Capítulo 138
Meredith pressionou a ferida com força, sentindo-se sufocar.
Ao seu redor, a Batalha continuava. Muitos Devoradores da Morte caíam por terra, a ajuda dos elfos domésticos e dos centauros equilibrando a balança e dando ao lado do Bem uma chance real de vencerem. Ao longe, Ashley corria, procurando Laurel Ravenclaw, carregando a adaga das Lovelace consigo. A dor nos seus olhos âmbar quando deixara Meredith para trás era quase palpável, dilacerando o seu coração à medida que ela se afastava.
A morena dos lábios vermelhos apoiou-se na parede mais próxima, escorregando até ao chão. A ferida doía-lhe horrores; a pata da maldita aranha tinha atravessado qualquer coisa vital, pela quantidade de sangue que dali emanava. Não se iria safar. Sabia disso. Encostou a nuca para trás, sentindo a parede fria arrepiar-lhe a pele.
Sentia-se satisfeita. Morreria com honra, no meio de uma Guerra onde tantas pessoas boas tinham dado a vida para proteger outras. Ela era apenas mais uma. Tinha salvo Ashley, a mulher que amava.
Fizera a coisa certa.
Gemeu de dor, sentindo uma maior dificuldade em respirar sem sofrer. O corpo fraquejava, a visão turva fitando o teto do Salão Nobre, onde um dia houvera estrelas a brilhar. Quando Hogwarts era bela e mágica, a noite estrelada fazia-lhes sempre companhia ao jantar. Agora, havia zonas que nem teto tinham, a tempestade negra no céu despenteando-lhe os cabelos. Estava exausta.
Fechou os olhos, sentindo o coração bater descontrolado contra o peito.
- Meredith.
As pálpebras abriram-se, pesadas. Com a visão turva, fitou o que pareceu ser o seu próximo reflexo, os olhos negros faiscando com uma fúria gélida.
- Nem te atrevas a morrer hoje. - rosnou Amanda Lovelace, pressionando-lhe a ferida - O que aconteceu?
- Aranha. - respondeu, fracamente.
Amanda assentiu, dardejando-lhe o corpo com os olhos. Os braços frios da mãe sustentaram-na, colocando-a no seu colo como se fosse uma criança. Meredith engoliu em seco, sentindo uma rajada de emoções assolá-la. Nunca tivera colo de mãe. Matthew, por muito presente que se esforçasse para ser, nunca lhe dera colo.
Agora, a sua mãe abraçava-a, pela primeira e última vez.
- Mantém-te acordada, Meredith. - ordenou a mulher, retirando a sua varinha do bolso - Ouviste?
- Eu... Não... Consigo...
- Olha para mim. - as unhas de Amanda cravaram-se nas suas bochechas, forçando-a a olhar para ela - Aguenta. Tens de aguentar, está bem?
- Deixa-me ir...
Amanda abanou a cabeça. Palavras incompreensíveis saíam dos seus lábios, a ponta da sua varinha brilhando à medida que a Devoradora da Morte tentava curá-la. Praguejou, irritada, vendo que a ferida continuava a sangrar, a hemorragia cada vez mais espessa e intensa. Meredith gemeu, as dores assolando-a impiedosamente.
- Porcaria de veneno. - rosnou a Lovelace mais velha, baixinho - Meredith, aguenta mais um pouco. As aranhas da Floresta Proibida têm um veneno extremamente potente... E letal. Eu... Preciso de tempo... Por isso aguenta, está bem?
- Porque... É... Que... - Meredith tossiu, um fino fio de sangue escorrendo pelos seus lábios à medida que o veneno se espalhava pelo seu corpo - Porque é que te importas?
A mulher encarou-a, as feições mordazes e impiedosas de uma mulher Lovelace suavizando à medida que observava o rosto pálido da filha.
- És uma Lovelace, queridinha. - respondeu, num tom de deboche demasiado forçado para ser convincente - Uma Lovelace nunca perde, não foi esse o argumento que apresentaste para me pôr do teu lado? Vais sair vitoriosa hoje, Meredith. Vais vencer. Como uma verdadeira Lovelace.
Meredith esboçou um sorriso leve, o rosto distorcendo-se numa careta de dor. Estava frio. Sentia-se tão cansada. As pálpebras pesavam; ela só queria descansar.
- Meredith. - chamou Amanda, batendo-lhe nas faces - Meredith! Filha, por favor, aguenta...
Algo trespassou os olhos de Amanda, algo que Meredith só viria a entender mais tarde. Uma decisão estava expressa no rosto da mãe, a sua varinha caindo no chão à medida que ela a soltava, a mão livre acariciando o rosto da filha num gesto de carinho que nunca tivera.
O tempo parara para elas. À sua volta, a Batalha continuava. Os seguidores de Voldemort caíam um por um, a Luz triunfando sobre as Trevas e o Medo. Ao longe, o Senhor das Trevas soltava um grito de fúria ao ver Bellatrix Lestrange morrer às mãos de Molly Weasley, que defendera os seus filhos com unhas e dentes.
Meredith sentia-se bem. Leve. Estava amparada pela mulher que lhe dera à luz, morria porque quisera proteger a mulher que amava. Em breve, Laurel faria o que tinha de ser feito e Harry daria o golpe final, matando Voldemort de uma vez por todas.
- Domine, finis est, Divinitas... Ire: date eam quae ignorabam interrogabant me...
Franziu o sobrolho, procurando escutar as palavras que Amanda dizia. Uma brisa gélida envolveu-as, arrepiando a pele já fria de Meredith, um frio que em nada era natural. O sangue dentro de si crepitou, a respiração ficando presa no seu peito. Cerrou os punhos, procurando focar a sua atenção em Amanda, cujos olhos se tinham fechado, o rosto perto do seu e os lábios cantando palavras incompreensíveis.
- A vita... Nam vita sua mine... equidem...
Havia algo errado. Meredith ofegou, sentindo a ferida no seu abdómen queimar. Amanda abrira os olhos, fitando a filha sem qualquer emoção no rosto, as pupilas dilatadas misturando-se com o negro dos seus olhos. Uma aura negra envolvia-a, como se a sua sombra se tivesse erguido e a abraçado. A Lovelace mais velha acariciou-lhe o rosto, os lábios cor de vinho terminando o que começara:
- Domine. End. divinitatem... Mors.
Meredith gritou, o corpo como se tivesse em chamas. No meio da dor, fechou os olhos, a mente mergulhando fundo num abismo escuro e doloroso.
**
Quando abriu os olhos, sentiu o corpo ceder, os braços segurando fracamente um corpo.
Um gemido fê-la pestanejar. Meredith soltou um grito, abanando a cabeça num misto de incredulidade e horror.
- Não... Não... Amanda, o que fizeste?!
A Lovelace mais velha sorriu, os dentes avermelhados do sangue que lhe enchia a boca. Engasgou-se, o corpo pálido estremecendo à medida que a dor a consumira, dor essa que Meredith sentira poucos segundos antes.
Amanda trocara de lugar com ela.
- Como...? - sussurrou Meredith, sem compreender.
- Eu... Sei... Magia Negra... Muito mais do que Voldemort... Alguma vez soube. - respondeu a mãe, com um sorriso leve de deboche no rosto - Usei-a... Para... O bem. Em... Que... Raio... Me... Tornei?
Meredith soltou uma risada vazia, abraçando o corpo da mãe, a qual agonizava. O cabelo negro de Amanda caía sem vida pelos seus ombros, as mãos junto da ferida sem pressionar. Já não tinha forças para isso. Tossiu, o sangue escorrendo pelo seu queixo abaixo livremente.
A sua filha fitou-a, os olhos negros marejados de lágrimas. Tal como Amanda, era raro chorar. Era uma fraqueza à qual nunca queria ceder, um lado que sabia ter puxado da mãe, já que Matthew era um homem de emoções e sentimentos nato. Agora, ela chorava, as lágrimas escorrendo dolorosamente pela face abaixo, caindo no peito da mãe.
- AMANDA!
O grito de Matthew foi o suficiente para que o coração de Meredith se despedaçasse de vez. O Lovelace corria por entre os escombros e a Batalha, atirando-se de joelhos ao chão ao ver a mulher caída nos braços da filha. Os olhos cor de amêndoa de Matt encheram-se imediatamente de lágrimas, as mãos segurando as de Amanda sem se importar com o sangue que carregavam.
O rosto de Amanda iluminou-se ao vê-lo. Pela primeira vez, não havia máscaras ou farsas. Era apenas Amanda, a jovem que se apaixonara por um Huffepuff, a mulher que tinha a sua filha a ampará-la e o marido a sorrir-lhe, um sorriso fraco mas genuíno.
- Eu... Salvei... A... Nossa... - Amanda fez uma pausa, procurando ar para falar - Menina...
- Não fales, meu amor. - murmurou Matthew, abanando a cabeça - Está tudo bem. Tu vais ficar bem.
- Eu... Eu... Amei... Te... Sempre...
- Eu sei, Ames. Também nunca parei de te amar.
- Eu... Não... Posso... Fugir... Contigo... - Amanda sorriu, um sorriso quente, os olhos negros brilhantes de emoção pela primeira vez desde que Meredith a conhecia - Desculpa, Matt.
Matthew abanou a cabeça, incapaz de responder. A mulher caída tossiu, o corpo fraco sacudindo violentamente com o movimento. Meredith segurou-lhe a cabeça com delicadeza, amparando-a. As duas Lovelace fitaram-se, o reflexo uma da outra. Os lábios cor de vinho de Amanda curvaram-se, um sorriso maternal desenhado no seu rosto.
- És mil vezes melhor do que qualquer uma das Lovelace que já existiu, filha.
Meredith assentiu, beijando o topo da cabeça da mãe. Não a conhecera realmente, nada sabia sobre o seu passado ou sobre a sua verdade. Apenas sabia que, à sua maneira distorcida e insana, Amanda protegera-a sempre. A mulher que faria tudo pela sua própria sobrevivência trocara a sua vida pela dela.
- Obrigada... Mãe.
Amanda sorriu. Nos braços da filha, de mãos dadas com o homem que amava, Amanda Lovelace soltou um último suspiro, rendendo-se ao chamamento da Morte.
**
Matthew chorava.
Soluços violentos acometiam o corpo do Lovelace, o rosto escondido nas roupas de Amanda. Sempre tinham sido um contraste: Luz e Trevas, Emoção e Apatia, Amor e Dor. Muito como Meredith e Ashley.
A jovem Lovelace passou o corpo da mãe para o colo de Matthew, que sequer olhou para a filha. Não por maldade ou por não se importar; por muito que lhe doesse, para Matthew era muito mais doloroso. Meredith não conhecera Amanda. Conhecera a história de uma Devoradora da Morte extremamente leal e devota ao radicalismo de Voldemort, fora torturada pela mulher insana que escapara de Azkaban para a matar, lidara com ela quando se tornara uma Devoradora da Morte. No fundo, nenhuma delas se conhecia.
Meredith amara-a porque Amanda era sua mãe. Matthew escolhera-a, amara-a por sua escolha e acreditara nela até ao fim porque a conhecia. Era um dos poucos que realmente a conhecia, pelo que Meredith sabia.
Pôs-se de pé, despindo o casaco negro que vestia e cobrindo o corpo de Amanda, deixando apenas a sua cabeça de fora. Com pesar, apertou o ombro do pai, sentindo quão quebrado ele estava. Endireitou-se, as roupas encharcadas de uma mistura do sangue das duas Lovelace.
Ergueu o olhar. Uma última lágrima escorreu pelo seu rosto, sem conseguir sequer pensar na gratidão que sentia para com a mãe. Amanda dera a vida por ela.
Uma troca.
Meredith caminhou por entre os escombros, deixando Matthew e Amanda para trás. Os olhos negros prescurataram o castelo, procurando quem terminaria com aquela Guerra.
Na varanda do castelo, Laurel Ravenclaw fitava o céu, os olhos safira decididos. Ao seu lado, Ashley Hufflepuff fechara os olhos, a mão direita entrelaçada na mão esquerda de Laurel.
Na mão direita da ruiva, a adaga das Lovelace resplandescia, letal.
Meredith soltou um suspiro longo, sentindo o vento frio que envolvia Hogwarts arrepiar-lhe a pele.
No centro de tudo, Voldemort e Harry enfrentavam-se pela última vez, as varinhas empunhadas.
O Rei Negro morre esta noite.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro