Capítulo 3
Ao que parecia, Yeva gostava do perigo, pois foi só Nolan virar as costas junto com os outros dois para que ela apertasse seus passos a fim de acompanhá-los. Ninguém falou nada, nem mesmo para dizer para onde estavam indo.
Não muito longe de onde deixaram a lancha, eles encontraram um carro estacionado. Era um Range Rover 4x4 preto. Yeva ficou logo admirada, ela adorava coisas grandes, principalmente carros.
Antes de entrar no veículo, porém, os homens entraram em outra discussão. Smith queria dirigir, já que o carro era dele; Nolan se recusava a deixar Ryan ir junto com Yeva e Ryan se recusava a ir no banco da frente. Ela ficou observando como eles lançavam argumentos completamente inúteis que eram rapidamente refutados pelos outros. Por fim, todos acabaram com seus desejos realizados, porém irrefutavelmente infelizes. Smith era o motorista, com Yeva no banco do carona e os irmãos sentados no banco de trás, ambos com a cara amarrada, irritados por terem que sentar juntos.
Yeva não conseguiu segurar o riso quando viu o rosto irritado de Ryan pelo espelho retrovisor. Ele estava com um bico enorme, os braços cruzados e bem encostado na porta. Do outro lado, Nolan continuava sério, mas com as sobrancelhas franzidas, também colado na porta. Não era sempre que ela presenciava uma birra entre dois irmãos e nunca deixava de ser engraçado, não importando a idade ou a espécie.
Smith limpou a garganta do seu lado, chamando sua atenção. O motorista estava sério, mas não carrancudo como os outros. Na verdade, parecia muito preocupado. Yeva ficou imaginando o que exatamente o estava deixando daquele jeito.
Todo o caminho percorrido pelo carro foi feito em silêncio. Deve ter levado mais ou menos uns 30 minutos até Smith estacionar em frente a um edifício de dois andares, que tinha uma loja na parte de baixo com o nome "Essências Feroz" em um letreiro de neon.
Yeva murmurou o nome em russo antes de sair do carro junto com os outros. Era uma mania que ela tinha, murmurar ou falar claramente nomes de lugares e pessoas em russo, sua língua materna. Aquilo a ajudava a gravar os nomes com mais facilidade.
Ryan saiu pelo mesmo lado do carro que ela e logo estava ao seu lado. Parecia ter ouvido seu murmúrio, pois respondeu:
— É a loja de perfumes da esposa do Smith, a Estela. O sobrenome dela é Zvereva.
— Ela também é russa? — Yeva perguntou, completamente surpresa por ouvi-lo dizer aquele nome. Apesar de não se lembrar de quando ou de onde o conhecia, Yeva achou o sobrenome do "clã da besta" familiar.
Era assim que as famílias eram reconhecidas no seu país de origem. O sobrenome indicava seu "clã", sua família. Quanto mais antiga e poderosa a família, mais conhecido era o sobrenome, que não podia ser usado por qualquer um. Além disso, o nome de uma família sempre seguiria aquela pessoa por onde quer que ela fosse, mesmo que a pessoa tentasse se livrar dele de todas as maneiras.
Yeva nunca imaginaria que encontraria outra russa ali, principalmente por Smith, o marido, parecer tão americano.
— Seu pai é russo — ela ouviu Smith responder assim que ele deu a volta no carro e parou ao seu lado. — Sua mãe era americana. Por isso ela vive aqui.
Ainda mais surpresa, Yeva não conseguiu fazer as outras perguntas que invadiram sua mente e seguiu os homens para dentro da loja. Ela sabia que os russos não eram avessos às outras culturas, mas era muito difícil que eles se interessassem, principalmente, por mulheres de outros países. Isso tornava os pais de Estela um casal raro.
Dentro da loja, diversos cheiros deliciosos invadiram seu olfato, ofuscando completamente o odor de Nolan. O lugar era bem iluminado, com as prateleiras bem arrumadas com frascos de diversos tipos e tamanhos; os líquidos tinham diferentes cores e apenas com o olhar era possível ver que também tinham várias texturas. A loja era convidativa, com prateleiras de meia altura para não ofuscar a visão de um balcão impecável, onde estava uma mulher loira, alta, de olhos azuis e com um rosto bondoso, apesar de sério.
Não tinha mesmo como negar que aquela mulher era russa. Yeva sabia que seus cabelos vermelhos praticamente excluíam essa nacionalidade para ela, mas sua altura, seus olhos azuis e as maçãs do rosto eram características inconfundíveis.
A mulher saiu de trás do balcão, correndo ao encontro de Smith, que a abraçou apertado entre seus braços musculosos.
— Que bom que está bem — a mulher disse com um sotaque russo bem forte. — Fiquei tão preocupada.
Eles dois tinham quase a mesma altura e formavam um casal muito bonito, apesar de ela ser magra e esbelta e de ele ser grande e musculoso. Yeva notou que a mulher estava muito bem vestida, com um vestido esporte-fino e sandálias de salto. Provavelmente ela tinha vivido muito mais tempo dentro da cultura russa do que Yeva.
— Estela, meu amor, sabe que nada teria acontecido — respondeu Smith, afastando-a um pouco e olhando em seus olhos.
— Não sei de nada disso — ela respondeu, soltando-o e parecendo irritada, mas depois sorriu para ele. — Nunca sei quando você vai voltar são e salvo.
— Eu estava com os melhores da organização, Estela. Nenhum dos dois deixaria que algo acontecesse comigo.
— Só se você prometesse ficar comigo depois que esse feioso morrer — disse Ryan com um sorriso charmoso.
Estela olhou para ele com um pequeno sorriso nos lábios e disse:
— Sabe muito bem que eu não escolheria outro, Ryan.
— Nossa, você me mata com esse sotaque — dramaticamente, ele colocou uma mão sobre o coração e fez beicinho. — Continue se preocupando com seu marido, Estela, querida, porque um dia eu vou deixar ele morrer só pra ter você pra mim.
— Eu te mato antes que isso aconteça — respondeu Smith com raiva.
Aquela conversa fez com que Estela risse e ela só parou quando olhou para Yeva. Então, seu sorriso desapareceu e suas sobrancelhas se franziram. Ela parecia confusa. Olhou para o marido e perguntou:
— Quem você disse que buscariam?
— A escolhida — Smith respondeu lentamente, estranhando a confusão da esposa.
Estela voltou a olhar para Yeva e espremeu os olhos antes de dizer:
— Krovinova.
Yeva respirou fundo, arregalou os olhos e engoliu em seco. Nunca tinha dito seu sobrenome para ninguém, temendo justamente aquela reação. O sobrenome do "clã do sangue", o seu sobrenome, era um dos mais raros na Rússia e, mesmo assim, era um dos mais conhecidos... não pelos melhores motivos. Yeva nunca se apresentava com aquele nome, pois se recusava a ser ligada ao que aquele nome representava. Yeva sentiu suas mãos tremerem e as fechou em punhos para que parassem.
— Sangue? — perguntou Ryan, parecendo confuso. Ficou olhando de uma mulher para a outra, com a testa franzida, antes de continuar: — Seu nome é Yeva. Por mais que seu sangue seja importante, isso não tem nada a ver.
— Você fala demais, Ryan — Nolan finalmente abriu a boca, fazendo com que todos olhassem para ele. — Esqueça o assunto, Estela. Com todo o respeito, nada disso lhe diz respeito.
— O que quer dizer, Nolan? — Estela começou a falar com ele, sua voz se elevando junto com sua irritação. — Você traz essa mulher para minha casa e diz que isso não me diz respeito? Não a quero aqui, não importa quem ela seja.
— Amor...
— Não, Smith. Nenhum Krovinov entrará na minha casa. Não se eu puder evitar. — Virou-se para Yeva. — Você não é bem vinda aqui.
Yeva estava cada vez mais chocada com o que aquela mulher estava falando. Apesar de não confiar em nenhum daqueles homens, todos eles a tinham tratado com respeito, diferente de todas as palavras que saíam da boca de Estela.
— Você não tem escolha — disse Nolan, cortando todas as palavras da loira irritada, que olhou para ele com os dentes cerrados com força. — Não depende de você, Estela. Este lugar pertence à organização e, se quiser manter sua loja e sua casa, deve respeitar as decisões e imposições que os superiores de seu marido fazem. Além disso, seu pai foi um dos que nos mandaram trazê-la para cá.
— Tenho certeza de que meu pai mudaria de ideia se soubesse quem ela é — resmungou Estela, virando-se com raiva e retirando o braço de perto do toque de Smith, que tentou alcançá-la.
— Vamos subir — disse Nolan para Yeva com uma voz conciliatória.
— Não posso — respondeu Yeva, engolindo em seco e sentindo as lágrimas chegarem aos seus olhos. Respirou fundo para conter a tristeza que a invadia. Odiava chorar.
Cerrou os dentes enquanto pensava que aquela era uma das razões por se apresentar sempre como Yeva, apenas Yeva. Seus dois sobrenomes, tanto o patronímico quanto a família, representavam coisas na Rússia que ninguém poderia perdoar... nem ela mesma.
Tinha prometido a si mesma nunca mais seguir o cheiro que representava tragédia, mas aquela era uma promessa que ela estava quebrando quase de bom grado por um dos homens que salvaram sua vida. Contudo, a promessa de nunca mais dizer seus nomes, de nunca mais ter nada a ver com eles, essa promessa ela nunca quebraria.
Teria trocado de identidade se isso fosse permitido para os russos. Porém, uma vez que se pertence a uma família ou é filha de alguém, você não pode mudar isso. Sua origem será sempre sua origem, e esse fato a perseguiria por toda a eternidade.
— Não seja tola, Yeva — disse Nolan, fazendo com que ela olhasse para ele. — As palavras de Estela não significam nada. Essa casa não é dela, o que significa que você é muito bem vinda aqui.
— Além disso — completou Ryan, seguindo em passos lentos para a escada no fundo da loja, por onde Smith e Estela tinham subido logo após a discussão inicial —, você só terá respostas se vier conosco e eu estou morrendo de fome para ficar aqui embaixo.
— Não é que eu me importe com as palavras dela ou que isso me impeça de fazer o que eu quiser — Yeva respondeu, fazendo com que Ryan parasse com o pé direito sobre o primeiro degrau e olhasse para ela. — Simplesmente não posso ficar perto de alguém que irá me amaldiçoar por toda a noite, inclusive me apunhalar se tiver a oportunidade.
— Estela não lhe fará mal — disse Nolan, tentando apaziguá-la.
Yeva deu um risinho desdenhoso antes de responder:
— Realmente não fazem ideia do que significa aquele nome para ela.
— Significa sangue — respondeu Ryan, com um meio sorriso debochado. — A única coisa que caracteriza você. Qualquer outro significado não é importante aqui. Suba logo. Eu quero comer e dormir, então não vamos demorar para responder suas perguntas.
Ryan não esperou uma resposta e subiu os degraus de dois em dois. Nolan olhou para Yeva, levantou uma sobrancelha e perguntou:
— Vamos?
Yeva apertou os lábios em uma linha fina, respirou fundo de novo e concordou com a cabeça. Nolan se virou e foi para a escada, com ela logo atrás.
O andar de cima era uma casa completa. A sala de estar era bem equipada, com um sofá de três lugares e duas poltronas ao redor de uma mesinha de centro de vidro, junto com uma televisão de 52" pendurada na parede e um tapete de desenho indiano sobre o piso, completando a decoração. A cozinha não tinha uma divisão, apenas separada da sala pelos balcões de azevinho e mármore negro. Um pequeno corredor ligava os dois cômodos a outras três portas, provavelmente o quarto do casal, o quarto de hóspedes e o banheiro.
— Fique à vontade — disse Ryan, que estava sentado no sofá com um dos tornozelos sobre o joelho e os braços abertos sobre o encosto. — Pode sentar aqui do meu lado se quiser.
Yeva não achou graça e simplesmente levantou uma sobrancelha para ele, que suspirou e deu um sorriso triste fingido antes de falar:
— Acho que aquela conversa lá embaixo deixou todas as mulheres de mau humor. Que chato. Estela nem serviu o jantar.
— Parece que você vai ficar com fome — disse Nolan, passando na frente de Ryan e retirando sua perna do lugar antes de sentar na poltrona mais perto da janela. — Onde eles estão?
— No quarto — respondeu Ryan, sem olhar para o irmão. Ele olhava para Yeva e batia com uma das mãos no lugar ao seu lado.
Yeva fez questão de se sentar na outra poltrona, olhando nos olhos de Ryan e deixando claro que não queria nada com ele, porém ele não pareceu irritado, apenas sorriu e balançou as sobrancelhas para ela.
— Agora vão me dizer o que tem de tão importante no meu sangue? — Yeva perguntou, ignorando Ryan e olhando para Nolan. Também estava tentando ignorar o fato de ter alguém naquela casa que não suportava sua presença e provavelmente a atacaria no meio da noite. "Talvez", pensou com amargor, "fosse melhor ter deixado os vampiros do píer me matarem".
— Seu sangue é diferente do de todas as pessoas no mundo — respondeu Nolan, encarando-a sem pestanejar. Pelo menos eles não estavam mais tentando enrolá-la, possivelmente para tirar toda a atenção da discussão com Estela. — Para a minha "espécie", como você disse, tem um cheiro bom demais para resistir.
— Bom? — Yeva perguntou, percebendo que o cheiro dela para eles era exatamente o contrário do que ela sentia.
— Sim — continuou Nolan. — Seu cheiro é o que chamamos de essência perfeita. Um aroma que se modifica conforme a pessoa que o sente, para se tornar o melhor cheiro que a pessoa jamais sentirá em sua vida. É a fragrância mais irresistível que se pode encontrar. O seu sangue é, para nós, como um elixir da vida.
— Elixir da vida? — Ainda que estivesse entendendo a explicação, Yeva ficava ainda mais confusa, pois não entendia como ela poderia ter essa característica. Ao mesmo tempo, agora fazia sentido que estivesse sempre sendo perseguida pelo cheiro do sangue e suas consequências.
— Não é só o cheiro, gostosa — disse Ryan, com um sorriso convencido. — O gosto também é o melhor que existe e o que ele faz com os vampiros também é o melhor que qualquer coisa poderia fazer.
— Meu sangue? O que ele pode fazer com os vampiros?
— Seu sangue é a essência para nossa eternidade — respondeu Nolan. — Ao tomá-lo, nos tornamos verdadeiramente imortais.
Yeva deu uma risadinha, não querendo acreditar no que ele acabara de lhe dizer. Parecia que sua vida estava cercada por lendas.
Existia um nome para aquela lenda urbana específica da qual os irmãos falavam. O sangue raro é aquele que dá imortalidade. Esse era um ditado conhecido na pequena cidade da Rússia onde Yeva nasceu. A maior lenda urbana que conhecia e na qual tinha mais dificuldade de acreditar. Quando alguém dizia que viveria para sempre, ele era chamado sarcasticamente de "redko krov", o sangue raro que não existia e que não dava o que todos queriam. Esse era um dos piores apelidos que se poderia dar a alguém, pois fazia com que as pessoas olhassem com desdém para aqueles que acreditavam ter aquele tipo de poder. O desdém era tão ruim quanto o medo.
— Meu sobrenome ser Krovinova não era ruim o suficiente? Eu ainda sou... sangue raro?
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