Capítulo 128
A perspetiva que se tem da vida muda muito quando sabemos que vamos morrer.
No meio de uma Guerra, ciente do que tinha de fazer, Laurel sequer pensara no valor que a vida realmente tinha.
Cada passo que dava era sentido. Cada fôlego era preenchido, cada toque era prolongado.
Passava os olhos pelos rostos das pessoas que amava com lentidão, memorizando-os. As covinhas nas bochechas de Ashley quando ela sorria. O pequeno sinal no queixo de Meredith. A forma como Harry franzia o sobrolho quando estava preocupado.
A sua mente vagueou, seguindo o seu coração, que apenas batia por uma pessoa. As saudades que tinha dele ardiam-lhe no peito, misturando-se com a preocupação que sentia ao não saber onde estava e se estava vivo. Era uma cacofonia de emoções que ela tinha de soterrar, na sua melhor tentativa de ser apenas racional e focada no seu objetivo.
- Harry, o diadema de Ravenclaw está na Sala das Necessidades mas, para lá entrares, precisas saber a sua história ou a Sala não se vai materializar como necessitas. Vai até à Torre dos Ravenclaw, no último piso. A Dama Negra vai dizer-te tudo o que precisas saber; diz-lhe que fui eu que te enviei...
- Onde é que tu vais?
Laurel trocou um olhar com as suas amigas, que assentiram, em sintonia.
- A Ordem da Fenix está aqui. Antes que a Guerra comece, eu preciso ver a minha família. Eu preciso ver o meu pai. - afirmou, com os olhos marejados - Para além disso, preciso encontrar o Draco.
- Ainda não ultrapassaste esse idiota? - questionou Meredith, revirando os olhos.
Laurel encolheu os ombros, com um sorriso traquina.
- Estou noiva dele por isso... Não, acho que não.
Harry engasgou-se.
Meredith arregalou os olhos.
E Ashley sorriu, tranquila.
- Noiva?! - berrou Meredith - Tu só podes estar a gozar!
- Harry, vai. - pediu Laurel, com suavidade.
O Grynffindor assentiu, correndo. Perto do virar da esquina, chocou com Ron e Hermione, cujos olhos castanhos se arregalaram ao ver Laurel. A Ravenclaw acenou-lhe, vendo a sua primeira amiga acenar-lhe de volta, emocionada. Ao seu lado, Ron ergueu o polegar, fazendo-a rir. Juntos, o Trio de Ouro seguiu em frente, deixando o Trio de Diamante para trás.
- A Ordem está a entrar pela Sala das Necessidades, há uma passagem que leva à Cabeça de Javali, em Hogsmeade. - contou Ashley, enquanto andavam.
- O dono é o irmão de Dumbledore. - continuou Meredith, esperando a reação da ruiva - Aberforth Dumbledore.
Laurel pestanejou, nada surpreendida.
- Aberforth? Não sabia que ele era o dono da Cabeça de Javali.
- Mas sabias que Dumbledore tinha um irmão?
- Claro. Todos nós temos família, porque o meu avô não teria?
Meredith trocou um olhar com Ley, que encolheu os ombros.
- Lá isso é verdade.
A vida tem outro sabor quando sabemos que já não vai durar muito tempo. Sabe a saudade, a mousse de chocolate, a gargalhadas a ecoar pelo corredor. Sabe a tardes passadas na biblioteca, à sensação dos pingos da chuva a caírem na sua pele, a beijos troca dos numa sala que ninguém encontra.
Sabe a casa, a floresta, a gratidão.
Remus Lupin encontrava-se na Sala das Necessidades rodeado de Weasley's. Havia uma algazarra entre eles à medida que os últimos membros da Ordem chegavam, incluíndo Percy Weasley, o único filho dos Weasley que escolhera o lado do Ministério ao invés de Dumbledore. Havia choro, gargalhada, arrependimento e família.
E, bem no meio, a família de Laurel.
O lobisomem viu-a assim que transpôs a porta. Trazia uma fotografia na mão que parecia querer mostrar a toda a gente, fotografia essa que voou imediatamente das suas mãos à medida que atravessava a sala em direção à filha. A sua menina, a mulher que vira crescer, a pessoa que lhe ensinara que ele merecia todo o amor do mundo.
- Pai. - murmurou Laurel, atirando-se ao pescoço dele.
Com o impacto, Remus deu por si a cambalear para trás, segurando firmemente o corpo pequeno da filha. Ela continuava na mesma: baixa estatura, cabelos flamejantes, olhos safira perspicazes.
- Por Merlim, Laurel... Eu sabia que estavas viva, a Ashley tinha a certeza disso mas... Nem acredito que estás aqui. Estás mesmo aqui.
Soltou-a, segurando-lhe os ombros para a olhar diretamente. Havia dor mergulhada naquele par de olhos que tantas vezes encarara, bem como segredos que nunca iria partilhar com ele. Remus fechou os olhos, encostando a testa à da filha, o remorso borbulhando dentro dele como ácido.
- Eu devia ter procurado mais, devia ter entrado por todos os cantos para te encontrar...
- Estarias morto se o fizesses, pai.
- Mas tu não terias vivido um Inferno...
- Se tu estivesses morto? Seria uma dor com a qual nunca conseguiria lidar. - Laurel sorriu, tocando-lhe gentilmente no rosto - Fizeste tudo o que podias. Todos vocês fizeram. O que interessa é que estou aqui e temos uma Guerra para ganhar.
Remus encarou-a, beijando-lhe a testa com orgulho. Pensara nela todos os dias. Rezara todos os dias para que ela estivesse viva, para que ela voltasse para ele, para poder ver o rosto da filha pelo menos mais uma vez.
A sua filha. Porque Laurel sempre seria a sua filha, a sua menina, não apenas a filha de Cora, não apenas a filha de Regulus, não apenas o maior sacrifício da sua vida, cuidar da filha da mulher que amava com outro homem.
- A minha guerreira. - disse Lupin, com orgulho.
Laurel sorriu.
- Aprendi com o melhor.
- Laurel, precisamos evacuar a Sala para quando Harry chegar... - começou Meredith, sem querer interromper.
- Eu sei. Podem fazer isso enquanto estou aqui? Preciso de mais cinco minutos. - pediu Laurel, olhando para Ley.
Uma sombra trespassou o rosto de Ashley. As duas Herdeiras encararam-se, uma sentindo a outra, uma sabendo sempre onde a outra estava e em que pensava, um entendimento para lá do aceitável, para lá do possível, uma ligação mágica que atravessava o tempo e o espaço.
Tudo muda quando sabemos que não temos muito tempo.
Ley assentiu, virando-lhe as costas com dificuldade. Meredith seguiu-a, o sobrolho franzido ao ver a namorada tão tensa e séria.
- Está tudo bem entre vocês as duas? - perguntou Remus, fitando a filha com preocupação.
- Pai, casaste-te com a Tonks?
Lupin corou, o rosto cheio de cicatrizes torcendo-se numa careta constrangida. Sempre se sentira culpas por ter casado sem que Laurel estivesse presente mas sabia que a filha seria a primeira a dizer-lhe para seguir o coração. Olhando para ela, com o seu sorriso singelo e os olhos brilhantes, ele soube que tinha razão.
- Sim. Tens um irmão, querida.
Baixou-se, procurando a fotografia no chão. Laurel abriu e fechou a boca, demasiado surpreendida para emitir qualquer som. Dentro de si, o coração partiu-se em pedaços ao perceber quanto tempo estivera trancada naquele quarto, tempo suficiente para o seu pai ter um filho.
- Chama-se Teddy. - contou Remus, mostrando-lhe a fotografia de um bebé rechochudo e adorável, com uma mecha de cabelo roxo espetado em todas as direções.
O seu tutor legal e pai adotivo fitou-a, esperando a sua reação. Lentamente, Laurel pegou na fotografia, sentindo a emoção consumi-la. O bebé de Remus. O seu irmão mais novo.
- É lindo. - sussurrou, emocionada - É tão fofinho, já sorri... Adoro-o, pai.
Remus sorriu, os ombros descaindo em alívio. Por breves instantes, tivera receio que Laurel sentisse ciúmes ou revolta, consumida pela ideia que ele a substituíra por um filho seu de sangue.
Mas era Laurel. A sua surpreendente e imprevisível filha.
- Tonks está com ele em casa dos pais. Laurel, eu tenho algo para te pedir...
- Não, nem penses nisso.
- Se alguma coisa me acontecer, estarás lá para o proteger? - perguntou Remus, ignorando-a - Serás a sua irmã mais velha... E a sua madrinha?
Laurel recuou um passo, sentindo-se estilhaçar por dentro. Queria dizer que não, gritar-lhe que nunca poderia fazer isso, mas os olhos de Remus brilhavam, ansiosos, como se não houvesse nada que o deixasse mais feliz do que se ela aceitasse. Ela estava na mesma posição que ele estivera, dezassete anos antes. A única diferença é que Remus apenas lhe pedia para ser irmã e madrinha de Teddy, dois papéis que faria de qualquer forma, se as circunstâncias fossem diferentes.
Cora pedira-lhe para ser pai de uma menina com a qual sequer partilhava uma gota de sangue.
E ele aceitara.
- Sim. - respondeu Laurel, com firmeza - Aceito ser a madrinha do Teddy.
**
A Sala das Necessidades saudou-os com a desarrumação e tralha do costume.
Eles tinham-se separado, para procurar o diadema. Laurel conseguia sentir a sua presença, mas a atração que sentira da última vez que ali estivera desaparecera, como se o Horcrux se sobrepusesse à magia da jóia que a ligava à Ravenclaw numa tentativa de se esconder.
Lá fora, a Guerra começara. Meredith decidira lutar em vez de procurar pelo diadema e Ashley acompanhara-a, as duas guerreiras demasiado ansiosas para proteger os inocentes. Laurel compreendia-as. Também ela ansiava por lutar, libertar o poder de Voldemort contra os seus próprios seguidores e usar toda a dor e fúria que acumulara nos últimos meses para fazer alguns estragos.
Mas ela tinha de estar ali. Não só pelo diadema, mas por outra coisa, uma sensação dentro de si que lhe dizia que era exatamente naquele Sala que tinha de estar.
Estava perto de Harry quando ele o viu. O diadema. Estava colocada em cima de uma peruca velha, na cabeça de uma estátua de um feiticeiro de pedra esquisito. Laurel franziu o sobrolho, intrigada.
- Eu não deixei o diadema em cima dessa coisa. Estava perfeitamente guardada num estojo de pele...
- Talvez tenha mudado de sítio para ser mais difícil de encontrar. - disse Harry, encolhendo os ombros.
Laurel assentiu. Fazia sentido. Os olhos esmeralda de Harry procuraram os dela, como se lhe pedisse permissão para tocar na jóia da sua família, o mesmo instinto que tivera com Ashley em relação à taça de Hufflepuff. A Ravenclaw assentiu e Harry esticou-se, tentando alcançar o diadema.
- Alto lá, Potter.
Um arrepio percorreu o corpo de Laurel, que se virou imediatamente na direção da voz que conhecia tão bem. Crabbe e Goyle fitavam-nos, as varinhas apontadas. Entre eles, a figura magra e alta de Draco fez o coração da ruiva se revirar, os olhos prateados dele arregalando-se ao vê-la.
- Laurel... - murmurou, baixando a varinha.
Com os olhos marejados, Laurel deu um passo, sendo impedida de correr até ele pelo braço de Harry, que encarava os Slytherin com seriedade.
- Eles querem o diadema, Laurel. - murmurou o Grynffindor.
- Essa aí é a minha varinha, Potter. - disse Draco, voltando a erguer a que manuseava.
- Deixou de o ser. Quem perdeu foi ao ar, Malfoy. - respondeu Harry, com um ar de desafio - Quem te emprestou a tua?
- A minha mãe. - respondeu o loiro.
- Espera... Tiraste-lhe a varinha? - perguntou Laurel, olhando para Harry - Desarmaste-o?
- Sim, na Mansão Malfoy. Porquê?
- Por Merlim...
A Varinha. Se Harry tirara a de Draco, isso significava que a Varinha de Sabugueiro...
Harry era o verdadeiro dono da Varinha de Sabugueiro.
- Laurel, vem até aqui. - disse Draco, olhando-a nos olhos - Deixa o Potter e vem ter comigo.
Laurel, que estava perdida em pensamentos, franziu o sobrolho, confusa.
- Porque raio eu faria isso?
Ele hesitou, a Varinha na sua mão a tremer como da última vez que a apontara na direção dela.
- Se entregarmos o Potter, ele deixa-nos ir. - disse Draco, nervoso - Ele disse-mo...
- E tu acreditaste nele de novo? - questionou Laurel, descrente.
O Malfoy baixou a sua varinha, dando um passo em frente. A distância entre eles era considerável mas a eletricidade que os ligava era quase palpável, os dois tensos, incontroláveis.
- Passei meses sem te ver, Laurel, meses sem saber se estava viva, meses a ouvir-te ser torturada e mal tratada. - sibilou o loiro - Não conseguia comer, não conseguia respirar, não conseguia viver por causa de ti. Eu faria qualquer coisa por ti, Laurel, por isso sim, se Voldemort me disse que era só entregar o Potter para ele te libertar e eu poder ter uma vida contigo então eu acredito com todas as minhas forças porque não tenho mais nada a perder.
Os olhos safira fitaram-no, com compaixão. Draco estava um caco; mais magro, com olheiras escuras debaixo dos olhos, os ossos do rosto mais salientes. Laurel queria abraçá-lo como não fazia há meses, beija-lo, dizer-lhe o quanto o amava.
Mas não era altura para isso.
Por isso, a compaixão desapareceu tão rapidamente como surgira.
- Achas que sofreste?! - exclamou ela, irritada - Eu é que estive naquele quarto! Eu é que tenho aquela criatura na minha cabeça! Tu não fazes ideia do que passei mas sabes que mais?! Estou viva! Viva! E, enquanto estiver viva, eu vou lutar. Já estivemos nesta posição uma vez, Draco, e ambos sabemos que caíste que nem um patinho nas artimanhas de Voldemort. O meu avô morreu por causa do teu egoísmo e ingenuidade, Malfoy. - Laurel deu um passo em frente, erguendo as mãos, que imediatamente foram consumidas por uma bola de energia vermelha, a forma física que a sua magia decidira assumir - Voldemort nunca me vai libertar enquanto estiver vivo, Draco, nunca! Então pára de pensar só em ti, pára de ser estúpido e ouve a tua noiva. Se te atreveres a meter-te no meu caminho ou a tocar no Harry, eu não vou hesitar em dar cabo de ti. - os raios nas suas mãos vibraram, poderosos - Eu amo-te Draco Malfoy e sinto tantas saudades tuas que dói. Mas eu tenho um papel para desempenhar nesta história e, se escolheres o lado errado, se ousares enfrentar-me, eu não vou ter misericórdia de ti.
O silêncio reinou. Harry fitava a amiga com incredulidade, perfeitamente crente de que o que ela dizia era absolutamente verdade. A Ravenclaw prensou os lábios, o medalhão no seu peito brilhando com uma forte cor avermelhada, a mesma que pulsava nas suas mãos. Sentia-se mais forte do que nunca, certa, determinada, corajosa. Ela ia acabar com o homem que a quisera destruir, custasse o que custasse. Ela iria cumprir o que o destino lhe reservara.
Ela era a Herdeira de Ravenclaw que nascera para ser.
Draco baixou a varinha. Um sorriso de lado iluminou-lhe as feições, o rosto que ela tanto amava fitando-a com um misto de orgulho e descrença.
- Nunca vou conseguir fazer nada de ti, pois não?
- Sou a única coisa que nunca vais conseguir controlar, Draco. - respondeu ela, sorrindo.
O Malfoy assentiu.
- Crabbe, Goyle, baixem as varinhas. Potter, leva o que vieste buscar.
Os dois brutamontes olharam para o seu líder, chocados.
- Mas nós vamos ser recompensados!
- Nós vamos deixá-los ir. - ordenou Draco, firme.
Crabbe fitou-o.
- Não me parece. Eu já não recebo ordens tuas, Draco. Tu e o teu pai estão tramados.
- Draco... - chamou Laurel, tensa.
- Harry? - chamou Ron, do outro lado da parede onde se encontravam - O que se passa?
- Harry? - imitou Crabbe.
Draco olhou para Laurel.
"Foge"
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