Capítulo 117
Ela estava em Hogsmeade.
O sol erguia-se no céu azul, resplandescente. Dias ensolarados eram raros na cinzenta e chuvosa Inglaterra, um milagre da Natureza. As três amigas aproveitavam aquele milagre com um sorriso no rosto, braços entrelaçados e a pele exposta aos raios solares que as aquecia.
Tinham percorrido Hogsmeade por inteiro. No Três Vassouras, tinham bebido Cerveja Amanteigada enquanto conversavam animadamente sobre as suas profissões de sonho. No Zonko, compraram guloseimas até os seus corpos reclamarem do excesso de açúcar, as três rindo de coisa nenhuma e acenando a quem quer que passasse. A seguir, tinham comprado roupas novas, que agora usavam: um vestido amarelo, um verde e um azul, um para cada uma. Nas suas mãos, gelados de diferentes sabores enriqueciam os seus paladres e as três sentiam-se bem, conversando amenidades enquanto caminhavam pelas ruas tranquilas e ensolaradas.
Havia algo errado, percebeu Laurel. Quando fora a última vez que vira um sorriso tão brilhante no rosto de Meredith? E Ashley, aquele brilho no seu olhar âmbar, quando fora a última vez que ela o tivera? Como é que elas estavam em Hogsmeade? Não tinha sido raptada e feita prisioneira por Voldemort e os seus lacaios?
- Encontrei-te.
Virou-se, sentindo o coração falhar uma batida de imediato. Draco Malfoy aproximava-se delas, sorrindo ao vê-la. Laurel não pode não sorrir de volta. Ele estava lindo.
Quem é que ela queria enganar?
Ele era lindo.
Os olhos cinzentos fitavam-na com carinho, algo inédito no Malfoy mais novo. Quando os braços dele a rodearam num abraço apertado, Laurel conseguiu sentir-lhe o batimento cardíaco por baixo da camisa branca, acelerado por estar junto dela. Se lhe tocasse nos cabelos, perder-se-ia na suavidade deles, contrastando com os músculos duros e delineados do seu corpo.
Ele soltou-a lentamente e Laurel sorriu, feliz, encantada, apaixonada.
- Tu encontras-me sempre. – respondeu-lhe, gentilmente.
- Se estão a pensar em comer-se, tenham santa paciência e arranjem um quarto. – provocou Meredith, ela própria envolvendo a cintura de Ashley perto de si.
- Porquê? Acho que aqui é o sítio perfeito para beijar a minha namorada. – Draco sorriu de lado, matreiro – Talvez até mais...
- Draco! – repreendeu Laurel divertida.
- Que foi? A Meredith provocou-me!
- Eu?! Que mentira!
Os quatro riram, como se fossem todos amigos. Laurel franziu o sobrolho. Desde quando é que Draco e Meredith eram amigos? Ley era amigável com toda a gente, não era de estranhar que tivesse aceite Draco mesmo com o seu passado mas... Meredith? Ela detestava-o, achava-o um péssimo rapaz e uma péssima pessoa. Quando é que isso mudara? E como?
- Lau! Olá!
O mundo girou debaixo dos seus pés, os olhos safira arregalados.
Cedric Diggory aproximava-se do pequeno grupo, com o seu sorriso bondoso, o cabelo cor de areia caído para o rosto e os olhos familiares fixos em Laurel. Parecia mais velho do que ela se lembrava e mais leve, a face brilhante de alguém que era verdadeiramente feliz.
Havia algo errado e Laurel sentiu os olhos marejarem quando Cedric se aproximou dela, o sorriso esmorecendo lentamente ao vê-la chorar.
- Lau? Está tudo bem?
- Tu não és real. – murmurou Laurel, infeliz.
Cedric franziu o sobrolho.
- Como assim? Lau, bebeste demais?
- Querida, o que se passa? – perguntou Draco, fitando a namorada com preocupação.
- Querida? – repetiu Laurel, abanando a cabeça – Draco nunca me chamaria de querida. O que se passa? Isto não é real. Eu nunca tive em Hogsmeade num dia de sol, nós nunca comemos gelado e tu... – a expressão de Laurel suavizou, fitando o rosto do melhor amigo – Tu não estás aqui. Não estás vivo.
- Tens razão, pequena.
Hogsmeade desapareceu, tão depressa como tinha surgido. Draco, Cedric, Meredith, Ashley... Todos se esfumaram, deixando Laurel sozinha na escuridão.
Albus Dumbledore aproximou-se dela, um ponto de luz no meio do escuro. Ele caminhava tranquilamente, sem pressas de chegar até ela e Laurel não conseguiu manter-se quieta. Com um soluço, correu até ao avô, escondendo o rosto nas vestes com que ele morrera.
- Avô...
- Não chores, pequena. Está tudo bem.
- Não está. Tu... T-tu morreste... Ced... Ced foi-se... Sirius... Avô, o que se passa comigo?
Dumbledore soltou-a suavemente, agachando-se ao nível dela. Era como se Laurel fosse criança de novo, chorando junto dele por ter perdido o controlo da sua magia novamente. E lá estava Dumbledore, com as suas palavras calmas, a âncora no meio da tempestade que rugia dentro dela.
- Precisas acordar, Laurel. – disse Albus, com firmeza – O tempo urge, pequena. A profecia tem de ser cumprida.
- Eu não consigo... – Laurel abanou a cabeça, desesperada – Não consigo mais...
- Consegues. Eu sei que sofres, que estás de luto por mim e por todos os que perdeste mas tu precisas ser forte. Eles precisam de ti.
Eles.
Draco.
Ashley.
Meredith.
Remus.
Harry.
- Precisas acordar, Laurel.
- Não consigo... Não consigo...
Fitou a escuridão.
Doía.
Tudo nela doía.
Sozinha, no meio da sua dor, Laurel gritou.
**
Gotas de suor escorriam pela testa da pequena abaixo.
Com delicadeza, Narcissa limpou-as, a toalha com que o fazia já encharcada.
No seu sono, Laurel murmurava, revirando-se na cama. Sentada junto dela, a Malfoy permanecia pacientemente à espera de a ver acordar, embora a esperança de que isso acontecesse fosse esmorecendo com o tempo. Falhara com Laurel, tal como fizera com Cora. A mulher suspirou, sentindo-se cansada. Cora Ravenclaw fizera tudo por ela, fora-lhe leal até ao fim da sua vida, como poucas pessoas teriam sido. Tinha sido sua amiga, com tudo o que isso implicava.
Como Narcissa retribuíra?
Traíra-a enquanto viva. Traíra a sua filha quando contactara Kreacher e lhe extorquíra informações, as quais levaram à morte do familiar mais próximo de sangue de Laurel. Não que Narcissa sentisse qualquer culpa na morte de Sirius; ele fora irresponsável e ousado, como somente Sirius Black seria. Mas Laurel culpava-a por isso; se a Ravenclaw fosse capaz, sentiria ódio por ela. Não era capaz de odiar fosse que criatura fosse, tal como o seu pai nunca conseguira fazer. Regulus Black tinha um dos corações mais puros e ingénuos que Narcissa conhecera e Laurel era igual, por mais que Voldemort a quisesse mudar.
Narcissa soltou um suspiro, erguendo-se. A jovem à sua frente mais parecia um cadáver, a sua pele já branca ainda mais transparente. Os lábios azulados de Laurel entreabriam-se à medida que ela falava coisas desconexas, o sono perturbado por pesadelos que Narcissa não conseguia imaginar.
Tivera sorte. A maldição que Bellatrix lhe lançara matara-a por dentro, não só destruíndo a sua possibilidade de ser mãe mas deixando-a entre a vida e a morte, algo com que Voldemort não contara. Tinha uma estrutura frágil e perdera uma quantidade absurda de sangue, a hemorrogia tendo-se revelado difícil de conter, deixando-a num estado debilitado e moribundo. A dor era constante e Narcissa sabia-o somente por observá-a a dormir.
Estava tão frágil que Voldemort não conseguia usar a sua força vital para utilizar a magia que lhe pertencia.
O Senhor das Trevas não pensara bem e o feitiço virara-se contra o feiticeiro. No fundo, Narcissa sabia que Laurel se exposera aquilo, sabia que a Ravenclaw tinha um qualquer plano e ficaria satisfeita ao perceber que, no fim das contas, Voldemort também perdera. Ainda assim, o preço fora muito elevado e Narcissa sentia-se responsável; no momento da verdade, não a protegera, não a defendera e ainda a agarrara, impedindo-a de fugir da atrocidade a que seria exposta.
A Mafloy virou as costas, segurando a bacia e a toalha com força. Não podia pensar no que acontecera, tinha de focar-se em tratar Laurel, mantê-la viva e forçá-la a melhorar para benefício do Senhor das Trevas.
Não podia pensar no seu desejo de tirar Laurel dali e cuidar dela longe das mãos de Voldemort.
- NÃO! NÃO! POR FAVOR!
A bacia caiu ao chão com estrondo. Laurel, de olhos revirados dentro das pálpebras, berrava furiosamente, o corpo remexendo-se violentamente dentro dos lençóis. Perturbada, Narcissa segurou-lhe os punhos, tentando acalmá-la:
- Laurel! Está tudo bem, precisas manter a calma...
- NÃO! NÃO! PRECISO ACORDAR!
- O que raio se passa aqui?!
Amanda Lovelace adentrou os aposentos. Quaiquer que fossem os feitiços que impediam outra pessoa a não ser Voldemort e Narcissa entrarem, não impediam Amanda de o fazer. Narcissa nunca percebera qual era a relação entre os dois mas também não lhe interessava.
- Ela está a arder em febre. – disse Narcissa, vendo Laurel esmorecer lentamente, murmurando sozinha – Por Merlim...
- Então faz a febre baixar. – replicou Amanda, observando a ruiva ao longe – Água fria não resulta?
Narcissa revirou os olhos.
- O que achas que tenho feito? Já tentei tudo e nada a faz melhorar. Ela está-se a aguentar, é uma lutadora mas... Sinceramente, eu não sei se ela vai sobreviv...
- Não termines essa frase. – rosnou a Lovelace, ameaçadoramente – Tens de a pôr boa.
- Já olhaste bem para este sítio? – questionou Narcissa, olhando em volta – A Laurel precisa de um hospital, de medibruxos com experiência...
- Tu és uma medibruxa, lembraste?
- Não, eu não...
- Verdade, tu não terminaste o curso por causa do teu querido marido, não foi?
A frase saiu-lhe com tanto desprezo que Narcissa sentiu o seu coração apertar, por menos que Amanda significasse para ela. Não eram amigas e nada do que ela dissesse deveria ter qualquer efeito em si mas aquilo era verdade.
Mergulhada num casamento opressivo, Narcissa abdicara do seu sonho para se dedicar a ser apenas uma Malfoy.
- Preciso de mais água. – murmurou, agachando-se para pegar na bacia que deixara cair.
- Narcissa, és a única medibruxa disponível. Mesmo que não tenhas ido até ao fim, és a melhor hipótese que a Ravenclaw tem de sobreviver. – Amanda cruzou os braços em frente ao peito, encostando o ombro na parede mais próxima – Ela pode não sobreviver sem ti.
- Achas que não estou a tentar?!
- Pára de tentar. Só faz. Cura-a.
- O que é que te interessa se ela vive ou não? Ah, espera, queres agradar ao teu senhor, é isso? – questionou Narcissa, furiosa.
- Não queremos todos, florzinha? – ripostou Amanda, irónica.
Narcissa fitou-a. Os olhos negros de Amanda observavam a respiração entrecortada de Laurel, que finalmente, cuja transpiração lhe deixara os cabelos ruivos ensopados, tornando-os baços e sem cor.
Amanda era uma mulher difícil de ler mas ela e Narcissa tinham algo em comum: eram mães. Era a primeira vez que a Lovelace realmente tinha oportunidade para sentir esse papel mas não deixava de ter sido mãe, de ter um vínculo para lá de qualquer outra coisa com alguém.
- Queres que a Laurel viva pela Meredith. – apercebeu-se Narcissa, semicerrando os olhos.
- Não digas disparates.
- É um disparate assim tão grande?
- O maior que já disseste. Faz o teu trabalho e não deixes a miúda morrer, ouviste?
- Ela é muito parecida contigo, sabias? - os olhos negros fitaram os de Narcisa, confusos - A Meredith.
Amanda abanou a cabeça, desencostando-se com brusquidão.
- Infelizmente não é. Aquela traidora... Ela é igual ao pai dela. - Amanda prensou os lábios, sorrindo lentamente em direção à Malfoy - Talvez não seja um disparate tão grande assim, florzinha, mas não te atrevas a repetir isso. Trata da miúda. Mais nada.
Com um aceno, Amanda saiu do quarto, deixando Narcissa com a pequena ruiva moribunda que um dia lhe poderia ter chamado de tia.
Se ao menos Narcissa não tivesse escolhido o seu próprio umbigo, para variar.
**
Estava escuro.
Doía.
Laurel queria acordar.
Fugir dos pesadelos, das falsas memórias, da dor.
Eles precisavam dela.
E ela?
Quando é que era a vez dela de precisar de alguém?
**
Estava escuro.
Doía.
"Estou sempre contigo, pequena" diria Dumbledore.
"Amo-te Laurel" diria Draco.
"És a minha melhor amiga, Lau" diria Ashley.
"Não te atrevas a morrer agora, ouviste?!" diria Meredith.
"Volta para casa, filha" diria Remus.
"Vou sempre proteger-te." diria Harry.
**
Eles precisavam dela.
E ela precisava deles.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro