Capítulo 115
Aquela era uma noite muito escura.
No céu, nuvens grossas cobriam as estrelas; não havia vestígios de uma Lua que iluminasse as ruas e o silêncio pesado foi apenas cortado pelo som da última janela a fechar-se. Hogsmeade jazia mergulhada na escuridão e no silêncio, os seus moradores fechados em casa, como se uma mera porta os protegesse do que quer que fosse.
O bater dos seus saltos altos sobre a calçada ecoou no silêncio. A cada passo, respirava fundo, apreciando o ar frio nos seus pulmões. Era uma criatura do gelo e do escuro, pensou. Nem mesmo o vento cortante a arrepiava.
Meredith Lovelace sentia-se aterrorizada.
Não tinha vergonha disso. Se lhe perguntassem a sua opinião, era mais ridículo alguém entrar numa batalha sem medo algum do que lutar com o medo bem implantado no coração. O seu Medo não apagava a sua Coragem. Quem no seu perfeito juízo não sentia medo quando estava prestes a ter a sua vida em risco?
Ergueu os olhos para o céu. Não sabia exatamente porquê; se fosse uma Muggle, estaria naquele momento a rezar para sair viva. Prezava a sua vida mas no sentido lato da palavra. Quando pensava na sua vida, pensava em Ashley, no seu pai, em Laurel. Eles eram a sua vida; sem eles, não faria sentido viver.
Não fazia ideia do que estava a acontecer em Hogwarts mas a sua mente vagueou pelas pessoas que conhecia, de quem gostava e até de quem não gostava: a prática Astoria Greengrass; a sonhadora Luna Lovegood; a corajosa Ginny Weasley; a estúpida da Pansy Parkinson; o enervante Blaise Zabini; a crescida Daphne Greengrass; a extraordinária Professora McGonagall, que acreditara nela e lhe ensinara o valor da disciplina e do respeito; a paciente Madame Pomfrey, que tantas vezes a enxotara da enfermaria quando Laurel lá se encontrava internada.
De uma maneira ou de outra, aquelas pessoas tinham marcado a sua vida. Quantos rostos iria ver em Hogwarts que não conhecia? Quantos inocentes iriam perecer naquela noite?
Abanou a cabeça, enterrando as emoções, como aprendera a fazer melhor do que ninguém. Não havia tempo para pensamentos negativos; precisava manter-se firme, fiel a si e aos seus princípios.
A tableta do pub que procurava chamou-a à atenção. O Cabeça de Javali saudou-a como as restantes casas: tudo fechado, silencioso e assustador. De sobrolho franzido, Meredith bateu à porta, sendo surpreendida quando esta se abriu e revelou um par de olhos azuis que nunca esperara voltar a ver.
- Dumbledore?
- Aberforth Dumbledore, não Albus. - retorquiu o homem alto e entroncado de forma impaciente, como se tivesse ouvido aquilo muitas vezes - Quem és tu e o que queres?
- Eu...
- Tapa isso. - ordenou o mais velho, bruscamente - A menos que a uses com orgulho.
Meredith baixou os olhos, praguejando baixinho ao ver a Marca Negra exposta. A manga da sua camisola subira com o movimento, revelando a maldita tatuagem ao mundo.
- Preferia cortar o braço a usá-la com orgulho. - replicou Meredith, puxando a manga para baixo com irritação - Chamo-me Meredith Lovelace e...
- A namorada de Ashley? Ela tinha razão, és muito bonita. O que queres?
- O senhor conhece a Ashley?
- Tive de partilhar o meu sumo de morango com ela, senão o Whisky de Fogo queimava-lhe os neurônios.
- Ashley não bebe.
- Miúda, eu tenho mais que fazer. O bar está fechado, se quiseres beber alguma coisa volta amanhã.
Aberforth resmungou qualquer coisa, começando a fechar a porta. Antes que ele o fizesse, Meredith segurou-lhe o braço, tentando a custo impedi-lo de fechar a porta.
- Preciso juntar-me à Ordem.
O homem nada disse; mirou-a de alto abaixo, bufou, resmungou e virou-lhe as costas, batendo com a porta atrás de si. Enervada, Meredith retirou a varinha do bolso do seu manto e começou a esmurrar a porta, ignorando a forma como o som ecoava pelo silêncio pesado. Fora um longo caminho até chegar ali; se voltasse para trás, Voldemort matá-la-ia num piscar de olhos e Amanda possivelmente não viveria muito tempo para contar a história de como protegera a filha, na maneira insana dela. Precisava entrar em Hogwarts sem ser notada, precisava encontrar Ashley e lutar ao lado dela, como tinham feito todos aqueles anos em que se conheciam.
O lugar de Meredith era ao lado dela e não era um velho maluco que a iria impedir.
- ABRE IMEDIATAMENTE ESTA PORTA OU EU JURO PELA MINHA SAÚDE QUE EU DEITO ESTA BARRACA ABAIXO NUM PISCAR DE...
A porta abriu-se de rompante e Ashley Hufflepuff abanou a cabeça, num misto de irritação e divertimento.
- Tens sempre de armar um escândalo, Meredith Lovelace?!
**
- Não olhem para mim assim, eu pedi com jeitinho. Ele é que não me deixou entrar. - protestou Meredith, apontando diretamente para Aberforth.
- Não queria conviver com outra iludida.
Meredith engasgou-se.
- O que me chamou?!
- Meredith, tem calma. - pediu Ley, colocando-lhe a mão no ombro - Este é Aberforth Dumbledore, o irmão de Albus...
- Até aí eu já cheguei.
- Aberforth, esta é Meredith Lovelace...
A expressão de Aberforth modificou-se, fazendo Meredith recuar um passo. O homem avançou a passos largos, sendo intercetado por Ron e Harry, que o seguraram pelos braços.
- És a neta de Grindelwald.
- Não tenho nada a ver com essa pessoa...
- Essa criatura matou a minha irmã!
- E o que raio tenho eu a ver com isso?!
- Aberforth, acalma-te. - pediu Ashley, puxando Meredith para perto de si - Ela não tem nada a ver com Grindelwald e o que aconteceu no passado. Por favor...
Aberforth cerrou os punhos, grunhindo. Parecia ter um carinho por Ashley, que o fitava com uma súplica no olhar.
- Tens a certeza que essa é a miúda de quem me falavas? - questionou o homem, fitando Ashley.
- Falavas de mim? - perguntou Meredith.
Ley revirou os olhos na direção da namorada.
- Costumava vir ao Cabeça de Javali para tentar obter informações sobre os Devoradores da Morte e o paradeiro de Laurel. - explicou, rapidamente - Bebia uns copos e conversava com Aberforth antes dos meus... Alvos... Chegarem. Esta é a mulher que te falei, sim, Aberforth. Ela está do nosso lado e nada tem a ver com Grindelwald.
O velho virou-se, fitando um quadro na parede de uma jovem. Esta assentiu, movendo-se como qualquer quadro de feiticeiros.
- Tudo bem. - resmungou Aberforth, contrariado.
Meredith pestanejou, confusa.
- Alguém me pode...
- Mer... - chamou Ley, com um dedo apontado à sua cabeça - Leglimancia.
A Lovelace assentiu, baixando as barreiras da sua própria mente e invadindo a de Ashley. Era um lugar familiar e cómodo, o rosto de Meredith um dos que mais surgiam na mente da Hufflepuff.
A história que Aberforth contara momentos antes de Meredith chegar surpreendera-a. Não fazia ideia que Dumbledore e Grindelwald tinham sido amigos ou que o avô tivesse sido o potencial assassino de Ariana. Por Merlim, Meredith sequer sabia que Albus Dumbledore tinha um irmão, quanto mais uma irmã!
- Eu não tenho nada a ver com isso. - concluiu, afastando-se da mente de Ashley, que suspirou.
- Eu sei muito bem disso.
- Estávamos agora mesmo a debater sobre se devemos ou não lutar. - explicou Harry, desviando o assunto; o seu tom de voz era calmo, os olhos fixos em Meredith pela primeira vez sem qualquer desconfiança, o que a deixava para lá de intrigada - Aparentemente, ele desistiu.
- Quem diz que eu desisti?!
- O senhor. "A Ordem da Fénix acabou" - recitou Harry, encolhendo os ombros - " O Quem-Nós-Sabemos venceu, acabou-se e quem afirmar o contrário está a iludir-se".
- Não digo que me agrade mas é a verdade!
- Não é.
A voz de Meredith atraiu todos os olhares para si, não pelo que dissera ou pela sua habitual frieza; não tinha nada disso dentro de si. Tudo o que tinha era desespero, fraqueza e o absoluto medo de se ter tornado em algo que nunca quisera ser para no fim de nada ter servido.
Tornara-se Devoradora da Morte por um motivo simples: acabar com Voldemort. Ela torturara, incendiara, fizera sofrer inocentes com o pensamento de que era necessário. A Ordem beneficiaria da sua posição no círculo do Senhor das Trevas. Sabia que as suas informações tinham ajudado, conseguira salvar algumas vidas graças ao que se tornara.
- O Senhor das Trevas pode ser destruído. - afirmou ela, convicta - Ele está a vir para Hogwarts neste momento porque se deixou levar pelo medo de tu conseguires o que mais ninguém conseguiu, Harry: destruí-lo. O que quer que a taça de Hufflepuff significasse, perturbou-o por completo. Ele está insano, louco para te pôr as mãos em cima e acabar com a tua raça mas não porque é mais forte do que tu ou porque não conseguiu matar-te quando eras criança. - fez uma pausa - O Quem-Nós-Sabemos teme-te e um homem com medo é um homem que pode ser aniquilado.
Olhou para Harry, fitando os olhos esmeralda dele mas sem realmente o ver. A sua mente pensava em Laurel, nos seus olhos safira fazendo-lhe a única questão que sempre importara.
"Estás comigo?"
- Se não vencermos a Guerra, todos os sacrifícios terão sido em vão. - continuou, sentindo a mão de Ashley entrelaçando-se na sua - E eu não vou viver com isso. Arrisquei tudo para vencer. Laurel arriscou a vida todos estes anos para proteger o Harry porque o seu irmão acreditou sempre que ele conseguiria fazer frente ao Quem-Nós-Sabemos. Nós vamos continuar a lutar, mesmo que isso nos leve à morte.
Harry assentiu, virando-se para Aberforth. Este sequer se movia, os olhos pregados ao chão.
- O seu irmão sabia como destruir o Quem-Nós-Sabemos e transmitiu-me esse conhecimento. Vou continuar a lutar até triunfar... Ou morrer. Não julgue que não sei como isto pode terminar. Há anos que o sei.
Os olhos de Aberforth, tão idênticos aos de Albus, fitaram Harry com seriedade. Ashley, que conhecia o mais velho antes dos outros, aproximou-se dele, pousando-lhe a mão no ombro.
- Não tem mal nenhum sentirmos medo, Aberforth. Estamos todos aterrorizados mas... Temos motivos para lutar. Pessoas para salvar, inocentes para proteger.
- Eu não tenho nada.
Ley sorriu.
- Claro que tens. Não tens um coração de pedra e o teu irmão deixou-te algo importante que tu nunca soubeste reconhecer: uma neta. Laurel era tudo para Dumbledore, ela era a menina dos olhos dele. O vazio que ela sente, o luto... - Ashley fez uma careta, como se sentisse exatamente o que a Ravenclaw sentisse - Tenho a certeza que ela adoraria conhecer-te.
Os olhos âmbar buscaram os de Meredith, que assentiu, confirmando o que a namorada dissera. Na parede, a jovem Ariana Dumbledore, a irmãzinha de Aberforth e Albus que morrera num confronto com Grindelwald, o avô de Meredith, acenou-lhe levemente. A jovem Lovelace acenou de volta, num gesto que dizia que Meredith nada tinha a ver com a tragédia que aquela família passara.
Os pecados de Grindelwald não eram os seus e Ariana Dumbledore confirmara-lho.
"O nosso sangue nada diz sobre quem somos." pensou Meredith, observando Aberforth. Podia ter o sangue de Albus mas o velho Diretor de Hogwarts era um estratega nato, um homem que fazia os sacrifícios que tinha de fazer e arriscava tudo pelo famoso Bem Maior. Aberforth, pelo contrário, regia-se pela emoções, pelo conforto, pela autopreservação.
Mesmo sangue, atitudes diferentes.
- Estás bem? - perguntou Ashley, enquanto Harry, Ron e Hermione rodeavam Aberforth, esperando que ele abrisse a última entrada secreta para Hogwarts.
Meredith sorriu-lhe, tranquila.
- Nunca me senti melhor, Ley.
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