareça, tem praticado Oclumancia suficiente para me impedir de lhe ler a mente...
- Snape. - interrompeu Laurel, pensativa - Snape tem-lhe ensinado Oclumancia, como tentou fazer com Harry no ano passado.
- Põe tentar nisso... - murmurou Ashley, recordada das várias que Harry reclamara das aulas de Snape.
- Por falar nesse seboso... - Meredith estalou a língua, fitando Remus - Alguém sabia que ele é um Devorador da Morte?
Laurel assentiu, encolhendo os ombros.
- Claro que sim. É o único que chama "Senhor das Trevas" a Voldemort, algo que tu devias começar a praticar, Mer. Snape trabalha como agente duplo para Dumbledore.
- Como é que sabes isso? - questionou Ashley, intrigada.
A Ravenclaw olhou para ela com uma expressão divertida, fazendo Meredith revirar os olhos.
- Ainda perguntas como é que ela sabe as coisas? - questionou, com deboche - Tem um dedo que adivinha, só pode.
- Meredith, tenta descobrir que missão é essa que Draco tem, por favor. - pediu Remus, olhando para as três adolescentes à sua frente - A missão de Lucious era de extrema importância, só podemos crer que a de Draco também seja para compensar o erro do pai.
- Alguma ideia do que possa ser? - perguntou Ashley a Laurel, que parecia não a escutar - Lau?
Laurel pestanejou, perdida em pensamentos. Draco Malfoy. O rapaz que a beijara no comboio e nunca mais lhe dissera nada, sequer uma carta.
Ela sempre soubera que ficariam em lados diferentes na guerra mas quando os sentimentos se misturam...
- Não, nenhuma ideia. - respondeu, esfregando o rosto - Talvez consiga descobrir quando regressarmos a Hogwarts...
Não continuou. Não conseguia.
- Vais ficar connosco? - perguntou Ashley a Meredith, esperançada.
A Lovelace negou, incapaz de a encarar.
- Preciso só de ir à casa de banho... - murmurou, virando-lhe as costas.
Ashley engoliu em seco.
O tempo delas estava prestes a acabar, percebeu.
**
Meredith encarou o seu reflexo no espelho, sem se reconhecer.
O sangue de Veela que lhe corria nas veias impedia-a de ser feia fosse como fosse mas, se se olhasse com atenção, notar-se-ia as diferenças entre a Meredith antes de Voldemort e a Meredith depois.
Os seus olhos estavam vazios.
O seu cabelo estava baço.
O seu batom vermelho contrastava em demasia com a palidez da sua pele.
Alguém bateu à porta da casa de banho, sobressaltando-a.
- Sim?
- Sou eu. - disse Remus, do outro lado - Está tudo bem?
Meredith suspirou. Não estava. Claro que não estava.
- Sim. - respondeu, abrindo a porta com o seu melhor sorriso - Está tudo bem, não te preocupes.
- Tens falado com o teu pai?
- Não, ele foi para os Estados Unidos por... Uns tempos.
Remus observou-a atentamente.
- Mandaste-o embora?
- O meu pai não é um lutador. - explicou Meredith, tranquila - E ainda por cima é considerado um traidor de sangue. Pedi-lhe que ele fosse ter com alguns primos nossos na América para o manter fora disto tudo. Às vezes sou eu mais mãe dele do que ele meu pai. - confessou, sem qualquer vergonha nisso - Preciso que ele esteja seguro.
- O que Voldemort te obrigou a fazer? - perguntou Lupin, de chofre.
A Lovelace fechou os olhos, tentando a custo bloquear as memórias. Os gritos. A morte. O sofrimento.
- Matar Muggles. - respondeu, num sussurro - Não tive de o fazer, Snape estava comigo... É por isso que sei que ele é um agente duplo. Ele... Ele matou por mim... - Meredith estremeceu, engolindo o choro - Mas eu torturei. Eu torturei e Snape matou.
Remus encarou-a, chocado. Meredith era demasiado nova para estar exposta a tais atrocidades mas ali estava ela, por vontade própria e sem que ninguém a conseguisse impedir.
- Na próxima vez sei que terei de o fazer... Snape não vai lá estar sempre para me proteger...
- Não és uma assassina. - afirmou Lupin, ultrajado.
- Não é a parte de matar que me incomoda, Remus. - confessou ela, envergonhada com as suas palavras - É quem... Quem fica...
Não foi capaz de continuar. Com um soluço, desabou a chorar como nunca fizera antes, sendo imediatamente amparada pelos braços de Remus Lupin, que a abraçou com o mesmo carinho que abraçava a filha.
- P-Por f-avor.. Não conte a Laurel... Nem a... A...
Ashley.
O que pensaria Ashley dela?
- Não vou contar nada, Meredith. Prometo.
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