Capítulo 118
Ela estava acordada.
Os últimos raios de sol do dia adentravam o quarto num ato de rebeldia, à medida que atravessavam as nuvens negras apenas para a saudar por breves instantes. O peso dos lençóis sobre o seu corpo pequeno e frágil era superior ao que necessitava naquele momento, tendo por isso arranjado forças para os afastar para o lado.
Laurel observou o teto, os olhos safira vazios. Os feitiços que a impediriam de sair do quarto caso tentasse sobrevoavam-na, relembrando-a da sua condição. Quaisquer que fossem os sonhos que tinha, bons e maus, estavam muito longe da realidade que vivia.
Prisioneira.
Era isso que ela era, em todos os sentidos. Estava presa ao seu organismo decadente, presa ao seu corpo ferido, presa naquele quarto horroroso pelo capricho de um homem.
Pelo capricho de Voldemort, que nem homem era.
Ao remexer-se na cama para se sentar, o seu corpo reclamou de dor e desconforto, forçando-a a permanecer deitada. Aquela era a primeira vez em que realmente se sentia acordada; a sua consciência ia e vinha como as ondas do mar ao longo do tempo, imprevisíveis.
- Eu avisei-te para não te sentares.
Narcissa Malfoy adentrou os aposentos, o rosto esmorecendo quando Laurel lhe virou a cara, propositadamente. A mulher suspirou, colocando-lhe a mão na testa.
- A tua febre passou por completo. - informou, com alguma satisfação - Como te sentes? Alguma náusea, dor...
- Estou bem. - respondeu Laurel, secamente.
Não estava, claro. Toda a parte de baixo do seu corpo doía e Laurel não queria nem sequer pensar no que acontecera. Já bastava reviver o momento em que sangue lhe começara a escorrer pelas pernas abaixo de cada vez que perdia a consciência, não queria pensar nisso quando estava consciente.
A linhagem Ravenclaw morrera com ela. Tinha sido um preço muito alto a pagar mas Laurel sabia que poderia acontecer. Voldemort era um Slytherin; necessitava de poder e o seu estava ligado a ela, que se recusara a entregá-lo de mão beijada. Estarem ligados atrasava-o, como a pedra num sapato e Voldemort sentia-se destabilizado por não ter total controlo da magia que lhe pertencia. Por mais que usasse Laurel e conseguisse extrair poder através da força vital dela, não era a mesma coisa do que ser ele o controlador, ele no poder, ele na sua forma completa.
E, por mais vazia que Laurel se sentisse, uma parte dela conseguia rejubilar com a frustração dele.
- O Mestre virá ver-te dentro de poucos dias. - informou Narcissa, observando a ruiva com cautela - Ele está furioso...
- Ainda bem. Foi estúpido o que ele fez, por isso é bom que esteja. - Laurel fez uma pausa, encarando Narcissa com desprezo - Quais são as condições do meu encarcenamento?
- E-Eu não...
- És o quê? A minha medibruxa ou a minha babysitter?
- Sou a pessoa que te manteve viva. - retorquiu Narcissa, endireitando-se - E é na minha casa que estás, por isso exijo mais respeito...
- Não tenho nenhum respeito pelos Malfoy, Narcissa.
- Draco é um Malfoy.
- Não tenho dúvidas disso. Infelizmente, apaixonei-me por ele e não há nada que possa fazer contra isso mas uma coisa te garanto: sei perfeitamente que Draco é um dos responsáveis pela morte de Dumbledore e, por mais que um dia o vá perdoar, não vou esquecer. Jamais esquecerei.
- Ele fê-lo por ti...
- Não. Ele fê-lo por ele mesmo.
O copo de água que Narcissa invocara caíra ao chão com estrondo. As faces da mulher estavam ruborizadas de raiva enquanto encarava aquela menina insolente com fúria.
- Draco estava a proteger a família dele. Se ele não cumprisse a missão que lhe deram, todos nós pagaríamos o preço, incluindo tu. O meu filho pensou que o Lord te magoaria ou até mesmo acabava com a tua vida. Achas que ele conseguiria viver com isso?
- Voldemort nunca me tocaria...
- Mas ele fê-lo, não foi? - Narcissa aproximou-se dela, apontando-lhe um dedo à sua barriga - Ele destruiu-te. Draco não sabia que o Lord não te poderia matar mas e o resto?
- EU NÃO QUERO SABER!
Laurel colocou-se de pé, ignorando as tonturas que a assolaram. A cabeça explodia-lhe e ela sentia a maré de emoções dentro dela rugir, como há muito não acontecia. Em Hogwarts, rodeada pelas pessoas que melhor a conheciam, conseguira controlar-se, deixando que a sua magia descontrolada raramente viesse à superfície.
Ali, na Mansão Malfoy, perdida na sua luta e na sua dor, Laurel só queria gritar.
- Vocês protegeram a vossa família. E a minha? Onde é que está? - sibilou, os olhos safira faiscando enquanto via Narcissa afastar-se, amedontrada - Mortos. Todos eles. O meu pai, a minha mãe, o meu tio... e agora Dumbledore. Por vossa culpa, por culpa de Voldemort. Estão todos mortos e tu ACHAS QUE EU QUERO SABER DE VOCÊS PARA ALGUMA COISA?
O chão tremia debaixo dos seus pés à medida que a magia lhe escorria pelos poros da sua pele como lava. A Cobra dos Puros ao redor do seu pulso pressionava-a, impedindo-a de usar a sua magia para seu proveito, mas em nada tinha poder para a impedir de sentir. No seu peito, o medalhão de Ravenclaw brilhava descontroladamente, a tonalidade esmeralda da jóia incendiando a pele marfim de Laurel.
- Estou farta de justificar as ações de toda a gente, de me preocupar com toda a gente e receber em troca nada mais do que traições e mentiras. - cuspiu Laurel, fora de si - Estou farta de ser gentil, corajosa, boazinha. FARTA! - cerrou os punhos, enfurecida - EU SÓ QUERO QUE ISTO ACABE!
O corpo de Narcissa foi atirado para trás, batendo de costas no chão. A mulher soltou um guincho, fitando a Ravenclaw com medo e pena no olhar. Laurel detestava pena. Ela não merecia pena, não a queria para nada. Ela só queria que Voldemort não existisse, que a Guerra não existisse.
Ela só queria a vida dela de volta.
O som de palmas a bater inflamou ainda mais a sua raiva. O monstro dentro de si rosnou ao ver o rosto cavernoso de Voldemort, que adentrara os aposentos como uma sombra. Os olhos vermelhos fitavam-na com malícia, apreciando-a de alto abaixo. Laurel ergueu o queixo, desafiando-o.
- Deixa-me ir. - ordenou.
Sabia que não tinha poder nenhum sobre Voldemort, não no sentido de o domar, mas também sabia que isso pouco lhe importava. Era uma mulher corajosa e que não cederia tão facilmente, por muito que o seu coração implorasse por paz.
Por muito que quisesse desistir.
- Raiva é uma emoção que te assenta bem, Laurel Ravenclaw. - replicou Voldemort, ignorando-a - Narcissa, deixe-nos sozinhos.
- Milorde...
- Agora.
A Malfoy lançou um último olhar à filha de Cora, que sequer pareceu notá-la. Os olhos safira mantinham-se fixos em Voldemort, analisando-o.
Quando a porta se fechou, Voldemort voltou-se para ela, os dedos ossudos rodeando-lhe as bochechas e apertando-as, de forma ameaçadora.
- Não ouses desafiar-me em frente aos meus súbditos.
- Ou fazes o quê? - questionou Laurel, empurrando-o bruscamente - Precisas de mim viva, tal como se percebeu com o teu atozinho idiota que quase me matou.
- Talvez se morreres recupero a magia que é minha.
- Ou talvez a percas para sempre. Nenhum de nós sabe a verdade, não é?
Voldemort assentiu, as narinas entreabrindo-se à medida que dominava a sua fúria.
- Não desejo a tua morte, Ravenclaw. És a minha Escolhida, a arma que necessito para vencer. Se não posso tirar a Magia Negra que me pertence de dentro de ti, usar-te-ei para o que precisar. Sempre disse que me pertencias, Laurel, e não menti.
- Eu não pertenço a ninguém. - ripostou Laurel - E porque raio continuas a insistir que eu sou a tua Escolhida?
- Nunca te questionaste porque necessitei das tuas lágrimas para ressuscitar, naquela noite, no cemitério?
O coração de Laurel apertou-se, como sempre fazia quando recordava. Peter Pettigrew recolhera as lágrimas que ela derramara com a morte de Cedric e usara-as para trazer o corpo de Voldemort de volta à vida, chamando-a de "A Escolhida". A dor de perder Cedric fora grande e Laurel sequer quisera saber o que aquilo significava.
- Eu não quero saber. - conseguiu dizer, abanando a cabeça - Liberta-me, agora, ou eu juro que me mato e acabo com esta palhaçada.
Os lábios finos de Voldemort curvaram-se, no mais próximo de um sorriso que o seu rosto permitia. Com um gesto, uma adaga surgiu-lhe na mão, a qual estendeu-a a Laurel, que nada disse.
- Mata-te.
Ela ergueu os olhos, tentando entender se aquilo era um teste. Os olhos cor de sangue do Lord das Trevas nada mostravam, como uma carapaça vazia e sem alma. Não conseguia lê-lo, como lia as outras pessoas, não com tanta facilidade.
Laurel pegou a faca, pensando por instantes como seria deixar tudo para trás e simplesmente...
Desistir.
- Não.
Deixou-a cair, esfumando-se antes de sequer tocar no chão. Voldemort rodeou-a, andando em círculos à volta dela enquanto falava:
- Eu e tu somos iguais. Dois lados da mesma moeda, feitos um para o outro. Todo o Slytherin tem uma Ravenclaw somente sua. É uma maldição que nos corre no sangue, um círculo vicioso que não podemos quebrar. Salazar foi o primeiro e eu, em honra do seu nome, serei o último. Nenhuma Ravenclaw pisará mais este mundo. Exceto tu.
Os dedos ossudos tocaram-lhe na pele exposta do pescoço. Laurel vestia apenas uma camisa de noite feita de seda que pertencera a Narcissa, o corpo demasiado exposto para aquele monstro que respirava perto dela.
- Salazar chamava Rowena de Promisit mihi.
- A minha Prometida. - murmurou Laurel, engolindo em seco.
- Todas as Ravenclaw o têm sido desde então. As Prometidas, as Escolhidas. É o vosso destino. E todas elas nos refletem, a linhagem de Slytherin. Tu, minha Laurel, sentes a mesma raiva que eu, a mesma sede de vingança que eu sempre senti.
- Eu não quero vingança... - a ruiva abanou a cabeça, sentindo-se zonza.
- Se pudesses, matar-me-ias, tal como eu faria contigo. Mas não podes, porque refletes algo mais da minha pessoa: a Morte. Tu, tal como eu, achas desnecessária que a nossa viagem neste mundo termine por um capricho como a Morte...
- Mas do que raio é que estás a falar?! - Laurel afastou-se dele, ultrajada - Achas que me conheces de algum lado só porque partilhamos a mesma magia?!
- Quando leste sobre os Horcruxes, não achaste interessante? - questionou-a, a voz gélida atingindo-lhe a alma.
Laurel não respondeu. A imortalidade era um assunto que a fascinava, claro. Admirara Nicholas Flamel por causa da Pedra Filosofal, admirara Dumbledore por ter vivido tantos anos e ficara sim interessada no conceito de guardar a sua alma num objeto que lhe significasse algo. Suspeitara que Voldemort o tivesse feito mas nunca sequer considerara em fazê-lo.
- Matar inocentes para viver mais tempo? Não. - respondeu, sucinta - Não somos iguais, Voldemort.
- Temes a Morte. Reges-te pela raiva e o ódio, tendo inclusive várias vezes colocado os teus colegas de Hogwarts em perigo. Quase mataste Amanda Lovelace a sangue frio. - ergueu-lhe o queixo, os olhos cor de sangue fitando-a com ódio - És a minha Prometida, Laurel, e eu usar-te-ei a meu belo prazer. Posso forçar-te, posso ameaçar quem amas, posso fazer isto de mil maneiras mas, no final, virás por ti própria.
Laurel Ravenclaw abanou a cabeça, sentindo o vazio no seu peito tornar-se mais denso.
- Porque eu faria isso?
O Lord das Trevas sorriu.
- Porque Rowena Ravenclaw o fez. Ela desistiu.
Virou-lhe as costas, deslizando pelo quarto em direção à porta. A raiva de Laurel fazia o seu sangue ferver e Voldemort sentia-a, deleitando-se com o poder que isso lhe dava. Quanto mais ódio e raiva ela sentisse, mais fundo iria, mais se perderia na Magia Negra que possuía.
O Senhor das Trevas virou-se, o rosto sem emoção.
- Remus Lupin foi quem te adotou, não foi?
Laurel não respondeu. O nome do pai adotivo fê-la erguer os olhos, fitando Voldemort com uma expressão vazia.
- Bem... Parece que ele seguiu em frente e desistiu de ti. Casou-se há uns dias com a sobrinha de Bella e Narcissa, sabias?
Remus.
Remus casara-se sem ela estar presente?
Poderia ele ter-se esquecido dela?
Ele estava livre.
Livre dela.
Da filha da mulher que amara e o rejeitara.
Da jovem que sempre o desafiara e que era demasiada responsabilidade para uma pessoa só.
Ele desistira dela
Remus...
- Sou o único que quer saber de ti para alguma coisa, Laurel Ravenclaw. Nem que seja somente para te usar para meu benefício. - afirmou Voldemort, com desprezo.
E saiu, deixando Laurel sozinha na escuridão.
Mais cedo ou mais tarde, ela desistiria.
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