Capítulo Quarenta e Um
Eros Stackhouse:
Com todos os ingredientes meticulosamente reunidos Robin embarcou na solene tarefa de preparação para os funerais. Ele organizou tudo com tanta precisão que todo o local exalava uma atmosfera de desuso deliberado como se fosse um santuário cuidadosamente cultivado. Parecia o tipo de lugar carregado de significado sagrado.
Luna arranjou delicadamente um buquê de flores para as almas que partiram. Foi um alívio que todo o local estivesse velado por feitiços de proteção eliminando qualquer preocupação sobre uma súbita explosão de magia radiante atraindo a atenção de pessoas desavisadas da cidade. Afinal não seria um bom presságio se as pessoas mundanas ficassem curiosas sobre os misteriosos acontecimentos dentro da mansão.
Robin assumiu sua posição em meio à parafernália ritual acompanhado por Luna e Lauhar que espelham suas ações. Perto dali, Damaiel Carter e Braxton assumiram uma postura de guerreiro como um sinal de respeito por aqueles que haviam falecido.
Eu me preparei segurando o pingente com força na mão. De repente o mundo ao meu redor se transformou dramaticamente à medida que postes imponentes em forma de espada brotavam da terra me envolvendo. Xuro e Trumpet me aguardavam no centro curvando-se respeitosamente.
— Qual o seu desejo? — Trumpet perguntou calmamente.
Balancei a cabeça serenamente tendo contemplado profundamente esse desejo. Eu queria que fosse significativo e genuíno. Meu desejo era claro. Olhando para os dois sorri calorosamente.
— Então como meu desejo...— comecei meu coração e os antigos pensamentos sobre meu potencial ilimitado finalmente encontrando paz. Eu tinha certeza absoluta do que precisava fazer tendo estabelecido uma conexão com eles e desejando a felicidade deles algo que há muito lhes era negado.
Trumpet estalou os nós dos dedos preparando-se para concretizar o desejo enquanto Xuro se levantava atrás dele olhando em minha direção.
— Pense em algo grandioso... Faremos isso acontecer para você— exclamou Xuro seu corpo irradiando excitação.
— Eu desejo...— eu pronunciei lentamente — que suas intenções sejam realizadas que a última coisa que vocês desejara aconteça.
— O que você disse? — Trumpet questionou fazendo com que um sorriso se espalhasse pelo meu rosto enquanto ele interrompeu seu feitiço e olhou para mim com os olhos arregalados. Sua pele começou a emitir um brilho radiante. Antes que ele pudesse repetir minhas palavras a magia do desejo avançou. Houve uma explosão de fumaça e num piscar de olhos senti algo invadindo meu corpo.
Caí no chão segurando-me minhas mãos brilhando com uma luz dourada e um traço de fumaça carmesim.
— Oh oh algo está acontecendo — exclamou Xuro quando a realidade do que eu tinha feito começou a surgir nele. Ele olhou em minha direção. — Você fez algo verdadeiramente notável por nós.
— Nossas intenções eram encontrar um sucessor é isso que residia em nossos corações — disse Trumpet seu corpo começando a desvanecer-se. — Seu corpo está absorvendo todo o nosso poder mágico.
Xuro soltou um grito de alegria quando ele também começou a desaparecer.
— Obrigado sinceramente por finalmente nos libertar desta prisão eterna— falou Trumpet. — Que a honra dos anjos e dragões guie o seu caminho.—
— Não Trumpet — respondi balançando a cabeça. — Obrigado por tudo — Fiz uma pausa quando comecei a me sentir um pouco melhor. — Adeus a vocês dois.
Mais uma vez eles se curvaram antes de desaparecerem completamente da minha vista.
Quando voltei à realidade me senti incrivelmente fraco e a última coisa que me lembro foi de Braxton correndo em minha direção antes que eu perdesse a consciência.
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Quando recuperei a consciência após meu desmaio, Braxton estava determinado a me encher de comida. Não era apenas uma simples refeição de cinco pratos, mas uma extravagância gastronômica servida com delicadeza e precisão. Cada bocado era uma experiência sensorial, com ingredientes frescos e variados que me faziam salivar. Um pedaço de pão ainda quente, uma fatia de queijo suave, um pedaço de carne suína suculenta e uma garrafa de refrigerante que ele compartilhou comigo.
— Por quanto tempo fiquei apagado? — perguntei, enquanto saboreava cada garfada.
— Algumas horas, mas agora está tudo bem — Braxton respondeu, seus olhos escrutinando meu rosto. — Posso saber o que você desejou?
— Pedi para que Xuro e Trumpet me contassem sobre a busca por sucessores deles naquela época — falei entre mordidas. — Pelas informações deles, parece que herdei todos os seus poderes mágicos.
Braxton brincou com um sorriso malicioso:
— Agora você é oficialmente um submundano. Será que isso te torna uma mistura de espécies?
Dei de ombros, não muito interessado no assunto naquele momento.
— Tudo o que quero agora é descansar. Podemos deixar essas questões para mais tarde — declarei, e ele concordou com um sorriso, piscando um olho.
— Depois de tantos anos, entendo a importância de ter um momento só para nós mesmos — Braxton comentou. — Mas também acho que descobri uma maneira de coexistir melhor quando se tem uma mãe e um irmão imortal ao lado, que não compreendem o significado de espaço pessoal. Aliás, lembrei que Maxuel mandou uma mensagem dizendo que Logan está se movimentando com seus aliados.
No momento em que ele mencionou isso, uma dor de cabeça súbita e aguda me atingiu. Era como se algo dentro de mim tivesse sido liberado ou quebrado. Agarrei meu corpo e gritei de dor, sentindo como se cada célula do meu ser estivesse em agonia.
Braxton entrou em pânico e rapidamente se aproximou de mim, rasgando o pulso e oferecendo-me seu sangue.
— Beba — ele instruiu. — Você deve ter se ferido durante o ritual.
Dessa vez, minha mente foi engolida pela escuridão. Por um momento, meu corpo parecia estar se desfazendo, depois parecia não ser nada. Eu estava perdendo a sensação de existência.
A escuridão envolveu meus olhos ainda mais densamente do que antes, como uma venda espessa e opressiva que cobria não apenas meus olhos, mas todo o meu ser, com um peso esmagador. Era tentador desistir, deixar a escuridão me arrastar para um lugar onde não houvesse emoção alguma. Se fosse apenas por mim, eu teria cedido em pouco tempo. Mas eu era diferente agora.
Mantenho a escuridão da não existência à distância por centímetros. E então, subitamente, senti algo. Como membros fantasmas, imaginei que pudesse sentir meus braços novamente, e neles, uma mão me apertando com firmeza.
Duas coisas aconteceram simultaneamente, surgindo uma da outra, de tal forma que não pude determinar qual veio primeiro: o tempo começou a fluir novamente, e eu estava ficando mais forte.
Consegui recuperar o controle gradualmente sobre meu corpo, e esses foram meus primeiros indícios da passagem do tempo. Soube disso quando consegui mover os dedos dos pés e fechar as mãos. Minha audição ficava cada vez mais clara, e eu conseguia contar os batimentos frenéticos do meu coração para marcar o tempo. Eu percebi a respiração suave e regular que vinha de algum lugar muito próximo de mim.
Havia muito mais espaço em minha mente agora. Era como se existissem três partes de mim: meu lado caçador, lutando contra o desaparecimento fácil; o lado mágico de Xuro e Trumpet, fazendo o mesmo; e o lado que era apenas eu.
Eu os puxei, reunindo-os com determinação.
A mão de Braxton apertou a minha com força.
— Eros? — ele chamou, ansioso.
— Vou pegar o sangue — Luna anunciou, determinada.
As três partes dentro de mim lutavam pelo controle, mas eu estava no comando. Não havia nada neste lugar, apenas a ausência de emoções, que era tudo o que eu podia compreender.
Então, finalmente, abri os olhos e me deparei com o rosto preocupado de Braxton inclinado sobre mim.
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A sala estava inundada por uma intensa luminosidade, um brilho que parecia emanar do próprio núcleo da magia que havia sido desencadeada momentos antes. Senti-me compelido a me sentar, minhas mãos trêmulas pousando no chão frio enquanto o zumbido da energia mágica ainda reverberava em meus ouvidos. Um calafrio percorreu minha espinha quando meus olhos se fixaram na bolsa de sangue, agora vazia, que repousava no centro do círculo mágico.
Os olhos de Robin, sempre perspicazes, encontraram os meus, carregando uma expressão de desconfiança misturada com alívio. Era como se ele temesse a resposta que encontraria em meus olhos.
— Desculpe, eu sei que isso deve ser incrivelmente desorientador — Braxton, ofegante e visivelmente esgotado, dirigiu-se a mim. Seu rosto estava pálido, como se ele próprio tivesse sacrificado algo para realizar a magia. — Mas você está bem agora.
Limpei os lábios com as costas da mão, tentando assimilar o turbilhão de emoções que me invadiam. A gratidão por estar vivo, o choque da situação e a perplexidade perante a magia que havia sido usada para me salvar.
— Eu me sinto... bem — murmurei, tentando um sorriso mesmo que meus lábios ainda estivessem manchados de sangue. — E não estou nem um pouco irritado. Entendo que você fez o que precisava ser feito no calor do momento, para me salvar.
Robin suspirou, o som suave e reconfortante preenchendo a sala, enquanto os outros ao redor assentiam em concordância.
— Agora que está tudo bem, você precisa descansar e se cuidar — disse Robin, com um olhar que revelava mais do que suas palavras. Era como se ele estivesse escondendo algo, algo que talvez estivesse relacionado com as "novas habilidades" de que ele falara anteriormente.
Assenti, percebendo que havia segredos sendo mantidos sob a superfície brilhante daquele momento, segredos que eu estava prestes a descobrir à medida que me acostumasse com meu novo eu.
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Nas noites seguintes, mergulhei profundamente no processo de adaptação com a inestimável ajuda de Braxton. Ele se tornou meu guia, me auxiliando pacientemente a explorar e dominar minhas novas habilidades sobrenaturais. Aprender a controlar minha sede de sangue tornou-se uma jornada árdua, mas gradualmente fui dominando esse instinto primitivo que se agitava em meu interior. A única nuvem escura em nosso círculo era Rafael, que se encontrava constantemente mal-humorado, frustrado por não poder mais brincar comigo durante todo aquele tempo de treinamento.
A maior parte do tempo, quando finalmente conseguia exercer meu autocontrole, refugiava-me sob o aconchegante abraço do chuveiro. A água quente escorria sobre minha pele, dissipando a tensão que se acumulava durante o dia, até que se transformasse em um morno e reconfortante arrepio. Somente quando a água começava a esfriar, relutantemente emergia dali, pronto para enfrentar o mundo novamente.
Nesses momentos de solitude, eu me via refletindo sobre a profunda transformação que estava vivenciando. Cada noite era uma lição, um desafio, e uma oportunidade de me adaptar a essa nova vida que, de alguma forma, parecia fazer sentido em meio ao caos.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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